• Nenhum resultado encontrado

A República Federativa do Brasil tem como objetivo, dentre outros, “garantir o desenvolvimento nacional”45 (art. 3º, II), cabendo, à União, elaborar e criar por lei

41 A palavra “plano” foi utilizada pela primeira vez num texto constitucional, na Constituição de 1946, no art. 198: “execução do plano de defesa contra os efeitos da denominada seca do Nordeste”; e no art. 199, na “execução do plano de valorização econômica da Amazônia”.

42 Para um histórico do planejamento nas constituições brasileiras, v. COELHO, Luiz Fernando. Direito constitucional e filosofia da Constituição. Curitiba: Juruá, 2009, p. 129-144; RIBEIRO, Deborah Fialho. Planejamento municipal e “globalização”. In: FERRAZ, Luciano; MOTTA, Fabrício (Coords). Direito público moderno, homenagem especial ao Professor Paulo Neves de Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 499-512.

43 COELHO, Luiz Fernando. Direito constitucional e filosofia da Constituição. Curitiba: Juruá, 2009, p. 117-

129.

44 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 26ª Ed. São Paulo: Malheiros

Editores. p. 49.

45 Eros Grau, ao cuidar do plano de desenvolvimento nacional diz que: “a idéia de desenvolvimento supõe dinâmicas mutações e importa em que se esteja a realizar, na sociedade por ela abrangida, um processo de mobilidade social contínuo e intermitente. O processo de desenvolvimento deve levar a um salto, de uma estrutura social para outra, acompanhado da elevação do nível econômico e do nível cultural-intelectual comunitário. Daí porque, importando a consumação de mudanças de ordem não apenas quantitativa, mas também qualitativa, não pode o desenvolvimento ser confundido com a idéia de crescimento. Este, meramente quantitativo, compreende uma parcela da noção de desenvolvimento. [...] Implicando dinâmica mobilidade

ordinária46 planos nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento econômico e social equilibrados (arts. 21, IX; 48, IV; 165, § 4º; 166, § 1º, II e 174, § 1º), na busca de transformações – com crescimento econômico em conjunto com mudanças sociais – para eliminar as desigualdades sociais, elevar o nível cultural da população, expandir e garantir a liberdade humana47 contra a miséria, a pobreza, a falta de oportunidades econômicas e a carência de serviços públicos como educação, saúde e assistência social. Trata-se de direito fundamental, que o Estado tem o dever constitucional de garantir e promover.48

O desenvolvimento econômico e social é instrumento estatal para atingir os demais objetivos fundamentais da República de construir uma sociedade livre, justa, solidária, erradicar a pobreza, a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos (art. 3º, I, III e IV). Só se constitui um Estado Democrático de Direito fundado na soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, com valores sociais (art. 1º, I, II, III e IV), por meio do constante desenvolvimento econômico e social. Miséria, analfabetismo, doenças, desnutrição, desemprego barram o atingimento e a vivência de garantias e valores constitucionais.

social, é inerente à idéia de desenvolvimento a de mudança; no caso, não apenas mudança econômica, mas, amplamente, sobretudo mudança social. Assim, a noção de desenvolvimento envolve a necessária visualização de um devir a projetar, no futuro, determinados valores.” (GRAU, Eros. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 197).

46 José Afonso da Silva afirma que: “o processo de planejamento passou a ser um mecanismo jurídico por meio

do qual o administrador executa sua atividade governamental na busca da realização das mudanças necessárias à consecução do desenvolvimento econômico-social. A institucionalização do processo de planejamento importa convertê-lo em tema do Direito; e, de entidade basicamente técnica, passou a ser instituição jurídica, sem perder suas características técnicas. Mesmo seus aspectos técnicos acabaram, em grande medida juridicizando-se, deixando de ser regras puramente técnicas para se tornarem normas técnico-jurídicas.” (SILVA, José Afonso. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 722).

47 Amartya Sen considera a “liberdade o principal fim do desenvolvimento”, porque este “requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos.” Diz mais, que as liberdades são também “‘os meios principais’ do desenvolvimento, por ser notável a ‘relação empírica que vincula’ as diferentes liberdades, ‘umas às outras’, ‘liberdades políticas ajudam a promover a segurança econômica’. ‘Oportunidades sociais facilitam a participação econômica’. ‘Facilidades econômicas podem ajudar a gerar a abundância individual, além de recursos públicos para os serviços sociais’. ‘Liberdades de diferentes tipos podem fortalecer umas às outras’.” (SEM, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 18-19, 25-26).

