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I SEMINÁRIO DE INTEGRAÇÃO DO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL “TEMPOS DIFÍCEIS”:

VIDAS ATRAVESSADAS PELO TRÁFICO DE DROGAS

Fernanda Rosa do Nascimento 65

Palavras-Chave: Tráfico de drogas. Trabalho. Relações Sociais. 1. INTRODUÇÃO

Esta produção procura trazer reflexões acerca do tráfico de drogas como um trabalho no contexto das relações sociais. Desde a gênese da humanidade, as substâncias psicoativas estavam disponíveis, sendo seu consumo apropriado culturalmente por diversas populações, com diferentes finalidades, em diferentes modelos organizacionais de sociedade. A partir do desenvolvimento de processos que transformaram as drogas em mercadorias (i)lícitas, criaram-se mecanismos de controle social e jurídico em relação ao seu uso e ao seu consumo, os quais são voltados principalmente às classes baixas na sociedade capitalista, o que fez delas um problema social — provocando mortes, alterando as formas de viver em família e em comunidade, encurtando vidas e redefinindo territórios.

Assim, o objetivo principal deste estudo foi analisar quais seriam as mudanças ocorridas na vida e no território das pessoas envolvidas direta e indiretamente com o tráfico de drogas. Para tanto, foi utilizada uma abordagem qualitativa que leva em consideração o ponto de vista do sujeito e a História de Vida como método de abordagem empírica, assim como utilizado pelas autoras Spindola e Santos (2003). Como sujeitos da pesquisa, foram escolhidos uma família envolvida com o tráfico de drogas (pai, mãe e filho) e um psicólogo que já trabalhou com o público de jovens envolvidos no trabalho do tráfico de ilícitos.

Desde a gênese da humanidade, as drogas existem. O termo droga possivelmente provém da expressão holandesa droog, utilizada para significar os produtos secos (ou folhas secas), nos séculos XVI ao XVIII, como compostos de um conjunto de substâncias naturais usadas na alimentação e na medicina (CARNEIRO, 2005). No Brasil, durante os primeiros séculos de colônia66 o consumo do ópio e da cocaína estava intrinsecamente ligado ao alto

65 Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em

Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina. fe.fortuanto@gmail.com

66 “Antes, portanto, de designarem os produtos vegetais, animais ou minerais usados como remédios, a palavra droog

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escalão da sociedade e a maconha estava associada aos escravos. Entre os oligarcas o uso de drogas n~o era considerado um “problema social”, mantendo-se certo controle sobre seu consumo. As boticas que comercializavam medicamentos para “todos os males do corpo” que continham substâncias derivadas do ópio em forma de analgésicos, longe de qualquer suspeita de que o consumo poderia vir a transformar-se em uma questão mundial de trato às drogas (SILVA, 2013).

Os estudos e interpretações sobre as drogas e seus efeitos na sociedade têm sido realizados ao longo da história da humanidade pela ciência, artes, religião e cultura. Na contemporaneidade, populações são marginalizadas do ponto de vista social e cultural, discriminadas por setores dominantes, tendo o consumo destas substâncias psicoativas, tanto em rituais quanto práticas terapêuticas, como atividade ilegal. Têm-se o entendimento da droga (seu uso e finalidade) enquanto elemento resultante de construções históricas, sociais e culturais que se remete às maneiras particulares de compreensão, experiências e envolvimento no mundo, sujeitadas desse modo a regularidades e padrões, igualmente às variações e transformações com o advento da sociedade capitalista.

Nesse sentido, Chaibub (2009, p.3) afirma que, atualmente, o papel que a sociedade delimita às drogas — e sua percepção sobre elas —, a forma de criação dos mecanismos que legitimam e ao mesmo tempo criminalizam as drogas, “é uma express~o de seu próprio funcionamento, a maneira como se representa como coletividade”, fazendo-nos compreender que, o significado atribuído às drogas (ilícitas ou não) não resulta em si própria, mas advém da cultura no qual está inserida e sendo assim, no modo de produção capitalista ao transformá-las em mercado com valor, pois, ao se modificar o modo de produção, modificam- se as relações sociais e materiais.

