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2 DELINEANDO OS CONTEXTOS ESTRUTURAIS

2.6 OS SETORES ARTÍSTICOS E SUAS ESPECIFICIDADES

2.6.1 O setor da música

mercados bastante diversos, investindo intensamente nas possibilidades de formação e experimentando transitar por áreas diversas.

Diante dessa diversidade, busca-se situar, não de forma exaustiva, algumas especificidades de cada uma das áreas, que aqui serão entendidas e nomeadas como setores artísticos, notadamente em Salvador e na Bahia.

2.6.1 O setor da música

O setor da música é um dos que tem maior visibilidade e movimentação de recursos financeiros, além de ser altamente segmentado em termos de gêneros e estilos, tradições e modelos de formação, públicos, formas de consumo e remuneração. Em Salvador, o pagode, estilo musical mais tocado na cidade, possui uma grande diversidade de bandas, espaços de shows, além de ter enorme presença em manifestações espontâneas e festas populares. Gêneros como a seresta e o arrocha, o rock, o reggae, a música eletrônica e a música gospel, constroem seus circuitos específicos em termos de públicos, estruturas de produção e consumo cultural.

Do ponto de vista profissional, tocar como músico freelancer com bandas de diferentes gêneros; tocar e cantar na noite, em bares e restaurantes; trabalhar com eventos como casamentos, formaturas, festas de empresas; desenvolver atividades no universo da música religiosa; produzir e gravar jingles políticos, comerciais, trilhas sonoras para espetáculos; ou, ainda, trabalhar como educador musical na educação formal, em projetos sociais, escolas privadas de música ou ministrando aulas individuais, são algumas das múltiplas e não tão novas formas de atuar na área da música.

Além das atividades ligadas à composição, execução, registro, produção ou docência, o campo da música também movimenta um grande número de atividades relacionadas à logística e ao comércio de equipamentos e espetáculos.49

49 Na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) é possível identificar 14 atividades econômicas ligadas ao setor da música, que vão desde o núcleo mais próximo das atividades de criação até a fabricação de instrumentos e a comercialização de produtos musicais: “a) Reprodução de som em qualquer suporte; b) Fabricação de instrumentos musicais, peças e acessórios; c) Comércio varejista especializado em instrumentos musicais e acessórios; d) Comércio varejista de discos, CDs, DVDs e fitas; e) Gravação de som e edição de música; f) Atividades de rádio; g) Portais e provedores de conteúdo na internet; h) Agenciamento e empresariamento artístico; i) Ensino de música; j) Produção musical; k) Atividades de sonorização e de iluminação; l) Espetáculos artísticos e eventos culturais; m) Gestão de espaços para artes cênicas, espetáculos e outras atividades artísticas; n) Discotecas, danceterias, salões de dança e similares” (SEBRAE, 2015, p. 11).

A Bahia possui ainda dois grandes programas ligados à musica orquestral de iniciativa do governo estadual, constituindo importantes espaços de formação e de construção de públicos. A Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA), nascida em 1982, mantém um corpo profissional fixo, além de recrutar músicos por meio de contratos temporários. Suas ações incluem a produção e a apresentação de projetos como séries temáticas, cameratas e outros como o Baile Concerto, Cine Concerto, dentre outros.

A outra iniciativa, os Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia (Neojibá), nasceu em 2007, sob inspiração do programa sociocultural venezuelano “El Sistema”. A Neojibá reúne, hoje, mais de 40 projetos em diversos bairros de Salvador e municípios baianos, que incluem, além da formação de músicos, luthiers, agentes orquestrais e corais locais, o estímulo à criação e a qualificação de orquestras, abarcando mais de 4500 crianças e adolescentes, atualmente.

No campo da música popular, no final da década de 1980, a Bahia começou a construir um mercado musical próprio, algo raro na maioria dos estados brasileiros. O carnaval baiano também se consolidou como acontecimento cultural maior em termos de visibilidade nacional e internacional, mobilizando um enorme contingente de profissionais que trabalha não apenas no período da festa, mas durante todo o ano, seja na própria capital, seja em outras cidades que têm importado e adaptado o modelo do evento para outros formatos e períodos do ano. Todavia, mesmo com o crescimento desse segmento, Wadson Pereira (2011), que realizou estudo sobre o trabalho de músicos do Carnaval, identificou que a profissionalização atingiu mais a organização da festa do que os trabalhadores da arte.

A imagem que muitas vezes circula no Brasil sobre a Bahia projeta uma ideia de que o campo da música e as oportunidades de trabalho sejam amplas, mas faltam dados empíricos oficiais e as escassas produções científicas sobre o mercado de trabalho da música em Salvador parecem não contemplar a dimensão desse universo. Segundo Souza Neto (2015), também “[...] faltavam articulações entre as pesquisas teóricas e as de base empírica para confrontar com as muitas opiniões e poucas explicações convincentes que circulavam na imprensa” sobre o campo da música.

