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2 DELINEANDO OS CONTEXTOS ESTRUTURAIS

2.6 OS SETORES ARTÍSTICOS E SUAS ESPECIFICIDADES

2.6.3 O setor do audiovisual

O setor do audiovisual inclui diversas formas de produção de bens e serviços que combinam som e imagem. O cinema em seus primórdios, no fim do século XIX, possuía características bastante artesanais nos processos de captação e exibição de imagens. Gradativamente, essa linguagem foi se complexificando, imprimindo processos de divisão do trabalho, das etapas de produção e uma dependência direta de tecnologias e de suas inovações, que a aproximaram, mais do que qualquer outro setor artístico, de um modelo industrial (MATTOS, 2006).

Hoje, o setor do audiovisual engloba, além do cinema e da TV (abertas e fechadas), a publicidade (comercial, política), o jornalismo, a videoarte e uma infinidade de possibilidades nascidas com a internet e as interfaces com outras linguagens artísticas e científicas.

Trata-se de um mercado bastante segmentado em termos de processos de trabalho e de públicos consumidores. Nas tarefas de geração de produtos audiovisuais, diferentes funções são mobilizadas nas etapas de criação de roteiro, desenvolvimento de projetos, captação de recursos, pré-produção, produção e montagem/finalização. Além dos postos de trabalho gerados por essas atividades, um grande número de funções são demandadas para promoção,

difusão, distribuição e reprodução em salas de cinema, festivais, canais televisivos, internet, mídias físicas, streaming (MATTOS, 2006).

Na Bahia, os primeiros documentários foram rodados na primeira metade do século XX, mas o estado só experimentou um importante ciclo de filmagem e lançamento de longas- metragens nos anos 1960 (SETARO, 2014). No cenário nacional, se nos anos 1970 a produção foi bastante profícua, com recordes de lançamentos e público nas salas de exibição, nas duas décadas seguintes a crise econômica e as ações públicas tiveram impacto direto no declínio do setor. Essa tendência só foi interrompida em meados da década de 1990, após a recriação do Minc e a promulgação da Lei Federal nº 8.685/93, conhecida como Lei do Audiovisual (BRASIL, 1993). Em 2003, foram produzidos apenas seis longas-metragens no Brasil, contra mais de 50, em 2014, além de mais de 1800 filmes de curta e média duração (IBGE, 2015b).

Excetuando o boom momentâneo dos anos 1960, a produção cinematográfica baiana sempre foi escassa na maior parte da sua história, sendo insignificante na década de 1990 e na anterior. Nos anos 2000, novos filmes foram produzidos no estado, começando com 3 Histórias da Bahia (2001), seguido de produções que alcançaram expressivo reconhecimento em festivais nacionais como Samba Riachão (2001), Eu me Lembro (2005), Cidade Baixa (2005) e Os Filhos de João – Admirável Mundo Novo Baiano (2009), além de outros títulos que tornaram o espaço de criação mais perene.54

O cinema baiano reproduziu de forma semelhante os ciclos nacionais de ascensão e declínio. Um estudo denominado Diagnóstico do Audiovisual Baiano (MIGUEZ et al, 2010)55 aponta que a proximidade com a Universidade e a estruturação mínima de políticas públicas para o audiovisual tem tido um impacto importante para o setor no estado. Por outro lado, as limitações na qualificação de profissionais para o desempenho de funções técnicas (operadores de câmera, iluminação maquinista, produtores executivos), nas ações de formação de plateia e, sobretudo, a frágil estruturação dos canais de distribuição e comercialização das produções locais seriam os grandes gargalos a serem enfrentados.

Os espaços para o consumo de cinema no país foram reduzidos significativamente nas décadas de 1980 e 1990, voltando a crescer em meados dos anos 2000, com a criação dos

54 Esses Moços (2004), A Cidade das Mulheres (2005), Cascalho (2004), Pau Brasil (2006), Jardim das Folhas

Sagradas (2006), Revoada (2008), Estranhos (2009), Cuíca de Santo Amaro – Ele, o Tal (2010), Trampolim do Forte (2010), Capitães de Areia (2011), Bahêa Minha Vida (2012), Depois da Chuva (2013), Travessia (2013), Tropykaos (2013) e A Noite Escura da Alma (2015) são alguns longas-metragens lançados nas décadas de 2000 e 2010.

