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CAPÍTULO 2 – REFERÊNCIAL TEÓRICO

2.2. ACESSO À JUSTIÇA NO BRASIL

2.2.3. Problemas que Conduziram à Questão do Acesso à Justiça

O problema que mais salta à vista para um efetivo acesso à justiça é o custo do processo. Trata de um problema relacionado com as custas judiciais devidas aos órgãos jurisdicionais, com os honorários e sucumbência dos advogados, com os salários dos juízes e do pessoal auxiliar, e com as despesas indispensáveis para a produção de provas. Como uma considerada parcela da população brasileira possui dificuldades financeiras, dessa forma, poucos poderão dispor do seu orçamento, sem sacrifícios, para pagar o custo do processo.

A regra da sucumbência para o vencido é aproximadamente duas vezes maior, porque terá que pagar os honorários do próprio advogado e também do outro

que representa a parte vencedora. Frise-se que os honorários advocatícios constituem-se na despesa individual mais importante para os litigantes, e podem variar muito, pois os serviços dos advogados são muito caros.

Pode ainda ser considerada uma barreira ao acesso à Justiça a questão do custo processual nas causas de pequena monta, caso precise de processo judicial formal para solucionar o litígio, pode se dá em virtude do custo processual, por ultrapassar o montante da controvérsia, ou ainda, pelo fato de consumir o conteúdo do pedido tornando a demanda uma futilidade.

É inegável que os obstáculos sociais também contribuem para o acesso à Justiça, principalmente com relação ao réu, porém no que se refere ao autor a efetivação da proteção dos direitos é mais nítida. Mesmo que o cidadão possua convicção da violação ou ameaça de seus direitos, o custo do processo ainda será impedimento para que este proponha a devida ação.

Embora se tente minimizar o problema do custo processual, dificilmente ele será extinto, por exemplo, quando existe a consciência de uma série de provas necessárias da intervenção de profissionais privados, e que a parte poderá participar, mediante a intervenção de assistente técnico da produção da prova pericial, necessitando, então, arcar com as despesas deste assistente.

Outro problema que conduz à questão do acesso à Justiça é o tempo do processo. É importante saber se vai repercutir sobre a efetiva proteção do direito material. Para a doutrina é formidável saber sobre a demora do processo para poder compreender o direito processual civil. Um dos assuntos mais recentes na história do processo é a relação entre a aspiração à certeza, a exigir ponderação e mediação do Juiz, e a busca de celeridade na definição do litígio.

A partir da delonga processual surgem efeitos que ocasionam o aumento dos custos para as partes, assim como é uma forma de pressionar os economicamente fracos a abandonar suas causas, ou fazer com que aceitem acordos cujos valores são bastante inferiores àqueles a que têm direito.

Sendo assim, a possibilidade das partes é um ponto fundamental quando se conjetura a denegação ou a garantia do acesso à justiça, podendo gerar aos litigantes vantagens ou desvantagens estratégicas de difícil avaliação precisa, capaz de isolar algumas delas e sujeitar outras hipóteses. Logo, a demora no processo pode trazer vantagens para o réu e desvantagem para o autor, ou seja, para quem não tem ou tem razão.

As pessoas ou organizações que dispõem de recursos financeiros consideráveis a serem utilizados, na propositura ou defesa da ação, obviamente terão vantagens, a exemplo, poderem pagar para litigar, como também poderem suportar as delongas do litígio. A parte que dispor de uma dessas capacidades pode ter uma arma poderosa, tornando plausível quanto efetiva a ameaça de litígio. Tendo uma parte possibilidade de gastar mais que a outra, poderá apresentar seus argumentos de maneira mais eficiente. Esse problema é realçado quando existem julgamentos passivos, pois deixou às partes a tarefa de obter e apresentar as provas, de desenvolver e discutir a causa.

A acessibilidade da justiça pode ser determinada pela capacidade jurídica pessoal; por sua vez, relaciona-se com as vantagens de recursos financeiros e diferenças de educação, meio e status social. São barreiras difíceis de superar na maioria dos processos, senão pela maioria das pessoas comuns. A aptidão para reconhecer um direito é uma barreira que atinge, além dos pobres, toda a população em vários tipos de conflitos que envolvam direitos, em virtude da falta de conhecimento jurídico básico para fazer objeção ao direito, e de que maneira a pessoa pode ajuizar uma demanda. É difícil mobilizar pessoas no sentido de usarem o sistema judiciário para demandar direitos não tradicionais, tais como o divórcio.