2. DESENVOLVIMENTO

O movimento que desencadeou o comércio de drogas do campo legal ao ilegal foi proporcionalmente rápido e violento, como esclarecem os processos que desenvolveram as Guerras do Ópio no século XIX até a Lei Seca norte-americana dos anos 20, do século passado (SILVA, 2013). No início do século XX, no território norte-americano, instituiu-se a contenção legal às drogas, sendo proibida a produção, consumo e comércio de diversas substâncias

e também como “adubo” da alimentaç~o, termo pelo qual se definiam o que hoje chamamos de especiarias” (CARNEIRO, 2005, p. 14).

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psicoativas. Contudo, tal proibição relacionava-se à discriminação direcionada a determinados grupos, sobretudo como forma de “reaç~o” aos imigrantes, objetivando a moralizaç~o dos costumes e controle social dos espaços por parte de um movimento proibicionista com origem protestante. Conforme bem ressalta Feffermann (2006) combater o “mal” do |lcool exprime certo enaltecimento às normativas e regras prezadas pelo status quo, pela hegemonia da classe burguesa e sua necessidade de manutenção.

Em meados do século XIX e início do século XX, as drogas tiveram sua produção aumentada passando a ser consumida em uma proporção maior, como consequência do processo de urbanização, industrialização, necessidades do ser social e as necessidades criadas pelo modo de produção capitalista à época, sendo essa comercialização aumentada exponencialmente nas últimas décadas, potencializando a discussão das drogas como um “problema social”. Assim a dimens~o do consumo de drogas foi elevada à condição de problema, se alastrando pelas sociedades, sendo usada como mecanismo político e estratégico para dominar territórios, controlar a população, confluindo na criminalização do uso e dos usuários. Ao se proibir a produção, o comércio e o uso de drogas, questões morais se tornam superiores à saúde, à segurança pública da população e às práticas culturais que envolvem seu uso e consumo.

No Brasil, as primeiras normatizações proibitivas relacionadas ao tráfico de drogas no país, apontando a interdição sobre o uso de tipos de substâncias ditas tóxicas, iniciaram no século XIX, encontrada no Código Penal Republicano de 1890. Desde então, novos mecanismos de controle surgem e se renovam em códigos penais que buscam refrear o tráfico de drogas no Brasil, como a chamada Lei de Drogas n.º 11.343/2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD (BRASIL, 2006). Ao se discutir o fenômeno das drogas e de sua comercialização ilegal, é preciso situá-lo, entre outros elementos, em um contínuo conflito entre território, relações sociais e poder. Portanto, as drogas (consumo e comércio) inseridas na dinâmica capitalista desigual de apropriação privada dos resultados obtidos a partir do valor de troca, seguem provocando mortes, alterando as formas de viver em família e comunidade, encurtando vidas e redefinindo territórios.

Nas últimas décadas, o debate sobre as drogas foi intensificado diante do aumento do consumo das substâncias psicoativas tornadas ilícitas e as consequências desse proibicionismo. Fortalecendo o debate, Karam (2015, p. 1) afirma que a política criminalizadora, adotada enquanto fundamento para enfrentar o problema social da droga, “é,

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hoje, a mais organizada, mais sistemática, mais estruturada, mais ampla e mais danosa forma de manifestaç~o do proibicionismo a nível mundial”, que inspiraram a formataç~o da política contemporânea acerca das substâncias psicoativas a nível nacional e internacional, estipulando os ditames que selecionam quais são as drogas que devem ou não ser consideradas legais ou ilegais. A política usada na guerra às drogas mostra, em sua própria designação, o movimento mundial expansionista de um poder punitivo que se firmou nos últimos anos do século XX. O controle sobre as substâncias psicoativas estava realmente tomando concretude, passando a droga a ser mercadoria com valor de troca (MARX, 2002) e com influência econômica e política, o que viabilizou a demarcação dos controles e as formas de seu enfrentamento. A estruturação da punição, enquanto política de enfrentamento e combate de drogas ilícitas foi emoldurada diante de discursos fundados no controle social sob as chamadas “classes perigosas”.

