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O TRANSTORNO DO ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO

No documento MARIA LUIZA PIGINI SANTIAGO PEREIRA (páginas 40-48)

Segundo Schetatsky et al. (2003), inspirados por Kardiner, dois psiquiatras americanos, Chaim Shatan e Robert J. Lifton, no curso do atendimento clínico a veteranos da Guerra do Vietnã, formularam uma lista de 27 sinais e sintomas comuns às neuroses traumáticas, as quais levaram à formulação de critérios de inclusão para Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) na terceira edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-III), da American Psychiatric Association, em 1980.

Para Mello e Fiks (2006), o diagnóstico de TEPT é uma extensão sobre o entendimento da experiência traumática de guerra, a ‘neurose de guerra’ (p.13).

Apesar de seu percurso histórico ligado ao estudo dos transtornos psiquiátricos sofridos pelos combatentes das duas grandes guerras, e, mais modernamente, pela demanda representada pela necessidade assistencial aos veteranos da guerra do Vietnam, dentro dessa categoria foram, depois, inseridas outras síndromes traumáticas, não necessariamente relacionadas a vítimas de guerra, mas a pessoas confrontadas com outras situações de violência, inclusive de natureza criminal, ou desastres, estes naturais ou não (FULLERTON; URSANO, 1997).

Para abarcar o novo espectro de utilização desse diagnóstico, inclusive permitindo abranger situações em que a pessoa sofreu o impacto do estresse por ter avaliado estar em perigo, mesmo que não estivesse, seus critérios foram mais tarde revisados no DSM-III-R e DSM-IV, o que ampliou o TEPT para uma noção de, como mencionam Vieira Neto e Vieira (2005) uma ‘neurose de guerra em tempo de paz’.

O TEPT pressupõe a presença de um ou mais eventos traumáticos, os quais, segundo Ursano; McCaughey e Fullerton (2001),

são reconhecidos por sua natureza, pelos efeitos do trauma em indivíduos ou grupos e pelas respostas individuais ou grupais ao evento [...] são perigosos, esmagadores e repentinos [...] marcados por sua extrema ou repentina força, tipicamente causando medo, ansiedade, recuo e evitação [...] têm alta intensidade, são inesperados, raros e variam em duração de agudos a crônicos...podem afetar um único indivíduo ou uma comunidade inteira (p.5).

Além disso, sobrepujam a capacidade de enfrentamento do indivíduo ou da comunidade.

Apesar dos cuidados dos pesquisadores e especialistas com relação a pacientes com TEPT ter extrapolado a esfera dos veteranos de guerra, essa população ainda continua sendo alvo de interesse de vários estudos (BREWIN; ANDREWS e VALENTINE, 2000).

Não é para menos. A guerra é sabidamente uma situação de extrema adversidade. Vários elementos atinentes à definição de trauma, para fins de diagnóstico da TEPT, são encontrados em estados de guerra:

− Situação ou evento estressante, de natureza excepcionalmente ameaçadora ou catastrófica e que provocaria sintomas evidentes de perturbação na maioria das pessoas (CID-10, p.336).

− Um ou mais eventos que envolveram morte ou grave ferimento, reais ou ameaçados, ou uma ameaça à integridade física, própria ou de outros (DSM-IV- TR, p. 209-210).

Interessantemente, e de forma consistente com as observações feitas durante a Segunda Guerra, um estudo metanalítico, conduzido por Brewing, Andrews e Valentine (2000), sobre fatores de risco para TEPT, apontou que, apesar das limitações devidas à heterogeneidade das pesquisas incluídas, este foi bem-sucedido em identificar os fracos efeitos dos fatores de risco pré-trauma, junto com os efeitos ligeiramente mais acentuados para os fatores de risco ligados à intensidade do trauma e outros pós-trauma, alertando contra tentativas de se construir um modelo geral de vulnerabilidade para todos os casos de TEPT.

Em uma meta-análise subseqüente, Ozer, Best e Lipsey (2003), chegam a conclusão semelhante, apontando que os mais fortes preditores de TEPT são os processos psicológicos peritraumáticos e não as características prévias.

É importante frisar que os trabalhos revisados nessas meta-análises consideraram fatores pré- trauma (experiências prévias, recursos pessoais etc.) e pós-trauma (rede de apoio, condição de retorno ao lar, etc.), os quais tiveram, em cada situação, seu papel devidamente mapeado. O que se destaca aqui é a força da experiência traumática em si, como mais forte preditora para o desencadeamento da TEPT.

