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3.2 O Planejamento como procedimento administrativo

3.2.2 Planejamento na fase de diagnóstico

Definidos os fins do planejamento, a etapa seguinte é a de diagnóstico, que envolve, num primeiro momento, a descrição da realidade, no levantamento de dados e coleta de informações, visando a situar-se no contexto factual, que se poderia denominar marco situacional do plano. De acordo com a abrangência do plano, a realidade é concebida globalmente, incluindo o complexo socioeconômico- cultural. Todavia, não é possível um plano total, porque a mente humana não consegue prever tudo, e, por isso, é sempre setorial, por mais setores que abrace. No planejamento setorial, a realidade se restringe ao campo de ação da finalidade definida no plano pelo Poder Público, isto é, à saúde, à educação, ao trânsito, ao esporte, à cultura, etc. O planejamento, que tenha como fim a diminuição da mortalidade infantil em determinada região, na fase de conhecimento, descreve quantas crianças morrem por ano, qual o percentual em cada cem nascidos, qual a idade em que isso mais acontece e assim por diante. Caso se trate de um plano de educação, com fim de estancar a evasão escolar, deve-se conhecer quais são os alunos, quais os anos e a idade em que isso se dá. A fase inicial do diagnóstico consiste em radiografar a realidade.

É preciso ressaltar que a descrição da realidade, por si só, não é ainda o diagnóstico do planejamento, mas apenas uma primeira etapa. O segundo passo envolve um juízo sobre a realidade descrita, que resulta da comparação da situação presente com a realidade planejada, em que os problemas são descritos e analisados: quais as suas causas, quais as suas necessidades, quais as práticas da Administração, quais os resultados obtidos. O passado e o presente são estudados, pesquisados no diagnóstico, para chegar aos fins do plano. No exemplo supra, do plano do serviço de saúde para diminuição da mortalidade infantil, o diagnóstico abrange, além da descrição do número de crianças mortas – isto é, hipoteticamente,

dez mortes para cada cem nascidos, com idade até um ano –, as causas – como a falta de saneamento básico da região ou desnutrição, ou falta de alimentação com determinado composto –, o que tem sido feito pelo Poder Público, quais as suas práticas e assim por diante. Aqui há declaração de vontade, um juízo que externa o pensamento da análise e aponta as causas e situações. Declaração que se desenvolve no interior do Poder Público, no exercício da função administrativa, mas que nem sempre produz efeitos jurídicos externos, ainda que se configure como ato.

Ato administrativo, no dizer de Eduardo Garcia de Enterría e Tomás-Ramón Fernandez, é “a declaração de vontade, de juízo, de conhecimento ou de desejo realizada pela Administração em exercício de uma potestade regulamentar”. Manifestações de conhecimento são os “atos certificantes”, “os diligenciamentos”, “anotações ou registros de títulos”, “documentos, atos ou trâmites” e o “levantamento de atas ou a referência a ordens verbais” ou “declarações de vontade” que decidem ou resolvem questão ou procedimento.183

Por não produzir, em regra, efeitos externos, a doutrina diverge184 e nem

todos aceitam tais atos como atos administrativos,185 ora falando em atos da administração ou apenas de atos jurídicos. Planejar é pensar e, como tal, se desenvolve no interior da máquina administrativa. Não obstante, em algumas situações, podem ser contratados, com terceiros, projetos, estudos, pesquisas, etc. Mas trata-se de ato administrativo, porque importa em declaração de vontade administrativa estatal. A atividade de planejamento, nos seus múltiplos atos, não é jamais um acontecimento ou um fato administrativo186 e é, também, incompatível com o silêncio, ao qual não pode ser dado efeito. Nesse sentido, certidão ou documento com conteúdo ou declaração falsos são tipificados como crime (arts. 297 e 299, CP); um laudo de avaliação, seja para aquisição ou alienação de bens, pelo

183 ENTERRÍA, Eduardo García de; FERNANDEZ, Tomás-Ramón. Curso de direito administrativo.

Tradução Arnaldo Setti. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 468-469.

184 Régis Fernandes de Oliveira faz um apanhado amplo da doutrina, mas abraça o entendimento de que os atos

de conhecimento, juízo e opinião “devem ser classificados como atos administrativos” (OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Ato administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 56-58).

185 Maria Sylvia Zanella Di Pietro sustenta que os atos da Administração, que não produzem efeitos jurídicos

“não são atos administrativos propriamente ditos” e inclui nestes “os atos enunciativos ou de conhecimento, que apenas atestam ou declaram a existência de um direito ou situação, como os atestados, certidões, declarações, informações”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2009. p. 191).

186 Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que a distinção entre ato jurídico e fato é que o primeiro declara,

enuncia, é fala prescritiva, “é uma pronúncia sobre certa coisa ou situação”. Fato “não diz nada”, apenas ocorre, a “lei é que fala por ele”. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 370).

