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3.2 O Planejamento como procedimento administrativo

3.2.1 O Planejamento começa pelo fim

O início está no fim. O planejamento começa pelo fim, ao contrário do entendimento majoritário da doutrina168 e mesmo de algumas leis (lei n. 11.445/2007, art. 19, I, e lei n. 9.433/97, art. 7º, I), que sustentam ser o diagnóstico a primeira fase. O primeiro passo é definir os fins para dar rumo ao planejamento, sob pena de não se saber para onde ir e ficar sem destino, sem orientação, por

167 GANDIN, Danilo. A prática do planejamento participativo. Petrópolis-RJ: Vozes, 1994. p. 41.

168 José Afonso da Silva apresenta um roteiro de dez passos para a elaboração do plano diretor, que começa

com os estudos preliminares e em seguida pelo diagnóstico (SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 144. MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte-MG: Del Rey, 2003. p. 62).

desconhecer a finalidade do plano.169 O conhecimento da situação, da realidade, ou mesmo o diagnóstico, por si só, não levam a lugar algum; podem sugerir, mas não dão respostas e não alavancam o procedimento do planejamento administrativo, porque este não é, jamais, um acontecimento. A finalidade põe o planejamento em movimento,170 no dizer de Rudolf Von Jhering, como “representação de algo futuro” que se “pretende realizar”, que “contém uma exigência de ação”, pois a “própria ação jamais é fim, mas apenas meio para a consecução de um fim”.171 O fim, reza São Tomás de Aquino, “embora seja o último na execução é o primeiro na intenção de quem age”.172

A palavra fim, segundo André Comte-Sponville, tem dois sentidos bem diferentes: “pode designar o limite ou a meta, o termo ou o destino, a finitude ou a finalidade”, que “são ao mesmo tempo ligados e assimétricos: a finalidade supõe a finitude, e não, a finitude, a finalidade”, o infinito “não pode ir a lugar nenhum, nem tender ao que quer que seja”. Mas “o menor dos nossos atos, por mais finito que seja, sempre tem uma finalidade (a meta a que visamos por meio dela)”. Conclui Comte-Sponville dizendo que o “infinito não é uma meta plausível, nem pode ter uma. Somente o finito vale a pena ser dado.”173 O homem, afirma Noberto Bobbio, “é um animal teleológico, que atua geralmente em função de finalidades projetadas no futuro. Somente quando se leva em conta a finalidade de uma ação é que se pode compreender o seu “sentido”.174

169 Adotamos os ensinamentos de Rubem Alves para o planejamento administrativo (ALVES, Rubem.

Filosofia da ciência: introdução ao jogo e suas regras. São Paulo: Loyola, 2008. p. 33-36.) e de Danilo Gandin (GANDIN, Danilo. A prática do planejamento participativo. Petrópolis-RJ: Vozes, 2008. p. 48-52.), que ensinam que o planejamento começa pelo fim, citando o exemplo do escoteiro inteligente, perdido na floresta, que olhando no mapa primeiro deve ver onde fica o acampamento para onde deve ir, e, em seguida, verificar onde está para poder traçar o caminho a seguir. Citam ainda George Polya (POLYA, George. How to solve it. Princeton University Press, 1957. p. 233), que diz: “O sábio começa no fim; o tolo termina no começo.”

170 Celso Antônio Bandeira de Mello afirma: “é a finalidade o que permite compreender o sentido, a racionalidade, de qualquer produto cultural. [...] é a finalidade e só a finalidade o que dá significação às realizações humanas. O Direito, as leis, são realizações humanas. Não compreendidas suas finalidades, não haverá compreensão alguma do Direito ou de uma dada lei.” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e controle jurisdicional. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 46-47).

171 JHERING, Rudolf Von. A finalidade do direito. Tradução José Antonio Faria Correia. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979. p. 5-6. v. I.

172 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2003. p. 33. v. III.

173 COMTE-SPONVILLE, Andre. Dicionário filosófico. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins

Fontes, 2003. p. 252.

174 BOBBIO, Noberto. A era dos Direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:

Na função administrativa, o termo fim tem o significado de meta, objetivo, destino, mesmo porque é norteada pelo princípio da finalidade (art. 2º, ‘e’, parágrafo único, ‘e’, da lei n. 4.717/65 e art. 2º, caput, e incisos II e III, da lei n. 9.784/99). A Administração Pública não tem fim, no sentido de finitude, de término, de encerramento, porque é perene, contínua, informada pelo princípio da continuidade da prestação de serviços públicos,175 criada e mantida para, em última instância, realizar os fins do Estado, traçados pela Constituição Federal. Para Otto Meyer, a “administração é a atividade do Estado para o cumprimento de seus fins”.176

