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culo XIX: um estudo sobre família, poder e economia Dissertação de Mestrado (História Social da Amazô-

FTP O RIGEM

RAZÃO DE AFRICANIDADE TOTAL BRASIL ÁFRICA N % N % 1810 -1 8 5 0 01-09 89 61,4 56 38,6 62,9 145 (100,0%) 10-19 94 84,7 17 15,3 18,1 111 (100,0%) 20-49 79 60,8 51 39,2 64,6 130 (100,0%) 50-99 - - - - 100/+ 137 97,9 03 2,1 2,2 140 (100,0%) TOTAL 399 75,9 127 24,1 31,8 526 (100,0%) 1851 -1 8 7 1 01-09 245 97,2 07 2,8 2,9 252 (100,0%) 10-19 90 97,8 02 2,2 2,2 92 (100,0%) 20-49 24 100,0 - - - 24 (100,0%) 50-99 65 100,0 - - - 65 (100,0%) 100/+ 109 84,5 20 15,5 18,3 129 (100,0%) TOTAL 533 94,8 29 5,2 5,4 562 (100,0%) 1872 -1 8 8 8 01-09 197 99,5 01 0,5 0,5 205 (100,0%) 10-19 19 100,0 - - - 19 (100,0%) 20-49 - - - - 50-99 - - - - 100/+ - - - - TOTAL 216 99,6 01 0,4 0,4 224 (100,0%) 1810 -1 8 8 8 01-09 531 89,2 64 10,8 12,1 602 (100,0%) 10-19 203 91,4 19 8,6 9,4 222 (100,0%) 20-49 103 66,9 51 33,1 49,5 154 (100,0%) 50-99 65 100,0 - - - 65 (100,0%) 100/+ 246 91,4 23 8,6 9,3 269 (100,0%) TOTAL 1.148 88,0 157 12,0 13,6 1.312 (100,0%)

FONTE:Inventários post-mortem do Centro de Memória da Amazônia (CMA/UFPA) e do Arquivo Público do

Estado do Pará (APEP)

Os dados da TABELA 3.9 apresentam a distribuição dos escravos que compõem a nossa amostra segundo a origem africana ou crioula. A partir deles, podemos observar que, a despei- to da representatividade dos cativos africanos no primeiro período de observação, a escravaria do núcleo urbano central de Belém foi constituída, ao longo de todo o século 19, por uma ex- pressiva maioria de escravos crioulos, que nas últimas duas décadas da escravidão chegaram a representar a quase totalidade dos cativos da região. Os escravos de origem africana represen- tavam cerca de um quarto (24,1%) dos cativos do primeiro período, 5,2% dos escravos do se- gundo período e 0,4% dos escravos do terceiro período, sendo todos os demais cativos de ori- gem crioula. Mais do que simplesmente evidenciar a menor interação que o Grão-Pará passou

a manter com o tráfico externo já a partir das primeiras décadas do século, os dados da TABE- LA 3.9 consubstanciam uma evidência a mais da importância da reprodução endógena, na ma- nutenção do escravismo no núcleo central de Belém.

Em que pese o fato de os dados demonstrarem que a população cativa do núcleo urba- no de Belém foi majoritariamente crioula no decurso de todo o século 19, o número de africa- nos ainda existentes na cidade, na primeira metade desse século, alcançou um patamar expres- sivo (24,1%), confirmando alguma capacidade dos escravistas estudados em formar, renovar e ampliar os seus plantéis, a partir da aquisição de cativos africanos. Essa capacidade, no entan- to, foi limitada pela oferta de escravos africanos em Belém. Nos plantéis referentes às décadas de 1810 e 1820, quando o tráfico atlântico ainda era mais intenso para o Pará, como evidenci- amos no capítulo anterior, a participação relativa dos africanos (41,6%, perfazendo uma razão de africanidade de 71,3) superou a participação dos mesmos nos plantéis atinentes aos anos de 1830 e 1840 (17,2%, perfazendo uma razão de africanidade de 20,8).323 Essa diferença contri- buiu para que a concentração dos africanos segundo as faixas de tamanho de plantel não fosse diretamente proporcional, embora haja interdependência estatística entre essas as variáveis.324

Caso consideremos somente os escravos com 15 ou mais anos de idade – que constitu- íam o grosso dos escravos em idade potencialmente mais produtiva –, o peso relativo dos afri- canos em meio à população cativa do núcleo urbano central de Belém, na primeira metade do século 19, se mostraria decerto ainda mais expressivo. No primeiro subperíodo em tela (déca- das de 1810 e 1820), os escravos africanos representariam a maioria (54,8%) dos cativos com 15 ou mais anos de idade dessa região – sendo a sua participação relativa para o segundo sub- período analisado (décadas de 1830 e 1840), de 27,5%. Em todo o primeiro período de obser- vação (1810-1850), os escravos africanos perfariam pouco mais de um terço (35,9%) da popu- lação cativa com 15 ou mais anos de idade do núcleo urbano central de Belém. Trata-se, toda- via, de números que devem ser analisados com cautela, principalmente, em relação ao primei- ro subperíodo examinado (décadas de 1810 e 1820), haja vista o pequeno número de observa- ções que compõem a nossa amostragem.

