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O Servo Fiel e Prudente

No documento Parabolas de Jesus Completo Kistemaker (páginas 111-116)

Mateus 24.45-51 “Quem é, pois, o servo fiel e prudente, a quem o senhor confiou os seus conservos para dar-lhes o sustento a seu tempo? Bem-aventurado aquele servo a quem seu senhor, quando vier, achar fazendo assim. Em verdade vos digo que lhe confiará todos os seus bens. Mas, se aquele servo, sendo mau, disser consigo mesmo: Meu senhor demora-se, e passar a espancar os seus companheiros e a comer e beber com ébrios, virá o senhor daquele servo em dia em que não o espera e em hora que não sabe e castigá- lo-á, lançando-lhe a sorte com os hipócritas; ali haverá choro e ranger de dentes”.

Lucas 12.41-46 “Então, Pedro perguntou: Senhor, proferes esta parábola para nós ou também para todos? Disse o Senhor: Quem é, pois, o mordomo fiel e prudente, a quem o senhor confiará os seus conservos para dar-lhes o sustento a seu tempo? Bem-aventurado aquele servo a quem seu senhor, quando vier, achar fazendo assim. Verdadeiramente, vos digo que lhe confiará todos os seus bens. Mas, se aquele servo disser consigo mesmo: Meu senhor tarda em vir, e passar a espancar os criados e as criadas, a comer, a beber e a embriagar-se, virá o senhor daquele servo, em dia em que não o espera e em hora que não sabe, e castigá-lo-á, lançando-lhe a sorte com os infiéis”.

A parábola do servo fiel está entre aquelas nas quais Jesus

ensina a necessidade da vigilância. Além de enfatizar a vigilância, Jesus, também, reforça a característica da fidelidade. Em resumo, a parábola se refere a um servo que recebe a responsabilidade de administrar a casa, na ausência de seu senhor. Se ele provar ser fiel e prudente, o senhor o recompensará generosamente ao regressar. Mas, se for preguiçoso, indigno e descuidado, o senhor voltará quando não estiver sendo esperado e lhe infligirá severa punição.

O Servo Fiel

Mateus e Lucas, ambos, mostram que Jesus se dirigia a seus discípulos (Mt 24.1; Lc 12.22). Quando Jesus estava ensinando seus discípulos, foi interrompido por Pedro que perguntou se a parábola se referia a eles ou a todos217. Isto é, o ensino de Jesus se aplicava

especificamente a seus discípulos? Ou era para ser aplicado também aos outros? Foi Pedro, o porta-voz dos doze, quem fez a pergunta. Ele estava sempre pronto a indagar (Mt 15.15). Perguntou Pedro:

217 Jeremias, Parables, p. 99, considera Lc 12.41 como uma “situação criada”,

embora seu “uso lingüístico mostre que se achava na fonte de Locas”. No entanto, por causa da referência aos discípulos (Lc 12.22) como os que ouviam diretamente a Jesus, não é possível rejeitar o caráter histórico da pergunta de Pedro (Lc 12.41).

“Senhor, proferes esta parábola218 para nós ou também para todos?”

Jesus respondeu a Pedro contando uma outra parábola: a história a respeito de um servo fiel.

O senhor de um determinado número de servos tinha que deixar sua casa por algum tempo. Fez os planos necessários para sua viagem e chamou um dos servos que, na sua opinião, seria capaz de administrar o dia-a-dia da casa219. Confiou-lhe a responsabilidade de

cuidar dos outros conservos, de alimentá-los no devido tempo, e de provar sua fidelidade e prudência, durante a ausência de seu senhor. Se encontrar tudo em ordem quando voltar, o senhor tem a intenção de promover o servo passando-o a administrador de todos os seus bens.

O servo demonstra duas características indispensáveis: fidelidade e prudência. Ele é digno de confiança porque quando diz sim, é sim, e quando diz não, é não. Seus conservos sabem que ele não falta à sua palavra. Podem confiar nele. Ele, também, é perspicaz, pois sabe antecipar os problemas, e está sempre preparado para enfrentá-los e resolvê-los, efetivamente. Com aparente facilidade, tem sempre o controle da situação.

Quando o senhor volta de sua viagem, inspeciona tudo e encontra tudo em ordem. Fica contente com as referências elogiosas feitas a seu servo. Como recompensa à sua fidelidade, o senhor promove o servo à posição de administrador de todos os seus bens. Ele sabe, agora, que o servo passou no teste, administrando sua casa com eficiência. Como prêmio, coloca-o na segunda posição de comando.

