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AS TRÊS ONDAS DO FEMINISMO E A ORGANIZAÇÃO DAS MULHERES NA DITADURA NO BRASIL

I SEMINÁRIO DE INTEGRAÇÃO DO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL A TRAJETÓRIA DE MILITÂNCIA FEMININA NA DITADURA NO BRASIL:

2. AS TRÊS ONDAS DO FEMINISMO E A ORGANIZAÇÃO DAS MULHERES NA DITADURA NO BRASIL

O feminismo, de forma geral, é dividido em três ondas que evidenciam uma maior aparição da insatisfação de grande parte das mulheres. Dessa forma, as sufragistas, representantes da primeira onda do feminismo datada no século XIX à XX, reivindicavam o direito ao voto, educaç~o e posses, pois n~o gozavam da igualdade formal, e por isso “estavam { margem da cidadania”. A divis~o social entre homens e mulheres era notória, presente também nas ciências sociais, com uma “longa tradiç~o de pensando [que] utilizava a ideia de diferença entre feminino e masculino como princípio universal de diferença e classificaç~o” (CAMANA, p.29, 2012), e que enxergava as mulheres, por consequência, com um papel social específico, que divergia fundamentalmente do papel social dos homens. O que as feministas da primeira onda fizeram foi questionar o determinismo biológico e lutaram pela igualdade em relação à cidadania.

A segunda onda do feminismo se deu a partir (como principal influência) da obra “O segundo sexo”, de Simone de Beauvoir, de 1949. Essa tendência buscava combater os aspectos sociais, que “situavam as mulheres no lugar de ilegitimidade”. A grande quest~o trabalhada pelas feministas da segunda onda referia-se ao patriarcado, fenômeno que excluía as mulheres da história.

No entanto, no Brasil, assim como diversos países da América Latina, entrou em um momento de regime militar, a partir do golpe de 1964. Os militares defendiam interesses do grande capital e, portanto, faziam a manutenção da exploração acentuada da classe trabalhadora. Para tanto, houve uma acirrada perseguição às organizações sindicais e políticas dos trabalhadores. Dessa forma, “a meta, baseada na doutrina de segurança nacional, era eliminar ou destruir o potencial político revolucionário, que poderia ser qualquer pessoa ou grupo de pessoas que se encontrassem no meio do povo. Invertia-se assim o princípio do estado de direito: Todo cidadão é inocente até que se prove o contrário. Na ditadura militar, todo cidad~o é suspeito até que se prove sua inocência” (TELES, p.28,1993).

As mulheres sofreram muitas mudanças nas suas relações com trabalho, a família, e a questão política, o que implicou numa transformação no seu comportamento e na sua maneira cotidiana de viver. Com o crescimento da população urbana a partir de 1964, a mão de obra feminina começou a ser expressivamente absorvido, o que acentuou a problemática acerca da

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jornada dupla de trabalho das mulheres. A sobrecarga aumentava na medida em que não era facilitado o acesso a postos de saúde e creches próximos à moradia.

Da mesma forma, a esquerda, nos anos que antecederam a golpe de 1964, já iniciava um debate sobre novas formas de análises e concepções de fazer política, e de lidar com a subjetividade dos indivíduos e com as minorias. Esse processo de reelaboração da esquerda ocorreu por influência das revoluções cubana e chinesa, com a contribuição teórica que focava em “especificidades do colonialismo e do capitalismo tardio, além dos escritos sobre a teoria da dependência.” (TELES p.28, 2013).

