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Um esconderijo embaixo da cama

No documento Uma fábula no compasso da História (páginas 174-181)

ferrolhos no teto

IV. Um esconderijo embaixo da cama

718 Op. Cit., p. 49.

719 Idem ibidem.

720 Como na história “Jorge Pelado”, de O mundo inimigo. 721 Ruffato, Op. Cit., p. 50.

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Em um romance marcado por desilusões e conflitos no passado, trechos secretos da vida e saltos que acabam em estrepada, uma história que começa com a frase: “No verão de 1972, meus pais tiveram a oportunidade de apertar a mão da felicidade”723, causa,

quando menos, curiosidade. A localização é transparente: o Brasil de 1972. O passado verbal da frase (“tiveram”) prenuncia o desfecho do que virá a ser contado. Até agora o narrador tem lançado mão da primeira pessoa em um jogo de perspectivas que transita intencionalmente pela fronteira entre o “ele” e o “eu”. Essa constante será alterada na quarta história de Vista parcial da noite, quando este assuma com todas as letras o “eu” de quem no ano de 1972 era um menino sem nome. A substituição da Vila Teresa pelo bairro Paraíso, do aluguel pelo teto próprio, será o fato que impulsione o bem-estar desta família. O caminhão International KB-6, utilizado por Zé Pinto para organizar excursões até Aparecida do Norte724, deslocará os pertences até a nova morada. Após quatro anos de

árdua luta, da compra do terreno à colocação da eletricidade, uma casa de quatro cômodos os aguarda.

A radiografia deste grupo mostra os tecidos duros e brandos de uma árvore modesta: uma mãe lavadeira (Eni), um pai quitandeiro da Vila Minalda (Sebastião), uma filha operária da Industrial (Mirtes), um filho mais velho que faz trabalhos de mecânica (Reginaldo) e um mais novo (o narrador). Ao lembrar das enchentes vividas durante os vinte anos na Vila Teresa e sem acreditar no que finalmente vê, a mãe chora de emoção. A estranheza poética da nova localidade (“no Paraíso, as casas salteadas, envergonhadas umas das outras”725

) e a distância de um narrador que repassando a história familiar cutuca o próprio passado, chamam a atenção. O contraste entre o passado alheio e o presente próprio (algo que se aprecia no detalhe de como reuniram o dinheiro para a compra), desvenda as limitações da família até esse momento. Signos de novos ares são a televisão Telefunken de vinte e três polegadas726, o tempo para seguir as telenovelas, a arrumação

detida da casa aos sábados e a vontade de crescer economicamente, substituindo a quitanda da Vila Minalda por um armarinho próximo da Rua do Comércio.

723 Op. Cit., p. 55.

724 Veja-se “Um outro mundo”, p. 179, em O mundo inimigo. 725 Ruffato, Op. Cit., p. 56.

726No depoimento “Até aqui, tudo bem! (como e por que sou romancista - Versão Século XXI)”, Luiz

Ruffato comenta o efeito da televisão Telefunken, de vinte e quatro polegadas, que a sua família comprou em 1976. In: Espécies de espácio: territorialidades, literatura, mídia, de Izabel Margato e Renato Cordeiro Gomes (orgs.), Belo Horizonte: UFMG, 2008, p. 320. Mais do que atestar a autenticidade da experiência, a coincidência simplesmente ratifica a utilização de elementos da própria vida na construção do romance.

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Seguindo o exemplo de outras mulheres jovens do Inferno provisório727, Mirtes

acredita que a resposta a seus problemas esteja em seu futuro esposo (por enquanto inexistente): “um rapaz que pudesse soerguê-la da condição de operária para a de grã- fina”728. Descartados ficarão os colegas operários; seu candidato deve morar no centro e ser

dono de alguma loja, que não seja um botequim. A descrição do lugar de trabalho (na sala- de-pano da Industrial) é extraordinariamente efetiva porque coloca o leitor na situação diária da trabalhadora: um recinto barulhento, quente e abafado.

