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Foto 21 – Moldes vazados de letras e números

2.3 O SISTEMA INSTITUCIONAL DE ENSINO DO CAMPO DE PESQUISA IN LOCUS

2.3.2 Os rumos históricos de uma educação excludente

Em 1807, com a chegada da Família Real e cerca de 12.000 pessoas de mudança ao Brasil, houve grandes investimentos em escolas técnicas para o Ensino Superior. Em contrapartida, os estudos primários e secundários ficaram esquecidos. Após quinze anos, em 1822, a independência brasileira foi conquistada com base em acordos políticos de interesse da classe dominante, composta pelos proprietários elitistas que habitavam as terras brasileiras, mas que ainda estavam atrelados ao Capitalismo europeu.

Com a independência e a formação do Império, apareceram os primeiros indícios da educação institucionalizada, ou seja, surgem os primeiros sinais de caráter organizado para o ensino brasileiro, sob a tutela do Estado42. Isto porque, no decorrer dos anos, a evolução pedagógica43 inseriu-se cada vez mais nas questões político-epistemológicas e político- ideológicas. Ou seja, o conhecimento e o aprendizado deveriam ser sistematizados e estar de acordo com a necessidade de mão de obra adequada, detenção do poder, competição política e como desenvolvimento nacional.

A Assembleia Constituinte e Legislativa instalada após a Proclamação da Independência, com a finalidade de discutir e legar a primeira Constituição do país, iniciou os seus trabalhos propondo uma legislação particular sobre a instrução. Dois anos depois, em 1824, a primeira Constituição brasileira dispõe no artigo 179, em apenas dois de seus parágrafos (32 e 33), a preocupação com a Educação, quando afirma que: “[...] a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros estabelece que a instrução primária seja gratuita a todos os cidadãos”. O segundo parágrafo refere-se aos colégios e universidades onde serão ensinados os elementos das Ciências, Letras e Belas Artes.

Após outorgada a Constituição, que durou todo o período imperial, em 1826, no intuito de elaborar uma lei específica que tratasse da educação popular, foram promovidos pela Assembleia Legislativa muitos debates de caráter urgente. Dessa forma, em 1827, a Legislatura aprovou a primeira lei sobre a instrução pública nacional do Império do Brasil. A lei determinava que em todas as cidades, vilas e lugares populosos haveria escolas de primeiras letras (CAMPBELL, 2009).

42 “[...] detentor do comando e do poder sob o povo e sob o território.” (SANTOS, 2008, p. 13)

43 A expressão pedagógica era entendida nos tempos anteriores ao século XVIII como ciência que diz como se deve conduzir a criança e outras pessoas que estudam. Nos dias atuais é concebida como ciência e filosofia da educação, ou mesmo, ciência cujo objeto de estudo é a educação. Conceito encontrado no livro O que é

No setor agrícola, as novas técnicas e o conhecimento científico aceleram os resultados esperados. As máquinas contribuíram com esse processo, pois elas ampliaram a produção em larga escala, com uma considerável rapidez. No âmbito cultural, “[...] a criação da Academia de Belas-Artes, a fundação da imprensa, o lançamento do primeiro jornal, a organização da primeira biblioteca nacional e dos dois primeiros cursos superiores romperam, em parte, com a cultura escolástica e literária anterior” (COSTA, 2005).

Embora a cultura da época tendesse à maior praticidade, a alienação dos mais desfavorecidos e das classes intermediárias ainda serviam de manipulação à corte portuguesa e às classes dominantes, regidas pelos europeus. O objetivo dessas classes dominantes era de organizar o saber descritivo, funcional e ostentatório, além de garantir o poder imperial. Neste século, o diploma concorria, em grau de importância, com a posse de terras e com o título de nobreza. Assim sendo, o letrado de classe culta e rica, o possuidor de terras e de diploma, manter-se-ia no poder e conservaria um distanciamento dos desfavorecidos: os sem terra, sem título, sem cultura e sem nobreza (ARANHA, 2001).