O período entre os anos de 1968 a 1974 ficou conhecido como “anos de chumbo”, devido à intensa repressão impulsionada fortemente durante o governo Médici, pois com o Ato Institucional número 5 (AI-5) “decretou a suspens~o de todas as garantias individuais e dos direitos políticos. A partir daí, o confronto saía do campo das ideias e descia às ruas, com a luta armada, e aos porões, com a tortura” (NASCIMENTO. TRINDADE. SANTOS, 2007). Assim qualquer segmento intelectual, estudantil, artístico e/ou operário, portanto, ficava impossibilitado de se manifestar em oposição ao regime. O AI-5, se “caracterizou-se por amplas práticas de eliminação em órgãos políticos representativos, universidades, redes de informação e no aparato burocrático de Estado, acompanhado de manobras militares em larga escala, com indiscriminado emprego da violência contra todas as classes”(TELES, p.28, 2013). As mulheres participaram efetivamente na resistência à ditadura. No início, as organizações se davam timidamente, com alguns encontros de donas de casa e nos clubes de mães, locais onde se discutia e reivindicava questões referentes à infraestrutura da cidade. Sendo que com a insurgência do regime militar, “as mulheres, contrariando os princípios estabelecidos pela sociedade do seu tempo, abandonaram a vida burguesa para a qual foram criadas, deixaram as salas de aula das faculdades, pegaram em armas e foram para as ruas das grandes cidades” (LEE-MEDDI, 2009).

Dois exemplos de mulheres que romperam com o modo de vida tradicional do período foram as militantes, Vera Silvia, que contribuiu para uma reformulação da linha pacifista de 1967, herdada do PCB, imbuindo um caráter militarista às lutas contra o regime militar. E Dilma Rousseff, eleita presidenta do Brasil em 2011 e reeleita em 2015, que passou por diversas organizações que lutaram contra o regime. Dilma foi coordenadora do assalto ao cofre do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros. Sendo também uma importante liderança da guerrilha. Após diversas intervenções, a ex-presidenta foi presa em 1970, ficando sob torturas constantes, e sendo liberta três anos depois, aos 21 anos de idade.

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A participação das mulheres no enfrentamento da ditadura sempre foi presente. Na publicaç~o “O perfil dos atingidos” (MITRA, p.62 1988), existe um c|lculo que estima que 12% do total de militantes das organizações de esquerda eram mulheres. O machismo que marcava a vida do segmento feminino da sociedade se manifestava também nos métodos de tortura empregados para o mesmo. Dessa forma, “ao caírem nas m~os do inimigo, viram seus algozes aproveitarem-se delas, em diversos momentos, para a pr|tica da violência sexual” (TELLES, p. 36, 1993). Criméia de Almeida, sobrevivente da Guerrilha do Araguaia, relata que estava grávida de sete meses na época em que foi presa. Seu relato, em “Breve história do feminismo no Brasil”, confirma que a violência sexual esteve sempre presente: “na nudez durante os interrogatórios, nos choques elétricos na barriga e nos seios e nos comentários dos torturadores sobre as partes do meu corpo: o que gostavam e o que não gostavam; e todos eram un}nimes em achar terrivelmente feio um corpo de mulher gr|vida”.

À esquerda, transpassada por preceitos morais e éticos socialmente herdados, reproduziam o machismo dentro das organizações. Considerava-se que “igualdade entre os sexos” significava um abandono da “feminilidade” por parte das mulheres, e que estas deveriam se adequar a forma de agir e se portar “própria” dos homens. Criméia relata que a expectativa do comando guerrilheiro era de que “a mulher tivesse a mesma força física, os mesmos costumes e a mesma frieza para lidar com as emoções e duvidavam de nossa capacidade para desempenhar as tarefas militares”. (TELES, 1993). Um exemplo dessa intolerância quanto à questão de gênero foi à censura a 45º edição da imprensa alternativa Movimento, que se dedicou a discorrer sobre “O trabalho da mulher no Brasil”. Isso evidencia que as pautas femininas foram negadas até mesmo pela imprensa independente, pois esta se focava mais profundamente nos problemas imediatos da população participante dos levantes armados contra a ditadura, concluía-se que havia questões mais urgentes do que a causa das mulheres.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A imprensa alternativa, que ganhou força após o AI-5, também era um mecanismo de reprodução do machismo vigente. O Pasquim, tablóide que exerceu grande influência na opinião pública da esquerda, publicando mais de duas centenas de edições semanais entre 1969 e 1974, era declaradamente anti feminista e tratava com deboche as questões das mulheres. A mídia destinada ao público feminino, antes de 1968, era fundamentalmente

