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O Rico Insensato

No documento Parabolas de Jesus Completo Kistemaker (páginas 158-162)

Ez 23.41; Am 6.6 Daniel-Rops, Palestine, p 208.

27. O Rico Insensato

Lucas 12.13-21 “Nesse ponto, um homem que estava no meio da multidão lhe falou: Mestre, ordena a meu irmão que reparta comigo a herança. Mas Jesus lhe respondeu: Homem, quem me constituiu juiz ou partidor entre vós? Então, lhes recomendou: Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui. E lhes proferiu ainda uma parábola, dizendo: O campo de um homem rico produziu com abundância. E arrazoava consigo mesmo, dizendo: Que farei, pois não tenho onde recolher os meus frutos? E disse: Farei isto: destruirei os meus celeiros, reconstrui-los-ei maiores e aí recolherei todo o meu produto e todos os meus bens. Então, direi à minha alma: tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te. Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? Assim é o que entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus”.

“Não julgueis, para que não sejais julgados”, disse Jesus no Sermão da Montanha. Ele estava plenamente consciente do significado do que dizia, cercado por uma multidão. Alguém lhe pediu

que fosse juiz numa disputa de família. Dois irmãos vinham discutindo a respeito de uma herança. O pai tinha morrido, e o irmão mais velho, na opinião do mais novo, não tinha cumprido o que estava especificado no testamento. Talvez a herança não tivesse sido dividida por motivos religiosos341. Mas, o irmão mais novo fazia

objeção ao curso da ação e fez um apelo a Jesus. Dirigiu-se a ele como “mestre”, que quer dizer “rabino342”.

Jesus, no entanto, negou-se a se envolver na disputa e a servir de juiz e árbitro. Recusou-se a se tornar um outro Moisés, que tomou partido em uma contenda e, como resultado, teve que deixar o país343.Não se prestou a ser usado por alguém movido pelos próprios

interesses.

O irmão que pediu a Jesus para intervir parece ter ido, sozinho, até Jesus. Não temos indícios de que o irmão mais velho tenha concordado em ter uma terceira pessoa avaliando a situação. Nada é revelado, também, a respeito dos pormenores da reclamação. O que fica evidente é que a pessoa que se dirigiu a Jesus queria usá-lo como advogado, juiz e árbitro. Resumindo, queria empregá-lo como se emprega um servo. Deixou de ver Jesus como um mestre. Porque os rabinos conheciam a Lei, e serviam duplamente como mestres e advogados, o irmão, simplesmente, não conseguiu ver a diferença.

Por isso, depois de ter-se dirigido diretamente ao homem, Jesus passou a ensinar à multidão uma lição espiritual, fazendo-lhes uma recomendação geral, e contando-lhes uma parábola: “Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui”. Como mestre Jesus advertiu o povo contra o perigo espiritual da avareza. A avareza é idolatria344.É o culto à criatura em lugar do Criador. Jesus

foi direto à raiz do problema apresentado pelo homem. Descobriu a origem do erro que o levou a pedir a Jesus que fosse seu advogado. Pessoas avarentas não herdam o reino de Deus345.

As palavras de Jesus são elaboradas na primeira Epístola de Paulo a Timóteo: “Porque nada temos trazido para o mundo nem coisa alguma podemos levar dele; tendo sustento e com que nos

341 Sl 133.1. Josephus assinala que os essênios desistiam do direito à propriedade

privada morando juntos, como fazem os irmão de uma família. Wars 2:122.

342 Os judeus apelariam aos rabinos e fariam referência às Escrituras: Nm 27.1-7;

36.2-10; Dt 21.15-17.

343 Êx 2.14; At 7.27,35. O Evangelho de Tomé, Citação 72, apenas descreve Jesus

como um repartidor: “Um homem disse a ele: Fala com meus irmãos para que dividam comigo os bens de meu pai. Ele disse: Homem, quem me pôs como repartidor? Ele se voltou a seus discípulos e lhes disse: Não sou um repartidor, sou?”

344 Cl 3.5.

345 1 Co 6.9,10. J. D. M. Derrett, “The Rich Fool: A Parable of Jesus concerning

vestir, estejamos contentes” (1 Tm 6.7,8). Comida, roupa e um abrigo resumem as necessidades da vida. Qualquer coisa a mais é abundância e deve ser repartida com os pobres.

A Parábola

A parábola do rico insensato deixa evidente que a vida, no verdadeiro sentido da palavra, não depende de riquezas materiais. Há alguns anos atrás, estavam muito em moda definições de felicidade: “Ser feliz é...” Mas entre todas as definições, nenhuma mencionava riqueza. A riqueza não traz felicidade. Antes, é, muitas vezes, causa de ruína e destruição.

