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3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3.1. Gerenciamento de resíduos sólidos urbanos

3.1.6. Tratamento biológico

Tratamento biológico pode ser utilizado para tratar tanto a fração orgânica putres-cível como o papel não reciclável dos resíduos urbanos. Os processos biológicos, que utilizam microrganismos naturalmente existentes para decompor a fração biodegradável dos resíduos, podem ser classificados em dois processos distintos – aeróbio e anaeróbio – e, portanto, dois principais tipos de tratamentos existem: compostagem (aeróbia) e biogasificação (anaeróbia). Microrganismos aeróbios requerem oxigênio molecular como aceptores externos de elétrons no metabolismo da respiração, o que resulta em uma rápida taxa de crescimento bacteriano e alta produção de massa celular. Metabolismos anaeróbios ocorrem na ausência de oxigênio e não envolvem um aceptor externo de elétrons (McDougall et al., 2001). Estes processos são menos efetivos que os processos aeróbios e resultam em menores taxas de crescimento bacte-riano e menor produção de novas células.

Bidone e Povinelle (1999) definem a compostagem como um processo biológico aeróbio e controlado, no qual ocorre a transformação de resíduos orgânicos em resíduos esta-bilizados, com propriedades e características completamente diferentes do material que lhe deu origem.

Os principais fatores que intervêm no processo da compostagem são: temperatura, umidade, aeração ou oxigenação, relação C/N (carbono/nitrogênio), tamanho das partículas e pH (Bidone e Povinelle, 1999).

Já a biodegradação anaeróbia da matéria orgânica ocorre na ausência do oxigênio e na presença de microrganismos anaeróbios. O resultado é a estabilização da matéria orgâni-ca, tendo como produtos biogás (principalmente o metano e o gás carbônico) e o húmus (De Baere, 2003). Os principais parâmetros intervenientes no processo são taxa de alimentação, pH, temperatura, relação C/N, tempo de permanência dos resíduos no reator e forma de

mistu-ra no interior do reator. A biodegmistu-radação anaeróbia é também chamada de digestão anaeróbia (termo que é adotado nesse trabalho), fermentação anaeróbia ou biogasificação.

Reichert (2005) apresenta um estudo com levantamento bibliográfico das princi-pais tecnologias existentes de digestão anaeróbia de resíduos sólidos e sua aplicação, em es-pecial na Europa. Um estudo feito para aplicação desta tecnologia para a cidade Porto Alegre mostrou ser uma alternativa viável economicamente, em função da possibilidade da comercia-lização de créditos de carbono, dentro do mecanismo de desenvolvimento limpo – MDL – (Reichert e Silveira, 2005).

Os principais benefícios advindos da compostagem são a redução da quantidade de resíduos aterrados, o potencial de geração de gases odoríficos e da carga orgânica dos lí-quidos lixiviados nos aterros, a eliminação dos patógenos e das sementes de ervas daninhas, e a produção de um composto orgânico que melhora a estrutura do solo, diminuindo os proces-sos erosivos e aumentando a eficiência de absorção dos fertilizantes minerais (Pereira Neto, 1996; Massukado, 2004).

Praticamente todos os materiais orgânicos podem ser tratados biologicamente. O processo é particularmente indicado para muitos resíduos industriais como de cervejarias, produtores e processadores de frutas e verduras, frigoríficos, indústria leiteira, indústria de celulose e de produção de açúcar e álcool, produtoras de couro, madeira e têxteis (Bundesam-tes für Energiewirtschaff, 1991 apud McDougall et al., 2001). Além disso, os lodos de siste-ma de tratamento de esgotos e os resíduos de jardinagem também podem ser tratados por estes processos.

Os resíduos domiciliares também são ricos em matéria orgânica (em especial no Brasil), consistindo em restos de alimentos ou resíduos de cozinha e resíduos verdes de jardi-nagem. Dependendo da posição geográfica, as frações orgânicas variam entre 25 a 60 % em massa nos RSU, como níveis mais altos da fração orgânica nos países do sul Europeu e dos países em desenvolvimento (McDougall et al., 2001). Os autores também afirmam que ao adicionar o papel não reciclável esta fração tratável biologicamente sobe para 50 a 85 % da massa total; sendo que a adição desta fração de papel não traz efeitos negativos na etapa de reciclagem de papel e ainda traz benefícios ao processo biológico de tratamento.

