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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 As transformações no mundo do trabalho e a contemporaneidade

2.1.3 Reflexões sobre a contemporaneidade

Nesta seção, será apresentado o pensamento de Bauman sobre a modernidade e as transformações que ocorrem na pós-modernidade. Diante dessa descrição, é possível analisar as questões que perpassam esses dois períodos e refletir sobre suas implicações sobre o trabalho.

Para representar a contemporaneidade, Bauman (2001) utiliza a metáfora da fluidez dos líquidos. Eles não mantém sua forma com facilidade, nem se prendem ao tempo e ao espaço. Essa comparação serve para esclarecer que vivenciamos o derretimento do que é sólido: as tradições, os direitos costumeiros, as obrigações. Fato que o pensador caracteriza como Modernidade Líquida. Portanto, a tendência atual é desfazer tudo que impede esse movimento de liquidez. No âmbito do trabalho, por exemplo, liberta-se a empresa das obrigações com as famílias e com obrigações éticas (BAUMAN, 2001, p.12).

Presenciamos um momento de incertezas e inseguranças. Bauman (1998), no seu livro “O mal-estar da Pós-modernidade”, faz uma análise da obra de Freud “O mal-estar da Civilização” e nos apresenta aspectos interessantes sobre as mudanças ocorridas no mal- estar da modernidade e da pós-modernidade. Na modernidade, o homem civilizado trocou a felicidade pela segurança, ou seja, resolveu limitar a liberdade em nome da segurança. Na pós-modernidade ocorre o inverso, o homem troca suas possibilidades de segurança em busca da felicidade.

Os mal-estares da Modernidade provinham de uma espécie de segurança que tolerava uma liberdade pequena demais na busca da felicidade individual. Os mal-estares da Pós-modernidade provém de uma espécie de liberdade a procura do prazer que tolera uma segurança individual pequena demais (BAUMAN, 1998, p.10).

Concomitante a falta se segurança, presenciamos uma falta de reação de defesa ao que nos afeta negativamente. Han (2015) relata, em sua obra Sociedade do Cansaço, que o século XXI é marcado pelas enfermidades neurais como, por exemplo: Depressão, Transtorno do déficit de atenção, Síndrome de Burnout, entre outros. Nesse contexto, não há uma reação imunológica para afastar o que é nocivo ao corpo semelhante ao que ocorre com o adoecimento por um vírus ou bactéria, onde para se defender o corpo afasta tudo o que estranho. A estranheza e alteridade verificada em outras situações são substituídas pela diferença que não é capaz de gerar nenhuma reação. De acordo com Han (2015), a estranheza se neutraliza na forma de consumo na pós-modernidade, inclusive essa

estranheza colocaria barreiras que não são bem vindas à era da globalização. O que corrobora com Bauman (2001) quando o mesmo afirma que não há espaço para o que impede a fluidez do livre comércio.

Outro tópico interessante para realizar uma comparação entre a Modernidade e a Pós-modernidade diz respeito às questões morais. Para Bauman (2003), na Modernidade, a moral envolve o aspecto de pensar e agir sobre a discriminação do que é certo e errado. Para o sociólogo, essa avaliação é inerente a qualquer tomada de decisão. Entretanto, os que agem por hábito raramente realizam uma reflexão sobre isso, não calculam, medem ou avaliam suas escolhas.

Na Modernidade, pretendia-se que um código de ética contemplasse a orientação para um agir dentro da moralidade. “O código ético a toda prova- universal e fundado inabalavelmente – nunca vai ser encontrado” (BAUMAN, 2003, p.15). O autor destaca também que a moralidade recebe influência dos costumes da localidade em um determinado tempo histórico. O Estado estava responsável por ditar as regras universais, entretanto, por não contemplar a diversidade e a pluralidade, acaba falhando no seu papel que passa a ser assumido pelas lideranças das minorias e comunidades. É importante destacar que mesmo nesse novo cenário o sujeito continua sem autonomia, e ainda é orientado por uma moralidade externa. Entretanto, as novas autoridades não têm a segurança jurídica do Estado e trazem uma multiplicidade de posições que geram um relativismo da moral colocando em crise as verdades absolutas (SILVA, 2013).