O Servo Infiel

Quando um senhor coloca alguém como responsável por sua casa, ele escolhe um servo em quem confia e de quem espera boa conduta. Quer deixar sua casa em mãos seguras. Mas, nem sempre a natureza humana é confiável, e o senhor pode cometer um grande erro quando faz sua escolha por determinado servo, em quem pensa poder confiar. Em outras palavras, o senhor nunca pode ter a certeza absoluta de que o servo corresponderá às suas expectativas.

O servo pode aparentar confiabilidade, antes de ser escolhido, mas, quando seu mestre parte, ele revela seu verdadeiro caráter. É ardiloso, cruel e descontrolado. Com base em outras viagens feitas

218 A expressão “esta parábola” não deve ser tomada literalmente como se referindo

apenas parábola do ladrão. Tomada mais amplamente, ela inclui a parábola do porteiro. Esse uso abrangente da palavra parábola é encontrado também em Lc 15.3 que inclui as histórias da ovelha perdida, da moeda perdida e do filho pródigo.

219 O termo oikonomos pode significar: a) um escravo de confiança a quem se dá

autoridade na casa de seu senhor (Lc 12.42); b) um oficial público coletor de rendas (Rm 16.23); c) um administrador (Lc 16.1), SB, 11:219.

pelo seu senhor, o servo calcula que ele vai demorar bastante. Na ausência do dono, o servo maltrata os outros servos, seus companheiros. Ele se sente seguro ao fazê-lo, pensando que o dia da volta de seu senhor está distante. Passa o tempo na companhia de bêbados, com os quais se entrega a excessos de comida e bebida220.

Seu senhor se apressa a voltar para casa, e aparece súbita e inesperadamente. O que fará o senhor com o servo que foi irresponsável e infiel? Ouve as histórias sobre seu comportamento, suas farras e sua indolência. Nada lhe escapa. Ele toma conhecimento de tudo. O senhor agora é o juiz e o executor da lei. Ele deve pronunciar o veredicto e declarar culpado o ofensor. Então, administrará a punição apropriada.

Jesus disse: “E castigá-lo-á, lançando-lhe a sorte com os hipócritas; ali haverá choro e ranger de dentes” (Mt 24.51). Há uma versão em inglês que diz: “Cortá-lo-á em pedaços.” Este texto é de difícil interpretação, pois se a frase for tomada literalmente, como poderá ser lançado com os hipócritas? É possível que o texto apresente uma expressão idiomática, que deva ser entendida metaforicamente221, como, por exemplo, a expressão “esfolar vivo Os

escritos de Cunrã lançam nova luz sobre o texto222. A expressão

“cortá-lo-á em pedaços” é uma tradução mais literal de “cortá-lo fora”, tirá-lo do meio de seu povo. Desse modo, está em harmonia com o ensinamento do Salmo 37, que afirma que o justo herdará a terra, mas o ímpio será exterminado223. O servo que falhou diante de

seu senhor recebe o oposto da recompensa recebida pelo servo responsável e fiel. Ele é separado, lançado fora e extirpado de seu povo.

Interpretação

O relato da parábola é idêntico nos Evangelhos de Mateus e Lucas, exceto na escolha das palavras da narrativa. Por exemplo, o servo fiel e prudente no Evangelho de Mateus é um mordomo fiel e prudente no Evangelho de Lucas; embora Lucas se refira a ele como “servo” no restante da parábola. Mateus escreve que o servo mau passa a espancar os seus companheiros, mas Lucas diz que ele passa

220 Na parábola do servo fiel e do infiel ecoa a história de Aicão. Veja-se R. H.

Charles, Apocrypha and Pseudepigrapha (Oxford: Clarendon Press, 1977), 2: 715.

221 Bauer, et al, Lexicon, p. 200, admite o significado de “punir com a maior

severidade”.

222 O. Betz, em “The Dichotomized Servant and the End of Judas Iscariot”, RQ

5(1964): 46, se refere a 1QS2:16,17: “Deus ‘separará’ o hipócrita pela maldade, de modo que será extirpado do meio de todos os filhos da Luz; ... ele terá a parte que lhe cabe no meio daqueles excomungados para sempre.” O verbo dichotomein e a frase tithenai meros tinos são hapax legomena, no Novo Testamento, são, portanto, passíveis de várias interpretações. Consulte ieremias, Parables, p. 57 nº 30, 31.

a espancar os criados e as criadas. Este servo terá seu lugar com os hipócritas, de acordo com Mateus, e um lugar com os infiéis, segundo Lucas224.

