• Nenhum resultado encontrado

1.4. Organização da Tese

2.1.2. Competências para a ALV: Linhas Orientadoras

2.1.2.2. Pensamento Crítico

O Pensamento Crítico (PC) é uma das competências a desenvolver no quadro da ALV, de acordo com as referências iniciais desta subsecção. As referências ao PC remontam à escola Socrática (cf. Vieira et al., 2011), contudo foi na década de 80 que o interesse pelo PC se fez notar entre investigadores e educadores, pelo assinalável número de publicações, Workshops, livros e a criação do “Center and Foundation for Critical Thinking” que organiza a “Annual International

Conference on Critical Thinking at Sonoma State University” e dinamiza a comunidade online

“The Critical Thinking Community” (http://www.criticalthinking.org//). Esta tendência, também, é acompanhada em Portugal, a observar pelos sucessivos trabalhos de Oliveira (1992), Tenreiro- Vieira (1994, 1999, 2000), Vieira (2003), Alves (2005), Fartura (2007), Costa (2007) e Moreira (2008), entre outros.

Hoje, com o rápido desenvolvimento das TIC, o volume de informação disponível na Internet cresceu exponencialmente e as interações que se fazem na rede são de tal ordem que a cada instante, a informação frui entre a rapidez e a incerteza, entre a desatualização e a credibilidade, e gera-se um complexo e multidimensional sistema de redes de informação e comunicação, compulsivamente mais entrosado na vida de cada cidadão. Atendendo a que nem toda a informação é credível, impõe-se a necessidade de capacidades de Pensamento Crítico no acesso, na análise e no reconhecimento dessa informação (cf. Wang & Woo, 2010). Esta complexidade, própria das sociedades do conhecimento, coloca grande ênfase na racionalidade humana e no PC,

18

nomeadamente no que respeita a questões que geram discordância (Kurfiss, 1988; Barak et al., 2007 apud Vieira et al., 2011).

Afirma-se mesmo, que em democracia, qualquer cidadão para viver, trabalhar e agir de forma eficaz na complexidade da vida moderna precisa de utilizar as capacidades de PC para avaliar, tomar decisões e fazer juízos face à informação a obter, em que acreditar e a usar (Ennis, 1996; Paul, 1993), e como tal, o poder de um país revê-se cada vez mais nas capacidades de PC dos seus cidadãos e nem tanto na sua economia (Siegel, 1989). “As capacidades de pensamento crítico, poderão ser especialmente úteis aos cidadãos na formação do seu comportamento de voto e decisões como consumidores, bem como na melhoria da autoconfiança, pelo incremento do seu bom senso e da sua independência intelectual” (Browne & Keeley,2000 apud Vieira, 2003, p. 7). Sublinhamos as palavras de Vieira (2003) ao referir que “o interesse pelo pensamento crítico residir grandemente na necessidade premente da escola ajudar a preparar os indivíduos para lidarem e enfrentarem a alteração contínua dos cada vez mais complexos sistemas que predominam na vida atual” (p. 5).

Pelo exposto, a cidadania é uma das razões para considerar o Pensamento Crítico importante na vida das pessoas e da sociedade em geral, uma vez que nas sociedades modernas o cidadão é chamado a manifestar-se e/ou participar de decisões político sociais e económicas. Igualmente, os cidadãos precisam de usar as suas capacidades de PC para assegurar o desenvolvimento socioeconómico global, tendo em conta o fracasso humano na gestão dos ecossistemas e equilíbrio da biodiversidade, dos quais depende a sua sobrevivência (Boisvert, 1999). Naturalmente vemos na discussão da sustentabilidade do planeta e das boas práticas daí procedentes, a razão mais atual e forte para considerar que o PC ajuda a quebrar a tendência para o egocentrismo do ser humano, sustentado por Wright (1992).

Espera-se ainda que os adultos no quadro da empregabilidade, sejam capazes de pensar por si próprios, de transferir e aplicar um conjunto de conhecimentos, de realizar um conjunto diverso de tarefas, de identificar e resolver problemas e de trabalhar em colaboração com os colegas na procura de soluções (Gunn et al., 2007). Nesta linha, ao nível profissional e tendo em atenção os desenvolvimentos tecnológicos, a produção de qualquer produto exige cada vez mais por parte dos colaboradores e operários a aplicação de conhecimentos que devem ser integrados nos processos de qualidade, controlo e produção de forma cuidada e sustentados pelo uso das capacidades de PC.