Quando o narrador resgata a rotina infantil [“Eu tinha onze anos incompletos e estudava no Colégio Cataguases, de manhã. À tarde, me enturmando, jogava pelada no campinho do Paraíso de depois-do-almoço até a hora do ângelus. À noite descia para o Beira-Rio (...)”729] entende-se que o episódio não acontece nesse momento. A personagem

está lembrando. E se lembra é porque recupera os fatos não mais como menino. Apesar da observação, a lembrança é certamente de 1972 e enquanto o mocinho ocupa seus dias com afazeres próprios da idade, Reginaldo e Rejane (filha de Sá-Ana) desengatam o namoro. Esse Natal, Reginaldo chega em casa com a novidade. Por achar inapropriado o trabalho da curandeira no “centro-de-macumba”730, os pais dele sentem-se aliviados com a ruptura.

Empregado de algum tipo de oficina (o que se deduz pelo macacão cheio de graxa), o filho mais velho de Eni e Tião sente-se à vontade ajudando à mãe com os trabalhos pesados da casa: limpar o terreno, fumigar, cuidar das mudas e vigiar a bomba de água. Atento às rotinas, o menino lembra também que depois das tarefas Reginaldo toma banho, come algo simples e liga “o rádio-a-pilha Semp vermelho, (...) à cata de alguma estação de ondas- curtas, que estivesse transmitindo em português àquela hora”731.

Anatol Rosenfeld, no ensaio “A personagem do romance”, explica que graças à técnica da caracterização o escritor é capaz de configurar existências complexas em suas obras. Sem ânimo de entrar nas discussões que se atêm à ponte entre literatura e realidade (por considerar que a organização interna das obras explica os elementos da composição romanesca), a impressão que se tem com as personagens de Luiz Ruffato é a de seres muito próximos do leitor, dos quais se conhecem até os menores detalhes (cada objeto de um criado-mudo, por exemplo, ao qual só teria acesso “alguém de muita confiança”732). Mais

727 “Seguir o exemplo” é uma maneira de dizer que as aspirações de Mirtes coincidem com as de personagens

como Hélia, Teresa e as filhas de dona Olga.

728 Ruffato, Op. Cit., p. 57. 729 Idem ibidem.

730 Op. Cit., p. 58. 731 Op. Cit., p. 59.

732 Idem ibidem. Veja-se nesta página a descrição do que Reginaldo guarda na mesinha de luz de seu cômodo:

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do que um vizinho do prédio, do que um transeunte, as personagens de Ruffato se configuram na base da familiaridade. O que parece uma descrição material (roupas, móveis, tipos de moradia, disposição dos objetos na cozinha, veículos, aparelhos) termina no leitor como um efeito emotivo. O fenômeno se deve, entre outras coisas, à forma como os detalhes “seguem” o fluxo intencional da caracterização. Nesse sentido as personagens não se apresentam apenas como entidades lógicas ou coerentes, mas como essências concentradas e dotadas de intensidade. Rosenfeld o esclarece com estas palavras: “(...) a compreensão que nos vem do romance (...) é muito mais precisa do que a que nos vem da existência. Daí podermos dizer que a personagem é mais lógica, embora não mais simples, do que o ser vivo”733

.

Apesar de não ser a personagem principal, a quantidade de informação que o narrador fornece sobre Reginaldo cultiva no leitor a curiosidade sobre o devir da família. Irmãos, o ex-namorado de Rejane e o menino que por vezes assume a função narrativa compartilham o cômodo dormindo em camas separadas. Uma noite o irmão mais novo acorda com o barulho do radinho de pilha. A cena, cheia de tensão, recria a mutação da paz em angústia, da felicidade em inferno:

Numa madrugada friísima de maio, despertei aterrado, o alarido das criações no galinheiro, o coração aos murros, um arrupio na espinha, uma bambeza nas pernas, um zunido zunindo em-dentro da cabeça, meu corpo hirto assentado no gélido chão de cimento, envolto num breu tão espesso que poderia esmigalhar entre os dedos, a treva, o cheiro do Coisa-Rúim, meus olhos esbugalhados, o horror, então ouvi a voz fugidia, as pilhas gastas, sussurrar, em meio a um oceano de interferência, “Aqui, Rádio BBC, trans(...) de Londres (...)ssão em português (...)ovas intruções (...) de Cataguases. O ata(...)undo agente da ci(...) devem ocorr(...) leste, a esquadrilh(...)”734.

