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2.1 PERSPECTIVAS HISTÓRICAS SOBRE O TRABALHO E AS ORGANIZAÇÕES:

2.1.2 Sociedade industrial

Segundo Hobsbawn (1982, p. 44), a Revolução Industrial iniciada por volta de 1780 na Grã-Bretanha representa, pela primeira vez na história, a retirada dos grilhões do poder produtivo da humanidade. Nenhuma sociedade anterior tinha sido capaz de transpor o teto, que uma estrutura social pré-industrial com tecnologia e ciência deficiente impunham à produção. Segundo o autor, a revolução industrial não foi um episódio com um princípio e um fim, não existe sentindo em perguntar quando se completou, pois sua essência foi a de que a mudança revolucionária se tornou norma desde então. Ela ainda prossegue.

Albornoz (2000, p. 22) afirma que a partir da Revolução Industrial podem-se reconhecer três estágios do desenvolvimento da tecnologia: a invenção da máquina a vapor (revolução tecnológica do século XVIII), o uso da eletricidade (século XIX), e a invenção dos computadores, a automação, que representam o estágio mais recente da evolução tecnológica.

Autores como Decca (1999, p. 26), Henderson (1979, p. 12), Oliveira (1987, p. 75) dividem a Revolução Industrial em dois períodos. A primeira relaciona-se com as transformações tecnológicas e sociais promovidas pelo setor têxtil e pela introdução, em outros setores, da máquina a vapor em substituição às fontes de energia utilizadas, até então, como: força manual, animal e energia hidráulica. A segunda Revolução Industrial caracteriza- se por novas descobertas como o uso da eletricidade, combustíveis produzidos a partir do petróleo, novas maneiras de fundir o minério de ferro e aço, invenção do rádio, do submarino e dos motores de explosão, sendo o automóvel o invento mais expressivo do aproveitamento desses motores. Conseqüentemente ocorre um aceleramento e aperfeiçoamento dos meios de comunicações e transportes (terrestres e marítimos).

O impacto das descobertas oriundas da Revolução Industrial provocaram uma nova realidade ao desenvolvimento das organizações. Essas, que eram poucas e pequenas, mudaram em grande escala, em quantitativa e em qualitativamente. Decca (1999, p. 28-30) afirma que antes da Revolução a maioria das pessoas na Europa habitavam as áreas rurais, produzindo para seu próprio sustento e organizando sua vida de acordo com natureza e as atividades que praticavam. Antes do sistema fabril, as pessoas trabalhavam em pequenos grupos nas manufaturas com a utilização de ferramentas simples. O trabalho era artesanal e, muitas vezes, uma família e seus dependentes eram os que se especializavam na confecção de determinado produto. O artesão era proprietário da oficina e auxiliado por aprendizes que aprendiam aos poucos as etapas do serviço.

Adam Smith, importante economista favorável ao crescimento industrial, bem como, ao sistema capitalista, publicou em 1776 a obra “A Riqueza das Nações” que teve enorme influência para o estudo da Economia. O autor (1985, p. 41) inicia sua obra falando sobre a divisão do trabalho e demonstra que essa característica produtiva já existia nas pequenas manufaturas.

[...] Um operário desenrola o arame, um outro o endireita, um terceiro o corta, um quarto faz as pontas, um quinto o afia nas pontas para a colocação da cabeça do alfinete [...]. Assim a importante atividade de fabricar um alfinete está dividida em 18 operações distintas, as quais em algumas manufaturas são executadas por pessoas diferentes, ao passo que em outras, o mesmo operário às vezes executa 2 ou 3 operações diferentes. [...] (SMITH, 1985, p. 42).

O mesmo termina o exemplo afirmando como a divisão do trabalho aumenta a força produtiva comparado ao trabalho independente entre os operários. Conclui que esse efeito era semelhante nas manufaturas maiores, embora em muitas delas o trabalho não possa ser subdivido, nem reduzido a uma simplicidade tão grande de operações.

[...] a divisão do trabalho, na medida em pode ser introduzida, gera em cada ofício, um aumento proporcional das forças produtivas do trabalho. A diferenciação das ocupações e empregos parece ter se efetuado em decorrência dessa vantagem. Essa diferenciação, aliás, geralmente atinge o máximo nos países que se caracterizam pelo mais alto grau da evolução, no tocante ao trabalho e aprimoramento; o que, em uma sociedade em estágio primitivo, é o trabalho de uma única pessoa, é o de várias em uma sociedade evoluída. [...] (SMITH, 1985, p. 42).

De acordo com Drucker (2001, p. 21), a rapidez das mudanças técnicas provocadas pela Revolução Industrial criou a demanda pelo capital, muito além do que os artesãos poderiam suprir. A nova tecnologia exigia a concentração da produção. O conhecimento não podia ser aplicado em milhares de pequenas oficinas individuais e nas indústrias caseiras da vila rural. O ponto central foi que a produção, que era baseada no trabalho artesanal, passou a se basear na tecnologia. Como resultado, o capitalista passou quase repentinamente a ocupar o centro da economia e da sociedade.

