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2.4. Desenvolvimento Profissional de Professores

2.4.2. Princípios da formação contínua

Numa primeira análise, considerámos os registos de Vieira (2003) que destaca dentre vários autores – Amiguinho, (1993); Gess-Newsome, (2001); Loucks-Horsley, (2001); Marcelo-Garcia (1999) –, os oito princípios de formação considerados por Marcelo-Garcia (1999). São eles: (i) articulação entre a formação inicial e a continuada; (ii) perspetivar a formação no quadro de processos de mudança; (iii) ligação entre a formação de professores e o desenvolvimento organizacional da escola; (iv) melhorar o conhecimento pedagógico/didático de conteúdo; (v) integração teoria-prática; (vi) articulação entre a formação recebida pelo professor e o tipo de educação que posteriormente lhe será pedido que desenvolva; (vii) exigência dos programas de formação responderem às necessidades, características pessoais, cognitivas, contextuais e relacionais de cada professor ou grupo de professores; e (viii) possibilidade de os professores questionarem as suas próprias conceções e práticas.

Em termos sumários a sua explicitação passa por considerar: (i) a formação como um processo contínuo no qual a formação inicial se situa como primeira etapa de um longo, diferenciado e construtivista processo de desenvolvimento profissional, uma vez que os resultados da investigação (Cachapuz et al., 2000) dizem que a apropriação dos conteúdos específicos de uma disciplina em termos didáticos (compreensíveis para os alunos) implica longos períodos de maturação que ultrapassa em larga medida o reduzido tempo de formação inicial; (ii) a formação como espaço de questionamento, de diálogo e de negociação de significados teóricos e práticos que equacionem, num quadro de mudança, opções de desenvolvimento curricular e mobilização para a inovação; (iii) a formação como corpo de trabalho colaborativo na discussão, análise e comprometimento mútuo de professores e de diferentes elementos representativos de órgãos na escola na prossecução de objetivos e metas educativas (Pedrosa & Martins, 2001); (iv) a formação como oportunidade para melhorar/aperfeiçoar não só conteúdos da área disciplinar como o conhecimento ao nível pedagógico-didático (Mellado & González, 2000); (v) a formação como exercício de questionamento das práticas educativas e consequentemente como valorização e desenvolvimento dos professores como práticos reflexivos (Schön, 1992; Sá-Chaves, 2000; Willis, 2002; Neuza, 2006), ou seja, os professores em formação e pela formação devem adquirir rotinas de reflexão sobre a ação, na ação e após a ação (Oliveira & Serrazina, 2002; Perrenoud, 2002; Vieira et al., 2009), abraçadas por atitudes de espírito aberto e capacidades de Pensamento Crítico que promovam de forma mais efetiva as práticas pedagógico-didáticas (Day, 2001; Bredeson, 2002); (vi) a formação como trabalho de laboratório em educação, ou seja, os professores terem possibilidade de usufruir, mesmo a título experimental, a implementação de

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uma dada estratégia em sala de aula, seguidos de acompanhamento dos colegas ou formador, tornando-se mais confortável a adoção ou não de uma dada prática (Vieira, 2003); (vii) a formação como movimento ajustado às características contextuais de cada professor ou do grupo de formação e congruente com as necessidades formativas dos mesmos, respondendo a problemas e situações reais daquele grupo em particular (Alves, 2001); (viii) a formação como desocultação e confrontação de perceções, crenças e ações dos professores (Gess-Newsome, 2003) que condicionam não só a sua principal função – ensinar –, como também entalham a sua identidade profissional (Marcelo, 2009).

Em seguida e tendo em atenção a revisão de Villegas-Reimers (2003), são observados por Tenreiro-Vieira (2010) três princípios para a formação contínua: (i) centrada na visão dos professores como aprendizes ativos e como práticos reflexivos; (ii) focada nas atividades dos professores na sala de aula e na escola enquanto comunidade de aprendizagem e de investigações; e (iii) assente no trabalho colaborativo. Nesta linha, já Nóvoa (2002, p. 40) salientava que a formação contínua «[se] alicerça na dinamização de projetos de investigação-acção nas escolas, passa pela consolidação de redes de trabalho coletivo e de partilha entre os diversos atores educativos, investindo as escolas como lugares de formação». Vários autores acompanham e partilham da mesma opinião. Por exemplo, Canário (2005) defende que a formação dos professores deve ser centrada na escola, à semelhança de Hargreaves (1998) que sustenta que a mesma deve ser enquadrada na prática docente e emergente dela, enquanto proposta de reflexão conjunta. Também Alarcão (1996) defende, igualmente, que a prática reflexiva sobre as narrativas dos professores acerca das experiências pedagógicas se traduzem em inovação. Amiguinho e Canário (1994, p. 64), por sua vez, referem que o trabalho centrado na escola “permite um melhor conhecimento dos formandos e dos contextos em que estes atuam, tem melhores condições para ir ao encontro das necessidades intrínsecas dos professores e para promover melhorias nas suas performances profissionais”. A este propósito, Fullan (2003) defende que:

