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Foto 21 – Moldes vazados de letras e números

2.1 DA HISTORICIDADE DAS DEFICIÊNCIAS AO PARADIGMA DA INCLUSÃO

2.1.3 Perspectivas de uma educação inclusiva

No século XX havia um número considerável de estudiosos preocupados em pesquisas sobre as deficiências. Sobretudo, a preocupação estava direcionada para a aprendizagem das pessoas com deficiência. Nesse sentido, a medicina influenciou as propostas educacionais, especialmente no ensino superior e no ensino militar. Médicos atuaram como diretores de escola e como professores. Um exemplo dessa correlação entre saúde e educação é o Método Montessoriano, que se ocupa de criar estratégias primeiramente para os que necessitam de um tratamento especial para aprender. Se esse método fosse eficiente para os que tinham dificuldades em aprender, então seria eficaz para os que não apresentassem problema algum.

Quanto ao atendimento escolar de pessoas com deficiência, há indícios de que já em 1600 elas recebiam educação escolar. No entanto, conforme afirma Figueira (2008), a primeira iniciativa efetiva sobre essa questão ocorreu mais de dois séculos depois, por meio do projeto-Lei apresentado pelo Deputado Cornélio Ferreira França, em 29 de agosto de 1835.

O artigo 1º do documento determina que seria criada uma classe para os cegos e os surdos- mudos em cada capital do Império e nos principais lugares de cada província.

[...] o projeto que hoje se encontra nos Anais da Câmara dos Deputados e que propunha a criação do cargo de professor de primeiras letras para o ensino de surdos-mudos e cegos, por motivos políticos que a história não registrou, nem chegou a ser discutido em plenário, sendo logo arquivado. Mas, de forma indireta cumpriu o seu mérito.

O empenho, no entanto, para atender as pessoas com deficiência não se restringiu apenas à educação e à área de saúde. O poeta e escritor José Álvares de Azevedo, que também era um DSV, por ter cursado no Instituto de Jovens Cegos de Paris, na França, influenciou D. Pedro II a entender a vantagem de se criar uma instituição direcionada às pessoas com DSV. No dia 12 de setembro de 1854, foi criado, então, na cidade do Rio de Janeiro, o Imperial Instituto de Meninos Cegos. Em 1890, por meio de decreto-lei, mudou-se o nome para Instituto Nacional de Cegos e, em 24 de janeiro de 1891, passou a se chamar Instituto Benjamin Constant, como é chamado até os dias atuais (FIGUEIRA, 2008).

Por meio das articulações de José Álvares de Azevedo, trouxeram de Paris um material didático indispensável aos DSVs. O investimento em traduzir o livro de J. Donder, cujo título é A história dos meninos cegos de Paris, chamou a atenção do médico do Imperador, Dr. José Sigaud (que era pai de uma menina cega), que, junto ao Conselheiro Luiz Pedreira do Couto Ferraz, criou o Instituto dos Meninos Cegos da América Latina. Essa instituição é a primeira, nesse caso, a tratar do assunto DSV e a primeira também em educação especial.

Em 1861, foi criada uma tipografia para impressão em Braille, tendo como artesão e autor, Nicolas Henrique Soares. Em 1863, foi publicado em Braille, o livro ‘História Cronológica do Imperial Instituto dos meninos cegos’, escrito por Cláudio Luiz da Costa. Atualmente a biblioteca Louis Braille está equipada com variados títulos e finalidades impressos pelo Sistema Braille, à tinta e gravados em fita. Além desses recursos estão as fitas em áudio, um setor de livro falado, cabines com objetivo da audição, além do serviço voluntário de leitores. “Para atender às pessoas com visão subnormal, há um, aparelhagem de TV em circuito fechado, a CCTV22, que aumenta os tipos de impressos em até θ0 vezes” (FIGUEIRA, 2008, p. 90).

Com o propósito de unificar a simbologia do Sistema Braille, para as outras ciências, e fazer, em face de adoção de novas técnicas científicas, que colaborassem com a especialização nessa área, hoje a chamada União Mundial de Cegos e a Organização Nacional de Cegos da Espanha (ONCE), com apoio da UNESCO, desenvolveram estudos e análises de diferentes códigos usados no mundo, para enfim proporem um código unificado, que foi intitulado de ‘Notacion Universa’.