55 A pesquisa foi desenvolvida com atores-chave do setor baiano: produtores de cinema, TV e publicidade e jogos eletrônicos, grupos de pesquisa, exibidores (cineclubes, festivais, emissoras) e profissionais da gestão pública.

conjuntos de salas “multiplex”. Salvador possui oito complexos desse tipo, com mais de 50 salas, além de outros seis cinemas que combinam a exibição de filmes de arte com outros de caráter mais comercial, o que significa uma relação de 2,2 recintos para cada grupo de 100 mil habitantes.56

O outro grande segmento do setor de audiovisual, a televisão, apesar de surgida nas décadas de 1920 e 1930, com as primeiras transmissões abertas, somente se constituiu como um suporte de comunicação e entretenimento mais popular com o início da produção de aparelhos em escala industrial. No Brasil, a TV Tupi foi a primeira emissora de televisão, surgida em 1950. As TVs públicas foram instituídas em níveis federal e estadual, mas sem conseguir atingir um público significativo até hoje. Na esfera nacional, o número de canais de TV abertos é restrito, com um grande domínio do mercado pelas cinco maiores empresas do setor (Globo, Record, SBT, Band e Rede TV).

Em Salvador, as retransmissoras das grandes empresas nacionais produzem apenas uma ínfima parcela da programação diária, restrita ao jornalismo, programas policiais, esportivos e de variedades, apontando para um cenário limitado em termos de mercado de trabalho e geração de conteúdos locais.

Já o segmento de TVs por assinatura cresceu de forma significativa entre 2004 e 2010, passando por uma redução no ritmo de expansão a partir de 2015.57 Mesmo com a ampliação da oferta, os canais pagos também são dominados por um número reduzido de grupos econômicos.58 Do ponto de vista dos conteúdos, o alargamento do setor tem sido alimentado, sobretudo, por produtos estrangeiros. Apenas em 2011 foi promulgada a Lei nº 12.485/11 (BRASIL, 2011), que buscou disciplinar os tempos e conteúdos exibidos nas TVs pagas, com destaque para a definição de cotas para produções nacionais, mas que produziu pouco impacto no cenário baiano.

A ascensão da TV também movimenta outra importante área que tem relações com o audiovisual e a publicidade, e que exige profissionais qualificados para a geração de

56 Em 2011, o Brasil tinha apenas 1,3 salas de cinema para cada 100 mil habitantes, enquanto os Estados Unidos tinham 14,0 e países com padrões de desenvolvimento semelhantes ao brasileiro, como o México e Argentina, tinham 4,9 e 2,2, respectivamente (UNESCO, 2016).

57 Em 2014, a Bahia tinha um índice de 13,91 contratos de TV paga para cada 100 domicílios, contra a média nacional de 29,84, e de 57,94 em São Paulo (ANATEL, 2015).

58 Segundo dados analisados pela Agência Nacional de Cinema (Ancine), em 2016: “[...] no mercado de programação brasileiro, observou-se a presença de 39 programadoras que compõem 22 grupos econômicos e oferecem um total de 199 canais em SD e HD. Há, no entanto, uma grande assimetria entre os agentes que atuam nesse elo da cadeia: cerca de 60% dos canais pertencem a dois grupos econômicos. O mesmo acontece na atividade de empacotamento, onde se observa a proeminência de dois grupos econômicos, que possuem uma participação conjunta em número de assinantes de 81% do mercado” (ANCINE, 2016).

conteúdo, comercialização, pesquisa etc. Em Salvador estão sediadas dezenas de agências de publicidade, algumas delas com contratos de alcance nacional e internacional (especialmente na África). Além disso, as agências desenvolveram um reconhecido know how na área de marketing político, construído por anos, devido a um histórico de valorização e desenvolvimento de publicidade governamental (SOARES, 2013).

Os canais baianos de televisão, à exceção da emissora pública, TV Educativa da Bahia (TVE), tendem a reproduzir os mesmos modelos das emissoras nacionais, absorvendo pouca mão de obra e produtos locais, mantendo padrões de programação que mudaram pouco com o passar dos anos.