aprender no local de trabalho, ou aprender em contexto é, sem dúvida, a aprendizagem com o maior retorno porque é a mais específica (adaptada à situação) e por ser social (envolve o grupo). Aprender em contexto está a desenvolver a liderança e a melhorar a organização. Esta aprendizagem muda simultaneamente o indivíduo e o contexto. (Fullan, 2003 apud Raposo & Leal, 2010, p. 3)

“A formação contínua em contexto coloca a tónica na análise e reflexão sobre as situações vividas dentro das escolas e na identificação e procura de soluções para os problemas pedagógicos com que os professores se deparam no dia-a-dia”(Raposo & Leal, 2010, p. 4). A notória valorização da reflexão como prática potenciadora do desenvolvimento pessoal e profissional tem merecido a atenção da investigação e o aprofundamento teórico de muitos investigadores, concretamente ao longo das duas últimas décadas, como constata Silva (2000, p. 101).

Também a CE produziu um relatório intitulado ‘Recomendação sobre Qualidade da Formação de

Professores para as Políticas dos Estados Membros da EU’, na qual consagrou algumas linhas

orientadoras para a melhoria da qualidade da formação dos professores e que apenas referimos a sua designação, podendo ser consultadas na análise da investigadora Roldão (2007a): (i) assunção da formação de professores como um processo contínuo de desenvolvimento no percurso de um

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profissional de ensino; (ii) estabelecimento continuado de parcerias de formação entre instituições formadoras e escolas; (iii) estabelecimento da dimensão da formação dos docentes como um dos elementos da organização das escolas e dos seus projetos; (iv) estabelecimento da centralidade da prática supervisionada, sustentada por uma teorização consistente, em todos os momentos e percursos formativo; e (v) estabelecimento da prática investigativa como componente essencial da formação e da ação profissional. Todavia, este esforço de tecer alguns princípios sobre a formação (contínua) de professores, tem sido amplamente criticado por vários investigadores e organizações internacionais (Fullan & Hargreaves, 1996; Ball & Cohen, 1999; Collinson & Ono, 2001; Feiman-Nemser, 2001; OECD, 2005) por considerarem que a formação continua fragmentada e descontextualizada das situações reais de sala de aula e por isso, no caso português, “grande parte dos programas de formação contínua tem-se revelado de grande inutilidade, servindo apenas para complicar um quotidiano docente já de si fortemente exigente” (Nóvoa, 2007, p. 26).

No plano nacional, Nóvoa tem sido a voz crítica, desde alguns anos a esta parte, no que diz respeito à tomada de algumas medidas de fundo no plano da formação de professores. Por exemplo, na Comunicação “O regresso dos professores” proferida na Conferência intitulada

Desenvolvimento profissional dos professores para a qualidade e para a equidade da aprendizagem ao longo da vida (Lisboa, 27-28 outubro 2007), o referido autor reconhece que

“estamos de acordo quanto ao que é preciso fazer” e argui que “raramente temos conseguido fazer aquilo que dizemos que é preciso fazer” (p. 23), querendo dizer que a formação de professores tem sido extrínseca às necessidades e desafios reais que se colocam em cada unidade de ensino, que o modelo orgânico da profissão não reforça a profissionalidade docente, e que a presença pública e importância social dos professores está sucessivamente desvalorizada por controlos estatais e científicos. A razão, essa, na opinião do autor, prende-se fundamentalmente com o facto de os professores não serem os principais compositores destes discursos e verem o seu campo profissional invadido por outros grupos como “comunidade de formadores de professores”, “investigadores” e “indústria do ensino”. Como corolário desta análise, o autor propõe que sejam considerados os seguintes princípios: (i) passar a formação para dentro da profissão - compromisso dos professores com a formação entre pares e simbiose entre as comunidades de professores e a de formadores de professores; (ii) promover (novos) modelos de organização da profissão – compromisso com o favorecimento de uma cultura de partilha e de colaboração, nomeadamente com a estimulação de comunidades de aprendizagem e de prática; (iii) reforçar a presença social e pública dos professores – compromisso com a abertura de diálogo da profissão docente com a sociedade.