A ética se depara com o pluralismo do poder (não há um poder global), liberdade de escolha (exige autorreflexão e autoanálise do sujeito) e autoconstrução social pelos sujeitos (busca de novas referências). Nele o sujeito se coloca diante das possibilidades de “agir moral” e escolher o que entende como o justificado a se fazer (SILVA, 2013).

Bauman (2003) considera que a contemporaneidade vive uma crise moral, pois não temos uma autoridade na qual possamos confiar plenamente, presenciamos um pluralismo de normas que nos coloca na incerteza do melhor caminho a seguir. Não há um código de ética rigoroso e abrangente, apostamos na capacidade humana de negociar o modo de vivermos juntos. Mesmo continuando a se guiar pela sociedade, os padrões, códigos e regras estão cada vez mais ausentes na contemporaneidade e não há uma agencia capaz de alavancar a sociedade, pois o centro de controle está ausente e sem uma ideologia clara (BAUMAN, 2001).

Entretanto, Bauman (2003) nos alerta para o fato de que seguir as normas não nos exime da responsabilidade sobre os atos. A Pós-modernidade é marcada pela liberdade de

escolha como jamais a humanidade vivenciou, porém essa liberdade coloca o ser em um estado de incerteza que é bastante angustiante. Temos a liberdade de escolha e vivenciamos angústia dessa possibilidade.

Nesse mesmo contexto, a formação da identidade na pós-modernidade também não encontra caminho único e estável. Segundo Bauman (1998), as pessoas da contemporaneidade vivenciam uma falta de recursos que para construir uma identidade sólida e duradoura. Enquanto na Modernidade o Estado ditava a formatação da organização social, o certo e o errado, na Pós-modernidade, estamos à deriva quanto aos referenciais e as várias possibilidades. A condição de incerteza é permanente e irredutível (BAUMAN, 1998).

Neste mundo, os laços são dissimulados em encontros sucessivos, as identidades em máscaras sucessivamente usadas, a história da vida numa série de episódios cuja a única consequência duradoura é a sua igualmente efêmera memória (BAUMAN, 1998, p.36).

Para esclarecer como se dão os contatos sociais na atualidade, Bauman (2003) apresenta duas metáforas. A primeira se refere à representação do “vagabundo”, que não sabe o tempo que permanecerá em um lugar, também não é ele quem decide o tempo da estada. A única coisa que ele sabe é que será uma permanência temporária. O que o movimenta é a desilusão com a última experiência e a esperança de cessar essa decepção na próxima que vivenciar. A segunda metáfora diz respeito à figura do “turista”, que tem consciência que não ficará muito tempo no lugar que chegou, vive com “curiosidade, necessidade de diversão, vontade e capacidade de viver experiências novas e agradáveis” (BAUMAN, 2003, p. 274). Esse último, segundo o autor, pagam por sua liberdade, sem se preocupar com a situação dos nativos.

O “turista” e o “vagabundo” vivem na extraterritorialidade, porém o primeiro tem o privilégio da livre escolha e da independência. Ambos vivem encontros superficiais e breves, estão próximos fisicamente e distantes espiritualmente. Não estão preocupados com a responsabilidade moral, pois essa afeta o seu estado de bem-estar.

O hábitat pós-moderno oferece pouca oportunidade de agir de conformidade com a sabedoria pós-moderna. Os meios para agir coletiva e globalmente, como exigiria o bem-estar global e coletivo, só tiveram a sorte de serem desacreditados, desmantelados ou perdidos (BAUMAN, 2003, p.279).