Às cinco horas do dia seguinte, alheia ao acontecido, a mãe encarna a rotina de todas as manhãs. A seqüência de atos (uma espécie de lista) pode ser interpretada em um nível como descrição e em outro como reiteração. Afinal, há uma diferença insondável entre acordar os meninos ou preparar o café da manhã, e escancarar a porta, abrir a torneira, encher a leiteira, botar açúcar, acender o fogão, entrar em um quarto, murmurar nomes, alimentar as galhinhas e sentir um cheiro735. Apontados um por um, os movimentos

ferramenta, uma lupa, um porta-documentos de plástico. Fosse um desconhecido, o leitor não teria como saber esta quantidade de detalhes. A observação não aponta à idéia de novidade, mas ao peso que tem para o autor mineiro a descrição profunda (em termos psicológicos) dos seres que cria.

733 Candido, Rosenfeld, Prado e Gomes. A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 59. 734 Ruffato, Op. Cit., p. 59.

735 Op. Cit., p. 60. No texto original, as ações estão muito mais detalhadas e são interferidas por frases em voz

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revelam a personalidade da mãe, a distribuição da casa, a organização do lar e as manhas do resto dos integrantes da família. Enquanto Eni assume as rendas, o narrador acorda. A situação é tão exata que reclama um breve comentário: “meu irmão abre a gaveta da mesinha... cheiro de pão-frito na frigideira “...friagem...” “...este ano...” “...pra pagar no dia...” barulho dos limpa-raios coloridos no aro da bicicleta do Reginaldo... o tamanco da Mirtes... “Bença, mãe... Bença pai...”736. No instante entre o completo sono e o novo dia, o

narrador escuta o que faz Reginaldo (não precisa abrir os olhos porque é o que faz todas as manhãs), é fisgado pelo cheiro da comida materna, escuta pequenos trechos de conversação, reconhece a saída do irmão (não precisa ver a bicicleta para saber que é colorida), e o caminhar (e a despedida) da irmã. O que para alguns leitores talvez seja um retrato, pode ser interpretado também como a encenação da formação de uma memória.

Essa manhã o narrador acorda com febre. A quentura que ele internamente associa à morte, externamente é atacada com bebidas mornas e doses de Melhoral, Novalgina, Coristina e Conmel. A noite chega e o mal-estar não cede. Com frases entrecortadas, o filho conta ao pai o que ouviu: que “vão atacar”, “Eles... de avião”, “A radia... o homem falou... a radia”737.

Duas linhas soltas na p. 61 indicam a chegada de dois novos meses. A história de “O ataque” abrange exatamente um ano: de dezembro de 1972 a dezembro de 1973. Possivelmente seja um dos poucos textos estruturados linearmente. A citação a seguir mostra parte da marcação temporal da história: “Em janeiro (...) entulhávamos o caminhãozinho”738; “Em fevereiro, meu pai, (...) comprou a prestações uma televisão”739

; “Numa madrugada friísima de maio, despertei aterrado”740; “(...) mergulhamos na placidez

azul de junho e nas mansas férias de julho”741; “Na segunda semana de volta às aulas,

agosto entrado (...)”742; “Em meados de outubro, o zumbido do rádio acordou-me do

sono”743; “Na folhinha, dezembro dobrado ao meio”744. Assim pinçadas, as frases parecem

títulos. Ou a linha inicial de uma narrativa independente.