Em consequência dessa determinação para a unificação do Sistema Braille, em 1973 em Buenos Aires, tentou-se um código único entre as Línguas. Várias outras iniciativas ocorreram também para definir um código único nas áreas de ciências e de matemática. A Conferência Ibero-Americana, em Buenos Aires, em 1973; o Comitê Executivo na Arábia Saudita em 1977, o encontro em 1987, na cidade de Montevidéu, foram exemplos dessas iniciativas. A partir da década de 1970, especialistas do Sistema Braille, no Brasil, começaram a se preocupar com as vantagens adquiridas de apenas um código para o ensino das ciências e da matemática, pois a tabela Taylor, adotada desde a década de 1940, já se tornara insuficiente.

Dessa forma, o Brasil em unidade com o comitê de especialistas da Organização Nacional dos Cegos (ONCE), junto à Comissão criada para o Estudo e Atualização do Sistema Braille, com a participação de representantes da Fundação Dorina Nowill para cegos; do Conselho Brasileiro para o Bem-estar dos Cegos; da Associação Brasileira de Educadores Visuais e da Federação Brasileira de Entidades de Cegos; com o apoio da União Brasileira de Cegos e o financiamento do Fundo de Cooperação Econômica para Ibero América ONCE/ ULAC23, o código matemático unificado, até então para a Língua castelhana, sofreu necessárias adaptações à realidade do Brasil.

O Sistema Braille no Brasil teve plena aceitação, respaldado pela Portaria nº 552, de 13 de dezembro de 1945, da Lei nº 4.169, de 4 de dezembro de 1962, e por um convênio Luso-brasileiro assinado pelas mais importantes entidades. Em relação à Matemática e às Ciências, foram complementadas a tabela Taylor, com acréscimo de símbolos Braille aplicáveis à teoria dos conjuntos. O Sistema Braille também colaborou com diferentes formas de representação para a Musicografia Braille24 e para o campo de Informática.

23 União Latino Americana de Cegos.

24

Musicografia Braille é uma área do estudo da música que está focada em prover o acesso de deficientes visuais e pessoas de visão reduzida ao material musical escrito em tinta por meio do Sistema de Grafia Braile. Toda partitura pode ser escrita com os 63 símbolos Braille, indicando todos os detalhes possíveis em partituras escritas à tinta.

Outras instituições foram evoluindo no que diz respeito ao tratamento da pessoa com necessidades de tratamentos especiais. O Imperial Instituto dos Surdos criado pelo Decreto- Lei nº 839, de 26 de setembro de 1857, no Rio de Janeiro, é um exemplo dessa evolução. Na época de sua criação, o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) servia como asilo, em que só eram recebidos os surdos de sexo masculino, abandonados pela família. Contudo, em 1931, criou-se um externato para o ensino feminino, de caráter profissionalizante, e foram qualificados os atendimentos nessa instituição.

No decorrer dos anos, mais precisamente na década de 1950, ocorreram ações importantes para Deficientes Sensoriais Auditivos (DSA), tal como o primeiro curso normal para professores nessa área. Hellen Keller, cidadã americana surda e cega, cuja trajetória de vida é um exemplo, visitou o Brasil nesse período e também motivou o mundo inteiro com as superações realizadas em sua vida. A partir do século XX, vários foram os exemplos de medidas e de construções de instituições que visavam os atendimentos especializados para as pessoas com deficiência. No quadro a seguir estão as listas de instituições e as tipologias das deficiências tratadas por meio delas. As nomenclaturas estão descritas segundo o autor.

Quadro 2 – Instituições para o tratamento de deficiências no Brasil.

NOME FUNDAÇÃO CIDADE

Deficiência Visual

Instituto Benjamin Constante 12 de setembro de 1854 Rio de Janeiro

Instituto de Cegos Padre Chico 27 de maio de 1928 São Paulo

Fundação para o Livro do Cego no Brasil

11 de março de 1944 São Paulo

Deficiência Auditiva

Instituto Santa Terezinha 15 de abril de 1929 Campinas

Escola Municipal de Educação Infantil e de 1.º Grau para Deficientes Auditivos Helen Keller.

13 de outubro de 1952 São Paulo

Instituto Educacional São Paulo 18 de outubro de 1954 São Paulo

Deficiência Física

Santa Casa de Misericórdia de São Paulo

1º de agosto de 1931 São Paulo

Lar-Escola São Francisco 1º de fevereiro de 1943 São Paulo

Associação de Assistência à

Criança Defeituosa 14 de setembro de 1950 São Paulo

Deficiência Mental

Instituto Pestalozzi de Canoas Ano de 1926 Canoas

Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais

5 de abril de 1935 Belo Horizonte

Sociedade Pestalozzi do Estado

Continuação Quadro 2.

