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ELEMENTOS DA NARRATIVA EPISTOLAR

No documento NOVOS TEMPOS, MESMAS HISTÓRIAS (páginas 74-77)

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Scripta Alumni - Uniandrade, n. 13, 2015.

tímida e acanhada e com uma provocação abafada. (BAKHTIN, 2013, p. 236, ênfase no original)

Em Pobre gente, valendo-se do romance epistolar, Dostoievski representa a existência de Makar e Varvara, que compartilham os seus sonhos e inquietações na troca das cartas.

Para os críticos da época, Pobre gente é uma obra gogoliana, por se aproximar de O capote, de Gogol. Segundo Otto Maria Carpeaux:

Com efeito, a primeira novela de Dostoievski, Gente pobre, é uma obra gogoliana, e Bielinski, o grande crítico radical, não estava equivocado, ao celebrar a estreia do jovem escritor que frequentava então os círculos revolucionários. (...). Mas Dostoievski não continuou no realismo. Ao contrário, a sua obra inteira é um protesto apaixonado contra o determinismo, proclamando a liberdade da alma humana, seja para o bem, seja para o mal. (CARPEAUX, 2012, p. 2064)

Conforme a citação de Carpeaux, a alma humana, tema caro a Dostoievski, permeia sua obra em diálogos que falam sobre a humanidade de seus personagens.

Por meio desta análise visa-se ressaltar, no diálogo epistolar travado entre os personagens Makar Diévuchkin e Varvara Aliekiêievna, os conflitos existentes na vida de ambos, que, ao desejarem uma vida mais digna, confessam as angústias que acabam por desnudar as suas almas - tema de nossa análise. Para situar aquilo a que nos propomos, será feita uma análise dos elementos da narrativa epistolar: enredo, personagens, tempo e espaço, complementados com excertos de algumas dessas cartas, ressaltando-se o caráter intimista e confessional presente nelas.

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O enredo em Dostoievski é inteiramente desprovido de quaisquer funções concludentes. Sua finalidade é colocar o homem em diferentes situações que o revelem e provoquem, juntar personagens e levá-los a chocar entre si, mas de tal forma que não permaneçam no âmbito desse contato no interior do enredo e ultrapassem os seus limites. (BAKHTIN, 2013, p. 312)

Em Pobre gente, as cartas trocadas entre Makar e Varvara apresentam como enredo não só o diálogo entre os personagens, mas também com o mundo que os cerca. Cada carta participa de uma réplica que ecoa além do próprio diálogo.

A correspondência epistolar inicia-se com a primeira carta de Makar para Varvara e termina quando Varvara encontra um homem mais velho e rico, casa-se e vai embora, enquanto Makar fica sozinho em sua velhice.

Makar é um humilde copista que passa trinta anos de sua vida copiando documentos, mora em uma humilde pensão, único lugar que pode pagar com seu pequeno salário. Varvara é uma pobre órfã injustiçada, parente distante de Makar.

Nas cartas, além de Makar e Varvara, os dois personagens principais, aparecem personagens secundários. Todos possuem problemas financeiros, familiares e de fundo emocional. Temos assim um escritor medíocre, dois oficiais de baixa patente, ébrios, vadios, uma família numerosa de crianças miseráveis e o futuro marido de Varvara, um rico latifundiário.

O tempo é o que determina a duração da história. Como não há especificação da data, pode ser considerado o ano de 1844, quando a novela foi escrita.

A duração da história segue na ordem linear das cartas, do dia 8 de abril até o dia 30 de setembro. Como algumas cartas não estão datadas, podemos nos basear no tempo pelas cartas datadas.

Pobre gente tem como cenário principal a cidade de São Petersburgo, capital do império e centro cultural da Rússia nos meados do século XIX, à margem do rio Nievá. Petersburgo foi fundada pelo Czar Pedro I sobre os pântanos finlandeses, abaixo do nível do mar, o que explica estar quase sempre inundada e com temperaturas negativas. A população estava sempre sujeita ao degelo do rio Nievá e às alagações.

Como comenta Volkov: “Não havia moradia, comida, nem ferramentas suficientes.

Encharcados pelas enxurradas, transportando nas roupas a lama das escavações, atacados por enxames de mosquitos, os infelizes batiam estacas de madeira no solo pantanoso (...)” (VOLKOV, 1997, p. 34).

Dentro desse espaço petersburguense, surgem os personagens Makar e Varvara, conforme cita Leonid Grossman: “(...) dos bairros pobres, onde definham e perecem moradores de miseráveis desvãos” (GROSSMAN, 1967, p. 14), pois as casas em

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que Varvara e principalmente Makar habitam apresentam essas características: quartos escuros, habitados por pobretões, ébrios e crianças maltrapilhas.

Quando Makar apresenta o local em que mora, em sua carta a Varvara embora afirme estar bem vestido e morando em uma boa casa - “(...) abri a janela, o sol entrou por ela a rodos (...) tudo estava como devia (...)” (DOSTOIEVSKI, 2008, p. 164) -, essas primeiras descrições são contraditórias e atenuam a pobreza do ambiente quando ele apresenta a escuridão e a sujeira da pensão e das pessoas que nela habitam:

Dantes vivia numa solidão completa (...). Enquanto agora... tudo é barulho (...). Imagine um corredor interminável, muito escuro e muito sujo (...); mas à esquerda estendem-se como num hotel muitas portas uma ao lado da outra (...), e em cada um desses quartos vivem juntas duas ou três pessoas. (...). Isto é uma arca de Noé (...).

(DOSTOIEVSKI, 2008, p. 165)

Considerando que: “Ambiente é o espaço carregado de características socioeconômicas, morais, psicológicas, em que vivem os personagens” (GANCHO, 1993, p. 23), deduzimos que Makar, ao apresentar o ambiente em que vive, também é marcado por esse ambiente, que influencia em suas atitudes e no seu estado de espírito.

Ao nos depararmos com as confidências entre Makar e Varvara, compreendemos os anseios desses personagens como reflexo do ambiente, lugar em que vivem, como perspectiva de uma vida melhor. É por meio de confidências que ambos, ao exporem seus conflitos exteriores expõem o seu interior. Como Bakhtin comenta no capítulo A questão interior do homem - da alma, em Estética da criação verbal:

A alma é o todo fechado da vida interior, o qual é igual a si mesmo, coincide consigo mesmo e postula do ativismo amoroso distanciado do outro. A alma é uma dádiva do meu espírito ao outro. Em arte, o mundo dos objetos em que vive e se movimenta a alma da personagem é esteticamente significativo como ambiente dessa alma.

(BAKHTIN, 2011, p. 121)

Ao definir que “a alma é o todo fechado da vida interior”, Bakhtin afirma que a significação da vida interior é a alma, lugar no qual o homem se afirma no outro além de todos os outros sentidos. Para Bakhtin, essa é a relação do mundo com a imagem onde o exterior do homem combina com a sua alma e a alma do outro.

Encontramos entre Makar e Varvara essa relação narrada nas cartas, ou seja, nos acontecimentos que se fazem conhecer por meio delas.

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