Isso é mais relevante ainda quando se considera a experiência de ex-combatentes que foram prisioneiros de guerra.

Gold et al. (2000), baseados em estudos epidemiológicos, informam que, se a ocorrência de TEPT em veteranos de guerra já é alta – cerca de 30%, as mesmas taxas para ex-prisioneiros

de guerra sobem para mais de 67%. De acordo com a revisão conduzida por estes pesquisadores, nesse caso, a severidade da tortura sofrida e a quantidade de peso perdido durante a captura estariam diretamente relacionadas a maiores taxas e persistência de TEPT. Além da noção de trauma, é necessário que se aborde também a questão do risco. As pessoas se mostram preparadas para assumir riscos que lhe façam sentido e quando vêem neles um propósito, e os militares especialmente.

No militarismo, há riscos que são inerentes à sua natureza e atualmente, ao assumirem suas funções, os militares optam também por aceitarem aqueles que são pressupostos, principalmente aqueles sobre os quais sintam que têm escolha, cuja distribuição seja igualitária e cuja demanda seja de autoridade confiável. Além disso, o próprio regime militar é exigente e testa as pessoas, para que elas estejam preparadas aos enfrentamentos por demais descritos (WESSELY, 2005).

Já que existe um entendimento consensual sobre a experiência de guerra como fator de risco, as pesquisas são unânimes em considerar que, mesmo para soldados treinados, o enfrentamento das situações previsíveis (combate tradicional, ameaças à vida e à integridade física, desconforto ambiental) e imprevisíveis (exposição a atrocidades, sujeição a violência, risco de captura e tortura, lidar com a morte de companheiros e/ou com corpos mutilados), por seu forte potencial estressógeno, estão associados ao desenvolvimento de doenças.

Assim, acrescenta-se o ‘elemento surpresa’ como potencializador das experiências traumáticas que podem eliciar reações de estresse em operações de guerra. Algumas delas poderiam se referir à noção de ‘guerra injusta’, ou algo que não se antecipou através do treinamento, e portanto não foi ‘dessensibilizado’, ou que mobilizaram conflitos entre aspectos de culpa e fascínio ligados à guerra. Resumindo, de acordo com Marlowe (2006), algo que tenha saído da esfera da crença, expectativa, explicação e atribuição.

Voltando à aviação militar, essas considerações sobre o envolvimento humano em operações de guerra acrescentam um colorido dramático às suas vicissitudes, anteriormente discutidas.

Essa exposição também torna clara a utilidade da Teoria do Estresse como ponto de partida para a compreensão de como os humanos enfrentam a adversidade.

Paradoxalmente, apesar das reações ao estresse ilustrarem uma plasticidade adaptativa, grande parte dos escopos de pesquisa sobre o assunto discutem o enfrentamento do estresse sob o ponto de vista da possibilidade de adoecimento ou, de uma forma mais pessimista, dos limites do corpo e do indivíduo em lidar com fatores ambientais e vivenciais adversos.

Mas é a própria discussão sobre TEPT que vem reiteradamente levantando questionamentos complementares:

Por quê alguns indivíduos submetidos a situações traumáticas cursam com esse tipo de transtorno, ou com outros tipos de patologias, e outros não? Mais do que isso, por quê alguns indivíduos demonstram não só ter sobrevivido sem o desenvolvimento de morbidades, como também ter apresentado evidências de fortalecimento?

É a partir da própria discussão dos transtornos de estresse pós-traumáticos que se pode abrir uma outra perspectiva de análise, agora sob o ponto de vista da adaptação positiva, através do conceito de Resiliência, como se verá a seguir.

1.2

RESILIÊNCIA

Um dos autores que explicitamente buscam essa superação é Bonanno (2004, 2005; MANCINI; BONANNO, 2006). Esse autor argumenta que a maioria das pessoas é exposta, pelo menos uma vez na vida, a situações de perda ou trauma e que a variedade de possibilidades inclui desde intensas respostas de mal-ajustamento até respostas de relativo ajustamento, sendo possível também uma resposta favorável de início, sucedida por respostas de mal-ajustamento, mas critica a idéia de que as reações a perdas ou traumas são necessária e potencialmente patológicas, passíveis de acompanhamento terapêutico.