Em agosto, o narrador se dá conta de que a transmissão da noite da febre não foi produto de um desvario. Corre pela casa, tenta desabafar com Reginaldo infrutuosamente, esquiva a mãe e recebe logo traços de uma preocupação amorosa: “Tentei evitá-la, mas

736 Ruffato, Idem ibidem. 737 Op. Cit., pp. 60-61. 738 Op. Cit., p. 55. 739 Op. Cit., p. 56. 740 Op. Cit., p. 59. 741 Op. Cit., p. 61. 742 Idem ibidem. 743 Op. Cit., p. 64. 744 Op. Cit., p. 69.

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agarrou meus braços, enlaçou meus olhos”745. Sebastião convoca uma reunião geral. O

menino repete na frente de todos que um bombardeio cairá sobre Cataguases, foi o que escutou no aparelho. O irmão mais velho qualifica-o de “fantasista”, Mirtes pensa que está “doente-da-cabeça” e ele se perde longe, entre as árvores do alto de um morro. Na distância, encontra um universo cativante: um caminho à beira da pirambeira, “casinhas adoentadas agarradas à terra amarela esfarelenta”746, animais que se delatam no cheiro, um

pedacinho de terra plantado, dois gatos, uma panorâmica da cidade, um dia com a mãe procurando lenha (uma lembrança sem marcações temporais, do tipo que fica para a vida toda) e um sem-fim de cachorros:

(...) cachorros, cachorros, cachorros, bravos, bobos, ladradores, reservados, ganidores, receosos, rosnadores, atirados, besteiros, sarnentos, brincalhões, antipáticos, rabudos, cotós, esqueléticos, barrigudos, mancos, orelhas-caídas, escadeirados, empesteados, olhos- vazados, brancos, pretos, malhados, amarelos, cinza, tigrados, pedreses, ruços, carijós, zebrados, mascarados, barrosos, braúnas, chumbados, sujos, fedorentos, morrinhentos, cachorros, cachorros, cachorros, todos na viralatice (...)747

De um ponto de vista, a relação de cachorros equivale a uma listagem. Desde outro, é uma imagem do Inferno provisório em nove linhas. Para o setor da sociedade que entende a pobreza como um monólito, o pequeno inventário faz as vezes de anotação: algumas irregularidades não admitem terraplenagem. Irmanados pela raça indefinida, muitas vezes pela resolução improvisada da vida, eles se encontram na “viralatice”. Cada história do Inferno provisório dedica-se, de certa forma, a um destes cachorros. Só para esclarecer: a colocação de Ruffato não qualifica como categorização (menos ainda como animalização) da pobreza. A metáfora adquire significado, como a pedra preciosa sob o raio de luz, em quanto chamado ao reconhecimento digno de cada um destes seres.

Por vezes, a lembrança do narrador transforma-se em vivência. O receio de entrar novamente em casa é vencido por cheiros e sensações cingidas à calidez do lar. Mas o encanto termina quando Eni, preocupada pelo sumiço, repreende o menino com um puxão de orelha. Em outubro, no meio da noite, o narrador afirma escutar a mensagem da BBC completa. Fala-se do ataque alemão, das instruções para o povo de Cataguases, de agentes da CIA e de dezembro como data-limite para o ataque. Presa de uma tontura, o moço vai até o quarto dos pais, repete o que escutou e dorme com eles.

745 Op. Cit., p. 62.

746 Idem ibidem. 747 Op. Cit., p. 63.

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Sebastião, que não é de ficar com dúvidas, vai atrás das autoridades da cidade. Tenta com o prefeito Manoel Prata, mas o doutor encontra-se em Juiz de Fora por motivos de saúde. O vereador Levindo Novaes, como todo político, promete colocar o tema do ataque na pauta. O padre Heraldo, como muitos religiosos, conforma-se com adjudicar tudo à imaginação. Zé Pinto, dono do Beco, diz que o menino só pode estar mentindo e recomenda aplicar o corretivo enquanto é criança. A ausência do prefeito Prata se estende até Belo Horizonte, onde resolve pendências. O diretor do Colégio Cataguases, Guaraciaba dos Reis, tranqüiliza o representante falando de história mundial (Alemanha perdeu a Segunda Guerra em 1945 e nem sequer tem Forças Armadas, “alem do quê, cá entre nós, se alguém fosse atacar o Brasil, por quê que iria começar logo por Cataguases?”748