Sociedade Pestalozzi de São Paulo

15 de novembro de 1952 São Paulo

Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE do Rio de Janeiro

11 de dezembro de 1954 Rio de Janeiro

Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE de São Paulo

4 de abril de 1961 São Paulo

Na década de 1990, por meio da Resolução 45/91, com base em discussões semelhantes a da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 1985, várias mudanças sociais e políticas ocorreram também no Brasil. Nessa resolução havia regras definidas em favor de uma sociedade para todos. Neste contexto, surge a referência do conceito de Inclusão, cujo propósito era dar a jovens, crianças e adultos com deficiência e demais marginalizados um tratamento igualitário na perspectiva do bem comum. Essa tendência refletiu na educação, que até então lhe bastava a noção de Educação Especial, amparada pela ideia assistencialista e médica. O surgimento do conceito de Educação Inclusiva tem influenciado departamentos de escolas, outras instituições e outros segmentos sociais para a inclusão dessas pessoas em espaços comuns a todos.

A imagem 1 (ver em Anexo A) resume o trajeto histórico da Educação Especial para o conceito e o paradigma da Inclusão, na atualidade.

O conceito e a prática da Inclusão, na atualidade, tem sido uma discussão presente em vários setores e segmentos sociais, políticos e econômicos. No entanto, é um consenso que a instituição que pode torná-la prática, iniciá-la e motivar outros segmentos e setores contextuais é a escola. De acordo com Figueiras (2008), por meio da educação, a inclusão pode-se tornar mais efetiva. Ou seja:

Educação Inclusiva significa provisão de oportunidades equitativas a todos os estudantes, incluindo aqueles com deficiências severas, para que recebam serviços educacionais eficazes, com os necessários serviços suplementares de auxílios e apoios, em classes adequadas à idade, em escolas da vizinhança, a fim de prepará- los para uma vida produtiva como membros plenos da sociedade. (p. 106)

A Idade Contemporânea, até aqui, foi marcada por muitas leis, regulamentos e movimentos em prol da inclusão. No entanto, sabe-se que a evolução e as práticas de apoio dos setores políticos, sociais e econômicos sobre a questão depende do investimento humano e técnico para minimizar os problemas causados pela discriminação, preconceito e intolerância às pessoas com deficiência no decorrer de todos esses séculos. Para Gugel (2007),

o problema da contemporaneidade não está locado nos métodos, no modo de pensar dedutivo, na dissociação entre fé e razão, nem no trabalho e na técnica, mas sim no próprio homem. Isto porque as oportunidades de equidade estão nas inter-relações humanas e no tratamento dado ao assunto com fins na equidade.

No percurso das pessoas com deficiência, nos vários períodos históricos, é importante observar que as dificuldades sofridas por esses indivíduos estão relacionadas às questões de adaptação ambiental, à falta de qualidade no tratamento da deficiência, à desinformação, à desumanidade e, especialmente, à disputa pelo poder. Sendo assim, os grupos sociais que detêm o poder criam padrões e definem quem está apto para se inter-relacionar e conviver. Sendo assim, pode-se afirmar que não basta o acesso a recursos sem criar a condição para que esses recursos sejam utilizados. “A acessibilidade, a qualidade de vida e a funcionalidade são os paradigmas norteadores da atualidade, no que concerne a questão das pessoas com deficiências e necessidades especiais” (FERNANDES; ORRICO, 2012, p. 12ι).

Ao acrescentar a acessibilidade como direito à pessoa com deficiência, os autores baseiam-se no Decreto-Lei de acessibilidade nº 5296, de 2 de dezembro de 2004, onde é possível encontrar, como concepção essencial, que não basta o acesso aos recursos técnicos, é importante aplicar a acessibilidade, a fim de criar condições para que esses indivíduos desenvolvam habilidades que os tornem cada vez mais autônomos, adaptativos no contexto e ambientes. Para Fernandes e Orrico (2012, p. 33), algumas das competências vinculadas à acessibilidade e, por conseguinte, às dez áreas de desenvolvimento de capacidades são:

1. Comunicação – onde se desenvolvem as habilidades de compreender e expressar informações, por meio de recursos simbólicos e não simbólicos; aceitar cumprimentos e emoções e informar, por escrito ou por outras expressões, sentimentos, emoções e conhecimento.

2. Cuidados pessoais – onde se desenvolvem habilidades para manter cuidados pessoais, tais como vestir-se, pentear-se, cuidar da higiene pessoal e do ambiente. 3. Atividades de vida doméstica – onde se desenvolvem as habilidades referentes aos

cuidados com o lar, com os materiais da casa, o orçamento, comportamento de inter-relação no interior do lar e com a vizinhança.