Algumas outras pequenas diferenças podem, ainda, ser apontadas, mas que importância têm? Naturalmente, o apóstolo Mateus, guiado pelo Espírito Santo, se recordou de tudo que Jesus lhe havia dito (Jo 14.26). Lucas confiou nas informações que lhe foram dadas pelas testemunhas oculares e pelos ministros da Palavra (Lc 1.2)225. Os dois escritores foram inspirados pelo Espírito Santo,

quando escreveram seus Evangelhos, embora cada um reflita seu próprio estilo e propósito. Como judeu, Mateus procurou trazer o evangelho aos judeus seus contemporâneos. Lucas, helenista, escreveu seu Evangelho para aqueles que, naqueles dias, falavam grego.

Ao usar o termo mordomo, no começo de sua parábola, Lucas quer chamar a atenção para o chefe dos servos que é o responsável pela casa de seu senhor226, com seus criados e criadas. Ao usar a

palavra servo, em todo o restante da parábola, Lucas mostra, claramente, que vê os responsáveis pela administração de modo muito semelhante ao de Mateus. O uso de palavras diferentes, portanto, pode ser atribuído ao estilo característico de cada escritor. Isso é especialmente verdade com respeito ao uso da palavra hipócritas que ocorre mais freqüentemente no Evangelho de Mateus227. Lucas, por outro lado, usa o termo infiéis, que no contexto

não difere em sentido da palavra usada por Mateus, pois um hipócrita é, de fato, um infiel228.

A parábola pretende chamar a atenção para a responsabilidade que recebem os seguidores de Jesus. Alguns desses seguidores recebem privilégios maiores que outros, mas são investidos de responsabilidades, também maiores. Porque cada um tem o seu próprio dever no serviço do Senhor229; ninguém está excluído ou

isento. A parábola, na seqüência de Mateus, serve de introdução à parábola das dez virgens e à dos talentos. Para Jesus todos são

224 O uso de amem, característico de Jesus, em Mateus 24.47, é alethos, em Lc

12.44.

225 Os dois evangelistas podem ter tido acesso a uma fonte comum, quando

escreveram seus Evangelhos. É possível, também, que Locas tenha consultado o Evangelho de Mateus, quando escreveu o seu. W. C. Allen, The Gospel According to St. Matthew (ICC) (Edinburgh: T&T Clark, 1922), p. 262.

226 Michel, TDNT, V:150.

227 A palavra é usada treze vezes no Evangelho de Mateus (6:2,5,16; 7.5; 15.7;

22.18; 23.13,15,23,25,27,29; e 24.51), uma vez em Marcos (7.6), e três vezes no Evangelho de Lucas (6.42; 12.56; e 13.15).

228 Plummer, Luke, p. 333.

229 Michaelis, Gleichnisse, p. 74 e Jeremias, Parables, p. 56, por causa da pergunta

de Pedro (Lc 12.41), aplicam a parábola de Lucas aos apóstolos. Mas, esta interpretação significaria que a parábola tem pouco ou nenhum significado em relação aos cristãos.

responsáveis.

Jesus é representado pelo senhor da casa. Ele parte, com a promessa de seu retorno. Na ausência de Jesus, seus seguidores recebem privilégios e responsabilidades. Se o crente for fiel e prudente no desempenho de seus deveres, Jesus o recompensará abundantemente, em sua volta. Mas, se for infiel e agir irresponsavelmente, a volta de Jesus será para ele um acontecimento inesperado, do qual resultará sua completa separação do povo de Deus e conseqüente punição.

Enquanto Mateus conclui a parábola com a expressão conhecida: “ali haverá choro e ranger de dentes” (Mt 24.51)230, Lucas

termina a seqüência das três parábolas sobre a vigilância (o porteiro, o ladrão e o servo fiel e prudente) com palavras conclusivas de Jesus, registradas apenas por Lucas:

“Aquele servo, porém, que conheceu a vontade de seu senhor e não se aprontou, nem fez segundo a sua vontade, será punido com muitos açoites. Aquele, porém, que não soube a vontade do seu senhor e fez coisas dignas de reprovação, levará poucos açoites. Mas àquele a quem muito foi dado, muito será exigido; e àquele a quem muito se confia, muito mais lhe pedirão” (Lc 12.47, 48).

230 A expressão é registrada seis vezes por Mateus e uma vez por Lucas (Mt 8.12;

No documento Parabolas de Jesus Completo Kistemaker (páginas 111-116)