48 Gilberto Bercovici assevera que o desenvolvimento “também é um direito fundamental, que deve ser respeitado, garantido e promovido pelo Estado, que é o principal formulador das políticas de desenvolvimento.” (BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 41). A Resolução n. 41-128 da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 04/12/1986, no seu art. 1º, e a Declaração e Programa de Ação de Viena da Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, de 1993, no seu art. 10, consideram o desenvolvimento como direito fundamental da pessoa humana.

O comando constitucional determina que o Estado garanta, crie e execute planos nacionais (dos planos regionais trataremos a seguir) de desenvolvimento “econômico e social equilibrado” (art. 3º, II; 21, IX; 174, § 1º). A Carta Magna não quer apenas o crescimento econômico desacompanhado do social (arts. 170 e 193). Econômico e social devem ser considerados em conjunto, não levando a resultados eficazes a promoção do primeiro sem a do segundo.49 Exemplificando: se o Estado promove a instalação de uma fábrica de produtos de tecnologia de ponta de última geração, no interior do Piauí, cercada por população analfabeta, doente, com alto índice de mortalidade infantil, sem serviço de saneamento básico de qualidade, não obedece ao comando constitucional, porque atingiu apenas o foco econômico e não o social. Do mesmo modo, um plano social de doação de bens alimentícios para esta população, sem o desenvolvimento econômico local, sem a geração de emprego e o acesso às oportunidades econômicas, que assegurem condições mínimas de dignidade, perpetua uma posição de escravidão do homem pedinte.50

Em ambos os casos, o desenvolvimento é manco e não atinge o escopo constitucional do binômio econômico-social.

A diferença entre planejamento nacional e regional é de alcance territorial. O primeiro abrange todo o território nacional; o segundo, apenas regiões determinadas, que podem contar com maiores benefícios em face das desigualdades naturais e sociais e das carências de que se ressentem. Assim, a intervenção tributária da União, com a isenção de tributos de sua competência para a instalação de indústrias na região norte do País, não se estende ao sudeste; ela é regional. O planejamento é sempre setorial, porque a mente humana não consegue prever todos os setores. Assim, por mais amplo que seja um planejamento, será sempre setorial,51 v.g., energia, educação, saúde, agricultura, indústria, etc.52

49 Luís S. Cabral de Moncada, ao cuidar da Constituição portuguesa, considera o desenvolvimento como princípio, para afirmar que este “não aponta, sem mais, para uma política de crescimento medido pela mera acumulação do produto nacional. [...] a idéia de desenvolvimento veicula desde logo considerandos de equidade social dependentes de uma intervenção dos poderes públicos na esfera da produção e da repartição. O crescimento deve ser ‘equilibrado’, ‘equitativo’, ‘eficiente’ e que se não pode medir pelo simples acumular de riqueza.” (MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito económico. Coimbra-Portugal: Coimbra, 2007. p. 192).

50 Eros Grau ensina que o ideal revolucionário projeta “que o homem deixe de ser vadio e pedinte (o que é corrente), para tanto cumprindo que no mínimo se lhe assegure direito ao trabalho e condições de dignidade.” (GRAU, Eros. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 199).

51 Celso Lafer lembra que o “Programa de metas era um plano setorial que abrangia 1-4 da produção total do

país.” (LAFER, Celso. JK e o programa de metas (1956-1961): processo de planejamento e sistema político no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2002. p. 153).

Normalmente, o plano de âmbito nacional procura tratar do maior número de setores, em conjunto.

A Constituição de 1988 consagrou o “Estado desenvolvimentista” como condutor, promotor, investidor e executor do desenvolvimento nacional planejado nas atividades que lhe são reservadas e próprias, como os serviços públicos (art. 175), ou que monopolizou (art. 177); e como agente normativo, regulador e fiscalizador da atividade econômica privada (art. 174). Deve, ainda, explorar diretamente a atividade econômica, “quando necessária aos imperativos da segurança nacional” ou por “relevante interesse coletivo” (art. 173), respeitando sempre os princípios da ordem econômica, da “liberdade de iniciativa”, “direito de propriedade” e “livre concorrência”, que asseguram a “todos o livre exercício de qualquer atividade econômica” independente de “autorização de órgãos públicos” (arts. 1º, IV; 170, IV, parágrafo único).53

O planejamento é determinante para o Poder Público, de acordo com o comando constitucional (art. 174), num duplo sentido. Primeiro, internamente: tudo o que tocar ao Estado fazer, agir, atuar, investir, impõe que seja feito racionalmente, de maneira pensada, enfim, planejada; segundo, externamente, na tarefa de planejar, desenvolver e implementar políticas públicas, de acordo com os fins constitucionais, definindo meios e modos de agir coordenadamente. No mundo