4. Habilidades sociais: habilidades desenvolvidas para o comportamento apropriado com outras pessoas do ambiente, bem como o desenvolvimento de simpatia e empatia para com outras pessoas da sociedade.

5. Uso comunitário – refere-se às habilidades de conseguir deslocar-se na comunidade, fazer compras, participar de eventos, utilizar os recursos públicos e interagir socialmente.

6. Independência – refere-se ao desenvolvimento de habilidades que lhes permitam fazer escolhas, realizar atividades de escolhas pessoais, procurar assistência, resolver problemas, demonstrar positividade nas ações e autodefesa.

7. Saúde e segurança – referem-se às habilidades da manutenção do bem-estar pessoal, prevenção, cuidados com a saúde; usar recursos para segurança pessoal em ambientes públicos e aplicar as funcionalidades apreendidas em favor da autoproteção.

8. Lazer – refere-se às habilidades desenvolvidas para os interesses pessoais que lhes deem prazer, recreação e proveito, além de lhes propiciar interação, mobilidade e convívio social.

9. Funcionalidades acadêmicas – referem-se ao desenvolvimento de habilidades cognitivas, relacionadas à educação formal das escolas. As apreensões, nesse caso, devem ser funcionais em relação a criar uma vida independente. A leitura, a escrita e os conhecimentos geográficos e das ciências devem ser úteis para o cotidiano e não apenas para o nível acadêmico alcançado.

10. Trabalho – refere-se às habilidades desenvolvidas a fim de criar competências apropriadas para a função, o convívio no ambiente de trabalho, o lidar com o dinheiro e com o compromisso de horários, programas e tarefas.

Os dez itens citados anteriormente esclarecem quais as ações respaldadas devem estar inseridas no significado de acessibilidade para a efetiva inclusão na contemporaneidade. Ou seja, a inacessibilidade não se justifica, a não ser que deseje explicar o desinteresse pela busca de soluções técnicas e humanas, desde os tempos pré-históricos até os dias atuais. Pois, conforme afirma Fernandes e Orrico (2012, p. 12ι), “[...] esse paradigma esteve disperso ao longo da história, por meio de iniciativas esparsas que foram se organizando. No sentido de dar conta de um desejo de humanização social”.

Considerando que, a condição humana em que se encontram as pessoas com deficiência no século atual aponta em todos os campos e segmentos da sociedade, que é preciso que se dê ressignificação e novos sentidos à inclusão e à acessibilidade. A aplicabilidade dos discursos precisa ser rapidamente remodelada por meio dos modos de agir, de pensar, de organizar o tempo, de produzir e de conhecer. A velha regra de fazer uma coisa

de cada vez, ou seja, primeiro o acesso e depois a acessibilidade, para fazer a coisa certa, não se aplica a essa geração.

Instituições, sistemas e estruturas sociais precisam dar conta dessas mudanças para responderem com precisão às perguntas decorrentes dos problemas que se instauram nas sociedades antigas e na de hoje. Além disso, cabe a cada um dos segmentos político, social e econômico dar conta da função de desmistificar a utilidade de tantas tecnologias e pesquisas científicas.

Para Lévy (2010), um dos principais agentes de transformação da sociedade são as técnicas e com elas os meios de comunicação. No entanto, esses recursos precisam de agentes que queiram transformar os ambientes estruturais e naturais num local de convívio entre as diferenças humanas. Pois, conforme afirma Fernandes e Orrico (2012, p. 128):

Se a psicologia social há algum tempo nos mostrou que o estereótipo e o preconceito são criados socialmente e que o estigma de uma determinada condição como a deficiência varia ao longo dos tempos e das culturas, na atualidade temos a possibilidade de avaliar, manipular e controlar essas atitudes de discriminação, promovendo assim um ambiente mais propício para oferta de suportes e aumento da funcionalidade e da qualidade de vida da pessoa com deficiência.

Afinal, conforme discorre Morin (2005), para que haja a inclusão é de fundamental importância que haja a intercomunicação entre os sujeitos. Pois o indivíduo vive num contexto onde existe a dúvida, o perigo e a morte. E o que deve diferenciá-lo dos seres das outras espécies é a sua capacidade de cultivar a afetividade, as emoções e os sentimentos de solidariedade. Portanto, o chamado de pertencimento ao grupo não deve ser definido senão pela sua capacidade de partilhar valores e de construir sua subjetividade, a partir da aprendizagem de lidar positivamente com a intersubjetividade.