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12 Trabalho e gênero

12.9 Trabalho coletivo

Mesmo com a separação de algumas atividades por gênero, alguns trabalhos são feitos por todos da família (todos àquelas cujas condições os permitem executar a tarefa) juntos, por exemplo, o cuidado e a colheita das miudezas. Enquanto trabalhavam dialogam, resolvem problemas, planejam, etc.

O cuidado com o jardim, no caso de uma das participantes, é realizado conjuntamente ao marido, noutras propriedades cabe aos homens a adubação e o controle das pragas, ademais cinco das participantes mantém sozinhas o jardim.

A visualização do trabalho coletivo na prática acompanhei na propriedade de Neide e Mariana, pude constatar que as atividades rotineiras ultrapassavam àquelas narradas na entrevista concedida. Na lavoura das miudezas que produzem para comercializar, em algumas épocas (principalmente nos períodos em que o comprador exigia determinada quantidade de produto num certo prazo) todos iam na lavoura para efetuar a colheita dos tomates e das vagens. Também o processo de embalagem e empacotamento dos brócolis e vagens é feito conjuntamente.

Enquanto conversávamos Jairo carregava as caixas de brócolis para leva-los à venda, numa cidade há uns 20 km dali, após o carregamento continuamos no mesmo processo de trabalho: Raul separa os brócolis, tira o excesso de caule e coloca nas formas brancas quadradas, Mariana os embala com auxílio de uma máquina: coloca o brócolis, cobre-o com o plástico que é cortado por um fio aquecido, em seguida deixa na chapa também aquecida da máquina para

moldar, cuidando para não deixar nem o plástico solto, nem muito ar em seu interior, eu abria o saco, o prendia nas bordas da caixa, após, colocava as embalagens em fileiras de cinco na base e quatro sobre, amarrava o saco (três nós) e empilhava as caixas em frente à câmara fria, Raul brincou que naquele dia seria mais rápido já que tinha ajudante, pois estão sempre sozinhos [o termo ‘sozinhos’ utilizado refere-se a presença única dos familiares] (Diário de Campo).

O coletivo é um traço importante na manutenção das características do trabalho e vida na ruralidade, este modelo ainda é mantido em algumas das famílias visitadas, mas o investimento em projetos particulares das novas gerações, provoca rupturas (Woortmann, K. 1990), visualizadas nas decisões sobre a propriedade e a produção.

Sobre as decisões das atividades desenvolvidas na propriedade, em duas, a responsabilidade é tomada pelo casal.

M - É quem é o responsável pelas decisões das atividades desenvolvidas aqui na propriedade?

F - É, a gente decide meio junto assim

M - E das decisões da casa?

F - Ah quando sai, óh tem compra tal coisa né, pega um bilhete, escreve, tem que anotar, ver o que falta, manda trazer quando sai, vai fazer rancho, os dois né. (Flávia)

M - E quem é o responsável pelas decisões das atividades desenvolvidas na propriedade?

N - É tudo junto

M - E pelas decisões da casa?

N - Ah, da casa mais sou eu né (risos). (Neuza)

Flávia diz que decidem juntos e que quando um deles vai para a cidade traz as encomendas. Ela participa de cursos e atividades, além das saídas para as compras, ambos têm seus compromissos, mas as compras no mercado fazem juntos. A ida na

cidade é sempre preenchida por uma lista de afazeres. Neuza diz que as decisões são tomadas em conjunto, exceto às da casa.

M - E quem é o responsável pelas decisões da propriedade?

R - São os dois, não adianta.

M - E quem é responsável pelas decisões da casa?

R - Também sou eu... (Rosa)

Rosa diz que sobre a propriedade as decisões são conjuntas, mas quando se trata da casa, ela é quem decide. Diversas vezes encontrei Rosa na cidade, algumas vezes no banco, noutras com sacolas com medicação para os animais em mãos, acompanhei ela participando de negociações de compra de vacas de leite, com a cooperativa, nos dias de campo e palestras sobre o aprimoramento da produção leiteira, algumas vezes sozinha, noutras com a filha ou com o marido, num papel ativo de produtora rural.

Se algumas pesquisas que colocam como variável de maior participação da mulher frente aos negócios, sua condição financeira favorável, não é isto que acontece no caso das participantes. Ou seja, tensionamentos estão acontecendo nestas estruturas que até pouco tempo pareciam demasiado rígidas, tensionamentos tanto práticos, quanto presentes nos enunciados, nas maneiras de falar sobre as decisões, trazem uma posição não diretiva aos homens. Ainda que tímidas, são atitudes provocadoras de rupturas, que já habitam o imaginário e transformam-se em condutas.

Estas modificações, aparentemente ínfimas são capazes de ‘jogar’ com as maquinarias disciplinares estabelecidas, por meio de ‘maneiras de fazer’ que são lançadas contra as imposições de gênero provocando reordenações socioculturais, táticas importantes que se dissimulam nas implicações contextuais (Certeau, 2003).

Quando um ordenha as vacas o outro trata, o Jorge mais vai na roça, sim e às vez a gente trabalha tudo junto. (Rosa)

Cabe mencionar que nos dias em que lhe visitei, Rosa não ia ao galpão ordenhar, porém, quando o marido terminava ela ia lavar o tambo (instalação onde se

pratica a ordenha das vacas), pois comentava que ele detestava lavar, e que ela tem mais jeito pra isso.

Aqui abrem-se algumas perspectivas possíveis: há certa parceria, afinal quando um não pode o outro desempenha o trabalho de ambos, porém há tendência de pensar a ausência da mulher quando esta está com visitas em casa, logo, a função de recepcionar é sua; também pode-se pensar na questão de lavar, a limpeza como papel atribuído à mulher, devido ao seu ‘jeito’. Portanto, ainda que se perceba modificações, muitas continuam imbricadas numa certa divisão das atividades por gênero.

Por entre as brechas, pode-se acompanhar desconstruções na divisão do trabalho que acontece no rural, ainda assim, é preciso ressaltar qual é o tipo de trabalho que é coletivizado: é todo aquele que acontece ‘fora’, ou seja, na lavoura, com os animais, ou no caso específico de uma participante, na embalagem de alimentos para revenda. Mas e os domésticos? Estes não são coletivizados, o coletivo chega até o jardim, mas não adentra às casas.