• Nenhum resultado encontrado

2 DELINEANDO OS CONTEXTOS ESTRUTURAIS

2.6 OS SETORES ARTÍSTICOS E SUAS ESPECIFICIDADES

2.6.2 O setor da dança

A prática da dança é bastante presente em inúmeras situações lúdicas e espaços de sociabilidade, como bailes e festas, sendo aprendida e praticada quase sempre de modo

bastante informal. Por outro lado, poucas pessoas conseguem ver a dança como um evento artístico a ser contemplado e destacado do cotidiano. É grande o contraste entre o número de indivíduos que cultivam a experiência de dançar e aqueles que frequentam equipamentos culturais para assistir a uma apresentação, seja ela de modalidades clássicas, modernas ou contemporâneas. Esta linguagem artística, enquanto espetáculo, ainda é acessada por um restrito público de iniciados (BARBOSA; ARAÚJO, 2009; FLEURY, 2009).

O contraste entre a dança enquanto manifestação espontânea ou amadora e a profissionalização dessa linguagem é bem ilustrado por uma pesquisa (IBGE, 2015b) que mostra que os grupos de dança estavam presentes em 68,5% dos municípios brasileiros, atrás apenas de artesanato e de manifestações tradicionais populares.50

No mundo ocidental, desde o começo do século XX, o balé clássico, de forte influência russa, tornou-se modelo de formação para escolas e companhias, constituindo a técnica mais difundida em academias, cursos, grupos e espetáculos (ALMEIDA; FLORES- PEREIRA, 2013). Gradativamente, as chamadas danças cênicas passaram por processos de rupturas e transformações que retiram do gênero clássico a total hegemonia nos processos formativos e na constituição de audiências. As danças moderna e contemporânea tornaram o campo mais plural e aberto a novos perfis coreográficos e de dançarinos, bem como ao diálogo com as culturas populares e outras linguagens (audiovisual, artes plásticas, esporte, tecnologias).

No Brasil, as danças e expressões musicais de matriz indígena e africana (capoeira, maculelê, coco, congada, batuque, carimbó, samba etc.) – de modo independente ou misturadas com referências trazidas pelos colonizadores europeus – são parte fundamental da constituição das culturas nacionais e integram muitos dos festejos e manifestações culturais populares (BRASILEIRO, 2010). Mesmo com sua força e importância, essas formas de expressão mantiveram-se relativamente distantes das formas mais sistematizadas e estruturadas de exibição pública.51

50 A pesquisa Perfil dos estados e dos municípios brasileiros: cultura: 2014, mostra que dos “19 tipos de grupos artísticos pesquisados nos municípios brasileiros, os de artesanato estavam presentes em 78,6% das cidades, seguido pelas manifestações tradicionais populares (71,9%), de dança (68,5%), banda (68,4%), de capoeira (61,7%), grupos musicais (54,6%), corais (50,4%), blocos carnavalescos (46,9%) e os de teatro (43,4%). Não se pode deixar de notar que a música e a dança percorrem transversalmente o conteúdo das manifestações culturais nos municípios, exceção ao artesanato” (IBGE, 2015b, p. 18).

51 Os primeiros registros de dança como espetáculo, no Brasil, remetem ao período do Império, mas só a partir da década de 1930 que a migração de bailarinos e coreógrafos europeus veio contribuir para disseminação do balé no país. A expansão das escolas de balé e de alguns outros poucos gêneros como o jazz e o sapateado, no Brasil, atingiram sobretudo um público feminino e das camadas sociais médias e superiores, fazendo do aprendizado de tais estilos de dança uma atividade ritual e de socialização do corpo feminino, na infância e na adolescência.

O setor da dança também abarca estruturas de formação e trabalho bastante segmentadas, embora de forma menos visível do que as presentes na música. Na Bahia, além da forte presença espontânea da dança no cotidiano, seu ensino está presente em diferentes projetos socioculturais e blocos afros, como o Olodum, o Ilê Aiyê e o Muzenza, que além da formação musical possuem alas de dança e espaços de ensino e prática.

Do ponto de vista econômico, essa linguagem não possui um mercado consumidor tão amplo e diversificado como o da música e o do cinema. O público que acessa e consome espetáculos de dança quase sempre é composto por pessoas mais escolarizadas, quase sempre de nível universitário.

Nesse sentido, é um setor menos autônomo financeiramente, dependendo em grande medida de apoios públicos e privados para a manutenção dos grupos artísticos e a montagem e circulação dos espetáculos. Os editais públicos e os financiamentos por meio de leis de incentivo oferecem um significativo apoio para a manutenção de muitas companhias (CARVALHO, 2015; INSTITUTO FESTIVAL DE DANÇA DE JOINVILE; THEREZA ROCHA, 2016).

Em Salvador há

[...] uma presença significativa de companhias de balé, jazz, dança moderna e clássica, assim como grupos que se destacam com valsa, hip hop, danças de rua, dança árabe, sapateado, coletivos de intervenção urbana, grupos e duos de dança de salão, quadrilhas, dança contemporânea e experimental, funk entre outras. (NUSSBAUMER; MATOS, 2016, p. 1303).