De modo geral, a lentidão do processo atinge mais as pessoas com menos recursos financeiros. Se o autor não depende economicamente do valor em litígio, prontamente não será afetado como aquele que tem seu projeto de vida vinculado à consecução do bem objeto do processo. Todavia, em muitos casos a demora processual faz com que o autor ceda; conseqüentemente, contribui para que ocorra o abuso do direito de defesa, por exemplo, com o autor tendo que fazer acordo para não aguardar por muito tempo o desfecho do processo.

Os litigantes habituais apresentam mais vantagens que os litigantes eventuais, em virtude da experiência judicial mais extensa. De acordo com Galanter (apud CAPPELETTI, 2002, p. 25), são elas:

1) maior experiência com o direito possibilita-lhes melhor planejamento do litígio; 2) o litigante habitual tem economia de escala, porque tem mais casos; 3) o litigante habitual tem oportunidades de desenvolver relações informais com os membros da instância decisora; 4) ele pode diluir os riscos da demanda por maior número de casos; e 5) pode testar estratégias com determinados casos, de modo a garantir expectativa mais favorável em relação a casos futuros.

Nessa perspectiva, os litigantes organizacionais são mais eficientes que os indivíduos. Os problemas são menores quando mobilizam as empresas para tirar vantagem de seus direitos.

Direitos patrimoniais, de personalidade e do meio ambiente não podem aguardar o “tempo normal da justiça”, sob pena de serem transformados em direitos à indenização. Dessa forma, a morosidade da justiça prejudica a efetividade dos direitos fundamentais. É ingênuo dizer que a lentidão processual é de responsabilidade do Juiz, pois este aplica a legislação processual à luz do direito fundamental à tempestividade e à efetividade da tutela jurisdicional, e ainda evita a protelação e a distribuição do tempo do processo entre as partes. Assim, o Juiz tem o dever político e social de valer-se de todos os instrumentos que estão ao seu dispor, para prestar a tutela jurisdicional de forma tempestiva e efetiva.

O problema básico que os interesses difusos apresentam, segundo Cappelleti (2002, p. 26), “é que, ou ninguém tem direito a corrigir a lesão a um interesse coletivo, ou o prêmio para qualquer indivíduo buscar essa correção é pequeno demais para induzi-lo a tentar uma ação”. Outra barreira relaciona-se com a organização das pessoas na coletividade para reivindicar um interesse difuso, já que elas podem estar dispersas, carentes de informação, ou ainda serem incapazes de combinar uma estratégia comum.

No contexto brasileiro, Fonseca (2007, p. 120) fala do acesso à justiça em três grandes ondas, a saber:

„ondas cappellettianas‟, sendo a primeira onda foi a „assistência judiciária para os excluídos‟; a segunda onda, a „representação de interesses difusos‟ dos direitos coletivos e grupais; a terceira onda, a passagem do acesso à representação em juízo a uma concepção mais ampla de acesso à justiça, um novo enfoque de acesso à justiça.

Assim, quando o governo falha na proteção dos interesses difusos, recomenda-se a necessidade de mobilizar a proteção privada para superar a fraqueza da máquina governamental, contudo, não é tão fácil.

Os sistemas jurídicos criaram barreiras para as pequenas causas e para os autores individuais, principalmente os pobres; simultaneamente as vantagens encontram-se nos litigantes organizacionais, que utilizam o sistema para alcançar seus próprios interesses. Dessa forma, os indivíduos terão mais problemas para afirmar seus direitos ao reivindicá-los quando a questão envolva danos pequenos contra grandes organizações.

Os direitos substantivos, que são característicos do moderno Estado de bem estar-social, somam esforços para apoiar os cidadãos contra os governos, os consumidores contra comerciantes, o povo contra os poluidores, os locatários contra os locadores, os operários contra os patrões e sindicatos. Noutra banda o interesse econômico de qualquer pessoa provavelmente será pequeno.

Destaque-se que muitos obstáculos para o acesso à Justiça estão inter- relacionados, não podendo ser eliminado um por outro, ou seja, melhorar o acesso por um lado e piorar por outro. É certo que os litigantes de baixo nível econômico e educacional provavelmente não terão a capacidade de apresentar seus próprios casos, de modo eficiente, pois poderão ser mais prejudicados do que beneficiados.