No quadro a seguir (Quadro 9) estão descritos algumas das rupturas e alguns dos contrastes presentes nas ações da elite rebelde e dos inconformados com a política social existente. Essas ações tinham no Liberalismo44 um aporte influente.

Quadro 9 – Rupturas e contrastes do século XIX que determinaram o contexto educacional brasileiro.

Período Rupturas e Contrastes

1817 em diante

A elite rebelde confronta-se com a classe dominante na Conjuração Mineira e na Revolução Pernambucana.

O distanciamento dos rebeldes do restante da população escrava explorada impedia a transformação efetiva do que era instituído pelo poder dominante. Temas nacionais eram objetos da produção intelectual e artística, mas estavam de acordo com os preceitos estrangeiros (a forma de linguagem era estrangeira). A dicotomia entre a experiência de vida, o conhecimento produzido e consumido pela elite era uma marca das produções. Esses contrastes determinavam um desenvolvimento tardio da ciência no Brasil.

O desenvolvimento da imprensa – fundação do Diário de Pernambuco, do Correio Paulistano e do Jornal do Comércio, no Rio de Janeiro – serve de disseminação da informação e das críticas à sociedade da época.

No Romantismo literário prevalece a ostentação da classe elitista.

44 O Liberalismo é a doutrina dos partidários, que se opõe ao socialismo e ao dirigismo. Mais particularmente, teoria segundo a qual o Estado não deve intervir nas relações econômicas que existem entre indivíduos, classes ou nações (COSTA, 2005).

Continuação Quadro 9.

1870 Mudanças ocorridas na Europa adentram a sociedade brasileira, determinando o aumento populacional e a expansão da produção cafeeira.

São implantadas as primeiras ferrovias.

Há maior participação política das classes intermediárias.

Ciclos econômicos decadentes influenciam o pensamento crítico; a criação literária, explicitando os conflitos de uma sociedade dividida entre o mundo das cidades litorâneas que recebiam influência externa e o mundo das cidades do interior tradicional agrário.

1874 Apesar do lento desenvolvimento científico: fundada a Escola Politécnica de Ouro Preto e dezenove anos depois, em 1893, fundação da Escola de Engenharia de São Paulo.

Neste século, estruturam-se o Instituto Manguinhos, de pesquisa Científica no RJ; o Instituto Biológico e o Instituto Butantã em São Paulo; o Instituto Agronômico, em Campinas, o de Patologia Experimental em Belém e o Instituto Borges de Medeiros, em Pelotas.

Fonte: Costa (2005, p. 301-303).

Nessas várias revoluções e movimentos, apresentados resumidamente no quadro anterior (Quadro 9), nos quais participaram os rebeldes (intelectuais das classes dominantes) e outros subjugados ao trabalho e à escravidão, fomentaram-se um sentimento de nacionalismo pelo Brasil e, por conseguinte, caracterizaram-se posturas individuais e grupais. Esses fatos não apenas expressaram as oposições à forma como a sociedade era organizada, mas também representaram o reconhecimento às diversas classes sociais existentes que, sobretudo, pleiteavam uma reorganização do país, a fim de construir uma identidade própria.

Esses movimentos fizeram com que, desde a metade do século XIX, a questão da educação fosse de interesse governamental. Assim sendo, o Estado deveria tutelar o ensino e definir sobre a administração didática e pedagógica, definir a finalidade da escola e conseguir meios para a sua universalização. Essas formas de perceber a educação implicaram, também, no dever do Estado de discutir sobre a democratização do ensino e, especialmente, investir na função política da escola para a sociedade.