Dickson (apud DECCA, 1982, p. 22) cita as quatro razões imperativas para o estabelecimento dos sistemas de fábricas. Primeiramente, os comerciantes precisavam controlar toda a produção dos artesãos com o objetivo de reduzir ao mínimo as práticas de desvio de produção. Em segundo, era interesse maximizar a produção através do aumento do número de horas de trabalho, bem como o aumento da velocidade de ritmo de trabalho. Um outro ponto era a necessidade de garantir que a inovação tecnológica fosse aplicada somente no sentido de acumulação capitalista. Por último, a fábrica criava uma organização da produção que tornava imprescindível a figura do empresário capitalista.

Nesse sentido, a introdução das novas tecnologias, e, a necessidade de controle e organização foram fatores determinantes para o nascimento das fábricas. Ocorreram uma série de fusões de pequenas oficinas que passaram a integrar outras maiores. Os proprietários que não estavam preparados financeiramente para adquirir máquinas foram obrigados a trabalhar para outros que possuíam as condições necessárias.

Autores como Albornoz (2000, p. 27), Decca (1999, p. 57), Hobsbawn (1982, p. 66) relatam o crescimento demográfico e a urbanização como acontecimentos marcantes nesse período. Do século XIX até hoje, as populações se multiplicaram de forma assombrosa, ao mesmo tempo que se transferiram em massa do campo para as cidades. Do ponto de vista da industrialização, esses efeitos eram desejáveis, pois o novo sistema fabril demandou uma grande procura por mão-de-obra. A população rural era a fonte mais óbvia, suplementada pela mistura de pequenos produtores e trabalhadores pobres.

A transferência para as cidades pode ser explicada parcialmente pela natureza do trabalho na indústria. Esse, como era desenvolvido pelos artesãos, não requeria a

concentração dos trabalhadores da mesma forma que o sistema industrial de produção. Ocorre assim a separação entre o lugar de trabalho e o lugar de moradia. Enquanto o artesão confeccionava os seus produtos no mesmo ambiente do convívio familiar, muitos operários das grandes fábricas precisavam de algumas horas de locomoção para chegar aos centros industriais.

[...] todo operário tinha que aprender a trabalhar de uma maneira adequada à indústria, ou seja num ritmo regular de trabalho diário ininterrupto, o que é inteiramente diferente dos altos e baixos provocados pelas diferentes estações no trabalho agrícola ou da intermitência auto-controlada do artesão independente. [...] Nas fábricas onde a disciplina do operariado era mais urgente, descobriu-se que era mais conveniente empregar as dóceis (e mais baratas) mulheres e crianças [...] (HOBSBAWN, 1982, p. 67).

A relação do homem com o seu trabalho foi atingida, transformando a realidade dos artesãos habituados ao ritmo das suas pequenas oficinas. Essa mudança não foi a única separação que passou a estar presente nas organizações. A mecanização levou à maximização da divisão do trabalho e à simplificação das operações. A atividade artesanal caracterizada pela utilização de ferramentas simples e flexíveis na produção de cada item, de acordo com o desejo do consumidor, é substituída por tarefas semi-automatizadas e repetitivas.

De acordo com Stoner (1999, p. 23), no início do século XIX, as condições de trabalho e de vida eram muito ruins para a maioria dos trabalhadores. Homens, mulheres e crianças trabalhavam até 14 horas por dia, seis dias por semana. Os salários eram baixos e as moradias eram pequenas, aglomeradas e com poucas condições de higiene.

Karl Marx apresenta em sua importante obra “O Capital” uma crítica à economia política, discutindo as implicações do sistema capitalista para a vida do trabalhador. Marx (1994, p. 301) quando se refere à jornada de trabalho diz que a produção capitalista – que essencialmente é produção de mais valia, absorção de trabalho excedente – ao prolongar o dia de trabalho, não rouba apenas as condições normais, morais e físicas de atividade e de desenvolvimento, ela ocasiona o esgotamento prematuro e a morte da própria força de trabalho. Aumenta o tempo de produção do trabalhador num período determinado, encurtando a duração da sua vida.

[...] Fica desde logo claro que o trabalhador durante tôda a sua existência nada mais é que fôrça de trabalho, que todo o seu tempo disponível é por natureza e por lei tempo de trabalho, a ser empregado no próprio aumento de capital. Não tem qualquer sentido o tempo para a educação, para o desenvolvimento intelectual, para preencher funções sociais, para o convívio social, para o livre exercício das fôrcas físicas e espirituais para o descanso dominical mesmo no país dos santificadores de domingo. Mas em seu impulso cego, desmedido, em sua voracidade por trabalho excedente, viola o capital os limites extremos, físicos e morais, da jornada de

trabalho. Usurpa o tempo que deve pertencer ao crescimento, ao desenvolvimento e à saúde do corpo. Rouba o tempo necessário para se respirar ar puro e absorver a luz do sol [...] (MARX, 1994, p. 300-301).

Em sua crítica o filósofo (1994, p. 263) compara o capital como um trabalho morto, que, como um vampiro, fortalece-se sugando o trabalho vivo.