). O psiquiatra Gilson Machado diagnostica uma tendência à esquizofrenia e pede para “ficar de olho”. Finalmente e das mais variadas formas, recebe a pior das respostas dos lábios do delegado Aníbal Resende: um “convite” a declarar, uma acusação de comunista/terrorista, uma censura (“a partir de hoje o senhor está proibido, proibido, entendeu?, de abrir a boca para falar sobre isso”749), um vulgar roubo (“vamos confiscar, temporariamente apenas, todos os aparelhos

de rádio e televisão que o senhor possua em casa”750), uma ameaça (“Pois é, e tem gente

que jura que o senhor é comunista, (...) só pra ver a família do senhor passando dificuldades”751) e um cinismo ímpar (“Estou sendo seu amigo, seu Sebastião, não sei se o

senhor percebeu?”752).

Assim como os cachorros podem ser uma metáfora da forma como deve ser abordada a classe social discutida por Ruffato, a peregrinação do quitandeiro pode ser lida como uma metáfora do que significou viver no Brasil no ano de 1972 a 1973. Sem possibilidade de confirmar exatamente o quê pode ter escutado o menino de onze anos, o leitor descobre que só a realidade do governo militar daqueles anos pode ter provocado a insultante resposta da autoridade policial na ficção. Mas abordar o tema da ditadura pelo viés da deterioração institucional (regional, municipal, religiosa, escolar, civil, médica e policial) é uma forma de adotar uma postura crítica frente a um período que deixou muitos cidadãos (militantes da resistência ou não) na intempérie.

Enquanto retoma o fio do começo, o narrador se lamenta: “Havíamos vislumbrado um dia a felicidade?”753. Amplificado após a passagem pelas dependências oficiais, o mal

748 Op. Cit., p. 65. 749 Op. Cit., p. 67. 750 Idem ibidem. 751 Idem ibidem. 752 Idem ibidem. 753 Op. Cit., p. 68.

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previsto pela criança toma conta da casa e da família. A esquizofrenia é uma possibilidade, mas o televisor de fato é confiscado. As vizinhas evitam a lavadeira. O quitandeiro perde a fé. A horta se transforma em um amontoado de lixo. Reginaldo e Rejane reatam. Mirtes avalia a opção do namorado operário. E o menino deixa a escola para se dedicar a um projeto doméstico, única coisa que se sente capaz de enfrentar no final desse ano: debaixo da própria cama e esforçado como nunca, cava um “aposento pequeno, metro e vinte de altura, hum de largura, hum de comprimento”754

. Enfeita o buraco com madeira, tábuas, capim, penas e latão. “O ataque” chega ao fim com a imagem de uma criança que se protege do mundo em um ninho com forma de sepultura.

O livro Vivir a oscuras, da jornalista Mariana Caviglia, estuda a ditadura argentina do período 1976/1983 sob a lente das cenas cotidianas. No prólogo, a autora conta que nasceu em 1976 e que escreve essa reportagem trinta anos depois. Embora Mariana Caviglia não tenha vivido os anos de chumbo, como as testemunhas a que recorre, sente que cada uma das histórias agora faz parte de sua vida, que marcaram-na embora não fosse consciente de estar imersa nelas, nem pudesse verbalizar a sensação: “Trinta anos depois, o deles também é meu testemunho”755. Algo similar acontece com “O ataque”, que não precisa exaltar os

piores momentos para revelar os efeitos de um período repressivo. Trinta e quatro anos mais tarde, a terrível história de uma criança brasileira cujo refúgio privado foi desmembrado, passa a ser parte do leitor.

No documento Uma fábula no compasso da História (páginas 174-181)