No final do século XIX, embora persistissem as ideias liberais, já eram evidentes as discussões sobre a finalidade da educação e a necessidade de se preparar o indivíduo para conviver e manter o seu status em sociedade. Além disso, a educação se nacionaliza e surge o interesse pela escolarização elementar e pela alfabetização em massa, como instrumento de contingência eleitoral. De acordo com (GHIRALDELLI, 1994, p. 16):

A reorganização do Estado devido ao advento da República, assim como a urbanização do país, foram fatores decisivos para a criação de novas necessidades para a população, o que possibilitou que a escolarização aparecesse como meta almejada pelas famílias que viam nas carreiras burocráticas e intelectuais um caminho mais promissor para os seus filhos.

Embora o Estado brasileiro, ainda influenciado pelas ideias europeias, começasse a voltar seus interesses para a educação e tentasse discutir novos rumos para ela, a atuação sobre o tema continuou sendo dicotômica, fragmentada, elitista e com resultados contraditórios, especialmente ao que se propunha em relação à democratização do ensino. Sobre essa questão, Sérgio Buarque de Holanda, em seu livro Raízes do Brasil (1995, p. 160), argumenta que: “[...] a democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido”. Isto porque uma aristocracia rural e semifeudal foram importadas para o Brasil, que tratou de acomodá-las onde fosse possível manter os mesmos direitos e privilégios que tinham sido mantidos no Velho Mundo. A adesão do status quo era o alvo principal da luta da burguesia contra os aristocratas.

O que já era evidente no século XIX é que o progresso material, intelectual e moral deveriam ser medidos pelas diferenças sociais entre as pessoas: entre as que dominam e as que são dominadas. Afinal, o Sistema Capitalista desde sua origem “[...] promoveu a subordinação do campo à cidade e da produção agrária aos interesses do comércio e da indústria [...]” (ARANHA, 2001).

Dessa forma, pode-se afirmar que a discussão sobre como deveria ser o ensino nas escolas do Brasil foi impulsionada pelo contraste entre o mundo dos ricos e dos pobres. Pois o século XIX, além de consolidar o poder dos burgueses (opositores aos poderes aristocráticos e feudais), também em contraposição, fez surgir a classe proletária, antagônica ao capitalismo.

A sociedade brasileira, nesse tempo, já instaurava em sua ordem, sem questionar, as sociedades do ocidente, caracterizada pela relação dominação: de um lado inúmeros operários paupérrimos e de outro a elite industrial. Para exemplo dessa dicotomia social temos a exploração da jornada do trabalho infantil e feminina com a duração de 14 até 16 horas diárias.

Conforme afirma Costa (2005, p. 191):

[...] para que a produção capitalista pudesse se estabelecer foi necessário antes preencher uma condição básica: o estabelecimento, de um lado, dos proprietários de dinheiro e de meios de produção, dispostos a comprar a força de trabalho e, de outro, de trabalhadores livres, vendedores da própria força de trabalho.

No ínterim dos conflitos gerados nas tensões contextuais e pelas relações capitalistas e de classes, estudiosos procuraram desvendar a relação entre homem e meio social e sistematizar a Sociologia45 como disciplina científica. Nesse sentido, a Sociologia constitui um projeto intelectual, conflituoso e paradoxal. Isto porque, para alguns, ela representa uma poderosa arma a serviço dos interesses dominantes, para outros, ela é a expressão teórica dos movimentos sociais e das contradições humanas (MARTINS, 1993).

Essas contradições presentes na Sociologia indicam que, embora ela tenha sido gestada gradualmente desde o século XVI, como um projeto tendencioso de vários interesses, sua função na compreensão dos conflitos sociais deve partir ora da objetividade (no distanciamento da sociedade), ora da subjetividade (na compreensão do individual). Nesse sentido, os estudos sociológicos também influenciaram e ainda influenciam diretamente a educação, seja para explicar a sua função, seja para justificar os valores e os conhecimentos repassados por meio dela e/ou legitimar as ações do Estado na educação formal, ao tratar diferentemente as pessoas de acordo com suas classes, proporcionando-lhe exclusão ou inclusão.