Também ao nível pessoal, autores como Newman (1990) e Dam & Volman (2004), argumentam que na gestão de afazeres privados, aprender ao longo da vida e a fruição da cultura, requerem o uso das capacidades de Pensamento Crítico no sentido de tornar as vidas pessoais mais compensadoras, e acrescentaríamos nós, mais substanciáveis. Neste sentido, fomentar o PC entre os alunos jovens, formandos adultos e da população em geral, apresenta-se-nos como uma competência da ALV, também entendido [PC] como meta educativa (Tsui, 1999), motivo para considerar que o próprio significado de PC constitui em si uma razão para o seu crescente interesse e importância. Porém, as razões anteriormente apresentadas são de ordem pragmática e

19

intelectual, segundo Hare (1999) (cf. Vieira et al., 2011). Para este autor, existe uma terceira linha de justificação – ética, tendo em conta a premissa de que o ser humano possui potencialidades que nenhum outro animal tem; razão pela qual quer uma criança quer um adulto devem ser tratados com o respeito que merecem pessoas capazes de independência intelectual.

O conceito de Pensamento Crítico, de acordo com a revisão de Vieira (2003), está fortemente ligado a duas correntes: de tradição filosófica ou de tradição da psicologia cognitiva. Os autores que se associam na tradição filosófica focam o Pensamento Crítico e o ensino do raciocínio em cursos, levando os alunos ao treino de aspetos lógicos do raciocínio, de questionamento e de argumentação. Por outro lado, os autores que se associam na tradição da psicologia cognitiva, acentuam o ensino do pensamento ou ensino de capacidades de PC através de “programas centrados explicitamente na promoção e práticas destas capacidades de pensamento” (Piette, 1996

apud Vieira, 2003, p. 32). Consequentemente, na literatura aparecem várias definições de

Pensamento Crítico (Kurfiss, 1988; Swartz & Perkins, 1990; Yager, 1993; Ennis, 1996; Vucinich et al., 1989; Tsui, 1999; Guest, 2000; Browne & Keeley, 2000) que remetem para diferentes propostas de taxonomias e listagens (Beyer, Paul, Lipman, Gubbins ou Ennis) que podem ser consultadas em português em Tenreiro-Vieira & Vieira (2001).

Todavia, o quadro teórico a utilizar neste estudo assenta na conceptualização de Pensamento Crítico proposto por Ennis (1996), cuja versão portuguesa mais recente pode ser encontrada em Vieira & Tenreiro-Vieira (2005). Ennis considera que todo o comportamento humano depende daquilo em que se acredita e se decide fazer, ou seja, o Pensamento Crítico é fundamental na tomada de decisões constantes da vida quotidiana de cada pessoa. Naturalmente, para tomar qualquer decisão é necessário considerar um conjunto de procedimentos que para o autor estão consubstanciados em cinco termos-chave – prática, reflexiva, sensata, crença e ação – que incrementam a seguinte definição: “o pensamento crítico é uma forma de pensamento racional, reflexivo, focado no decidir aquilo em que acreditar ou fazer” (Ennis & Millman, 1985, p. 46,

apud em Vieira et al., 2011). Assim definido, o Pensamento Crítico é “uma atividade prática

reflexiva, cuja meta é uma crença ou uma ação sensata” (Vieira, 2003, p. 34).

Para Ennis o Pensamento Crítico envolve não só capacidades de PC mas também disposições (na versão original “abilities” e “dispositions”); referindo-se a capacidades a aspetos mais cognitivos e a disposições aos aspetos mais afetivos, isto é, “atitudes ou tendências para atuar de maneira crítica”, muitas vezes reconhecido como “espírito crítico que motiva os pensadores críticos a usarem as suas capacidades de pensamento crítico” (Tenreiro-Vieira & Vieira, 2001).