Assim como identificamos escravarias em que a reprodução endógena foi determinan- te para as suas manutenção e ampliação – por vezes possibilitando, como argumentamos ante- riormente, a realocação dessas escravarias, em outras faixas de tamanho de plantel –, identifi- camos igualmente casos em que a aquisição de africanos foi essencial, nesses mesmos termos.

323 A razão de africanidade traduz o número de cativos africanos existente para cada 100 cativos crioulos. 324 Resultado do teste chi-quadrado: c²(03, N = 526) = 74,47, p < 0,001 – altamente significativo.

A pequena escravaria de Manoel Martins Pereira, regatão325 no Rio Negro, era constituída por quatro cativos africanos: João Manoel, nação mandinga, de 50 anos; Antônio, nação bambará, de 18 anos, Tereza, nação cambinda, de 20 anos, e João, nação angola, de 20 anos e que exer- cia a ofício de calafate.326 Identificamos, também, casos nos quais a aquisição de africanos foi fundamental para que determinados indivíduos se tornassem escravistas, a exemplo dos casais Lucas Lameira e Maria Magda,327 e Félix Antônio da Silva e Joana de Assunção,328 proprietá- rios de plantéis unitários dedicados a serviços domésticos e formados, cada um deles, por uma escrava de nação benguela.

Dos 127 cativos africanos que compõem a nossa amostra para os anos de 1810 a 1850, conseguimos identificar as regiões de proveniência na África, de 112 deles. Desse conjunto de 112 cativos, 23 (20,5%) eram originários da África Ocidental, e os outros 89 (79,5%) da Áfri- ca Central-Atlântica e de Moçambique. A diferença entre as regiões desses escravos na África reflete, em grande medida, o deslocamento no eixo privilegiado do tráfico de cativos ao Grão- Pará, da África Ocidental para a África Central-Atlântica, ocorrido no final do século 18, após a dissolução permanente da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão. Dado o pequeno número de escravos originários da África Ocidental computados, não seria pertinente verificarmos se sua participação relativa havia sido superior nos anos de 1810 e 1820, período mais próximo àquela reorientação e, no qual, o tráfico da África Ocidental foi cessado (1815).

A desestruturação do tráfico atlântico direcionado ao Pará a partir da década de 1820 e a interdição definitiva do tráfico atlântico de cativos para o Brasil, sob a Lei Eusébio de Quei- rós (1850), não interromperam definitivamente a entrada de novos escravos na província, ape- sar de terem condicionado a continuidade da entrada desses novos escravos à dinâmica do trá- fico interno. Como demonstramos no CAPÍTULO 02, as poucas referências presentemente exis- tentes, na historiografia, sobre a inserção do Pará nos quadros do tráfico interno sinalizam que o fluxo de escravos destinado à região, através do comércio interno, foi inferior ao fluxo asso- ciado ao tráfico atlântico. Ademais, esses estudos evidenciam que os números de escravos in- gressos na província (5.502) e dela egressos (5.027), tendo como referência o período de 1873

325 Em linhas gerais, os regatões eram comerciantes dos rios da Amazônia no século 19. Sobre essa prática espe-

cífica de comércio, ver especialmente: HENRIQUE, Márcio Couto; MORAIS, Laura Trindade de. Estradas líquidas, comércio sólido: índios e regatões na Amazônia (Século XIX). Revista de História, São Paulo, n. 171, p. 49-82, jul.-dez. 2014.

326 CMA/UFPA. Cartório Odon Rhossard (2ª Vara Cível), Inventários post-mortem, cx. 02 (1813-1816). Inventá-

rio post-mortem de Manoel Martins Pereira, 1812.

327 CMA/UFPA. Cartório Odon Rhossard (2ª Vara Cível), Inventários post-mortem, cx. 03 (1817-1818). Inventá-

rio post-mortem de Lucas Lameira e Maria Magda, 1817.

328 CMA/UFPA. Cartório Odon Rhossard (2ª Vara Cível), Inventários post-mortem, cx. 03 (1817-1818). Inventá-

a 1885, foram bastante equilibrados, retirando a possibilidade de a província ampliar a sua es- cravaria a partir da aquisição de novos cativos provenientes de outras partes do Brasil, fossem eles crioulos ou africanos, homens ou mulheres, jovens ou velhos.329

