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JOCA RAMIRO, ZÉ-BEBELO E MEDEIRO VAZ: A JUSTIÇA DOS CHEFES JAGUNÇOS

No documento NOVOS TEMPOS, MESMAS HISTÓRIAS (páginas 118-121)

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Scripta Alumni - Uniandrade, n. 13, 2015.

de Riobaldo, percebemos que a justiça não é um fim, mas uma longa estrada a ser percorrida, uma Vereda nesse grande sertão que tem o tamanho do mundo:

Só o que eu quis, todo o tempo, o que eu pelejei para achar, era uma só coisa – a inteira – cujo significado e vislumbrado dela eu vejo que sempre tive. A que era: que existe uma receita, a norma dum caminho

certo, estreito, de cada uma pessoa viver. (ROSA, 1994, p. 692)

JOCA RAMIRO, ZÉ-BEBELO E MEDEIRO VAZ: A JUSTIÇA DOS CHEFES

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Scripta Alumni - Uniandrade, n. 13, 2015.

Querendo aprender a ler e a fazer contas, contrata o jovem professor Riobaldo. Esperto, tempos depois, já sabia mais que o mestre. Zé-Bebelo era volátil, audacioso, estava sempre em movimento. Nas palavras de Riobaldo, “Zé-Bebelo ia, voltava, como um vivo demais de fogo e vento, zás de raio, veloz como o pensamento” (ROSA, 1994, p. 437).

Não era um morador do sertão, mas tinha o sonho de livrar o sertão dos jagunços que desdenhavam da lei para, então, construir escolas, pontes e outras coisas que a modernidade exigia. Assim como Joca Ramiro, Zé-Bebelo era, ao mesmo tempo, um representante e uma representação. Representava a força do Estado brasileiro que chegava, ainda que atrasada, ao interior do país. Mas, assim como a lei do Estado, Zé- Bebelo era inconstante em sua justiça, como bem relembra o narrador ao descrever o julgamento de dois irmãos parricidas:

Ao que, fosse Medeiro Vaz, enviava imediato os dois para tão razoável forca. Mas porém, o chefe nosso, naquele tempo, já era – o senhor saiba Zé Bebelo! (...). Com Zé Bebelo, oi, o rumo das coisas nascia inconstante diferente, conforme cada vez. (ROSA, 1994, p. 98)

No confronto entre os dois chefes jagunços, vence Joca Ramiro, mas Zé-Bebelo, mesmo preso, não se rebaixa ante a figura do outro. Zé-Bebelo e Joca Ramiro trocam acusações. Diz Joca Ramiro: “(...) o senhor veio querendo desnortear, desencaminhar os sertanejos de seu costume velho de lei” (ROSA, 1994, p. 364). Ao que Zé-Bebelo responde: “Velho é, o que já está de si desencaminhado. O velho valeu enquanto foi novo” (p. 364). No fim do julgamento de Zé-Bebelo, os dois percebem que não eram tão diferentes. Aliás, o julgamento, por si só, é um fato à parte, como bem lembra Ana Paula Pacheco: “Para desconcerto do leitor citadino, racionalidade, equanimidade e impessoalidade atuam num julgamento no meio do sertão ‘bárbaro’, numa terra distante dos ‘braços da lei’” (PACHECO, 2008, p. 183). Zé-Bebelo, contando com a defesa do próprio Riobaldo, é solto. Derrotado, mas não humilhado, parte para longe do Sertão até a morte de Joca Ramiro.

O segundo chefe jagunço (novamente, em ordem cronológica) é um caso à parte. Dos três principais comandantes da história, é o único que não se enquadra como representante de nenhuma força terrena. Enquanto Joca Ramiro lutava para manter o velho sistema, útil a ele e a seus aliados, e Zé-Bebelo andava pelo sertão levando o que acreditava ser o progresso porque queria ser deputado, os motivos de Medeiro Vaz são misteriosos. Retomando-se a separação de Candido entre as duas margens do rio e seu “significado simbólico” (CANDIDO, 1971, p. 124), Medeiro Vaz é o único dos três chefes jagunços que pertence ao território à esquerda do São Francisco, onde a própria realidade se dilui. Isso explica o motivo pelo qual sua motivação parece inatingível pela razão, já que na margem esquerda o que impera são as sensações.

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Sobre a diferença entre Joca Ramiro e Medeiro Vaz, afirma Riobaldo:

Fato que Joca Ramiro também igualmente saía por justiça e alta política, mas só em favor de amigos perseguidos; e sempre conservava seus bons haveres. Mas Medeiro Vaz era duma raça de homem que o senhor mais não vê; eu ainda vi. Ele tinha conspeito tão forte, que perto dele até o doutor, o padre e o rico, se compunham.

Podia abençoar ou amaldiçoar, e homem mais moço, por valente que fosse, de beijar a mão dele não se vexava. Por isso, nós todos obedecíamos. Cumpríamos choro e riso, doideira em juízo. Tenente nos gerais – ele era. A gente era os medeiro-vazes. (ROSA, 1994, p.

55)

Sua origem como líder pende para o místico e surge da reflexão introspectiva. A atitude de se livrar de seus próprios bens e atear fogo a casa que herdara lembra um rito de passagem:

Mas vieram as guerras e os desmandos de jagunços – tudo era morte e roubo, e desrespeito carnal das mulheres casadas e donzelas, foi impossível qualquer sossego, desde em quando aquele imundo de loucura subiu as serras e se espraiou nos gerais. Então Medeiro Vaz, ao fim de forte pensar, reconheceu o dever dele: largou tudo, se desfez do que abarcava, em terras e gados, se livrou leve como que quisesse voltar a seu só nascimento. Não tinha bocas de pessoa, não sustinha herdeiros forçados. No derradeiro, fez o fez- por suas mãos pôs fogo na distinta casa-de-fazenda, fazendão sido de pai, avô, bisavô – espiou até o voejo das cinzas; lá hoje é arvoredos. Ao que, aí foi aonde a mãe estava enterrada – um cemiteriozinho em beira do cerrado – então desmanchou cerca, espalhou as pedras: pronto, de alívios agora se testava, ninguém podia descobrir, para remexer com desonra, o lugar onde se conseguiam os ossos dos parentes. Daí, relimpo de tudo, escorrido dono de si, ele montou em ginete, com cachos d’armas, reuniu chusma de gente corajada, rapaziagem dos campos, e saiu por esse rumo em roda, para impor a justiça. (ROSA, 1994, p. 54-55)

Suas ações eram retas, mas não carregavam sentido prático, não beneficiavam ninguém em especial, nem a ele próprio. Daí a razão da: “Doideira em juízo” (ROSA, 1994, p. 55). Junte-se a tudo isso o fato de ter estado, pelo menos uma

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vez, à beira da loucura e ter dela escapado. Como resultado, temos um personagem tão enigmático quanto a justiça que queria impor. De fato, sua justiça não era a justiça dos fazendeiros, de Joca Ramiro, nem a justiça do político, de Zé-Bebelo, mas a justiça em seu sentido mais puro, que pende para o metafísico, como uma espécie de força consciente, a justiça por excelência.

Medeiro Vaz morre como um verdadeiro cavaleiro, sem deixar herdeiros ou herança. Mas seu nome permanece no sertão como “o mais supro, o mais sério” (ROSA, 1994, p. 16).

No documento NOVOS TEMPOS, MESMAS HISTÓRIAS (páginas 118-121)