Este enquadramento sugere-nos equacionar, no campo da educação e formação de adultos, a situação da formação de professores, porquanto tem sido uma área remetida, em grande parte da sua história, para segundo plano e, como tal, nem os adultos, nem as suas aprendizagens, nem as práticas dos professores, nem a formação dos professores foram alvo de interesse, investimento e investigação, verificando-se um vazio de práticas e de formação de professores nesta área, como de resto retomaremos na última secção deste capítulo.

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A revisão levada a efeito permite-nos observar que a formação contínua, inicialmente vinculada à atualização ou reciclagem profissional, tende a absorver e a incorporar traços do desenvolvimento de competências na perspetiva de Aprendizagem ao Longo da Vida. Nos últimos anos a formação contínua tem sido, de forma crescente, valorizada como um espaço de questionamento, renovação e ampliação de significados e desenvolvimento de conhecimento e competências essenciais à reflexão, planificação e prática profissional de qualidade. Contudo, muito ainda há para fazer, tendo em conta que a maior parte das ações de formação contínua não correspondem às preferências nem às necessidades dos professores, mas sim, de uma forma trivial, à aquisição de créditos para a progressão na carreira (Campos, 1995; Canário, 2005). Tal sugere um húmus de práticas pedagógico didáticas condicionado por um tácito bloqueio ao questionamento, reflexividade e colaboração dos professores (em formação ou não). Daí que se constitui num imperativo a construção de uma nova cultura para a formação de professores, assente numa reflexão crítica sobre as práticas pedagógicas, tal como defendem vários autores Alarcão (1996), Schön (2000), Montero (2005), Nóvoa (2007), entre outros.

2.4.2.1. Modelos de Formação Contínua

Impulsionada desde os anos 60, a formação contínua é uma realidade recente em Portugal, uma vez que só em 1986 foi institucionalizada na Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de outubro). Desde então, tem vindo a adquirir uma importância crescente “quer por força das continuadas e renovadas exigências sociais, culturais e tecnológicas, de âmbito nacional e internacional, quer pela necessidade de mobilizar e preparar os professores para o desenvolvimento das reformas educativas ou curriculares empreendidas no país” (Raposo & Leal, 2010, p. 1).

Até ao momento, vários diplomas foram publicados no sentido de promover as práticas de formação contínua dos professores. São exemplos disso o Decreto-Lei n.º 344/89, de 11 de outubro, o Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril e o Decreto-Lei n.º 249/92, de 9 de Novembro que, em concordância com a Lei de Bases do Sistema Educativo, tratam o ordenamento jurídico da formação contínua como eixo principal do aperfeiçoamento da competência científica e pedagógica dos docentes e condição necessária à progressão na carreira docente, bem como a legitimação de instituições de ensino superior e organismos ligados ao Ministério da Educação para a iniciativa e promoção da mesma. Do conjunto de legislação referida, merece particular destaque o Decreto-Lei n.º 249/92 de 9 de Novembro (com posterior ajustamento pelo Decreto- Lei n.º 274/94 de 28 de outubro e Decreto-Lei n.º 207/96 de 2 de Novembro), dado que estabelece as finalidades e princípios a que a formação contínua deve obedecer, as áreas sobre que deve incidir e as várias modalidades e níveis que pode assumir. Prevê, também, a avaliação dos formandos e consequente atribuição de créditos. Também reconhece, sob prévia acreditação, um maior leque de instituições de formação – “de entre tais entidades avultam, em particular, os centros de formação das associações de escolas, resultantes de agrupamentos de escolas de uma determinada área geográfica, definida pelo Ministério da Educação e Associações de Professores” (art.º 7 do Decreto-Lei n.º 207/96 de 2 de Novembro). Finalmente, refere-se a criação de um

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conselho coordenador da formação contínua – com a atual denominação de Conselho Científico Pedagógico da Formação Contínua (CCPFC) –, onde têm representação elementos das várias entidades formadoras e do Ministério da Educação, com responsabilidades nas áreas da coordenação, acreditação e avaliação de todo o sistema instituído.

Com este quadro jurídico acreditava-se que a formação contínua de professores fosse condição de estabilidade do sistema educativo, de dignificação da carreira docente e de melhoria da qualidade da educação e do ensino. Contudo, nos últimos anos a formação contínua de professores tem sido analisada e discutida por diversos autores e alvo de várias críticas, como já referimos na seção anterior (Nóvoa, 1991,1995, 2002; Pacheco & Flores,1999).

