• Nenhum resultado encontrado

3.3 Planejamento e atos administrativos preparatórios

3.3.1 Planejamento e pareceres

Pareceres técnicos ou técnico-jurídicos, que analisam a realidade e as causas, apontadas na fase de diagnóstico, e indicam soluções, métodos, esclarecimentos, caminhos para alcançar os fins do plano, são atos administrativos preparatórios, desenvolvidos na atividade de planejamento administrativo. No dizer de Celso Antônio Bandeira de Mello, “são atos de administração consultiva”, que visam a “informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa”.214 Os pareceres jurídicos analisam a

212 MAXIMIANO, Antonio Cesar Amaru. Administração de projetos. São Paulo: Atlas, 2009. p. 25.

213 Usina Hidrelétrica de Itaipu. In: WIKIPÉDIA. A enciclopédia livre. Disponível em:

<http://pt.wikipedia.org/wiki/Usina_Hidrel%C3%A9trica_de_Itaipu>. Acesso em: 20 out. 2009.

214 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros,

legalidade dos planos, segundo o direito posto. Não se trata aqui de assumir defesa de posições e decisões anteriormente adotadas, ou ainda, para utilizar uma expressão de Santo Agostinho, de “tagarelices para ganhar causas”,215 mas de análises, informações e conselhos prévios, elucidando, ilustrando, servindo de base para as decisões a serem tomadas, voltadas para o futuro. Pareceres, que não são prévios, não constituem atos de planejamento, mas de defesa ou de acudimento de atos e decisões anteriores; portanto, voltam-se para o passado, enquanto os atos preparativos do plano tendem ao futuro.

A atividade administrativa, diz José Roberto Dromi, “é variada e complexa” e impõe a “colaboração específica de órgãos de consulta, técnicos e profissionais”, com competência para “dar seus pareceres em assuntos administrativos e governamentais, resultado da crescente complexidade da função administrativa”. A função dos órgãos consultivos “é uma atividade preparatória das decisões dos órgãos ativos da Administração”, que se traduz na formulação de uma opinião técnica qualificada, em seus aspectos “intrínsecos e extrínsecos”, faz “parte dos atos prévios à emissão da vontade” e integra “uma etapa de caráter consultivo- deliberativo” no procedimento administrativo de “formação da vontade estatal”.216

Os pareceres se dividem em facultativos, obrigatórios e não vinculantes e obrigatórios e vinculantes (Lei n. 9.784/99, art. 42, §§ 1º e 2º).217 A emissão dos primeiros é facultativa; a lei não a impõe. É dever legal a emissão do parecer obrigatório não vinculante, mas suas conclusões não atrelam o órgão de decisão, que pode ou não acatá-las. No terceiro caso, o parecer é de emissão imperativa e suas conclusões devem ser seguidas pelo órgão de decisão. Neste último, quem acaba por decidir é o órgão consultivo, que emite o parecer, de obediência

215 Santo Agostinho, ao falar da sua vida como professor de retórica, diz que “vendia tagarelices para ensinar a ganhar causas”, AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução Maria Luiza Jardim Amarante. São Paulo: Paulus, 1997, p. 90.

216 DROMI, José Roberto. Manual de derecho administrativo. Buenos Aires: Astrea, 1987.t. I. p. 201-203.

217 Oswaldo Aranha Bandeira de Mello classifica o parecer em: a) facultativo, que “consiste em opinião por

solicitação de órgão ativo ou de controle, sem que qualquer norma jurídica determine sua solicitação, como preliminar à emanação do ato que lhe é próprio”; b) obrigatório, que “consiste em opinião emitida por solicitação de órgão ativo ou de controle, em virtude de preceito normativo que prescreve sua solicitação, como preliminar à emanação do ato que lhe é próprio”; e c) conforme ou vinculante, o qual a Administração Pública “não só deve pedir ao órgão consultivo, como deve segui-lo ao praticar o ato ativo ou de controle”. (BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios gerais de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 583- 584). Sobre parecer facultativo, obrigatório e vinculante na doutrina estrangeira ver: GALLI, Rocco; GALLI, Domitilla. Corso di diritto amministrativo. Padova-Itália: Cedam, 2001. v. II. p. 656-658. CHAPUS, René. Droti administratif general. Paris: Montechrestien, 2001. t. 1. p. 1.113-1.115.

impositiva pelo órgão de decisão, que se limita a cumprir mera formalização do que já estava pré-determinado. Parecer vinculante, advertem Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, “não é parecer: é decisão”.218