No que se refere ao trabalho na Modernidade, seu papel principal se deve as virtudes e benefícios que ele representou como o aumento da riqueza, eliminação da pobreza e a capacidade do homem comandar seu destino. O trabalho era um aperfeiçoamento da moral, que eleva os padrões éticos da sociedade (BAUMAN, 2001, p. 158). Nesse sentido, o trabalho era um esforço coletivo e a ausência dele vista como algo anormal.

Se na Modernidade o trabalho que assumiu o posto de principal valor, na Pós- modernidade deixa de ser uma vocação para toda a vida e perde centralidade. Bendassolli (2009) explica que na pós-modernidade os aspectos básicos da modernidade são fragilizados diante da liquidez e transitoriedade das coisas. Na era Pós-moderna, “O trabalho não pode mais oferecer o eixo seguro em torno do qual envolver e fixar autodefinições, identidades e projetos de vida” (BAUMAN, 2001, p. 158). Segundo Bauman (2001), passou a ter uma configuração estética de satisfação por si mesmo, sem se preocupar se ele traz contribuições positivas para a sociedade e as futuras gerações, já não se espera que ele enobreça ou torne os seres humanos melhores. A lógica de gestão de um negócio na contemporaneidade considera que se deve tornar o trabalho flexível, abandonado mão-de-obra e locais de produção sempre que aparecer uma atuação mais vantajosa. O emprego estável já não existe, e com ele se foi a possibilidade de planejamento a longo prazo.

A vida no trabalho, assim como na contemporaneidade, é permeada de incertezas e contatos superficiais. As questões são vivenciadas de forma individualizada, a sociedade não se debruça sobre causas comuns. Esse ambiente tem tido dificuldade de estabelecer lealdade e compromisso mútuo, pois o contato é rápido e superficial. Isso fica evidente nas seguintes palavras de Bauman (2001, p. 171): “O emprego parece um acampamento que se visita por alguns dias e que se pode abandonar a qualquer momento se as vantagens oferecidas não se verificarem ou se forem consideradas insatisfatórias”. Desse modo, são estabelecidos laços frágeis.

Na realidade, vivenciamos um momento de paradoxo. Para Heloani (2015) ao mesmo tempo em que o vínculo com o trabalho tende a ser cada vez mais curto e superficial, essa relação apresenta-se como um fator central para a existência do sujeito. Isso fica claro no caso das pessoas quando estão desempregadas e que encontram dificuldade de encontrar um lugar social e sentido de existência. Segundo o autor,

A perda de sentido, a perversão dos valores sociais, a comunicação ou as exigências paradoxais, a dissolução do coletivo, a transformação do ser humano em coisa, bem como a pressão imposta por uma competição sem limites, a ameaça permanente da exclusão e a perda de confiança generalizada são sintomas de uma economia que parece se desenvolver às custas da sociedade (HELOANI, 2015, p.479).

Bauman (2001) esclarece que o capital apresenta compromisso apenas com os consumidores, pois depende deles para se fortalecer. Os trabalhadores são secundários nesse processo. Não se consegue associar ao trabalho uma segurança a longo prazo. A organização dos negócios encontra-se fluída e, diante do desemprego estrutural, ninguém pode se sentir verdadeiramente seguro. Na ausência da segurança a longo prazo, o que preenche é a satisfação imediata. Portanto, diante de um futuro incerto, sóbrio e nebuloso, a sociedade não pretende colocar objetivos distantes nem sacrificar o interesse individual em nome do coletivo em nome de uma vantagem futura. Pretende-se a oportunidade de hoje a fim de não perdê-la.