A estrutura da taxonomia de Ennis subdivide-se em duas partes. Na primeira parte, são apresentadas 14 disposições para o Pensamento Crítico, que são:

1. Procurar um enunciado claro da questão ou tese 2. Procurar razões

3. Tentar estar bem informado

20

5. Tomar em consideração a situação na sua globalidade 6. Tentar não se desviar do cerne da questão

7. Ter em mente a preocupação original e/ou básica 8. Procurar alternativas

9. Ter abertura de espírito

a) Considerar seriamente outros pontos de vista além do seu próprio

b) Raciocinar a partir de premissas de que os outros discordam sem deixar que a discordância interfira com o seu próprio raciocínio

c) Suspender juízos sempre que a evidência e as razões não sejam suficientes 10. Tomar uma posição (e modificá-la) sempre que a evidência e as razões sejam

suficientes para o fazer

11. Procurar tanta precisão quanto o assunto o permitir

12. Lidar de forma ordenada com as partes de um todo complexo 13. Usar as suas próprias capacidades para pensar de forma crítica

14. Ser sensível aos sentimentos, níveis de conhecimento e grau de elaboração dos outros Na segunda parte, são explicitadas as capacidades de Pensamento Crítico, agrupadas em cinco áreas: clarificação elementar, suporte básico, inferência, clarificação elaborada e estratégias e táticas. Para cada área é definido um grupo ou mais de capacidades. Por exemplo na área da clarificação elementar, indicam-se três grupos: focar uma questão, analisar argumentos e fazer e responder a questões de clarificação e desafio. Na análise de cada grupo são explicitadas as capacidades, como se observa em seguida para cada subárea referida:

A. CLARIFICAÇÃO ELEMENTAR 1. Focar uma questão

a) Identificar ou formular uma questão

b) Identificar ou formular critérios para avaliar possíveis respostas 2. Analisar argumentos

a) Identificar conclusões

b) Identificar as razões enunciadas c) Identificar as razões não enunciadas d) Procurar semelhanças e diferenças e) Identificar e lidar com irrelevâncias f) Procurar a estrutura de um argumento g) Resumir

3. Fazer e responder a questões de clarificação e desafio; a) Porquê?

21 c) O que quer dizer com "..."?

d) O que seria um exemplo?

e) O que é que não seria um exemplo (apesar de ser quase um)?

f) Como é que esse caso, que parece estar a oferecer como contra exemplo, se aplica a esta situação?

g) Que diferença é que isto faz? h) Quais são os factos?

i) É isto que quer dizer: "..."'?

j) Diria mais alguma coisa sobre isto?

A estrutura organizada e clara da taxonomia de Ennis, reconhecida no fragmento apresentado, aliada ao carácter exaustivo da mesma, apresentam-se como as principais características a considerar no momento da escolha da taxonomia para o desenvolvimento do nosso trabalho na Oficina de Formação. Como dá conta Tenreiro-Vieira (1999), algumas conceptualizações de PC são demasiado vagas ou imprecisas por não listarem de forma clara as capacidades de Pensamento Crítico, pelo que em nada ajudam a ação dos professores na hora de promover o Pensamento Crítico dos alunos.

Também as “diferentes definições de PC resultam em realizações curriculares distintas. Explicitamente, o ensino do Pensamento Crítico pode ser feito segundo [duas] diferentes abordagens”: perspetiva de curso separado ou perspetiva de infusão nas diferentes disciplinas do currículo escolar (Tenreiro-Vieira & Vieira, 2001, p. 31), considerada por uns como incompatíveis (McPeck, 1990) e por outros como complementares (Norris & Ennis, 1989). A primeira pressupõe a existência de um curso ou área específica no currículo para o desenvolvimento do PC, enquanto a segunda “preconiza que o ensino do pensamento crítico deva ser inserido no contexto de cada uma das disciplinas do currículo de forma que as capacidades de pensamento crítico sejam infundidas ou entrosadas nos conteúdos” (ibidem). Uma das razões apontadas a favor da perspetiva de infusão é necessariamente não existir ‘mais uma’ disciplina para desenvolver as capacidades de Pensamento Crítico dos alunos; outras duas razões prendem- se com a contextualização em que é feito o próprio desenvolvimento do PC e o consequente impacte na compreensão dos conhecimentos da disciplina em que se infunde o PC.

