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7 Das mulheres que conheci

7.1 Uma pequena história de Inês

A primeira vez que estive na casa de Inês, não a conhecia, o contato com ela foi intermediado, consegui seu número e liguei num dia para combinar a visita para o próximo. Ao passar pela estrada que liga Guabiju à Nova Prata, ao lado das terras pertencentes ao assentamento, sempre observava uma pequena lavoura, em diferentes épocas, com diferentes plantações: cebola, moranga etc., e uma plaquinha anunciando os produtos que vendiam, toda vez que passava por ali renovava meu interesse em conhecer essa família.

Há uma pequena Igreja Evangélica na beira da estrada, uma pequena entrada e ao lado uma plantação, segui pela estrada e logo avistei duas casas. Ao chegar, fui recepcionada pelos latidos dos cachorros, à porta apareceu uma senhora, perguntei se a Inês estava, ela disse que sim e que poderia entrar, logo Inês apareceu com algumas cadeiras e ficamos na área, nos apresentamos e conversamos. Durante a conversa armou-se um temporal, entramos na casa de seus sogros, enquanto Inês correu para recolher as roupas do varal e fechar a sua casa, em pouco tempo faltou luz, em seguida ela sentou-se do meu lado e perguntou como seria a visita, lhe expliquei que acompanharia seu dia, e gostaria de saber um pouco da sua história de vida, de trabalho, ela então me disse que sabia o que era pois há algum tempo algumas meninas já tinham feito umas perguntas pra ela, e se era para a minha aula ela iria ajudar (Diário de Campo).

Natural de Caxias do Sul, filha de agricultores que trabalhavam com parreiras, Inês sempre trabalhou ‘na roça’, como diz. Tem 44 anos, é uma mulher jovem, acolhedora e muito trabalhadora.

Após o casamento mudou-se para a comunidade do Sagrado, no município de São Jorge, distante 40 km de onde residem atualmente após a compra destas terras, na comunidade da Água Branca, município de Guabiju. A compra da terra foi efetuada entre três sócios, mas conforme produziram e adquiriam dinheiro, conseguiram comprá-la integralmente. Passados três meses da mudança do casal, o marido de Inês trouxe os pais para morar com eles. Os sogros de Inês, moram numa casa recentemente

5 Os nomes aqui utilizados são fictícios conforme o combinado com as participantes e às diretrizes do

construída, enquanto ela e o marido moram numa casa ao lado, que ela chama de ranchinho. Tem uma filha, que mora na cidade e da qual tem muito orgulho.

Tanto durante as visitas, quanto no dia da entrevista, quando Inês me recebeu em sua casa, tão organizada, com um chão tão lustro que chamou minha atenção, a combinação entre organização e detalhes: os detalhes da casa, os detalhes no seu jardim, tudo isto harmonizava com a mulher Inês, seu jeito calmo e delicado de falar, unido à força do trabalho que desenvolve todos os dias, esta união quase contraditória tinha em suas mãos, visivelmente mãos de trabalhadora rural, judiadas pelo trabalho pesado, e cuidadas pelo esmalte nas unhas, a integralidade da pessoa que humildemente contou sua história e abriu as portas de sua casa.

O trabalho entra em cena...

Sua história de vida foi contada simultaneamente à sua história de trabalho, que desde cedo, muito cedo, quando era levada pelos pais num pequeno cestinho e colocada sob as parreiras enquanto eles trabalhavam, estiveram unidas.

Desde cedo, desde que eu tinha dois meses que eu te falei né? Que eu tinha dois meses que a mãe me levava dentro da cesta na roça e eu ficava entretida, eles iam fazer as roçadas né, porque tinha que fazer roças, porque eles tinham pena casado né e eu fiava dentro de uma cesta e olhando pras folhas, balançavam e eu dava risada e eu ficava ali, a mãe disse que eu ia direto com eles, dois, três meses eu já tava lá no meio do mato com eles (risos).

Através do que Inês conta no trecho acima, o trabalho fez-se precocemente presente em sua vida. Isto caracteriza o meio rural, onde desde cedo cada pessoa da família, cada morador da propriedade, tem uma tarefa que modifica-se conforme seu desenvolvimento.

Quando comecei caminhar já queria ir junto roçar, fazer o roçado, queria carpir, queria arrancar o mato também, junto com meu pai e minha mãe na roça, direto na roça, eu parei de ir na roça quando minha mãe ganhou meus dois irmãos, que daí eu fiquei em casa, ficava em casa pra cuidar deles né, porque daí dois pequenos né.. (...) daí, depois quando eles tavam mais grandinhos, daí se viravam já, um aninho e pouco já, daí a gente ia tudo na roça...

Após o nascimento dos irmãos, Inês não apenas parou de ir na roça, mas também de ir à escola, afinal precisava cuidar dos mais novos e absorveu o trabalho doméstico.

Atualmente a mão de obra na propriedade é familiar, somente ela e o marido, já que os sogros têm idade avançada e complicações de saúde, ainda que façam algumas atividades, como por exemplo, seu sogro poda o parreiral. Na época da colheita contratam mão de obra.

Um sonho

Meu sonho era ter uma casa boa pra mim morar. Agora sonhos, sonhos, sonhos fora disso, eu acho que eu realizei todos, eu sonhava de ter uma filha, eu tive, graças a Deus ela tem saúde, ela tá trabalhando, o serviço que ela faz, ela gosta. Eu acho o meu sonho tá realizado. Eu queria daqui pra frente era ter uma casinha boa e ter saúde pra continuar ainda.