No entanto, assim como ocorre no restante do país, poucos grupos conseguem manter- se sólidos por períodos mais longos.52 As maiores companhias encontram-se concentradas na região Sudeste e muitas delas baseiam suas produções em repertórios já consolidados no balé clássico ou em montagens de musicais nacionais ou de origem internacional (O Rei Leão, Mama Mia!, Cinderela). Nestes últimos grupos, Almeida e Flores-Pereira (2013) identificam modelos de gestão altamente hierarquizados e especializados, com rotinas intensas de trabalho, redução da liberdade criativa, pressão pela manutenção dos corpos atléticos e juvenis.

52 No balé clássico ou na dança contemporânea destacam-se algumas companhias ligadas diretamente às gestões estaduais e municipais, como o Balé do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, fundado em 1927; o paranaense Balé Teatro Guaíra, criado em 1969; a mineira Cia. de Dança Palácio das Artes, de 1971; as paulistas Cisne Negro Companhia de Dança, de 1977, e a São Paulo Companhia de Dança, de 2008; e o Balé do Teatro Castro Alves, criado em 1981, em Salvador. Outras companhias de dança contemporânea têm se destacado e se estabelecido, como o Grupo Corpo, fundado em 1975, em Belo Horizonte; a goiana Quasar Cia de Dança, de 1988; as cariocas Focus Cia. de Dança, de 2000, e Cia de Dança Deborah Colker, de 1994; e a Esther Weitzman Companhia de Dança, de 1999.

Em Salvador, a única companhia oficial de dança do Estado e primeira do Norte e Nordeste do país, é o Balé Teatro Castro Alves (BTCA). Mantido pelo governo estadual, foi criado em 1981 e mantém um corpo fixo de bailarino, além de contratar outros por meio de contratos temporários, contando com dezenas de espetáculos montados.

Fora do âmbito do estado, o Balé Folclórico da Bahia é uma exceção em termos de longevidade, atuando de forma contínua desde 1988, com apresentações regulares, sobretudo para públicos de turistas ou em turnês internacionais. A instituição recruta sobretudo jovens de origem popular ligados às dança populares e egressos da EDF. Na dança contemporânea, o Viladança nasceu no mesmo ano e hoje opera como espaço de formação, criação e residência artística. Dentre os grupos independentes que têm conseguido longevidade, destacam-se a Jorge Silva Cia. de Dança, a Áttomos e a ExperimentandoNus, que atuam há 30, 18 e 8 anos, respectivamente.

Enquanto campo de trabalho no Brasil, a dança envolve atividades profissionais variadas como as de coreógrafo, auxiliar de coreógrafo, bailarino, dançarino ou intérprete- criador, diretor de dança, de ensaio e de movimento, dramaturgo de dança, professor de diferentes modalidades, crítico de dança e curador, que estão em vias de regulamentação pelo Projeto de Lei Federal 644/2015 (BRASIL, 2015b).53

Na Bahia, o movimento de crescimento da indústria musical local criou também um mercado para dançarinos, já que muitos grupos e cantores de estilos locais como o axé, o arrocha, o pagode e o forró frequentemente demandam o trabalho de coreógrafos e bailarinos. Alguns artistas e grupos musicais mantêm corpos de baile, com os quais dançarinos podem atuar e excursionar de forma regular ou temporária. Nesses segmentos, os profissionais quase sempre precisam atender a biótipos específicos, marcados pela juvenilidade, o bom condicionamento físico e o porte atlético.

Além dos grupos musicais, hotéis, resorts, navios de cruzeiro e casas de show também recrutam dançarinos para atuarem em Salvador, nas zonas turísticas do estado e também no exterior.

53 O projeto prevê que os trabalhadores que já atuam na área poderão continuar atuando, mas os novos profissionais necessariamente terão que ter algum tipo de habilitação especifica, seja por meio de certificação por órgãos competentes ou por diplomas de nível técnico ou superior em dança. Caso a proposta vire lei, poderão continuar exercendo a profissão todos os trabalhadores que já exercem a atividade em qualquer de suas modalidades, mas novos profissionais só serão reconhecidos caso possuam diploma de curso superior ou certificado de curso técnico em dança, diploma estrangeiro na área ou atestado de capacitação profissional fornecido pelos órgãos competentes. O projeto prevê a definição da máxima jornada diária e semanal (6 horas diárias e 30 semanais), bem como a remuneração pelas horas que o profissional estiver à disposição do empregador e, também, detalhamento dos contratos de trabalho com dados sobre o espetáculo e os artistas, crédito das apresentações etc.

Já a atuação no campo da educação em dança quase sempre se dá fora dos espaços escolares. As academias de balé são um importante nicho de mercado que atende públicos em diferentes bairros da cidade. Além desse espaço, os profissionais da área também encontram trabalho para o ensino de outras modalidades de dança como as de salão, do ventre, zumba, flamenca, sapateado, jazz e ritmos nordestinos, que atendem públicos mais heterogêneos em termos de idade e formação.

O mercado de trabalho na educação formal tende a crescer nos próximos anos, já que um marco importante legal foi construído recentemente. Em maio de 2016, foi publicada a Lei federal n° 13.278/16 (BRASIL, 2016), que institui a dança, o teatro e as artes visuais nos currículos da educação básica e define um prazo de cinco anos para que esses componentes curriculares estejam presentes no ensino infantil, fundamental e médio, mediante ações de formação de professores e adequações pedagógicas. Tal marco aponta para a abertura de um significativo campo de atuação para os profissionais da dança, num movimento semelhante ao ocorrido com a música, anos atrás, com a promulgação da Lei n° 11.769/08 (BRASIL, 2008), que já garantia a inserção da música na educação básica.