Na pós-modernidade, o progresso não é algo transitório que leve a um estado de perfeição. É uma luta perpetua para permanecer vivo e bem (BAUMAN, 2001). Ele deixa de ser coletivo e passa a ser privatizado, sendo, portanto um empreendimento individual. Essa existência individual leva as pessoas a focarem na sua sobrevivência e deixarem de lado as questões coletivas. Nesse meio, vivemos um paradoxo em relação à responsabilidade. “Sentimos muita falta da responsabilidade quando ela nos é negada, mas quando a conseguimos de volta, faz-se sentir como carga demais pesada para carregar sozinho” (BAUMAN, 2003, p.27).

Analisar o contexto da contemporaneidade, dentro da perspectiva apresentada por Bauman, ajuda a melhor compreender a realidade que vivenciamos. Han (2015) é outro pensador que apresenta contribuições relevantes sobre o período atual, ao explicar que estamos inseridos na sociedade do desempenho. Anteriormente imperava a sociedade da disciplina, marcada pela negatividade da proibição e coerção. Nos tempos atuais ela se torna ultrapassada, pois passa a imperar o poder ilimitado com excesso de positividade. Através de projetos, iniciativas e motivação todos podem ser o que quiserem. Enquanto que na sociedade da disciplina gera-se “loucos e delinquentes. A sociedade do desempenho, ao contrário, produz depressivos e fracassados” (HAN, 2015, p.25).

É preciso destacar que o que promove o adoecimento “não é o excesso de responsabilidade e iniciativa, mas o imperativo do desempenho como um novo mandato da sociedade pós-moderna do trabalho” (HAN, 2015, p.27). O homem encontra-se exposto e

indefeso, não há um elemento estranho, pois ele explora a si mesmo, ou seja, ao mesmo tempo que é vitima é também seu próprio agressor.

não-mais-poder-poder leva a uma autoacusação destrutiva e a uma autoagressão. O sujeito de desempenho encontra-se em guerra consigo mesmo. O depressivo é o invalido dessa guerra internalizada. A depressão é o adoecimento de uma sociedade que sofre sob o excesso de positividade. Reflete aquela humanidade que esta em guerra consigo mesma (HAN, 2015, p.29).

O Humanismo Existencialista considera que o homem deve inventar-se, e não apenas se autodeterminar por aspectos externos sejam eles a família, o Estado, um partido político, a religião, os valores ou qualquer tipo de determinismo social, biológico ou psicológico (REZENDE, 2012).

A fim de melhor pensar as complexas questões que envolvem o trabalho e fornecer caminhos para refletir sobre essa dimensão, serão apresentados alguns pontos da teoria de Heidegger. Destaca-se que o intuito não é exaurir o pensamento de Heidegger, nesse estudo serão apresentados apenas alguns dos conceitos heideggerianos a fim de apoiar reflexões relacionadas à temática estudada. Nesse sentido, faz-se necessário discorrer sobre um elemento anterior que é o pensar, refletir sobre as coisas. Essa necessidade da contemporaneidade, citada por teóricos como Bauman e Byung-Chul Han, corrobora com as análises realizadas por Heidegger.

Para Heidegger (1959), é intrínseco ao sujeito a capacidade de pensar, entretanto o fácil acesso ao conhecimento técnico é um dos fatores que impedem a reflexão, a ausência de pensamentos. Na realidade, o teórico diferencia dois tipos de pensamento: pensamento que calcula e o pensamento que medita. O primeiro tem sempre um objetivo utilitarista, com o fim a ser atingido, ocorrendo de uma forma natural que não gera espaço para a reflexão. Já o segundo exige um esforço. “O pensamento que calcula não é um pensamento que medita (ein besinnliches Denken), não é um pensamento que reflecte (nanchdenkt) sobre o sentido que reina em tudo que existe” (HEIDEGGER, 1959, p.13).

Feijoo (2004) complementa que para o filósofo, através do pensamento calculante, o homem acredita na racionalidade como a perfeição e que pode prever e controlar toda a realidade. O pensamento que medita é considerado como superficial e este modo de pensar faz-se pequeno frente ao pensamento que calcula. A modernidade considera o pensamento meditante como falta de pensamento. Meditar para Feijoo (2004) é parar diante das coisas e refletir sobre elas. O homem da atualidade foge desse pensamento e não consegue lidar

bem com o pensamento que medita, pois segundo Heidegger (1959) o sujeito está desamparado e indefeso diante da preponderância da Técnica.

