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A Constituição Federal de 1988 não sistematiza o planejamento urbanístico, mas trata do assunto em diversos dispositivos, denotando a importância da matéria (arts. 21, IX, XX e XXI; 23, IX; 24, I; 25, §3º; 30, VIII; 43; 48, IV; 174; 178, I; 182, §§ 1º e 2º). Todos os entes da Federação têm competência para legislar sobre Direito Urbanístico. A União tem competência para elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação de território, de desenvolvimento econômico e social e para instituir diretrizes gerais para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos. É de competência comum dos integrantes do Pacto Federativo promover programas de construção de moradias e a melhora das condições habitacionais e de saneamento básico. Os Estados, por meio de lei complementar, instituem, organizam e planejam regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. Aos municípios compete promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso do parcelamento e ocupação do solo urbano, e instituir o Plano Diretor.

O planejamento jurídico urbanístico se dá num processo dinâmico público e democrático, com ampla participação popular, no qual são definidos os fins, estudando-se os problemas e realidades locais e diagnosticando-se as necessidades para que sejam programadas as ações. Realizam-se, assim, as escolhas político-jurídicas das medidas a serem efetuadas para se atingir as metas, culminando com o plano de juridicização da ordenação do território, o parcelamento e uso do solo, a estruturação da cidade como um todo – traçando seu desenho, criando e definindo no campo econômico áreas comerciais, industriais e de lazer –, a definição de polos turísticos e culturais, a infraestrutura de saneamento básico, transporte, serviços públicos, espaços públicos e ambientais – passando pela preservação do patrimônio histórico, artístico, cultural e estético – e a proteção ambiental e paisagismo, ordenando o pleno desenvolvimento das funções sociais para garantir o bem-estar de seus habitantes. Cuida-se, também, das construções

edilícias, do manejo e da dinâmica, da salubridade e higiene das habitações das áreas urbana e rural.92

O planejamento jurídico deve propiciar a diversidade e funcionalidade urbanística, para atender às necessidades materiais e espirituais do homem, com a finalidade de satisfazer as quatro funções sociais urbanísticas: habitação, trabalho, circulação e recreação.93

O Plano Diretor, produto do processo de planejamento, de competência dos municípios, obrigatório para as cidades com mais de vinte mil habitantes, é instituído por lei, que desenha, por meio de mapas, gráficos, plantas, croquis, memoriais, especificações e descrições,94 o planejamento estrutural do território municipal como

um todo,95 com o objetivo de ordenar racionalmente o pleno desenvolvimento das

funções sociais da urbe e garantir o bem estar de seus habitantes, atendendo às exigências de qualidade de vida, de segurança, de justiça social e do meio ambiente. Cuida-se de instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana, que racionaliza as necessidades da comunidade.

A Constituição Federal instrumentaliza o município, para que faça com que a propriedade do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, tenha seu adequado aproveitamento, cumprindo a função social, por meio de parcelamento ou edificação compulsórios, IPTU progressivo no tempo e desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública, com prazo de resgate de até dez anos

92 José Santos Carvalho Filho define “o planejamento como processo prévio de análise urbanística pelo qual o

Poder Público formula os projetos para implementar uma política de transformação das cidades com a finalidade de alcançar o desenvolvimento urbano e a melhora das condições de qualquer tipo de ocupação dos espaços urbanos. Não se trata do planejamento tomado como processo de natureza meramente técnica, ma sim do planejamento jurídico, aquele que já consta do direito positivo e espelha uma obrigação de fazer para as autoridades públicas, e não apenas uma ação dependente de sua boa vontade.” (CARVALHO FILHO, José Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro, 2009, Ed. Lumen Juris, p. 25-26).

93 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de construir. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 124.

94 Estes desenhos e gráficos de engenharia, com aprovação do Plano Diretor, por lei, transformam-se em normas de conduta, porque são juridicizados. Aplica-se a afirmação de Miguel Reale de que: “[...] o Direito é como o rei Midas. Se na lenda grega esse monarca convertia em ouro tudo aquilo em que tocava, aniquilando-se na sua própria riqueza, o Direito, não por castigo, mas por destinação ética, converte em jurídico tudo aquilo em que toca, para dar-lhe condições de realizabilidade garantida, em harmonia com os demais valores sociais.” (REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 22).