Bonanno, através dos estudos acima citados, defende fortemente a idéia de que resiliência é um processo mais comum do que a literatura científica tem até aqui considerado e faz uma interessante contraposição com as pesquisas de estresse pós-traumático. Citando dados de pesquisa sobre o recentemente definido transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) critica as abordagens que valorizam seu desenvolvimento – em 40% da população, na pior das hipóteses – embotando, assim, a evidência de que a maior parte da população ou se recupera do trauma ou não sofre descontinuidade no curso normal de sua vida, a despeito do enfrentamento e do sofrimento.

Resiliência, para Bonanno, refere-se a esse último padrão de resposta sendo, portanto, mais do que a capacidade de recuperação. Em contraponto a alguns tipos de pesquisa, insiste que disfunção não pode ser completamente compreendida sem uma profunda compreensão sobre saúde e resiliência.

Não obstante a objeção de Bonanno, é comum a citação de resiliência nas publicações relativas a pesquisas sobre TEPT, mesmo que de forma restrita.

Ursano, McCaughey e Fullerton (2001), por exemplo, definem que uma experiência traumática é reconhecida pela natureza do evento, pelos efeitos do trauma sobre indivíduos e grupos e pelas respostas dos indivíduos e grupos ao evento.

Pela mesma linha de raciocínio, Ai e Park (2005) constatam que, de fato, nem todas as pessoas que experimentam violento trauma desenvolvem TEPT e, além disso, há pesquisas evidenciando que uma parcela relata, sem negar o impacto da experiência, terem amadurecido como resultado da exposição a um violento estresse, como por exemplo terem adquirido uma perspectiva mais ampla, novas habilidades de enfrentamento e o desenvolvimento de recursos pessoais e sociais. As autoras questionam em seu artigo porque algumas pessoas cursam dessa maneira e outras não, enquanto propõem o alinhamento de pesquisas nas áreas da Psicologia Positiva, da espiritualidade e do desenvolvimento relacionado ao estresse como alternativa às pesquisas baseadas na vitimologia e na patologia, possibilitando novas evidências sobre os sobreviventes de violência e trauma.

É comum também a utilização de uma abordagem multifatorial desse transtorno, próxima a do conceito de Resiliência, como observaram Neder e Pereira , M., (2005) em seu artigo de revisão empírica de literatura.

Nesse trabalho, as autoras constatam esse tipo de abordagem na proposta de North et al. (2002) ao estudarem desordens psiquiátricas em bombeiros que trabalharam como voluntários no resgate de vítimas ou recuperação de corpos após o episódio da bomba em Oklahoma City. Comparando-os com um grupo masculino de vítimas primárias, os autores encontraram uma prevalência significativamente baixa de PTSD nos voluntários (13% contra 23% nas vítimas), atribuindo esse resultado à seletividade da carreira, à voluntariedade da participação, seu preparo e experiência na abordagem de vítimas de trauma, o fato de terem sofrido menos ferimentos e por terem sido submetidos a intervenções pós-desastre (debriefing). A despeito disso, o estudo dessa população revelou a alta prevalência de abuso de álcool encontrada, independentemente da experiência com o desastre, sendo que as desordens psiquiatrias pós- desastre foram quatro vezes mais comuns no grupo com história prévia de psicopatologia, agravadas pelo abuso de álcool.

Em outro estudo sobre traumas relacionados à experiência de prisioneiro de guerra, Nerya (2001), ao enfocar as perdas tangíveis (físicas por ferimentos, desaparecimento ou morte de amigos e comandantes) e intangíveis (perda de autonomia, dos ideais e valores prévios, dos antigos papéis sociais, da dignidade e auto-estima e dos aspectos essenciais da identidade anterior) associadas a essa condição, vale-se de dois estudos de caso para ressaltar a importância das estratégias individuais de enfrentamento, perdas traumáticas pré-captura e do apoio social no retorno ao lar, no impacto e duração dos traumas relacionados a tais perdas em prisioneiros.

Em dois trabalhos complementares, King et al. (1998, 1999), estudando a prevalência de PTSD em uma amostra nacional de veteranos, da Guerra do Vietnam, homens e mulheres, retirada dentre os participantes do National Vietnam Veterans Readjustment Study (NVVRS), refutam a

idéia da linearidade entre o grau de exposição ao evento estressante e a ocorrência e gravidade dos sintomas desenvolvidos como exclusiva forma de compreensão dessa ocorrência.

Sustentados pelos achados de seus trabalhos anteriores, esses autores defendem que a ocorrência e gravidade da PTSD devem se analisadas como uma extensa rede de variáveis inter-relacionadas, incluindo fatores de risco pré-guerra, estressores da zona de guerra e variáveis de resiliência-recuperação.