Cocco (2006) explica que o problema da técnica reside no ser e no seu esquecimento, de acordo com a análise de Heidegger. O ser humano é incluído no projeto técnico-maquinador de controle e domínio das coisas. Desse modo, termina como as coisas: disponível para ser encomendado e usado com máxima eficiência. Cocco (2006, p.35) destaca que “o mundo humano transformou-se em um universo técnico, no qual estamos presos. O expansionismo da técnica constitui a dimensão planetária da razão calculadora e conduz ao perigo do esquecimento do ser” (COCCO, 2006, p. 35).

A técnica se apresenta com uma neutralidade que mobiliza o homem a aproveitar de todas as suas possibilidades. Busca-se organizar tecnicamente a história e conquistar tecnicamente a natureza com o intuito de atingir prosperidade e bem-estar (RUDIGER, 2014). Rudiger (2014) explica que, a princípio, o objetivo da técnica era aliviar os nossos sofrimentos e melhorar nosso bem-estar através do fornecimento de bens e melhores serviços a sociedade. Entretanto, a técnica transformou-se em uma força que mobiliza a existência humana.

Com o mesmo entendimento, Possamai (2010) esclarece que é a través da técnica que se dá a nossa relação com o mundo, bem como a forma como a sociedade se articula na sociedade contemporânea. As pessoas deveriam “ver a técnica como fornecedora de bens e de serviços cada vez melhores e mais avançados, para aliviar o fardo da nossa existência, reduzir o nosso sofrimento, aumentar o nosso bem-estar e expandir os horizontes da vida humana” (POSSAMAI, 2010, p. 21). Heidegger (2007) na sua produção “A questão da técnica” se propõe a questiona-la a fim de que possamos através dessa atitude nos preparar para uma livre relação para com ela. Para o filósofo, precisamos nos abrir a essência da técnica, assim estaremos aptos a experimentar o aspecto técnico em sua delimitação.

A técnica não é a mesma coisa que a essência da técnica. Para Heidegger (2007), não podemos nos iludir com a visão de neutralidade em relação à técnica, isso nos torna cegos diante essência da técnica. Para ele, há uma tendência de se enxergar a técnica como uma instalação, um instrumento, sendo um meio para os fins e uma forma do fazer humano, compreendendo o emprego de máquinas e instrumentos, portanto uma relação que envolve uma concepção instrumental.

Para Heidegger (2007), a utilização da técnica não deve ser apenas um meio, mais deve contemplar uma atitude de desabrigar. A liberdade perpassa pelo ato de desabrigar, possibilitando um contato verdadeiro. Para o autor, a armação impede o aparecer e imperar

da verdade. A técnica não é vista pelo filósofo como o que há de perigoso. O perigo reside na falta de contato com a sua essência. Nesse sentido, não são as máquinas que ameaçam o homem, mas a falta de contato com a essência das coisas, pois isso impede perceber as coisas verdadeiras.

Silva (2007), explica que a técnica é um agenciamento de meios para a consecução de fins, mas não deve haver um domínio da técnica sobre o homem. Para Heidegger, o homem não é o senhor da técnica, mas pode ser sim o senhor da relação que se estabelece com ela (SILVA, 2007). A técnica tem uma tendência a definir e dominar as questões do mundo e tudo que nele se apresenta, inclusive o próprio homem que se torna sujeito subjetivado nesse processo. Portanto, a livre relação com a técnica se dará a partir do contato com a sua essência. Nesse sentido, Heidegger (2007) nos apresenta os seguintes questionamentos: O que é o instrumental mesmo? Onde se situam algo como um meio e um fim? Nesse sentido, é importante reforçar que Heidegger ao propor essa reflexão não estava contra a técnica, queria apenas alertar para a falta de reflexão crítica sobre ela e aos usos decorrentes dessa relação superficial (SILVA; BARRETO, 2015).