Parecer técnico deve ser do setor do objeto do plano ou mesmo de vários setores, quando envolve mais de uma área. São os denominados “serviços técnicos profissionais” que, no dizer de Hely Lopes Meirelles, “exigem habilitação legal para sua execução”, que varia “desde o simples registro profissional ou firma na repartição administrativa competente até o diploma de curso superior oficialmente reconhecido”, caracterizado pela “privatividade de sua execução por profissional habilitado”. Os serviços técnicos profissionais podem ser “generalizados, especializados e especializados de natureza singular”.219 Parecer de engenharia civil

só pode ser proferido por engenheiro civil, com inscrição no CREA (lei n. 5.194/66, arts. 2º, 3º, 4º, 7º); o parecer de medicina, por médicos inscritos no CRM (lei n. 3.268/57, arts. 17 a 19); parecer jurídico, por membros da Advocacia Geral da União, procuradores dos Estados (arts. 131 e 132, CF) e advogados, todos com inscrição na OAB (lei n. 8.906/94, arts. 1º e 3º), e assim por diante. A análise, opinião, conclusão, indicação, só têm relevância e valor se forem proferidas por profissional da matéria e com experiência, sob pena de se transformarem em mero palpite.

Parecer técnico ou jurídico como ato preparatório, emitido no exercício da atividade de planejamento, é somente aquele que, diante dos fins do plano, na fase do diagnóstico, em face da realidade vivida, aponta as causas e indica soluções, envolvendo a etapa de programação, segundo a sua área de conhecimento. Quando adotado, o parecer passa a fazer parte integrante da decisão administrativa e contém a motivação do ato.220 Médicos, na elaboração de um plano de redução de determinada doença em região específica, na confecção de um parecer, devem indicar as causas e propor soluções, que podem ir desde o acréscimo de alimentação que contenha um tipo de vitamina de que é desprovida a população ou

218 FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 178. No mesmo sentido AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de direito administrativo. Coimbra: Almedina, 2002. v. I. p. 274.

219 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 59.

220 Neste sentido a doutrina de DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas,

vacinação dos habitantes, ou, ainda, à construção de determinada obra, como, por exemplo, de saneamento básico na localidade, com o fornecimento de água potável e coleta domiciliar de esgoto ou canalização deste que corre a céu aberto. O parecer auxilia e prepara a medida a ser tomada no exercício da função administrativa.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Segurança n. 24.073-3/DF, que cuida da responsabilidade do advogado, que emite parecer jurídico, solidariamente com o administrador, decidiu pela impossibilidade de responsabilização, sob o fundamento de que “o parecer não é ato administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva”, conforme a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, que invoca e transcreve, visando a “informar, elucidar, sugerir providências administrativas”. Reconheceu que o advogado “somente será civilmente responsável pelos danos causados”, decorrentes “de erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticados com culpa, em sentido largo”.221 De qualquer forma, o parecer ficou reconhecido, neste julgado, como ato

preparatório, na atividade de planejamento administrativo.

Para planos complexos e de vulto são necessários pareceres elaborados por profissionais de alto grau de conhecimento. Tanto que a Lei n. 8.666/93, sempre preocupada com o planejamento, fala em “serviços técnicos profissionais especializados”, trabalhos relativos a “estudos técnicos, planejamento, projetos básicos ou executivos, pareceres, perícias e avaliações em geral, assessorias e consultorias técnicas” (art. 13, I, II e III). Todas estas atividades são atos administrativos preparatórios, desenvolvidos no planejamento administrativo. São serviços que podem ser contratados por licitação, na modalidade concurso (arts. 13, § 1º; 22, § 4º e 52), ou diretamente, com inexigibilidade de licitação (art. 13, § 1º; 25, II, § 1º). Impõe, ainda, que sejam juntados, no procedimento licitatório, “pareceres

221 Diz a ementa do referido acórdão: “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE

CONTAS. TOMADA DE CONTAS: ADVOGADO. PROCURADOR: PARECER. C.F., art. 70, parágrafo. único, art. 71, II, art. 133. Lei n. 8.906, de 1994, art. 2º, § 3º, art. 7º, art. 32, art. 34, IX. I. Advogado de empresa estatal que, chamado a opinar, oferece parecer sugerindo contratação direta, sem licitação, mediante interpretação da lei das licitações. Pretensão do Tribunal de Contas da União em responsabilizar o advogado solidariamente com o administrador que decidiu pela contratação direta: impossibilidade, dado que o parecer não é ato administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva, que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa (Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de direito administrativo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 377). II. O advogado somente será civilmente responsável pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros, se decorrentes de erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticado com culpa, em sentido largo: Cód. Civil, art. 159; lei n. 8.906/94, art. 32. III. Mandado de Segurança deferido”. (MS n. 24.073-3/DF, Rel. Min. Carlos Velloso, Julgado em 06/11/2002). Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 21 out. 2009.

técnicos ou jurídicos emitidos sobre a licitação, dispensa ou inexigibilidade” (art. 38, III). E, como atividade de controle, determina que as “minutas de editais de licitação, contratos, acordos, convênios ou ajustes” sejam “previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração” (parágrafo único do art. 38).