Na parábola de Jesus, um fazendeiro muito rico teve um verão excepcional, porque na ocasião da ceifa tivera uma colheita abundante. O fazendeiro arrazoava consigo mesmo o que fazer com a colheita e onde guardá-la. Ele resolveu: “Farei isto: Destruirei os meus celeiros, reconstrui-los-ei maiores e aí recolherei todo o meu produto e todos os meus bens.” Falando consigo mesmo e usando os pronomes eu e meu repetidamente, ele revela seu extremo egoísmo346. Deus tinha prometido encher plenamente os celeiros do

homem se este o honrasse com os primeiros frutos de tudo que produzisse347. Esse fazendeiro não levava em consideração a

promessa de Deus. De fato, mostrou seu desrespeito derrubando seus celeiros e construindo Outros maiores348. Queria ter o controle

completo da situação. Não se sentia seguro dependendo de Deus. Mais que isso, jamais passou pela sua cabeça a idéia de ajudar os pobres. Ao contrário, pensou em si mesmo, em seu próprio prazer e segurança. Manifestou extrema desconsideração para com o resumo básico da lei de Deus: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento; e amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Deus e o próximo não existiam para ele. Pensava apenas nele mesmo.

“Então direi à minha alma: Tens em depósito muitos bens para muitos anos: descansa, come e bebe, e regala-te”. O homem rico mostrava apenas auto-indulgência349, o enriquecimento de sua

própria vida não era ao menos considerado. A auto-indulgência é feita de egoísmo. O círculo de sua vida tinha se reduzido a um ponto. Ela não se caracterizava pelos pecados de comissão, mas, sim, pelos pecados de omissão. Deixou de agradecer a Deus as riquezas recebidas e foi negligente no cuidado ao próximo necessitado. Sem Deus e sem o próximo, sua existência estava centrado nele mesmo. Só, sem relação com Deus, queria garantir seu futuro. Tiago, em sua

346 Compare-se a parábola à história de Nabal que, com palavras e atos, mostrou-se

escravo de seus bens. 1 Sm 25.11.

347 Pv 3.10 e Dt 28.8.

348 Derrett, “The Rich Fool”, p. 112. 349 Compare-se com Ec 11.19.

Epístola, se dirige àquelas pessoas que dizem: “Hoje ou amanhã iremos para a cidade tal, e lá passaremos um ano e negociaremos e teremos lucros”. Replica Tiago: “Vós não sabeis o que sucederá amanhã. Que é a vossa vida? Sois apenas como neblina que aparece por instante e logo se dissipa” (Tg4.13,14).

Deus interveio chamando-o de louco350, e dizendo-lhe que

morreria naquela noite351. Perderia a vida e todas as suas riquezas.

Deus o chamou para prestar contas de seus bens. Queria fazer um balanço de suas posses terrenas e espirituais.

O fazendeiro rico tinha empilhado sua colheita em celeiros e acumulado riqueza suficiente para vários anos. Mas porque não repartira seus bens com o próximo, nem havia ajustado contas com Deus, seu saldo no banco espiritual estava a zero. Quando Deus chamou o homem, a conta estava encerrada e não podia ser alterada352.

“Esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?” A questão é retórica e implica que as riquezas do homem, na verdade, pertencem a Deus. Ele as dá e tira no tempo devido.

Conclusão

Jesus não disse que o homem devia se privar de riquezas terrenas, prazer e bem-estar. Nem tentou dizer ao irmão mais novo, que o procurou com uma queixa a respeito de sua parte da herança, para se desprender de bens materiais. O homem deve compreender que Deus é o dono de sua grande criação, e que colocou o homem como despenseiro do mundo que criou353. Como despenseiro, o

homem deve periodicamente prestar contas a Deus. Quando deixa de fazê-lo e age como se fosse proprietário de seus bens, transgride a lei de Deus e se condena como louco. Sempre que vive para si mesmo, ele está espiritualmente morto.

Na presença de Deus, nossas mãos estão vazias. “Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele” (1 Tm 6.7). Apenas o que temos oferecido a Deus e a nosso próximo permanecerá. A morte não pode tomar de nós nossas dádivas de amor e gratidão, porque têm valor espiritual.

350 SI 14.1; 53.1.

351 A parábola do rico insensato, no Evangelho de Tomé, Citação 63, difere, em

ênfase e propósito, do relato canônico: “Jesus disse: havia um homem rico que possuía muitos bens. Ele disse: usarei meus bens para semear e colher e plantar e encher meus celeiros com frutos, para que nada me falte. Assim pensava consigo. E, naquela noite, morreu. Quem tem ouvidos, ouça”.

352 Derrett, “The Rich Fool”, p. 114. 353 Sl 24.1.

Só uma vida, que breve passara; Só o que é feito para Cristo subsistirá.

Jesus termina sua parábola instando o homem a armazenar tesouro nos céus e a ser rico para com Deus. Assim Jesus ensinou no Sermão da Montanha: “Porque onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração” (Mt 6.21)354.

No documento Parabolas de Jesus Completo Kistemaker (páginas 158-162)