Os processos de tratamento biológicos podem ser empregados para pré-tratamento dos resíduos orgânicos antes de dispô-los em aterro sanitário ou como forma de valoração de subprodutos (na Tabela 3.6 apresenta-se uma comparação entre estes dois objetivos).

Tabela 3.6 – Comparação dos objetivos dos tipos de tratamentos biológicos

Objetivos do tratamento biológico Compostagem Digestão anaeróbia

Pré-tratamento Redução de volume - 75 % da MO é decomposta, em base seca - aproximadamente 50 % da redução em massa dos resíduos putrescíveis - perda de água por evaporação - umidade do composto final, de 30 a 40

%

- 75 % da MO é decomposta, em base seca

- aproximadamente 50 % da redução em massa dos resíduos putrescíveis - perda de água por prensagem - umidade do composto final, de 25 a 45

%

Estabilização - relação C/N do composto: 15/1 - relação C/N do material digerido: 12/1

Esterilização

- processo opera a 60-65 oC (termofí-lico) por várias semanas, o que elimi-na patógenos e viabilidade de semen-tes daninhas

- processo opera a 30-35 oC (mesofílico) por 3 semanas, necessitando compos-tagem posterior.

- com fornecimento de calor, pode operar a 55-60 oC (termofílico) eli-minando patôgenos

Valoração

Produção de biogás

- não produz biogás (CH4) - produz biogás (CH4), 120 Nm3/t de RSO (6-8 kWh/m3 é o poder calorífi-co do biogás)

Produção de composto

- produz material orgânico parcialmente estabilizado (o composto); excelente condicionador de solo

- produz material orgânico parcialmente estabilizado, que necessita passar por processo de compostagem e matura-ção (aeróbios) para obtenmatura-ção de pro-duto final de qualidade

Fonte: Adaptado pelo Autor, a partir de McDougall et al. (2001)

No caso de tratamento biológico para posterior disposição em aterro sanitário, os objetivos podem ser a redução de volume, a estabilização biológica ou a esterilização (elimi-nação de organismos patógenos). Uma diretiva da Comunidade Europeia (União Europeia, 1999) estabelece que desde 2001 os países membros não podem mais dispor resíduos em ater-ros que não tenham sido passados por algum tipo de tratamento anterior, e além disso escalo-na a porcentagem de resíduos biodegradáveis que podem ser dispostos, chegando a um limite máximo de 35 % de biodegradáveis em 2016, em relação aos biodegradáveis que eram dis-postos em aterros em 1995. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) prevê a maximização da recuperação dos resíduos e a disposição final em aterro, preferencialmente, apenas dos rejeitos. Castilhos Jr. (2006) apresenta as vantagens do pré-tratamento aeróbio antes da disposição em aterros, ressaltando o menor espaço ocupado no aterro, a menor gera-ção de gás e a geragera-ção de lixiviados menos concentrados.

Esta obrigatoriedade do pré-tratamento antes do destino em aterros nos países eu-ropeus foi responsável pelo aumento de 150 % do uso da digestão anaeróbia naquele conti-nente entre 2000 e 2004 (De Baere, 2003). Esta tecnologia permite ainda a geração de energia elétrica desde o biogás produzido, o que atende a outra forte demanda europeia.

Uma descrição dos principais processos de compostagem e de digestão anaeróbia de resíduos sólidos que vem sendo utilizados no Brasil e no mundo pode ser vista em Reichert (2004). Um fator importante nos tratamentos biológicos, quando se objetiva a valoração de

um produto final, do composto orgânico, é que antes da aplicação de uma destas tecnologias é necessário, em primeiro lugar, uma boa separação na origem e uma coleta seletiva, e se esta não existir, os resíduos devem ter uma boa triagem em unidades centralizadas anterior ao tra-tamento biológico, de modo a uma boa eficiência do processo e a obtenção de um produto final que tenha qualidade e que, portanto, tenha mercado consumidor.