Neste âmbito, deseja-se que o ensino e a formação de adultos considere de modo consciente, explícito e sistemático o desenvolvimento de capacidades de Pensamento Crítico dos adultos na abordagem das três Áreas de Competência e consequentemente instiga os professores/formadores a contemplar a infusão do PC nas suas práticas. Como tal, a metodologia testada e proposta por Tenreiro-Vieira (1999) apresenta-se-nos como uma resposta concreta a este desafio. A metodologia, cursada em três fases, considera a taxonomia de PC de Ennis (1987) como instrumento operacional para a conceção, desenvolvimento ou reformulação de materiais curriculares e/ou atividades de aprendizagens promotoras do uso de capacidades de Pensamento Crítico dos alunos. Segue-se a sua exposição:

22

1ª fase – a taxonomia de Ennis é usada como referencial teórico para identificar as capacidades de Pensamento Crítico expressos nos materiais curriculares e/ou atividades que os professores normalmente utilizam;

2ª fase - a taxonomia de Ennis é usada como referencial teórico para identificar outras capacidades de Pensamento Crítico que possam ser exigidas nos mesmos materiais curriculares e/ou atividades que os professores normalmente utilizam;

3ª fase – a taxonomia de Ennis é usada como modelo ou padrão por forma a rubricar outros itens que apelem às capacidades de Pensamento Crítico nos referidos materiais curriculares e/ou atividades.

Nas palavras dos autores:

Ou seja, primeiro, usar a taxonomia de Ennis como referencial teórico a fim de identificar capacidades de pensamento crítico que possam ser exigidas no contexto do material ou da actividade que se pretende desenvolver. Depois, usar a taxonomia como um modelo ou padrão por forma a explicitar as capacidades de pensamento crítico que se pretende exigir, escrevendo itens com base em propostas concretas encontradas na própria taxonomia. (Tenreiro-Vieira & Vieira, 2001, p. 39)

Do exposto, a aplicação da referida metodologia conduz a uma abordagem de ensino do Pensamento Crítico na perspetiva da infusão, adotada neste estudo como se descreverá no capítulo seguinte (secção 3.2.1. do capítulo 3). Por outro lado não existem brochuras ou livros que apresentem materiais e/ou atividades para os cursos de Educação e Formação de Adultos, que de modo consciente, explícito e sistemático realizem o desenvolvimento de capacidades de PC. Aliás, o único documento orientador é mesmo o Referencial de Competências-Chave que compila todo um conjunto de competências que se entendem a nível nacional necessárias e espera-se que os professores/formadores façam o devido ajustamento ao público-alvo e o imprescindível enquadramento à realidade local e/ou regional.

Em 1994 e noutro contexto, também, Tenreiro-Vieira observou dificuldades semelhantes porquanto considerar que nem o acesso nem a divulgação de material e/ou atividades desta natureza era concretizado. Desde então, por iniciativa da autora conjuntamente com Vieira, foram publicadas algumas obras e desenvolvidas algumas investigações que se oferecem como guiões a todos os professores que pretendam clarificar e conhecer o enquadramento teórico do Pensamento Crítico, assim como utilizar propostas concretas para sala de aula (1º e 2º Ciclos do Ensino Básico). Neste sentido e pela natureza do Referencial de Competências-Chave (que se explicita na subsecção 2.2.3.) é-nos percetível que desafiar as práticas dos professores/formadores de alunos adultos para a infusão do Pensamento Crítico oferece-se como tema de investigação importante e necessário no atual contexto da Aprendizagem ao Longo da Vida.

Deste modo, nas secções seguintes procuramos elencar os aspetos mais relevantes do Referencial de Competências-Chave que sustentam a nossa opção, seguido de uma revisão bibliográfica na área do Desenvolvimento Profissional de Professores a fim de emoldurar o programa de formação de professores, para o desenvolvimento de atividades para cursos de Educação e Formação de Adultos, nível secundário (EFA-NS), que fomentem as capacidades do Pensamento Crítico, sob a dinâmica de comunidades online vincada pela utilização das ferramentas da Web 2.0.

23