Outro interessante trabalho revisado apontava para um fator de risco envolvendo militares em tempo de paz. Eid e Johnsen (2002), estudando reações agudas de estresse após acidentes de submarino, abordam-nas sob a perspectiva da Resiliência, ao levantarem “fatores de resiliência” (estilos de enfrentamento, coesão da unidade1) e “fatores de vulnerabilidade” (exposição prévia a incidentes críticos, experiência pessoal de não enfrentamento na situação de acidente).

Destacando que servir em submarino é amplamente reconhecido como a mais estressante e psicologicamente exigente das formas de serviço militar, o enfoque desses autores acentua que os relativamente baixos níveis de reações de estresse agudos nessa população devem-se a um conjunto de fatores que incluem a rigorosa seleção e treinamento de cada tripulante, o “espírito de corpo”, associado à clara liderança e a uma bem estabelecida estrutura de comando, características das tripulações de submarino, os quais desempenhariam um importante papel na adaptação bem-sucedida a situações altamente estressantes.

É compreensível que, ainda que se mantendo fortemente relacionadas ao estudo de crianças e adolescentes em situações de risco (Johnson, 2004), as pesquisas sobre Resiliência venham se estendendo cada vez mais para outros tipos de população.

Segundo Tusaie e Dyer (2004), as raízes do construto resiliência podem ser encontradas em dois corpos de pesquisa, quais sejam, sobre os aspectos psicológicos das estratégias de enfrentamento e sobre os aspectos fisiológicos do estresse. Resiliência, porém, focaliza os resultados positivos ao invés das doenças.

Chama também a atenção o fato de que, semelhantemente ao Estresse, o termo Resiliência é originariamente aplicado ao estudo da resistência dos materiais, em cujo contexto diz respeito “à propriedade que alguns corpos apresentam de retornar à forma original após terem sido submetidos a uma deformação elástica” (HOUAISS, 2001).

No meio aeronáutico o termo é familiar para os especialistas do Fator Material e é um conceito importante na indústria aeronáutica.

sobre o Homem, esse termo vem sendo empregado para traduzir a capacidade observada, em alguns indivíduos, de adaptar-se positivamente às adversidades, superando as expectativas para seu ajustamento nessa condição. Cabe aqui a metáfora da flexibilidade, plasticidade e resistência.

Agaibi e Wilson (2005), na análise léxica que fazem, agregam esse duplo sentido ao qual a palavra remete, ou seja, a uma propriedade do material, com relação à habilidade de um objeto de restaurar sua forma estrutural original, apesar de ser temporariamente alterada por forças externas que dobrariam ou comprimiriam sua forma, conotando elasticidade, flexibilidade e força. Ao mesmo tempo remete à noção de qualidade de caráter, personalidade e habilidade de superação, uma capacidade de domínio e retorno ao funcionamento normal após estresse excessivo que desfia as habilidades individuais de superação. Fica claro, então, que a propriedade da resiliência aplica-se a diversos fenômenos comportamentais, em variados contextos.

O estabelecimento desse conceito teve sua origem nas pesquisas longitudinais focalizadas no estudo de crianças criadas em condições de vida tidas como favoráveis para o desenvolvimento de psicopatologias ou de mal-ajustamento.

Destacam-se aqui os trabalhos de Werner, que acompanhou por 32 anos cerca de 500 pessoas da ilha de Kauai, no Havaí, vivendo em condições de extrema pobreza (MELLILO e OJEDA, 2005).

Outro conjunto de pesquisas que merece destaque foi conduzido por Anthony e seu grupo (ANTHONY e COHLER, 1987), acompanhando o desenvolvimento de crianças sendo criadas por pais psicóticos, tendo, portanto, alto risco genético para esse tipo de psicopatologia e vivendo em um ambiente familiar prejudicado.

Em outro corpo de pesquisas, descrito por Masten et al (1992), Garmezy e um grupo de pesquisadores sob o consórcio Projeto Competência, estudaram grupos de crianças pertencentes a amostras normativas comparativamente com outras amostras compostas por crianças sob alto risco de desenvolvimento mal-adaptativo em virtude de pais portadores de doenças mentais, de possuírem algum tipo de deficiência física ou de deficiência congênita. Em comum, esse corpo de evidências foi surpreendendo ao demonstrar que, a despeito das condições de vida altamente desfavoráveis, nem todas as crianças confirmavam a expectativa de desenvolvimento de algum tipo de perturbação ligada epidemiologicamente a cada um dos fatores de risco.