Os discursos que fundamentam o combate às drogas ilícitas – às pessoas usuárias e àquelas que as utilizam enquanto recurso financeiro para sobreviver – são centrados em inclusão marginal e perversa, intensificam desigualdades sociais quando associam usuário e dependente { violência, criminalidade e doença, justificando as ações “preventivas” e a procura por soluções desse problema social na esfera policial, penal, jurídica, médica ou sanitária. Com isso, percebemos que o crime de consumo e tráfico de drogas direciona-se a uma camada específica da sociedade, as quais representam ameaças ao poder estatal e à classe dominante. O tráfico de drogas, como uma expressão da questão social, torna-se então resposta ao sistema econômico imposto, enquanto meio de trabalho ilegal, o qual é tido como resposta e estratégia de sobrevivência dentro do modo capitalista de produção.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos que a reação moral e normalizadora direcionada à droga acorrenta o consumo e o uso de diversos tipos de substâncias, sendo uma das principais responsáveis pela culpabilização, estigmatização, preconceito e violência com as pessoas que as utilizam. Todas as consequências diárias desse fenômeno que são vivenciadas, por mais individuais que elas sejam, correspondem a uma situação de ordem coletiva, e esse fator tem como agravante a condição pessoal de quem é mais vulnerável: pessoas pobres, periféricas, negras e de outras origens culturais que não àquelas dominantes.

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As percepções obtidas a partir das entrevistas com os sujeitos da pesquisa nos mostraram que o tráfico de drogas se tornou uma estratégia encontrada para sobreviver às demandas de consumo e de vida da sociedade capitalista. O cotidiano das pessoas envolvidas nessa atividade é consideravelmente alterado, assim como as relações sociais e comunitárias, no qual o espaço social se configura como um cenário violento, tendo em vista todos esses fatores aqui apontados. Para além da ideia de “bandido do mal”, os dados desta pesquisa indicaram que as pessoas envolvidas na atividade do tráfico vivem a seus modos dentro do capitalismo e que, mesmo estando em um contexto de ilegalidade, se reconhecem como sujeitos que buscam melhorar suas vidas e ter condições de suprir das necessidades de consumo que outrora a desigualdade social e econômica não proporcionaram.

4. REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto nº 5.912, de 27 de setembro de 2006. Regulamenta a Lei no 11.343, de 23 de agosto de 2006.

<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496317/000936179.pdf?sequence=1> Acesso em: 11/06/2019.

CARNEIRO, Henrique. Drogas muito além da hipocrisia. In: Pequena enciclopédia da história das drogas e bebidas. Rio de Janeiro: Elsevier; Campus, 2005.

CHAIBUB, Juliana Rochet Wirth. Entre o mel e o fel: drogas, modernidade e redução de danos: Análise do processo de regulamentação federal das ações de redução de danos ao uso de drogas. 2009. Tese (Doutorado) - Curso de Serviço Social, Instituto de Ciências Humanas, Unb, Brasília, 2009.

FEFFERMANN, Marisa. Vidas Arriscadas: o cotidiano dos jovens trabalhadores do tráfico. Petrópolis: Vozes, 2006.

KARAM, Maria Lúcia. Legalização das drogas. 1 Ed. São Paulo: Estúdios Editores, 2015. MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Boitempo, 2002.

SILVA, Luiza Lopes da. A Questão das drogas nas relações internacionais: uma perspectiva brasileira. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2013.

SPINDOLA, Thelma; SANTOS, Rosângela dos. Trabalhando com a história de vida: percalços de uma pesquisa(dora?). Rev. Esc. Enferm., USP, 2003, p. 119-126.

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