52 Roberto Dromi: “Alcance. Se puede distinguir uma dimensión espacial y outra sectorial en la planificación.

La primera está dada por los alcances territoriales del plan, y así tenemos planes nacionales, regionales, provinciales, municipales. La dimensión sectorial hace referencia al contenido del plan, y así existen planes estrictamente especializados, como, por ejemplo, plan energético, siderúrgico, vial etc...” (DROMI, Roberto. Derecho administrativo. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 2001. p. 880). No mesmo sentido Maria Paula Dallari Bucci, para quem o plano pode ter caráter geral, “como é o Plano Nacional de Desenvolvimento, ou regional, ou ainda setorial, quando se trata, por exemplo, do Plano Nacional de Saúde, do Plano de Educação, etc.” (BUCCI, Maria Paula Dallari. As políticas públicas e o direito administrativo. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 13, p. 134-144, 1996).

53 Celso Antônio Bandeira de Mello apresenta uma visão panorâmica dos três modos de interferência do Estado

na ordem econômica: “(a) ora dar-se-á através de seu ‘poder de polícia’, isto é, mediante leis e atos administrativos expedidos para executá-las, como ‘agente normativo e regulador da atividade econômica’ – caso no qual exercerá funções de ‘fiscalização’ e em que o ‘planejamento’ que conceder será meramente ‘indicativo para o setor privado’ e ‘determinante para o setor público’, tudo conforme prevê o art. 174; (b) ora ele próprio, em casos excepcionais, como foi dito, atuará empresarialmente, mediante pessoas que cria com tal objetivo; e (c) ora o fará mediante incentivos à iniciativa privada (também supostos no art. 174), estimulando-a com favores fiscais ou financiamentos, até mesmo a fundo perdido”. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 26. Ed São Paulo: Malheiros, 2009. p. 789). Sobre as formas de intervenção ver também FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 86-98.

contemporâneo, a tarefa mais importante do Estado é planejar e executar grandes políticas públicas.54

Para o setor privado o planejamento estatal é indicativo, visando orientar os agentes econômicos; propõe metas, indica investimentos, buscando o engajamento da iniciativa privada por meio da atividade de fomento (art. 174), não podendo, o Estado, ditar o conteúdo da atividade particular no regime capitalista, previsto na Constituição, que assegura a livre concorrência (arts. 1º, IV; 170, IV, parágrafo único).55 A “regra é a liberdade”, afirma Dinorá Grotti, para quem “o seu exercício

envolve uma liberdade de mercado, e exclui a possibilidade de um planejamento vinculante”.56

Lei (ou leis) que institui o plano de desenvolvimento nacional, compatível com os planos regionais, estabelece as diretrizes e bases do planejamento (art. 174, § 1º), porque não pode resumir toda política de planejamento, não se aprofunda em detalhes e estabelece tão-somente o rumo que o Estado deverá imprimir a seus objetivos essenciais, o seu norte, o direcionamento. Cabe à função administrativa concretizá-los por meio de ações, necessariamente planejadas.

54 Fábio Konder Comparato sustenta que “a complexidade estrutural e a aceleração do ritmo das

transformações sociais, no mundo contemporâneo, aumentaram exponencialmente a importância das tarefas de previsão e planejamento no nível governamental.” [...] “a grande dicotomia da organização estatal, neste final de século, já não é a de legislar e aplicar as leis, mas sim a de programar e executar as grandes políticas públicas nacionais. A legislação aparece, nessa perspectiva como quadro condicionante da ação estatal...” (COMPARATO, Fábio Konder. A organização constitucional da função planejadora. In: TRINDADE, Antonio Augusto Cançado et al. Desenvolvimento econômico e intervenção do Estado na ordem constitucional: estudos jurídicos em homenagem ao Professor Washington Peluso Albino de Souza. Porto Alegre: Safe, 1995. p. 77, 82).

55 Almiro do Couto e Silva sustenta a existência de três tipos de planos: “1- planos indicativos, em que não há nota de obrigatoriedade; 2- planos incitativos ou estimulativos; e 3- planos imperativos”, in: SILVA, Almiro do Couto e. Problemas Jurídicos do Planejamento. Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2004, v. 27, p 133-147. No que é seguido por Lúcia Valle Figueiredo no capítulo “A atividade de fomento e a responsabilidade estatal”, presente em sua obra FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Direito Público. Estudos. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 43-55.

56 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 137. A autora trata da intervenção estatal na economia, inclusive com a elaboração de um esquema, disponível no artigo GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Intervenção do Estado na Economia. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo, v. 14, p. 52-66, 1996