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2.2. Cursos EFA na Educação de Adultos em Portugal

2.2.4. Práticas Educativas e de Formação

Como já foi referido, a aposta em práticas educativas orientadas para o reconhecimento e desenvolvimento de competências não é a única inovação dos cursos EFA-NS. Estes cursos foram concebidos e organizados para que a formação, propriamente dita, responda a diferentes necessidades e perfis de adultos, de acordo com a tipologia de cada curso. O que se pretende, um pouco à semelhança do que se passa nos centros de RVCC, é situar, numa primeira fase, cada um dos formandos nos percursos (Tipo A, B ou C) anteriormente descritos, e posteriormente, numa segunda fase, desocultar e construir aprendizagens e competências relativamente às várias Áreas de Competências-Chave previstas no Referencial.

Figura 2.4. Percurso das Competências esperadas para o NG5 (Tecnologias de Informação e Comunicação). I. Identificação II. Compreensão III. Intervenção Sociedade Media e Informação Micro e Macroelectrónica Comunicações Rádio DR3: Contexto Institucional DR2: Contexto Profissional

DR1: Contexto Privado Tecnologia

DR4: ContextoMacroestrutural

Sociedade Tecnologia e Ciência

Núcleo Gerador 5: Tecnologias da Informação e Comunicação(TIC)

Redes e Tecnologias Temas I. Identificação II. Compreensão III. Intervenção I. Identificação II. Compreensão III. Intervenção Ciência Elementos Complexidade Dimensões Competência s Domíni os de R ef er ênc ia

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Guiados na reflexão sistematizada de Nóvoa (1988), encontramos seis princípios de orientação e de desenvolvimento para um qualquer projeto de formação de adultos, dos quais destacamos:

 4º princípio: “Formar não é ensinar às pessoas determinados conteúdos, mas sim trabalhar colectivamente em torno da resolução de problemas. A formação faz-se na «produção» e não no «consumo» do saber (…)”. Ou seja, “a Formação deve organizar-se numa tensão permanentemente entre a reflexão e a intervenção”, “a formação deve basear-se no desenvolvimento de um processo de investigação”, “a formação deve ser encarada como uma função integradora institucionalmente ligada à mudança”.

 5º princípio: “A formação deve ter um cariz essencialmente estratégico, preocupando-se em desenvolver nos formandos as competências necessárias para mobilizarem em situações concretas os recursos teóricos e técnicos adquiridos durante a formação.” (Nóvoa, 1988 apud em Canário 2000, p. 21-22)

Nesta linha, os formadores devem utilizar como principal recurso as competências e os conhecimentos adquiridos informalmente pelo adulto e reconfigurá-los na resolução de problemas tão próximos, quanto possível, do contexto social e profissional do adulto. Em conformidade com a centralidade do adulto no processo de formação, Silva e colaboradores advertem que:

(…) em processos de formação de adultos a experiência assume um papel de âncora, de fonte e nutriente da aprendizagem que tem de ser gerada entre sentidos, significados, associações e relações entre a vida e o saber. Os adultos começam a aprender e aprendem melhor através do confronto das situações pertinentes da sua vida com os novos saberes e as novas competências. Antes do recurso aos conceitos, factos, textos ou às reflexões e saberes conduzidos e trazidos pelos formadores, os adultos buscam os seus referenciais de aprendizagem no reservatório das suas experiências. (Silva et al., 2006, p. 26)

Reportando-nos aos “referenciais de aprendizagem” dos adultos, é verdade que estes são por vezes incompletos e pouco estruturados e por isso, é preciso identificar, avaliar, reconhecer, estruturar, completar e validar antes de os certificar formalmente. Mas todo este processo requer por parte do formador a conceção de estratégias que permitam a existência de abertura e flexibilidade na abordagem das motivações pessoais dos adultos para as necessidades de formação; bem como, as atividades a propor devem constituir-se como ponto de partida, próximo e significativo para os adultos, de forma a induzir a complexificação gradual das situações em análise (cf. Gomes, 2006a, p. 21).

É, pois, no encalço das competências e saberes dos formadores (denominação técnico pedagógica para os professores/educadores/profissionais de educação e formação de adultos) que as práticas de educação e formação de adultos se revestem da maior preocupação. Como advoga Melo:

Num país como Portugal, onde não existe uma forte e fundamentada tradição no domínio da Educação e Formação de Adultos, nem um “corpus” teórico solidamente enraizado, é desde já necessário investir na investigação, informação e disseminação e, sobretudo, na formação dos diferentes tipos de profissionais que serão responsáveis, em última instância, pela execução e pelo sucesso da reforma que se vislumbra no horizonte. (Melo, 2003, p. 8)

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Neste contexto, o mesmo autor aconselha o desenvolvimento de várias ações de formação, entre elas, (a) formação dos Organizadores Locais de EFA; (b) formação dos formadores/avaliadores (nos CRVCC); (c) formação de formadores/tutores de EFA (incluindo os que venham a integrar- se em modalidades de ensino a distância com acompanhamento presencial de proximidade). Porém, estas medidas não foram dimensionadas à escala nacional, como dão conta os trabalhos de Leite (2005), Castro e colaboradores (2007), Carvalho (2007) e mais recentemente na proposta de investigação de Trigo (2010).