Segundo o CCPFC, as modalidades de formação dividem-se em dois grandes grupos: as ações de formação centradas nos conteúdos (cursos, módulos e seminários) e as ações de formação centradas nos contextos escolares e nas práticas profissionais (círculos de estudos, oficinas de formação, projetos e estágios) [art.º 7 do Decreto-Lei n.º 207/96 de 2 de Novembro]. Quanto ao primeiro grupo – cursos, módulos e seminários – apresentam-se como modelos essencialmente dirigidos para a atualização e aprofundamento de conhecimentos e desenvolvimento de competências por parte dos professores em procedimentos de autoformação, métodos do trabalho científico, aquisição de instrumentos de análise e problematização de experiências profissionais. No segundo grupo – círculos de estudos, projetos, oficinas de formação e estágios – as duas primeiras modalidades – círculos de estudos e projetos – dizem respeito a iniciativas próprias dos professores mobilizados por um problema comum, que sob trabalho em equipa e num diálogo pluri e interdisciplinar buscam soluções (planos de ação) para uma preocupação profissional; são modalidades vocacionadas para a consolidação do espírito de grupo e autoconfiança dos participantes no questionamento e mudança de práticas profissionais. As ações, nestas modalidades, podem servir-se de vários métodos, por exemplo os estudos de caso, o método dos problemas, o método da discussão, o método da representação, entre outros. Quanto às modalidades de oficinas de formação e estágios, estas têm como objetivo essencial a intervenção sobre as práticas e investigação pedagógica e didática nos diferentes domínios da docência. Nestas modalidades a formação é desenvolvida em momentos interpolados entre aplicação/experimentação com reflexão/melhoramento para o desenvolvimento do saber-fazer prático ou processual.

Particularmente, uma Oficina de Formação visa: a) delinear ou consolidar procedimentos de ação ou produzir materiais de intervenção, concretos e identificados, definidos pelo conjunto de participantes como a resposta mais adequada ao aperfeiçoamento das suas intervenções educativas; b) assegurar a funcionalidade (utilidade) dos produtos obtidos na oficina, para a transformação das práticas; c) refletir sobre as práticas desenvolvidas; e d) construir novos meios processuais ou técnicos. Apesar de ser uma ação eminentemente prática, importa que na oficina de formação, tal como noutras modalidades de formação, sejam fomentadas situações de socialização, onde cada um dos participantes tenha a oportunidade de falar das suas práticas, de partilhá-las com os colegas a fim de integrar outras opiniões, para que a partir deste questionamento equacione novos meios — processuais e técnicos — de os pôr no terreno. Neste

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sentido, para a regulação, quer do trabalho realizado na oficina, quer da implementação dos materiais em sala de aula, a estrutura de qualquer oficina deve contemplar a existência de "sessões presenciais conjuntas", “sessões de acompanhamento” e “trabalho autónomo”. Nas "sessões presenciais conjuntas", os professores produzem trabalho conjunto, de natureza reflexiva ou prática; nas “sessões de acompanhamento”, como o próprio no nome indica, o formador acompanha a implementação dos materiais na sala de aula, prestando auxílio e colaboração ao formando (professor em formação) na sala de aula; no “trabalho autónomo” pressupõe-se que o formando desenvolva e/ou conclua algumas propostas de trabalho, tais como reflexões do trabalho realizado, pesquisa e organização de informação, planificação de aulas e elaboração e construção de materiais.

Especialmente baseada nas experiências profissionais dos professores e “com base na análise de necessidades de formação dos professores” (Correia, 1992 apud Silva, 2000, p. 105), a proposta da Oficina de Formação é submetida à apreciação do CCPFC em modelo próprio – AnB-2 – no qual se cumprem os seguintes requisitos: apresentar a designação da ação; invocar as razões justificativas da ação; apontar os problemas/necessidades de formação; identificar os destinatários da ação; propor os efeitos a produzir na mudança de práticas, procedimentos ou materiais didáticos; expor os conteúdos da ação; explicar as metodologias de realização da ação; declarar o regime de avaliação dos formandos; apresentar a forma de avaliação da ação e listar a bibliografia fundamental. Todos estes procedimentos serão alvo de tratamento mais detalhado no capítulo seguinte.

As Oficinas de Formação ao privilegiarem a construção em detrimento do consumismo de conhecimentos teórico práticos por vezes distanciados dos reais contextos escolares, são consideradas pela investigadora Silva “as que melhor poderão contribuir para dinâmicas reflexivas, já que emergem de disposições formativas dos professores geradas nos/pelos contextos de trabalho” (Silva, 2000, p. 101). Por outro lado as Oficinas de Formação não sendo um modelo perfeito, nem tão pouco satisfatório no atendimento das “exigências de uma sociedade em desenvolvimento e [da] urgência de implementação de práticas pedagógicas inovadoras para a prossecução de um ensino de qualidade” (Raposo & Leal, 2010, p. 2) são um contributo para romper com a falta de hábitos de reflexividade e aprendizagem a partir da experiência, equacionando a promoção de redes informais entre os pares para a aprendizagem contínua e colaborativa, através da troca de experiências com recurso às TIC.