Ao reduzir a técnica como um meio o homem pretende domina-la, esse desejo só aumenta cada vez que do domínio da técnica não estar sob controle. Para Heidegger (1959) é preciso saber dizer “sim” e “não” aos objetos da técnica. Ter sabedoria de incluí-los e excluí-los do nosso cotidiano, a fim de se estabelecer uma boa relação com o mundo da técnica. Esse processo perpassa por ter “a serenidade para com as coisas” (HEIDEGGER, 1959, p. 24). Na contemporaneidade, segundo Cocco (2006), observa-se o fascínio do homem em relação a técnica, que o cega e inibe a sua capacidade de reflexão e abertura ao verdadeiro do ser. Essa forma de se relacionar com a técnica faz o homem pensar que tudo pode fazer, controlar e manipular. “É um sinal deste encantamento, que em consequência impele tudo ao cálculo, utilização, cultivo, manejabilidade e regulação.” (HEIDEGGER, 1989, p. 124 apud COCCO, 2006, p.40).

Cocco (2006) reforça que essa crença de controlar por meios técnicos que encanta o homem é o que impede a verdadeira manifestação do ser. Na contemporaneidade, alguma coisa só é se puder ser medido, calculado. Nesse âmbito, o homem procura a certeza, explicação, segurança. Ele foge de tudo que ameaça escapar ao seu controle racional, sente- se seguro diante do controle das coisas. O homem moderno se lança na certeza que tudo pode dominar e controlar, “o inalcançável é aqui somente o ainda não dominado pelo cálculo, porém um dia o será” (HEIDEGGER, 1989, p. 121 apud COCCO, 2006, p.42). A problemática surge diante da falta total de pensamento, que possa tornar a existência

humana robotizada. O homem precisa atentar para sua condição de ser pensante e não se deixar absorver pela técnica. Nesse sentido, Cocco (2006) coloca que Heidegger se preocupa com o desvelar do sentido das coisas.

A medida que Heidegger nos alerta para a necessidade de não sermos dominados pela Técnica, Han (2015) destaca que vivenciamos um excesso de estímulos que destrói a atenção tornando-a rasa e superficial. Essa atenção dispersa, que muda rapidamente de foco ou atividade, não tolera a situação de tédio que é tão importante para o processo de criação. Para o autor citado, a inquietação não gera nada de novo e apenas reproduz o que já existe. “Se o sono perfaz o ponto alto do descanso físico, tédio profundo constitui o ponto alto do descanso espiritual” (HAN, 2015, p.34). Nesse contexto, desaparece a possibilidade do descanso da mente, da vida contemplativa.

A sociedade laboral individualizou-se numa sociedade de desempenho e numa sociedade ativa. O animal laborans pós-moderno é provido do ego ao ponto de quase dilacerar-se. Ele pode ser tudo, menos ser passivo (HAN, 2015, p.43).

A vita contemplativa pressupõe uma pedagogia específica do ver. Aprender a ver significa ‘habituar o olho ao descanso, paciência, ao deixar-aproximar-se-de-si’ isto é, capacitar o olho a uma atenção profunda e contemplativa, a um olhar demorado e lento (HAN, 2015, p. 51, grifo do autor).

A sociedade do desempenho não é livre como aparenta, sua coerção é sutilmente introjetada no homem que passa a ser o explorador de si mesmo. Nesse movimento frenético desaprendemos a sentir a ira que cede lugar a irritação. Essa não é capaz de provocar mudança de situação. Segundo Han (2015, p. 54), a irritação está para a ira como o medo está para a angústia. Desse modo, o que poderia ser uma forma de se imunizar