Poder Público, superfaturado no primeiro, ou subavaliado no segundo caso, ou, ainda, para efeitos de garantia, são viciados e passíveis de invalidação e responsabilização dos seus autores (art. 4º, II, ‘b’; V, ‘b’ e ‘c’; VII, ‘b’, da lei n. 4.717/65), configurando, inclusive, ato de improbidade administrativa (arts. 9º, II, III, VI, X; 10, IV, V, da lei n. 8.429-92). Portanto, têm consequências jurídicas das mais diversas, basta que, internamente, seja transferido do prolator do ato a outrem, seja por protocolo, recibo, comunicação interna ou qualquer outro que o valha.

Na fase do diagnóstico são praticados inúmeros atos administrativos com a finalidade de verificar e conhecer a realidade. Segundo a classificação de Celso Antônio Bandeira de Mello, quanto à natureza da atividade, são os “atos de administração verificadora”, que “visam a apurar ou documentar a preexistência de uma situação de fato ou de direito”,187 equivalendo aos atos de “acertamento” na

Itália.

Os atos de acertamento técnico, para a doutrina italiana de Rocco e Domitilla Galli, “são operações voltadas a verificar os modos de ser, qualidade, estado de pessoas ou coisas”, e, por isso, “exigem bagagem de experiência e conhecimentos técnicos e científicos”. Seu desempenho deve ser, necessariamente, “confiado a um órgão especializado” da Administração interessada ou de outra Administração; na ausência de ambas, a “experts ou profissionais externos qualificados”. Esta solução foi adotada pela LGL (arts. 9º; 13; 22, IV, § 4º; 52, §§; 111, da Lei n. 8.666/93), pois, quando a Administração não conta com pessoal especializado, pode contratar com terceiros.

As “declarações de conhecimento” são classificadas por Diogo Freitas do Amaral na categoria de “atos instrumentais” que “não envolvem uma decisão de autoridade”, porque “são auxiliares pelos quais um órgão da Administração exprime oficialmente o conhecimento que tem de certos fatos ou situações”. Reafirma que se limitam “a verificar a existência ou a reconhecer a validade de situações que já existem”.188

187 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros,

2009. p. 417.

188 AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de direito administrativo. Coimbra-Portugal: Almedina, 2002. p. 269-270. v. II.

Faz-se, no diagnóstico, um julgamento da prática da função administrativa do objeto do plano, em que devem ser feitas perguntas tais como: (i) Quais os fatos e situações que demonstram que se está bem? (ii) Quais os fatos e situações que demonstram que se está mal? (iii) Quais as causas do que vai mal? (iv) Quais são as falhas? (v) O que já existe que dificulta a superação das falhas? (vi) Qual a distância entre a situação presente e os fins traçados no plano? (vii) O que aumenta esta distância? (viii) Quais são as necessidades? O diagnóstico faz com que o planejamento se desenvolva com conhecimento de causa. A falta de informações é uma das maiores causas dos fracassos, erros, desvios e abusos de toda ordem, que se dão no trato da coisa pública.

A fase de diagnóstico do planejamento não se reduz à descrição da realidade, mas só é possível a partir desta descrição; sem se conhecer a realidade não se pode realizar um diagnóstico. Há duas etapas complementares: a pesquisa e o juízo; aquela, para alcançar uma descrição da realidade existente, e este, para comparar o que se realiza com o que se pretende, quais as necessidades, a fim de estabelecer a distância a que se está dos objetivos do plano. Os fins e o diagnóstico formam a base de todo e qualquer planejamento.

A simples escolha de um imóvel adequado a ser desapropriado, para a construção de uma obra pública, demanda atividade de planejamento. A primeira fase é o fim, ou seja, saber qual a finalidade da obra a ser executada – se para atender ao serviço de saúde, da educação, do próprio Poder Público, etc. Feito isso, passa-se ao diagnóstico do(s) imóvel(is) disponível(veis). O órgão técnico responsável deverá formular memorial descritivo dos imóveis disponíveis, caso haja mais de um, considerando e relatando divisas e confrontações, o tamanho da área, suas características, área de influência, abordando a população e região a serem atendidos, infraestrutura disponível, como rede de abastecimento de água e coleta de esgoto, energia elétrica, telefone, vias de acesso, estacionamento, topografia do(s) imóvel(eis), documentação, tipo do solo.189 Tudo isso é documentado com desenhos, croquis, gráficos e texto. Confirmada a existência de dotação orçamentária, para a despesa, passa-se então para a fase de elaboração e publicação do decreto expropriatório, produzindo assim efeitos externos.

189 Sobre planejamento e pesquisa de imóvel, com detalhes técnicos ver: BRAUNERT, Rolf Dieter Oskar Friedrich. Como licitar obras e serviços de engenharia. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 75-76.

Os atos administrativos, praticados na fase do diagnóstico, voltam-se para o mundo fenomênico, para objetos existentes. No caso da escolha do imóvel, os atos administrativos têm natureza verificadora, com efeitos declaratórios, e só produzem efeitos no interior da Administração. O conteúdo é o próprio memorial descritivo do imóvel, com seus desenhos, croquis e gráficos, na forma escrita, que o enuncia com suas características; o objeto, o imóvel descrito.190 O conteúdo do ato administrativo, diz Weida Zancaner “tem que se referir a um objeto”, como “condição de existência do ato”; a “ausência” ou a “existência de um objeto impossível” fazem-no “material e juridicamente impossível”. O memorial de um imóvel inexistente é “um pseudo- ato”.191