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C OMENTÁRIOS FINAIS

No documento Um estudo sobre a guerra fiscal no Brasil (páginas 47-51)

SOBRE A GUERRA FISCAL NO B RASIL EM ANOS RECENTES

3. C OMENTÁRIOS FINAIS

Esta última seção tem o propósito de indicar quais questões anteriormente tratadas irão constituir a temática dos capítulos seguintes, servindo, assim, de fio condutor para uma reflexão mais acurada das matérias que estão no centro das preocupações da presente tese. Os pontos a serem

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A LRF pode ser considerada o ponto culminante de um processo de reforma fiscal iniciado nos anos imediatos à implementação do Plano Real, cujos parâmetros centrais foram delineados no bojo da reestruturação das finanças estaduais, a ser tratada mais detalhadamente em capítulo apropriado.

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destacados para posterior desenvolvimento teórico emergem quase que espontaneamente da forma distinta como os autores supracitados abordaram a guerra fiscal no Brasil. Como advertido outras vezes, parte majoritária dos estudos aqui examinados buscou analisar essa categoria de disputa subnacional pela ótica restrita do federalismo fiscal, dando maior entonação à análise do saldo líquido dos ganhos e das perdas (externalidades) resultante de padrões mais ou menos centralizados de formulação e execução de políticas de fomento. Tal abordagem, entretanto, tem se mostrado insatisfatória, porque não permite uma avaliação mais compreensiva da guerra fiscal no contexto da realidade brasileira, à medida que características cruciais ao seu melhor entendimento são negligenciadas ou simplesmente ignoradas – como a já mencionada tradição desenvolvimentista dos governos estaduais, que vem mantendo políticas industriais ativas de forma persistente ao longo da história e da industrialização do país. Sob esse invólucro teórico convencional, a própria definição de guerra fiscal perde consistência, assumindo uma caracterização um tanto vaga e simplória, conforme chamaram a atenção Prado & Cavalcanti (2000 p. 11):

Conceituar guerra fiscal a partir exclusivamente do comportamento dos governos subnacionais [...] pode restringir o conceito à visão até certo ponto ingênua de comportamento cooperativo versus não-cooperativo, normalmente veiculada pela mídia. No limite, leva a avaliações sobre quem é bem-intencionado e quem não é.

Algumas formulações permitem verificar certas implicações desse tratamento vulgar da guerra fiscal, cuja ênfase, como explicado, recaiu no debate em torno das possíveis vantagens e desvantagens decorrentes de padrões mais ou menos centralizados. O trabalho de Varsano (1997), por exemplo, partiu do entendimento prévio de que os regimes federativos são calcados em relações interjurisdicionais inerentemente cooperativas. Em verdade, ele considera o termo “federalismo” como equivalente a “cooperação entre unidades de governo” (Varsano, 1997, p. 6). Com base em tal pressuposto, a guerra fiscal seria a manifestação de um conflito derivado do comportamento hostil adotado de forma isolada por algum ou vários entes da federação. O equacionamento dessa situação de anomalia contenciosa seria até certo ponto singelo e passaria, de acordo com Varsano (1997), pelo cumprimento efetivo das normas legais vigentes no país coibindo a concessão de benefícios amparados no ICMS (Lei Complementar nº 24/1975), bem como por intermédio de uma reforma constitucional que estabelecesse o princípio “puro” de destino na sistemática de cobrança desse imposto nas operações interestaduais, inviabilizando a sua utilização como um instrumento de política de fomento. No mesmo diapasão, Pereira (2008) foi mais explícito ao defender a necessidade de cercear a capacidade impositiva dos entes subnacionais, e também seu poder de comandar gastos, para fazer face à guerra fiscal no Brasil, antevendo igualmente nessa alternativa o meio de promover a inescapável

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compatibilização do aparato estatal do país ao momento contemporâneo do capitalismo globalizado, o qual prescindiria de políticas públicas discriminatórias a favor do desenvolvimento econômico.

A limitação adicional de seu poder de tributar, que as unidades subnacionais de governo deverão sofrer futuramente, não significa redução de sua importância relativa na Federação. Ao contrário, ela aumentará à medida que o estado se afaste do papel que cumpriu – e não tem mais capacidade de desempenhar – de liderar e controlar o processo de crescimento do país, tornando-se apenas seu promotor e regulador, dedicando-se com mais intensidade a políticas sociais voltadas para a redução da pobreza e para a melhoria da qualidade de vida da população (Pereira, 2008, p. 395).

Em contraste, outros estudiosos desviaram o foco dessa dimensão restrita – centrada, de maneira geral, em questões meramente tributárias e concernentes às externalidades geradas – para privilegiarem elementos mais sistêmicos que permitissem circunstanciar a eclosão de confrontações ruinosas no âmbito da federação. O trabalho de Prado & Cavalcanti (2000) é uma referência original e obrigatória. Eles admitem, de início, que as relações interjurisdicionais são conflitantes e não- cooperativas em essência, uma vez que a defesa de interesses regionais e localizados por parte das subunidades governamentais seria o padrão regular e imanente de funcionamento dos regimes federativos. Em tal ótica interpretativa, a guerra fiscal passa a ser considerada um fenômeno complexamente determinado, emergindo em razão de um quadro específico de diversos distúrbios combinados, cujas causas remetem a inúmeros fatores de difícil solução, entre os quais pode ser citado o colapso fiscal e financeiro do Estado brasileiro, que provocou a rápida e irreversível erosão da capacidade da União de regular e coordenar as intrincadas relações federativas e, além do mais, condicionou a desarticulação dos instrumentos de planejamento e de indução do desenvolvimento econômico, deixando uma lacuna que foi sendo crescentemente preenchida, de forma desordenada, pelos governos estaduais.