Apesar de se terem desenvolvido vários documentos de trabalho para a formação de formadores, veja-se por exemplo o Referencial de Formação Pedagógica Contínua de Formadores/as: “Princípios e Metodologias de Trabalho com Adultos” (2005) e “Webquest: Desenvolvimento de recursos formativos para a Internet” (2006), do Centro Nacional de Formação de Formadores, estes, não têm sido trabalhados nas comunidades de formadores a fins aos Agrupamentos de Escolas públicas, isto porque, para termos de renovação do Certificado de Aptidão Profissional (CAP) de Formador/competência pedagógica - no âmbito do Sistema Nacional de Certificação Profissional - os professores profissionalizados do sistema de ensino público adquirem-no diretamente, ou seja, o Sistema Nacional de Certificação Profissional considera reconhecida aos docentes profissionalizados competências pedagógicas e didáticas, de igual modo, no domínio alunos-jovens e no domínio formandos-adultos. Esta conjuntura, têm suscitado novas reflexões sobre a formação de formadores de adultos (para o caso português, cf. Rothes (2003) e a nível internacional cf. Pires (2007) e Caspar (2007)), uma vez que os referidos profissionais enfrentam nos seus quotidianos um novo paradigma da educação e formação de adultos e como tal toda a situação deve suscitar novos enquadramentos, objetivos e metodologias no domínio da sua identidade profissional.

Foi nos trabalhos de Quintas (2008) que encontrámos uma revisão sobre as principais tendências que definem as práticas de educação e formação de adultos, sintetizada por Illeris (2000) em três vertentes: a Andragogia (Knowles, 1975, 1980, 1992), a Reflexão Crítica (Brookfield, 1986, 1987), e a Aprendizagem Transformativa (Mezirow, 1991, 1996, 1998, 1999). Assente num discurso idealista, a Andragogia é entendida como a prática de oferecer uma proposta educativa dirigida aos adultos tendo em conta um conhecimento sobre as caraterísticas dos adultos. Este quadro teórico (Knowles, 1975, 1980, 1992), é sustentado por um conjunto de indicadores de diferenciação dos adultos enquanto aprendentes perante um processo de aprendizagem, a saber: necessidade de aprender, conceito de si, papel da experiência, vontade de aprender, orientação da aprendizagem e motivação. Marcada por Freire (1970) e Brookfield (1986, 1990), a Reflexão

Crítica assume como prioridade das práticas de educação e formação de adultos a oportunidade

para desenvolver a capacidade de pensar de forma crítica. Os autores consideram que no âmago de uma democracia participativa está a capacidade dos cidadãos questionar ações, explicar factos e tomar decisões, bem como a capacidade de imaginar e propor alternativas que sejam mais justas e adequadas. Esta dimensão “interveniente” desta proposta educativa define, claramente, o papel e perfil do formador como “espelho crítico” que ajuda o formando (adulto em aprendizagem) a analisar, refletir e tomar decisões, ou que proporciona condições para que tal aconteça. Influenciada pela pedagogia crítica de Freire (1970), teoria crítica de Habermas (1971, 1997) e

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reflexão crítica de Brookfield (1987, 1990), a Aprendizagem Transformativa pretende, como o próprio nome indica, uma transformação das ‘perpsetivas de sentido’ e ‘esquemas de sentido’, isto é, espera-se que adulto na análise dos seus quadros de referência que moldam e condicionam as suas perceções da realidade altere as manifestações concretas que determinam a sua ação enquanto adulto. Neste processo, é fundamental a reflexão enquanto fator operativo desta aprendizagem transformativa.

Autores como Boggs (1991) e Seaquist (2003) acrescentam uma quarta orientação às práticas de educação e formação de adultos, que designam de Responsabilidade Social. Ligada à educação cívica ou educação para a cidadania (Boggs, 1991), tem por objetivo ajudar os adultos a perspetivar a dimensão vertical – entre indivíduos e o Estado – e a dimensão horizontal – entre si e os indivíduos – dos aspetos da cidadania. “Isto implica não só aprender sobre direitos e deveres dos cidadãos, mas também sobre como cada um pode, através do diálogo, da reflexão e da deliberação, participar na construção da sociedade” (Quintas, 2008, p. 26).

O que se pretende mostrar com esta breve referência às tendências atuais no domínio das práticas dirigidas à educação e formação de adultos é a evidente transversalidade dos processos de natureza reflexiva contemplados em cada uma das abordagens com a proximidade, a um nível mais abrangente, do Pensamento Crítico segundo Ennis.

Pelas caraterísticas anotadas, nas tendências que definem as práticas de educação e formação de adultos, interessa sublinhar, no âmbito da presente investigação, que a formação de educadores / formadores de adultos deve considerar o reconhecimento de quadros concetuais de Pensamento Crítico e consequentemente o desejo e esforço de contemplar nas propostas de trabalho para os cursos EFA-NS questões que apelem às capacidades de Pensamento Crítico. Neste sentido, a infusão do PC nas propostas de trabalho não aparece apenas como exigência externa às práticas de educação e formação, como vimos anteriormente (secção 2.1.2.2), mas como um elemento subjacente à própria natureza intrínseca do Referencial EFA-NS, como de resto, procuraremos mostrar na secção seguinte.