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Racionalização Administrativa na Administração Pública

2. Revisão de Literatura

2.3. Racionalização Administrativa na Administração Pública

A presente secção tem por objetivo apresentar a definição do termo racionalização administrativa a ser entendido neste trabalho de investigação. Para tal, considera-se importante esclarecer a distinção do significado da expressão “racionalização” nos campos da ciência onde esta é mais frequentemente empregada para além do seu aspeto econômico, a saber, na psicologia e na sociologia, com o intuito de minimizar a possibilidade de interpretações distorcidas. Compreendida a distinção, será possível tratar o conceito de racionalização administrativa na maneira em que é interpretada no âmbito da administração, nomeadamente na Administração Pública.

26 2.3.1. Entendendo a expressão “racionalização”

Durante as pesquisas realizadas neste trabalho de investigação foi possível identificar que o termo racionalização é mais comumente empregado pela psicologia e pela sociologia. Desta feita, será apresentado como cada um destes campos do conhecimento percebem o significado e empregam a expressão.

Constatou-se que para a psicologia, a racionalização é um dos mecanismos de defesa mais comumente utilizado pelos indivíduos para evitar o sentimento de culpa. “Na concepção de Freud (1894/1973), os mecanismos de defesa teriam uma função de proteção ao indivíduo, ameaçado em seu equilíbrio psíquico por emoções, ideias e impulsos, que lhe trariam sofrimento” (Yoshida 1998: 7). Assim, neste campo do conhecimento, a racionalização pode ser descrita como um processo psíquico em que o indivíduo cria uma justificativa falsa para não reconhecer uma verdadeira que, por sua vez, lhe causaria culpa ou remorso.

Já a sociologia apresenta que o emprego sistemático da razão e do exame da realidade, traço característico dos racionalistas – pensadores do século XVII – representou um grande avanço para libertar o conhecimento do controle teológico e da tradição. O progresso das formas de pensar, fruto das novas maneiras de produzir e viver, contribuiu para afastar interpretações baseadas em superstições e crenças infundadas. A crescente racionalização da vida social representou um aspecto central da modernidade que se manifestou, especialmente na sociedade ocidental, em aspectos como o comportamento no mercado capitalista e a expansão da ciência e tecnologia modernas. O progresso da civilização no Ocidente foi regido pela lógica da vida social e a modernidade não só deriva da diferenciação da economia capitalista e do Estado, mas também de uma reordenação racional da cultura e da sociedade (Martins 1994; Thiry-Cherques 2009).

Percebe-se, portanto, que a racionalização faz referência a um processo no qual as ações e decisões das pessoas se baseiam em considerações voltadas para o objetivo a que se pretende, em substituição às motivações oriundas da moral, da emoção ou da tradição. Nesse aspecto, Lima e Afonso (1993: 35) reforçam que “a racionalidade técnica, no sentido de Habermas6, oposta à racionalidade

hermenêutica e à racionalidade emancipatória, é certa e objetiva, acentua o controle e a mensuração dos resultados, é neutra e livre, ou acima, de valores”. Assim, é possível complementar que a racionalização atesta sua própria validade na medida em que se apresenta como resultado de uma escolha por uma posição mais preferível ou justificável, por cálculos ou opções lógicas.

6Jürgen Habermas é filósofo e sociólogo alemão que dedicou sua vida ao estudo da democracia destacando-se, entre outros aspectos, pelas

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É possível constatar, assim, que o sentido sociológico será o caminho que levará a definição de racionalização que se pretende no presente estudo na medida em que o termo pode ser caracterizado como a aplicação do pensamento racional, fundamentado em cálculos ou opções lógicas e reais, deixando de lado crenças religiosas ou hábitos culturalmente consolidados, quando da aceitação ou escolha de soluções para as diversas questões existentes. A racionalização pode ser entendida, portanto, como o processo que confere significado à diferenciação de linhas de ação.

2.3.2. A relação entre Racionalização Administrativa e a Administração Pública

Racionalização pode ser definida como um processo de busca do modo óptimo (sentido idealístico) ou do melhor modo possível (sentido utilitarista) na realização do fim. Neste sentido, eficiência e eficácia devem andar juntas, significando que, em qualquer empreendimento ou organização, deve-se sempre buscar o melhor resultado, com o menor esforço ou custos possíveis (Gabardo 2002; Santos 2003). Percebe-se, então, interessante ligação entre racionalização na gestão de organizações (racionalização administrativa) e o conceito de eficiência apresentado na secção 2.1.3, a saber, a relação entre inputs e outputs.

“Ao nos referirmos sobre racionalização, temos, também segundo o dicionário Aurélio, que consiste em ‘ato ou efeito de racionalizar, simplificação e aperfeiçoamento de uma técnica, de modo que melhore o rendimento’, e que adaptação consiste em ‘ajustar, adequar’”. (Lorenzon 2011: 45)

Diante do exposto, é possível apresentar a racionalização administrativa como o processo de direcionamento das decisões relativas à estrutura organizacional e processos organizacionais no sentido de otimizar procedimentos, processos, pessoal, meios e estruturas na busca da melhor relação possível entre insumos (inputs) e produtos (outputs). Assim, não seria exagero afirmar que a racionalização administrativa consiste em importante passo na busca pela melhoria dos níveis de eficiência das organizações sujeitas à Administração Pública.

Historicamente, o processo de racionalização econômica levou à eliminação dos recursos ineficientes. A Revolução Industrial introduziu um novo modo de produzir que inclui o trabalho coletivo, a perda do controle do processo de produção pelos trabalhadores e a compra e venda da força de trabalho, dentre outras características. Neste contexto, no final do século XIX e início do século XX apareceram os primeiros trabalhos tratando da administração com o objetivo de racionalização do trabalho (Matos e Pires 2006; Thiry-Cherques 2009).

A ideia da racionalização na gestão das organizações tem suas primeiras referências marcantes na Teoria da Administração Científica de Taylor que pregava, entre outros, a aplicação de métodos e

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sistemas de racionalização do trabalho na busca por aumento nos índices de produtividade. Por sua vez, a Teoria Clássica de Fayol propôs a racionalização da estrutura administrativa com as organizações passando a ser entendidas como síntese dos diversos órgãos que compõem as suas estruturas. Já a Teoria Burocrática de Weber identifica certas características da organização formal voltada exclusivamente para a racionalidade e para a eficiência (Matos e Pires 2006).

Verifica-se que as tantas teorias precursoras da organização do trabalho reputam ao processo de racionalização a classificação de ferramenta eficaz na melhoria dos índices de produtividade. Esta característica foi trazida à tona no estudo da Administração Pública (AP) após o rompimento com o patrimonialismo e o estabelecimento da administração pública burocrática. Assim, a racionalização trazida pela reforma burocrática criou o alicerce para o surgimento de uma burocracia profissional, constituindo-se em importante passo na evolução.

Na medida em que se observa que a concepção de racionalização administrativa guarda relação direta com a melhor relação inputs-outputs, é possível inferir seu contributo à melhora nos níveis de eficiência da AP. Tendo surgido juntamente com a concepção do modelo burocrático, consolidou-se ao longo do tempo na medida em que seu emprego isento de distorções oferece subsídios à AP na incessante busca por melhores índices de desempenho e resposta às necessidades da sociedade, contribuindo com o objetivo de “oferecer à sociedade um serviço público de melhor qualidade, em que o critério de êxito seja sempre o do melhor atendimento ao cidadão-cliente a um custo menor” (Bresser- Pereira 2000: 18).