Por força do princípio da finalidade, que integra o regime jurídico administrativo no manejo de competências administrativas, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello que: “a Administração subjuga-se ao dever de alvejar sempre a finalidade normativa” que “corresponde à aplicação da lei tal qual é”, na “conformidade de sua razão de ser, do objetivo em vista do qual foi editada”. Desvirtuar a finalidade “é burlar a lei sob pretexto de cumpri-la”, vício que macula o ato de nulidade, pelo denominado “desvio de poder” ou “desvio de finalidade”. “Quem desatende ao fim legal desatende a própria lei.” Cumpre ao administrador “cingir-se não apenas à finalidade própria de todas as leis, que é o interesse público”, mas “à finalidade específica abrigada na lei a que esteja dando execução”.177 “O fim”, diz Ruy Cirne Lima, “e não a vontade, domina todas as formas de administração”.178 179

175 Sobre o princípio da continuidade da prestação do serviço público, por todos, v. GROTTI, Dinorá Adelaide

Musetti. O serviço público e a Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 260-287.

176 “La administración es la actividad del Estado para el cumplimento de sus fines.” MAYER, Otto. Derecho

administrativo Alemán. Tradução Horacio H. Heredia; Ernesto Krotoschin. Buenos Aires: Depalma, 1982. t. I. p. 3.

177 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009.

p. 106-108. O princípio da finalidade é sustentado pela doutrina de: MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 89-90; GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 13-16; ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte-MG: Del Rey, 1994. p. 50-52; MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 69; PESTANA, Marcio. Direito administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Campus, 2008. p. 174-176; dentre outros.

178 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. p. 22.

179 Na doutrina estrangeira sobre fim do ato administrativo: ENTERRÍA, Eduardo Garcia de; FERNÁNDEZ,

Tomás-Ramón. Curso de direito administrativo. Tradução Arnaldo Setti. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 475-476; CASSAGNE, Juan Carlos. Derecho administrativo. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2000. p. 156-158. v. II; DROMI, Jose Roberto. Derecho administrativo. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 2001. p. 263.

Todo ato administrativo tem fim180 mediato, que é sempre o interesse público, e fim imediato,181 específico e direto, que o ato produz, isto é: certificar, criar, extinguir, transferir, declarar ou modificar direitos e obrigações. Cada ato administrativo tem um fim específico, razão pela qual se fala em tipicidade do ato administrativo.182 Um ato administrativo pode ter – e, na maioria esmagadora das vezes, tem – por fim outro ato, porque ordenado, não diretamente, em cada ato praticado, a muitos fins remotos, sendo um o fim do outro num plexo de atos com fins intermediários e de atos instrumentais. O planejamento, como atividade-meio, se efetiva num conglomerado de atos distintos, coordenados e direcionados, todos, aos mesmos fins definidos no plano.

Exemplificando: um plano de melhora da prestação de serviço de educação, em determinada região, que importe na construção de um grupo escolar, tem, como fim mediato, a educação, como dever do Estado e direito de todos que visa “ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (art. 205, CF/88). A construção da escola é o fim imediato para atingir o fim mediato. A obra, por sua vez, demanda planejamento na elaboração dos projetos básico e executivo para que possa ser construída (art. 7º, Lei n. 8.666/93) e tem como fim o prédio. A aquisição de mobiliário para o funcionamento da atividade escolar requer o planejamento para caracterização, qualificação e quantificação dos objetos a serem comprados pela Administração (art. 15, Lei n. 8.666/93), que tem como fim mobiliar a escola. O custo financeiro do plano exige planejamento orçamentário. A contratação de pessoal, professores, auxiliares, etc. para trabalharem na futura escola, caso necessária, requer planejamento do procedimento de concurso público numa sequência de fins intermediários e assim por diante. Há um plexo de atos com finalidades específicas e intermediárias,

180 José Cretella Júnior, que considera o “fim como elemento essencial do ato administrativo”, festeja esta afirmação como “uma das grandes conquistas do direito público moderno por haver contribuído eficazmente para eliminar o conceito autoritário de governo.” (CRETELLA JÚNIOR, José Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 212).

181 Sustenta os fins mediatos e imediatos do ato administrativo a doutrina de: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2009. p. 209-210; FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 203-204; OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Ato administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 81-82; FURTADO, Lucas Rocha. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 258-262; CARVALHO FILHO, José Santos. Manual de direito administrativo. 21. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 114-115; dentre outros.

182 No magistério de Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Tipicidade é o atributo pelo qual o ato administrativo

deve corresponder a figuras definidas previamente pela lei como aptas a produzir determinados resultados. Para cada finalidade que a Administração pretende alcançar existe um ato definido em lei.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2009. p. 201).

organizados, coordenados, integrados e interagidos para execução do plano educacional. São os fins que decidem sobre os recursos e meios.