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centrada na produção e reprodução de uma imagem idealizada da população feminina, elaborando um perfil de mulher “perfeita”, que exercia todas as suas tarefas com maestria. Essa imprensa sofre mudanças com a revolução sexual, e os efeitos disso se manifestam no meio artístico, com os exemplos de Elis Regina e Chico Buarque.

Em 1975, os jornais Nós Mulheres e Brasil Mulher vieram para estabelecer um veículo de imprensa que representasse as mulheres, de forma que fosse produzido pelo e para o segmento feminino da sociedade, sendo os pioneiros nesse quesito. A inspiração para escrever surgiu por uma necessidade de “definir-se como feministas e, ao mesmo tempo, definir aspectos do feminismo”. O Brasil Mulher, publicado pela Sociedade Brasil Mulher, circulou de 1975 a 1980. O Nós Mulheres, publicado pela Associação de Mulheres, teve oito edições e circulou de 1976 a 1978. Em análise do contexto histórico de ambos, percebe-se que “o fato de estarem vinculados a uma associação já mostra que esses jornais eram instrumentos de divulgaç~o de coletivos de mulheres organizadas” (TELLES, p.36, 1993).

Ambos os jornais defendiam as ideias que se manifestaram pelo movimento feminista pós-luta armada, comprometendo-se com uma linguagem que visava expor as novas reivindicações políticas das mulheres. As produções destes foram significativas, contribuindo fortemente para uma formulação mais democrática e oposicionista de imprensa.

A segunda onda do feminismo, dessa forma, no caso brasileiro, construiu-se e se diluiu neste processo de ditadura e retirada da liberdade. As mulheres participantes da segunda onda do feminismo foram decisivamente importantes para a formulação de um pensamento coletivo, pautado na luta por direitos e na oposição a regimes totalitários.

As condições de luta imediatamente encontradas, no contexto do Brasil da década de 60 e 70, encaminharam os meios de intervenção para determinados rumos. De fato, as manifestações de descontentamento em relação à desigualdade entre os gêneros se mostraram mais acirrada, principalmente, no momento em que as mulheres expuseram sua opinião por vias clandestinas e, acima de tudo, pegaram em armas e saíram às ruas.

4. REFERÊNCIAS

TELES, Maria Amélia de Almeida. SANTA CRUZ LEITE, Rosalina. Da guerrilha a imprensa feminista: a construção do feminismo pós-luta armada no Brasil

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LEE-MEDDI, Jeocaz. Mulheres guerrilheiras. Disponível em:

https://www.google.com.br/amp/s/jeocaz.wordpress.com/2009/06/23/mulheres- guerrilheiras/amp/ Acesso em: 12 de Junho de 2017 ás 14:20.

MITRA, Arquidiocese de São Paulo. Perfil dos atingidos. Projeto Brasil: Nunca Mais. Tomo III, Petrópolis: Vozes, 1988.

LEITE, Rosalina de Santa Cruz. Brasil Mulher e Nós Mulheres: Origens da imprensa feminista brasileira. PUC - SP, 2003.

CAMANA, Ângela. A representação da mulher durante a ditadura militar brasileira. Cap. 1, Pg. 29; Porto Alegre - RS, 2012.

NASCIMENTO, Ingrid Faria Gianordoli. TRINDADE, Zeidi Araújo. SANTOS Maria de Fátima de Souza. Mulheres brasileiras e militância política durante a ditadura militar: a complexa dinâmica dos processos identitários. Disponível em: Interam. j. psychol. v.41 n.3 Porto Alegre dez. 2007

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