Segundo Anthony e Cohler, “como primeiro reconhecimento entusiasmado da existência desse grupo anômalo, o termo ‘invulnerável’ foi a ele aplicado” (1987, p.148, trad. da autora). Acreditava-se que, por questões ligadas a algum tipo de favorecimento constitucional, algumas dessas crianças seriam imunes aos estressores de seu ambiente. Em pouco tempo, entretanto, essa atribuição de invulnerabilidade se mostrou questionável, além do que evidências de condições outras em suas vidas, principalmente a presença de algum tipo de suporte de sua rede de relacionamentos, determinavam muito mais uma maneira de reagir àquelas condições do que de ser imune a elas. O termo resiliência passou então a nomear essa competência.

Assim, na linha das pesquisas sobre competências e vulnerabilidades, algumas constatações foram se delineando. A primeira delas é que a resiliência está relacionada ao crescimento e desenvolvimento humanos, salientando a importância de que os indivíduos tenham satisfeitas necessidades de apoio e suporte, principalmente de caráter emocional, específicas à sua etapa de desenvolvimento. A segunda, complementarmente, ressalta a importância do tipo de interação dessas crianças com seu ambiente. A terceira diz respeito à necessidade de se abordar competência considerando-se seu caráter multifatorial e, finalmente, que resiliência não pressupõe um comportamento competente em todas as áreas, mas a possibilidade do desenvolvimento de compensações às vulnerabilidades ou riscos que acompanham as condições de vida.

Ao mesmo tempo em que o interesse sobre o assunto foi alcançando várias especialidades científicas e estendendo o estudo a adultos, o foco principal das abordagens continuou sendo o indivíduo, e quais as características dos então denominados ‘resilientes’, mesmo que, cada vez mais essas questões passassem a ser abordadas sob um enfoque contextual, ressaltando os aspectos de interação do indivíduo com seu ambiente.

De um enfoque inicial mais centrado nas características individuais dos assim chamados “resilientes” , como sinônimo de pessoas invulneráveis ou, mais tarde, competentes diante de enfrentamentos, as pesquisas foram cada vez mais revelando, na medida em que avançavam, o aspecto multifatorial e processual, com respeito à Resiliência. Isso se deveu ao fato de que, ao analisar os mecanismos dessa competência, mais e mais passaram a ser considerados não somente seus aspectos intrapsíquicos, como também fatores ambientais mais amplos e seu dinamismo.

O termo Resiliência vem passando por uma transformação conceitual ao longo das últimas três décadas, na medida em que as pesquisas avançam, e ao passo em que se torna cada vez mais freqüentemente objeto de interesse científico.

Sobre a conceituação de Resiliência diferentes autores entendem-na como:

A habilidade de adultos, para além de circunstâncias normais, e que são expostos a um evento isolado e potencialmente disruptivo, para se manter relativamente estável, com funcionamento mental e físico em níveis saudáveis (MANCINI; BONANNO, 2006).

A capacidade humana para enfrentar, vencer e ser fortalecido ou transformado por experiências de adversidade (GROTBERG, 2005).

A habilidade de se adaptar e superar de forma bem-sucedida situações ameaçadoras ou desafiadoras [apresentando] um bom resultado a despeito das altas demandas, custos, estresse ou risco (AGAIBI; WILSON, 2005).

O pólo positivo do onipresente fenômeno das diferenças individuais das respostas ao estresse e adversidade (RUTTER, 1992).

As forças psicológicas e biológicas exigidas para atravessarmos com sucesso as mudanças em nossas vidas (FLACK, 1991).

A atitude de resistir à destruição, isto é, de preservar a integridade em circunstâncias difíceis e de reagir positivamente apesar das dificuldades (VANISTENDAEL, 1994).

Um processo dinâmico, abrangendo adaptação positiva dentro de um contexto de significativa adversidade (LUTHAR; CICHETTI, 2000).

Uma combinação de habilidades e características que interagem dinamicamente para permitir ao indivíduo superar, enfrentar de forma bem-sucedida e funcionar acima da norma a despeito de significativo estresse ou adversidade (TUSAIE; DYER, 2004).

O conjunto de processos sociais e intrapsíquicos que possibilitam o desenvolvimento de uma vida sadia, mesmo vivendo em um ambiente não sadio (PESCE et al., 2004).

Muito embora bastante semelhantes, esse destaque aos conceitos sobre Resiliência permite que

No documento MARIA LUIZA PIGINI SANTIAGO PEREIRA (páginas 40-48)