95 Jacinto Arruda Câmara faz a pertinente advertência de que: “Não é porque o plano diretor deve abranger toda a área do Município, inclusive a rural, que o legislador poderá, no exercício dessa competência específica, prescrever políticas agrárias ou disciplinar o uso de imóveis rurais. [...] tal competência será exercida no âmbito da atuação legítima do legislador municipal, que, em relação ao citado plano, deve se ater a aspectos urbanísticos.” (CÂMARA, Jacinto Arruda. Estatuto da Cidade: comentários à Lei Federal n. 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 312).

(art. 182, § 4º, I, II e III, da CF/88, e arts. 5º, 6º, 7º e 8º, da Lei n. 10.257/2001). A municipalidade pode valer-se da atividade de fomento para incentivar o uso e o desenvolvimento da propriedade urbana, segundo a função social, por meio de benefícios tributários, subvenções, etc. (art. 174, caput, da CF/88).

A União, no exercício de sua competência legislativa (art. 21, XX, c.c. arts. 182 e 183, da CF/88), criou o Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, fixando as seguintes diretrizes gerais de política urbana: cidades sustentáveis; gestão democrática; cooperação entre os governos; iniciativa privada e setores da sociedade; planejamento do desenvolvimento; distribuição espacial da população e das atividades econômicas; oferta de equipamentos urbanos e comunitários; ordenação e controle do uso do solo; integração e complementaridade entre atividades urbanas e rurais; adoção de padrões de produção e consumo de bens; justa distribuição dos benefícios e ônus; adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira dos gastos públicos; recuperação de investimentos públicos; proteção, preservação e recuperação do meio ambiente; regularização fundiária e urbanização; simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo; e isonomia de condições nos empreendimentos urbanísticos.

Todo e qualquer ato do planejamento urbanístico, que envolva receita ou despesa pública, deve passar pelo planejamento orçamentário, conforme o caso (PPA, LDO e LOA). Planos que contenham a execução de obras públicas devem contar com dotações orçamentárias próprias. Incentivos fiscais para o fomento de determinadas atividades em locais, que demandem alguma atividade, com renúncia de receita tributária, por exemplo, com reflexo orçamentário, passam pelas leis de meio.

O parcelamento do solo é feito mediante loteamento ou desmembramento,96 com a subdivisão de glebas em lotes, destinados a edificações, envolvendo ou não, conforme o caso, abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos, prolongamento, modificação ou ampliação de vias já existentes – contendo

96 A Lei Federal n. 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, nos §§ 1º e 2º, do art. 2º, distingue loteamento de desmembramento, o primeiro por envolver a abertura de novas vias e, o segundo, não, por contar com a infraestrutura já existente no local.

infraestrutura básica com equipamentos urbanos de escoamento de águas pluviais, iluminação pública, redes de esgoto sanitário e abastecimento de água potável, de energia elétrica pública e particular e as vias de circulação pavimentadas ou não. O parcelamento é regulado por lei, mas é aprovado por ato administrativo municipal. Cada município tem sua legislação própria, segundo a realidade local de cada qual.

O zoneamento divide, por lei, o território do município em zona urbana, zonas urbanizáveis, zonas de expansão urbana e zona rural e, ainda, reparte a territorialidade municipal, segundo a destinação de uso e ocupação do solo de acordo com as atividades exercidas, estabelecendo as áreas residenciais, comerciais, industriais, de serviços, de usos especiais e institucionais, proibindo ou permitindo, com maior ou menor intensidade, o uso exclusivo ou misto de uma ou mais atividades.97

O código de obras, instituído por lei, regula os espaços edificáveis e seus entornos, trata das questões relativas à estrutura, função, forma, segurança e salubridade das construções, com a finalidade de assegurar as condições mínimas de habitabilidade e funcionalidade da edificação. Estabelece, também, normas técnicas para execução de obras e os parâmetros para fiscalização do andamento das obras e aplicação de penalidades.