Marx também apresenta suas considerações em relação à divisão do trabalho. O autor (1994, p. 416) coloca que a cooperação baseada nesse sistema, ou seja, a manufatura é, na sua origem, uma criação natural, espontânea que ao adquirir certa consistência torna-se a forma consciente, metódica e sistemática do modo de produção capitalista. A divisão manufatureira do trabalho, como forma capitalista do processo social de produção, desenvolve a força produtiva do trabalho coletivo para o capitalista e não para o trabalhador e, além disso, deforma o trabalhador individual.

O camponês e o artesão independentes desenvolvem, embora modestamente, os conhecimentos, a sagacidade e a vontade, como o selvagem que exerce as artes de guerra apurando sua astúcia pessoal. No período manufatureiro, essas faculdades passam a ser exigidas apenas pela oficina em seu conjunto. As fôrças intelectuais da produção só se desenvolvem num sentido, por ficarem inibidas em relação a tudo que não se enquadre em sua unilateralidade. O que perdem os trabalhadores parciais, concentra-se no capital que se confronta com eles. A divisão manufatureira do trabalho opõe-lhes as fôrças intelectuais do processo material de produção como propriedade de outrem e como poder que os domina. Esse processo de dissociação começa com a cooperação simples em que o capitalista representa diante do trabalhador isolado a unidade e a vontade do trabalhador coletivo. Esse processo desenvolve-se na manufatura, que mutila o trabalhador, reduzindo-o a uma fração de si mesmo, e completa-se na indústria moderna, que faz da ciência uma fôrça produtiva independente do trabalho, recrutando-a para servir ao capital. (MARX, 1994, p. 413-414).

Christophe Dejours, psiquiatra francês, especialista em medicina do trabalho, retrata na parte introdutória do seu livro “A Loucura do Trabalho”, um resgate histórico sobre a luta operária por melhores condições de trabalho em três fases distintas. Segundo Dejours (1992, p. 14), o desenvolvimento do capitalismo industrial, caracterizado pelo crescimento da produção, pelo êxodo rural e pela concentração de novas populações urbanas acarretara condições de vida com alguns elementos marcantes: a duração do trabalho que atinge 12, 14 ou mesmo 16 horas por dia, o emprego de crianças na produção industrial, salários baixos, moradias precárias, falta de higiene, promiscuidade, esgotamento físico, acidentes de trabalho, entre outros.

Diante de tal quadro, de acordo com o autor, a primeira fase da luta da classe operária caracteriza-se como a luta pela sobrevivência que condenava a duração excessiva do trabalho. No segundo momento é o tema condições de trabalho que se depreende das

reivindicações operárias pela saúde. A luta pela sobrevivência deu lugar à luta pela saúde do corpo, pela melhoria das condições de trabalho. A terceira fase é caracterizada por Dejours (1992, p. 25) como a luta pela saúde mental que está relacionada à organização do trabalho, entendida como a divisão, o conteúdo da tarefa, o sistema hierárquico etc.

Ainda hoje presencia-se essas reivindicações entre os trabalhadores e os capitalistas. A função dos sindicatos, agora mais estruturados, continua sendo a de promover batalhas para a conquista de direitos que proporcione cada vez mais melhores condições de vida. Algumas reivindicações permanecem, outras foram atualizadas, conforme as necessidades criadas nas diferentes épocas.

De acordo com Oliveira (1987, p. 82-84), desde o início da Revolução Industrial, os trabalhadores buscaram reagir contra o emprego da máquina, vista como fator de desemprego e de supressão do trabalho. A primeira metade do século XIX mostra os primeiros grandes movimentos proletários na Europa em torno de associações de trabalhadores. Os sindicatos surgiram com o objetivo de defender as reivindicações do proletariado como: proteção ao trabalho das mulheres e das crianças, regulamentação da jornada de trabalho, direito à assistência médica e hospitalar em casos de acidentes e liberdade de expressão e de organização.

A era industrial, repleta de fortes acontecimentos, traz mudanças avassaladoras nas estruturas familiares, na organização do trabalho, na administração de conflitos políticos, enfim um conjunto de inúmeros fatores provocaram a necessidade de readaptação do homem em diversos aspectos de sua vida. Toffler (1997, p. 24-26) afirma que até o momento a humanidade passou por duas grandes ondas de mudança, cada uma substituindo culturas ou civilizações por modos de vida inconcebíveis para os que vieram antes. O industrialismo foi muito mais que chaminés e linhas de montagens, foi um sistema que revolucionou todos os aspectos da vida humana. A Segunda Onda, revolucionando a vida da Europa, da América do Norte e de algumas outras partes do globo em uns poucos séculos, continua a se espalhar, pois muitos países, até agora basicamente agrícolas, apressam-se a construir siderúrgicas, fábricas de automóveis, fábricas têxteis etc. Entretanto, esse processo continua, mesmo começando outro ainda mais importante. A Terceira Onda, iniciada em meados da década de 50 nos Estados Unidos, traz consigo um modo de vida genuinamente novo.