Não apenas na Bahia, mas em outros estados do Nordeste brasileiro, os festejos de São João também se tornaram, desde a década de 1990, um evento “globalizado”, com circuito próprio de circulação de bandas e festas por dezenas de cidades que, durante os meses de junho e julho, mobilizam toda a cadeia produtiva da música e constituem um importante mercado de trabalho para os profissionais do setor.

Já no final dos anos 1990, o modelo de sucesso que havia sido construído pela indústria fonográfica nacional entrou em crise, com as mudanças produzidas pelas tecnologias digitais nas formas de gravação, difusão e consumo. Gradativamente, a possibilidade do download gratuito – de forma legalizada ou não –, assim como o comércio online e o aumento da audiência de conteúdos musicais articulados aos audiovisuais (videoclipes, registros de shows, de covers e versões produzidas livremente, vídeoaulas, tutoriais etc.), renovam as relações com a música.

Dentre os artistas que têm perseguido carreiras baseadas em trabalhos autorais, há um cenário que se convencionou denominar de música independente, frequentemente associado a elementos como a autonomia do músico em relação às majors e patrocinadores comerciais (grandes marcas e empresas) ou ao financiamento público nos processos de produção e difusão.

Matos (2016) entende que, hoje,

[...] criadores de todo o país encontram novas formas de se sustentarem artística e comercialmente. Que passam por financiamento de coletivo, editais públicos, patrocínios de empresas, plataformas on-line de auto divulgação e show ao vivo, merchandising de produtos, a velha venda de discos (devidamente adaptada à era digital).

Para o trabalhador da música, a necessidade de articular múltiplas estratégias e atividades profissionais com outras que se estendem para além das fronteiras do campo musical não é algo novo. O que tem se mostrado cada vez mais frequente, hoje, é o exercício concomitante das ações de gestão e promoção do próprio trabalho conjugadas com ações colaborativas das atividades entre os agentes do setor.

Existem também alguns segmentos, nos quais alguns dos jovens participantes da investigação estão inseridos, que são pouco estudados e conhecidos. A atuação como “músico da noite” é um deles, embora seja um importante espaço de atuação para artistas profissionais ou semiprofissionais. Monteiro e Rogério (2015, p. 168) destacam algumas características desses trabalhadores:

[...] cantam em bares, restaurantes, hotéis e eventos (no caso da pesquisa, o ambiente é formado apenas pelos bares), acompanhados de outros músicos ou apenas com violão. Seu trabalho se caracteriza por jornadas regulares de atividade vocal, ao longo da semana, de no mínimo duas horas de trabalho por dia, com ou sem intervalo, na maioria das vezes começando depois das 20 horas.

A informalidade nas relações entre artistas e empresários é outra marca desse tipo de trabalho, que nem sempre permite conciliação com outras ocupações, já que exige a presença

do profissional na noite e/ou na madrugada. Além disso, o músico precisar construir repertórios específicos (MPB, pop-rock, samba, músicas românticas) e a capacidade de interpretar e atender gostos de diferentes plateias.

Outros dois mercados são conhecidos insuficientemente: o de eventos (casamentos, formaturas) e o da música gospel. Os eventos são cada vez mais elaborados, com roteiros, cenografias e produção audiovisual e musical geridos por empresas especializadas (ABEOC, 2015). No caso da música, algumas vezes contam com mais de uma atração por celebração, como, por exemplo, um trio de música clássica e MPB, seguido de uma banda de baile, para as festas de matrimônio.

Já o cenário da música gospel tem crescido tanto no mercado fonográfico quanto no de shows e festivais, estando cada vez mais aberto a variados estilos musicais seculares, que têm alcançado novas audiências, especialmente de públicos jovens. Uma parcela significativa dos sujeitos envolvidos no processo de organização desse universo o faz por meio de ações voluntárias, nas quais o trabalho missionário se sobrepõe ao profissional. Assim como em outros segmentos musicais, alguns poucos artistas e grupos conseguem se consolidar no mainstream musical, como Aline Barros, Talles Roberto ou o grupo Diante do Trono (AMORIM, 2014).

Se do ponto de vista da absorção de mão de obra remunerada são poucos os músicos que vivem profissionalmente no campo do gospel, por outro lado há um significativo espaço de atuação em atividades educativas nas igrejas para a formação musical de crianças e jovens, que constituem os corais e bandas das instituições.

O campo da educação tem-se consolidado como um importante nicho de mercado. Além dos espaços religiosos e de projetos sociais e artísticos que investem na formação musical de crianças e adolescentes, mais recentemente tem crescido a oferta de programas públicos de educação em tempo integral nos contraturnos escolares, como o Mais Educação e o Mais Cultura. Além disso, a implementação da Lei Federal nº 11.769/08 (BRASIL, 2008), que tornou o ensino de música atividade obrigatória na educação básica, tem aproximado a educação musical da escola formal e ampliado significativamente as demandas por formação e as oportunidades de trabalho para os educadores da área.