Diferentemente do que ocorria com relação aos escravos de origem africana, os inven- tários post-mortem compulsados raramente apontavam a procedência regional dos cativos cri- oulos. No entanto, encontramos pequenos plantéis constituídos, em sua totalidade, por cativos oriundos de outras províncias brasileiras. Foi o caso, por exemplo, do pequeno plantel de Ma- ria Josefina de Brito Antunes dedicado às atividades de ganho, de aluguel e domésticas. A es- cravaria de Maria Josefina era formada por três cativas do Maranhão: as pretas Cândida e Ma- ria, com 30 e 21 anos, respectivamente, e a parda Juliana, com 18 anos de idade. O plantel em questão foi arrolado em 1883 e, a tirarmos pelas idades das escravas, não há dúvidas de que as mesmas foram incorporadas ao plantel de Maria Josefina em algum momento da segunda me- tade do século 19, quando o tráfico atlântico já se encontrava proibido no Brasil.330

Ao contrário, novamente, do que ocorria com relação aos escravos africanos, a presen- ça de escravos crioulos naturais de outras províncias, em nossa amostra, não é garantia de que eles aportaram em Belém a partir do tráfico interno, sobretudo nas décadas de 1870 e de 1880, quando se intensificaram os fluxos migratórios de pessoas livres em direção ao Grão-Pará. Na documentação compulsada, encontramos referências a escravos nascidos em outras províncias brasileiras arrolados em escravarias no núcleo urbano central de Belém que, ao que tudo indi- ca, em vez de terem aportado no Grão-Pará através do tráfico interno podem ter acompanhado os deslocamentos dos seus respectivos senhores a Belém. Nesses casos, por tratar-se de deslo- camentos que, aparentemente, não envolveram trocas comerciais de qualquer espécie, não po- deríamos caracterizá-los como tráfico interno.

Um caso, nesses termos, foi o de Maria Augusta de Paiva Meira, esposa do magistrado João Florentino Meira de Vasconcellos. Natural de Itabaiana, na Paraíba, Maria Augusta fale- ceu em Belém, em 12 de setembro de 1874, vítima de varíola, aos 35 anos de idade.331 Apesar de ainda manter bens de raiz na sua província de origem, ao migrar para o Grão-Pará, em data que não conseguimos precisar, Maria Augusta levou consigo pelo menos alguns dos seis cati- vos que integravam seu espólio em 1877 (não conseguimos especificar quais, tampouco quan-

329 SLENES, Robert W. The Demography and Economics of Brazilian Slavery, 1850-1888. PhD. Dissertation

(History) – Department of History, Stanford University, 1976, p. 610.

330 CMA/UFPA. Cartório Odon Rhossard (2ª Vara Cível), Inventários post-mortem, cx. 40 (1883). Inventário

post-mortem de Maria Josefina de Brito Antunes, 1883.

tos escravos acompanharem seu deslocamento, pois é provável que as mulatas Júlia e Filome- na, de nove e seis anos de idade, respectivamente, tenham nascido no Pará).332 Exemplos co- mo o da escravaria de Maria Augusta de Paiva Meira ajudam a matizar a própria interpretação da entrada e da saída de escravos da província na segunda metade do século 19.

É importante sublinharmos que, apesar de a dinâmica do tráfico interno e desses outros deslocamentos que não envolviam trocas comerciais, como argumentamos anteriormente, não terem implicado variações significativas no contingente escravo do Grão-Pará, em geral, e das três macrorregiões compreendidas no presente estudo (núcleo central de Belém, Baixo Tocan- tins e Zona Guajarina), em particular, é possível que tais fluxos de entradas e saídas de cativos tenham contribuído para a alteração parcial das características demográficas dos escravos des- sas regiões em relação ao sexo e à idade, por exemplo. Como também já esclarecemos, não há estudos na historiografia paraense dedicados a examinar o impacto do tráfico e de outros tipos de deslocamentos, no que diz respeito às características dos cativos que entraram ou saíram da província do Pará. É sobre as características dos cativos de Belém, em torno do sexo e da ida- de, que passamos a examinar agora.

Os dados fornecidos na TABELA 3.10 demonstram a distribuição dos cativos do núcleo urbano central de Belém segundo o sexo. Nos dois primeiros períodos analisados, essa distri- buição se mostrou equilibrada com uma ligeira maioria masculina em ambos os períodos, evi- denciada pelas razões de sexo de, respectivamente, 101,9 e 101,5.333 A predominância mascu- lina entre os escravos se repetiu, com diferentes gradações, em praticamente todas as faixas de tamanho de plantel; senão entre as pequenas escravarias do primeiro e, sobretudo, do segundo período, que apresentaram uma predominância feminina em suas composições, e entre as mé- dias escravarias do segundo período, que apresentaram uma distribuição igualitária dos escra- vos conforme o sexo. No terceiro período, a maioria dos escravos era do sexo feminino (razão de sexo de 69,6), o que pode ter sido favorecido pelo fato de não termos coligido plantéis com 20 ou mais escravos no período (a proporção entre homens e mulheres, nas únicas duas faixas de tamanho de plantel identificadas, foi semelhante às de suas correlatas no segundo período).

332 CMA/UFPA. Cartório Odon Rhossard (2ª Vara Cível), Inventários post-mortem, cx. 33 (1877). Inventário

post-mortem de Maria Augusta de Paiva Meira, 1877.

TABELA 3.10

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