Código de posturas, também, criado por lei municipal, estabelece critérios para o uso e desenvolvimento de atividades em espaços públicos e privados, levando em conta a relação entre direitos individuais das pessoas e o bem-estar da coletividade. Trata de questões de salubridade e higiene relativas ao uso das edificações.

O princípio da legalidade impera no planejamento urbanístico. A Constituição assegura o direito de propriedade – impondo que esta cumpra sua função social (art. 5º, XXII, XXIII, da CF/88) – e o Código Civil o disciplina (arts. 1.228 a 1.237, da Lei n. 10.406/2002, Novo Código Civil). O Plano Diretor deve ser instituído por lei (art. 182, § 1º, da CF/88), assim como o código de obras ou de edificações e o código de posturas, porque impõem limitações e restrições ao direito de propriedade e fixam a

97 Lúcia Valle Figueiredo diz ser imperioso “que uma Lei de Zoneamento defina, de maneira genérica, clara,

precisa e inequívoca, os parâmetros consoante os quais determinada zona será classificada como ZER (destinada estritamente ao uso residencial), ZM (zona mista), ZOE (de ocupação especial) etc.” (FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina urbanística da propriedade. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 118).

função social da propriedade urbana. A função administrativa de aplicação da lei é regida pelo princípio da legalidade (art. 37, caput, da CF/88).

O Direito Urbanístico, como ramo autônomo do direito público, é formado por um conjunto de normas que regula a atividade urbanística. Atualmente, pode-se falar em regime jurídico-urbanístico,98 integrado por regras e princípios que o identificam e ao qual devem se submeter todos os atos urbanísticos. São seus princípios informadores: legalidade, vida social da cidade, função social da propriedade, coesão dinâmica, solidariedade, subsidiariedade e planejamento, dentre outros.99

O planejamento jurídico-urbanístico, para qualquer dos entes da Federação, se dá na moldura constitucional. O Plano Diretor Municipal, além da quadra normativa da Carta Magna, deve se ajustar aos ditames do Estatuto da Cidade. Assim, não pode a União, a título de legislar sobre diretrizes gerais, sob o pretexto de ordenar território, reservar área de uso privativo de determinada raça, cor, sexo, ou de acordo com as convicções ideológicas ou religiosas. Ou, ainda, o município, no seu Plano Diretor, não pode abolir espaços públicos, sob o argumento de garantir segurança pública, quando as praças e as áreas de lazer atuam como espécie de quintal para os menos favorecidos, que não os têm em suas moradias. Os direitos fundamentais impõem sejam garantidos e protegidos, no planejamento urbanístico, nunca violados.

98 Celso Antônio Bandeira de Mello assevera “que há uma disciplina jurídica autônoma quando corresponde a

um conjunto sistematizado de princípios e regras que lhe dão identidade, diferenciando-as das demais ramificações”. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 52).

99 A doutrina oferece diversos princípios. Daniela Campos Libório Di Sarno sustenta os seguintes princípios como próprios do Direito Urbanístico: função social da cidade; função social da propriedade; coesão dinâmica; princípio da subsidiariedade; princípio da repartição de ônus e distribuição de benefícios; planejamento. (DI SARNO, Daniela Campos Libório. Elementos de direito urbanístico. Barueri: Manole, 2004. p. 47-55). Regina Helena Costa aponta: princípio da função social da propriedade; princípio da subsidiariedade; princípio de que o urbanismo é função pública; princípio da afetação das mais-valias ao custo da urbanificação. (COSTA, Regina Helena. Princípios de Direito Urbanístico na Constituição de 1988. In: DALLARI, Adilson Abreu; FIGUEIREDO, Lúcia Valle. (Coords). Temas de direito urbanístico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 127). Nélson Saule Júnior arrola “os princípios do direito à cidade na Carta Mundial: gestão democrática da cidade; função social da cidade; função social da propriedade; exercício pleno da cidadania; igualdade, não discriminação; proteção especial de grupos e pessoas vulneráveis; compromisso social do setor privado; impulso à economia solidária e a políticas impositivas e progressivas”. (SAULE JÚNIOR, Nélson. Direito urbanístico: vias jurídicas das políticas urbanas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2007. p. 40).