O Supremo Tribunal Federal decidiu, no Mandado de Segurança n. 24.584- 1/DF, que, se o parecer jurídico emitido com fulcro no art. 38, da Lei n. 8.666/93, “quanto a editais de licitação, contratos, acordos, convênios e ajustes não se limita a simples opinião, alcançando a aprovação”, cabe a responsabilização do seu prolator.222 O Tribunal de Contas da União vem decidindo pela responsabilidade dos autores de pareceres jurídicos.223 Aqui, não se trata propriamente de planejamento,

mas de controle do que foi feito.

A bem da verdade, a Lei Geral de Licitações e Contratos fecha o cerco, impondo como dever a atividade de planejamento, de maneira que, na ausência de pessoal capacitado nos quadros do Poder Público, determina a contratação, não de serviços técnicos comuns, mas de “serviços técnicos profissionais especializados” que, no magistério de Hely Lopes Meirelles, “são aqueles que, além de habilitação técnica e profissional normal”, sejam realizados “por quem se aprofundou nos estudos, no exercício da profissão, na pesquisa científica”, ou, ainda, “através de

222 A ementa do julgado reza: “ADVOGADO PÚBLICO – RESPONSABILIDADE – ART. 38 DA LEI N.

8.666/93 – TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO – ESCLARECIMENTOS. Prevendo o artigo 38 da Lei n. 8.666/93 que a manifestação da assessoria jurídica quanto a editais de licitação, contratos, acordos, convênios e ajustes não se limita a simples opinião, alcançando a aprovação, ou não, descabe a recusa à convocação do Tribunal de Contas da União para serem prestados esclarecimentos.” (MS n. 24.584-1/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, Julg. em 09/08/2007). Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 21 out. 2009.

223 Do TCU, veja-se os seguintes acórdãos: AC N. 462/2003, Rel. Min. ADYLSON MOTTA, D.O.U. 07 abr.

2003; AC N. 1.616/2003, Rel. Min. AUGUSTO SHERMAN CAVALCANTI, D.O.U. 07 nov. 2003; AC N. 1.412/2003, Rel. Min. LINCOLN MAGALHÃES DA ROCHA, D.O.U. 29 ago. 2003; AC N. 206/2007, Rel. Min. AROLDO CEDRAZ, D.O.U. 02 mar. 2007; AC N. 342/2007, Rel. Min. MARCOS BEMQUERER, D.O.U. 02 mar. 2007; AC N. 2.189/2006, Rel. Min. GUILHERME PALMEIRA, D.O.U. 11 ago. 2006; AC N. 3.564/2006, Rel. Min. MARCOS BEMQUERER, D.O.U. 08 dez. 2006; AC N. 1.116/2004, Rel. Min. WALTON ALENCAR RODRIGUES, D.O.U. 19 mai. 2004; AC N. 512/2003, Rel. Min. WALTON ALENCAR RODRIGUES, D.O.U. 03 abr. 2003; AC N. 147/2006 - Plenário, Rel. Min. BENJAMIN ZYMLER, D.O.U. 21 fev. 2006; AC. N. 1.427/2003, Rel. Min. WALTON ALENCAR RODRIGUES, D.O.U. 17 jul. 2003; AC N. 1.524, Rel. Min. AUGUSTO SHERMAN CAVALCANTI, D.O.U. 28 jul. 2005; AC N. 789/2006, Rel. Min. GUILHERME PALMEIRA, D.O.U. 10 abr. 2006; AC N. 1.116/2004, Rel. Min. WALTON ALENCAR RODRIGUES, D.O.U. 19 mai. 2004; AC N. 19/2002, Rel. Min. GUILHERME PALMEIRA, D.O.U. 07 fev. 2002; AC N. 364/2003, Rel. Min. GUILHERME PALMEIRA, D.O.U. 28 abr. 2003. Tribunal de Contas da União. Disponível em: <www.tcu.gov.br>. Acesso em: 21 out. 2009. Na doutrina sobre a responsabilidade da assessoria jurídica na emissão de pareceres ver: JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética, 2009. p. 506-509. FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 283-290.

cursos de pós-graduação ou de estágios de aperfeiçoamento”. Tais serviços são considerados de “alta especialização e de conhecimentos pouco difundidos entre os demais técnicos de mesma profissão”.224 Demandam, pois, contratos a serem efetuados para o adequado planejamento administrativo.