Esse simples cotejo de duas abordagens distintas basta para colocar em evidência como o complexo problema da guerra fiscal é “trivializado” ao extremo sob o prisma restrito do federalismo fiscal e da análise centrada em externalidades. Do mesmo modo que é possível reconhecer no grau de autonomia desfrutado pelas subunidades de governo o esteio das disputas interjurisdicionais predatórias por investimentos, também não se deve perder de vista que essa condição não é suficiente para justificar a configuração de um ambiente propício à emergência e propagação de relações co mpetitivas desagregadoras entre os entes federativos. Outros componentes e processos estão no cerne da guerra fiscal e se somam para nutrir e tensionar a dinâmica concorrencial, conforme pode ser inferido a partir das proposições de Prado & Cavalcanti (2000) e de Dulci (2002) examinadas na seção anterior. É redundante voltar às razões que esses autores reuniram para explicar a intensificação dos conflitos

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federativos, sendo mais útil tentar apreender a visão básica compartilhada por eles. A ideia comum passível de ser extraída de suas formulações, e que servirá de balizamento às discussões dos próximos capítulos, é que a guerra fiscal denota uma situação peculiar na qual os mecanismos usuais de conciliação dos múltiplos interesses regionais presentes na federação se mostram incapazes de acomodar essas demandas particulares e localizadas, com o que as políticas estaduais de fomento – que são persistentes e rotineiras no Brasil – adquirem teor hostil e fragmentário, passando a expressar uma aguda rivalidade desestabilizadora. A guerra fiscal, nessa perspectiva, seria a consequência de um processo de desvirtuamento das estratégias subnacionais de modernização econômica, ocasionado por diferentes causas.

Por ora, basta reter esse enunciado de ordem mais genérica para avançar nas intenções específicas desta seção, que é o de assinalar aqueles pontos associados à guerra fiscal tangenciados ao longo do texto e que merecerão melhor tratamento posterior. O interesse está centrado em alguns aspectos julgados essenciais para a compreensão do referido processo de deturpação dos programas estaduais de fomento, cujo rescaldo, como visto, foi a moldagem de um panorama federativo permeado por embates subgovernamentais implosivos. Convém, inicialmente, reafirmar de maneira concisa a hipótese norteadora das discussões subsequentes: a de que o atual regime fiscal do país, ordenado pelos dispositivos da LRF, ao afunilar a possibilidade de atuação discricionária dos gestores das finanças públicas e fazê-los operar comprometidos com parâmetros inelutáveis de solvência financeira permanente, contribuiu para desvirtuar as políticas subnacionais de atração de investimentos, alimentando o teor competitivo e desagregador das mesmas. O desenvolvimento de tal argumento exige um percurso analítico que verifique, inicialmente, dois pontos cruciais para a exposição, quais sejam: i) os limites orçamentários da guerra fiscal e ii) os principais fatores determinantes do processo de degeneração das políticas estaduais de atração de investimentos.

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C

APÍTULO

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L

IMITES ORÇAMENTÁRIOS DA GUERRA FISCAL

:

UMA NOTA CRÍTICA

1.INTRODUÇÃO

Este capítulo tem como objetivo avaliar, numa perspectiva meramente teórico-analítica, em que medida as políticas de incentivo implementadas pelos estados com o intuito de atrair investimentos para seus respectivos territórios são afetadas por restrições orçamentárias, oriundas tanto de desequilíbrios pré-existentes ou reforçados pelas próprias iniciativas de favorecimento quanto de um contexto institucional de maior disciplinamento fiscal. Assim, o texto irá examinar mais detidamente a validade dos argumentos a respeito da dinâmica da guerra fiscal agrupados nas hipóteses do “autoextermínio” e da “autonomização”, mencionadas no capítulo anterior, dando maior atenção à última das proposições indicadas.

Tal discussão é de suma importância para o presente estudo, tendo em vista que, visando entender os desdobramentos do regime fiscal instituído no Brasil no pós-Real para as estratégias de fomento estaduais, uma questão que deve ser apreciada previamente diz respeito à interação entre essas ações de subsidiamento e as condições orçamentárias vivenciadas pelos entes governamentais envolvidos nas contendas federativas por investimentos. Ademais, o exame das duas hipóteses enunciadas pode contribuir para uma melhor compreensão da guerra fiscal no Brasil, uma vez que salienta a divergência entre pontos de vistas polares firmados em relação à dinâmica dessa categoria de conflito federativo/espacial que não têm sido devidamente reconhecida nas pesquisas realizadas sobre a referida temática.

A exposição a seguir é feita em mais três seções, incluindo os comentários finais. Inicialmente, as duas proposições do autoextermínio e da autonomização são retomadas e melhor especificadas. A seção subsequente analisa mais sistematicamente a segunda hipótese, que postula uma associação mais tênue entre as iniciativas de atração de investimentos aplicadas pelos governos estaduais no âmbito da guerra fiscal e as condições orçamentárias prevalecentes.

No documento Um estudo sobre a guerra fiscal no Brasil (páginas 47-51)

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