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OS ESPAÇOS DO LIVRO E DO FILME

No documento NOVOS TEMPOS, MESMAS HISTÓRIAS (páginas 176-183)

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Scripta Alumni - Uniandrade, n. 13, 2015.

Figura 6: Max Vandenburg

Disponível em: <http://www.conversandocomalua.com/2014/01/filme-menina-que-roubava-livros-resenha.html>

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Figura 7: Rua Himmel

Disponível em: <http://gatos-e-livros.blogspot.com.br/2013_10_01_archive.html>

Ao final da história, a rua Himmel foi bombardeada e arrasada.

Todos morrem, menos Liesel: “Só uma pessoa sobreviveu. Ela sobreviveu porque estava sentada no porão, lendo a história de sua própria vida, verificando os erros” (ZUSAK, 2013, p. 123). Na adaptação, Rudy estava vivo ainda, quando Liesel o viu; no livro, porém, o menino já estava morto.

A Morte vaga invisível pelos amplos espaços. Ela caminha pelas ruas vazias, à noite. O lado mais poético e humano da Morte é demonstrado tanto no livro como no filme, pois a narradora costumava observar e descrever detalhadamente as cores do céu durante seu serviço:

Quando terminei, o céu estava amarelo como jornal em chamas. Se olhasse de perto, eu podia ver as palavras, as manchetes das notícias, comentando o progresso da guerra e assim por diante. Como gostaria de derrubar aquilo tudo, de amarrotar o céu de jornal e jogá-lo fora! Meus braços doíam e eu não podia me dar ao luxo de queimar os dedos. Ainda havia muito trabalho a fazer. (ZUSAK, 2013, p. 295)

No romance de Zuzak, a Morte narra que Liesel viveu até uma idade avançada, na cidade de Sydney, Austrália, sem descrever a idade da protagonista, mas mencionando seus três filhos, seus netos e seu marido (ZUSAK, 2013, p. 477). Já, na adaptação, há a citação da idade precisa, noventa anos, dos três filhos, dos netos e de seu marido, sem citar a cidade em que Liesel vivia, naquela época.

Outro espaço que merece destaque é a praça, local público em que os livros são queimados pelos nazistas. Considerando que o livro e o filme retratam a época do Nazismo, os cenários das ruas e da praça ganham importância maior, porque

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abrangem ações e cenas icônicas do regime nazista. A queima dos livros representa o cerceamento da liberdade e a estagnação imposta por Hitler. Nas ruas, a ação dos militares e a ausência de pessoas, depois de determinado horário, têm o mesmo intuito:

demonstrar a opressão e supremacia do regime ditatorial que vigorava na Alemanha da época.

Figura 8: Visão geral da cerimônia da queima de livros6

A cena, ritualística e de caráter político-ideológico, representa bem não apenas o trecho do livro que adapta esse momento histórico, mas também o fato em si, que, na Enciclopédia do Holocauto, é descrito desta maneira:

Em 6 de abril de 1933, a Associação Nazista Estudantil Alemã divulgou nacionalmente um "Ato contra o Espírito Não Germânico", o qual culminou em uma “depuração“ ou "limpeza" literária pelo fogo.

Em um ato simbólico de envergadura profética, em 10 de maio de 1933 os estudantes universitários atearam fogo em mais de 25.000 livros por eles considerados "não alemães", pressagiando uma era de censura política e de controle cultural nazista sobre toda a população.

Naquela noite, estudantes de direita, em trinta e quatro cidades universitárias na Alemanha, marcharam à luz de tochas em desfiles organizados para protestar "contra o espírito não alemão". (...). Em Berlim, cerca de 40.000 pessoas se reuniram para ouvir pessoalmente o discurso de Joseph Goebbels. (ENCICLOPÉDIA DO HOLOCAUSTO, 2015, ênfase no original)

6 A foto dessa cena foi tirada por Verônica Daniel Kobs, uma das autoras deste artigo, durante a reprodução do filme, em DVD (A MENINA que roubava livros, 2014).

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No filme, o discurso de abertura exalta o ato, pela “personalidade única da nação” (A MENINA, 2014) e ressalta a necessidade de o povo alemão “separa-se de qualquer lixo intelectual” (A MENINA, 2014). Liesel, portanto, age contra o regime, de modo instintivo, movida pela atração inexplicável que tinha pelos livros. A determinação da garota é algo que assusta Hans Hubermann, quando esse descobre que ela tinha resgatado, em meio às brasas de uma pilha de livros, um título considerado inapropriado pelo regime Nazista. A queima dos livros pela população de Molching é certamente uma das mais longas e importantes passagens do livro. A adaptação segue o texto literário com fidelidade, neste importante momento de ambas as obras:

Liesel aproximou-se:

O calor ainda era bastante forte para aquecê-la, quando parou ao pé da pilha de cinzas. Quando estendeu a mão, levou uma mordida, mas na segunda tentativa ela se certificou de ser bem rápida. Fisgou o livro mais próximo. Estava quente, mas também molhado, queimado apenas nas bordas, mas, afora isso, intacto. Era azul. (ZUSAK, 2013, p. 110)

Figura 9: Queima de livros

Disponível em: <http://cineposforrest.blogspot.com.br/2014/10/a-menina-que-roubava-livros-2013.htmll>

Na ocasião, Liesel tirou da fogueira a obra O homem invisível, de H.

G. Wells, a qual, posteriormente, ela lê para Max, no porão, enquanto esse está doente, delirando de febre e lutando para sobreviver. A escolha dessa obra foi do diretor, Brian Percival, que conseguiu unir o tema do livro, em que o protagonista, por meio da ciência, desafia a ordem natural das coisas, a uma metáfora para a condição de Max, que estava, de certa forma, invisível, no porão da casa dos Hubermann.

A biblioteca do prefeito é um espaço de importância ímpar, tanto no livro quanto no filme, pois demonstra a relação intensa de Liesel com as histórias. O

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momento de maior importância, sem dúvida, é quando a biblioteca é conhecida pela garota, momento em que as cenas são descritivas e lentas, de modo a refletir o valor daquela descoberta para a vida da protagonista. Uma das passagens mais tocantes no livro e também uma das cenas mais emocionantes do filme é quando Liesel entra na biblioteca e se depara com uma quantidade enorme de livros:

Figura 10: A biblioteca do prefeito

Disponível em: <http://otomesvsotaku.blogspot.com.br/2014/05/a-menina-que-roubava-livros-livro.html>

Cada parede era provida de estantes apinhadas, mas imaculadas. Mal se conseguia ver a tinta. Havia toda a sorte de estilos e letras diferentes nas lombadas dos livros, pretos, vermelhos cinzentos, de toda cor. Era uma das coisas mais lindas que Liesel Meminger já tinha visto. (ZUSAK, 2013, p. 123)

A menina fica maravilhada e sem palavras. Nesse momento, a câmera focaliza seu olhar e seus dedos, que passam pelos livros de diferentes tamanhos, cores e tipografias. Nesse instante, mais uma vez os livros são decisivos para o destino de Liesel, pois eles aproximam a menina da mulher do prefeito, ao mesmo tempo em que expandem o repertório da protagonista, que aprende coisas e palavras novas, e servem de antídoto para Max, que se mentêm atento, mesmo em estado febril, para ouvir as histórias que Liesel lê para ele, sem parar, por dias a fio.

CONCLUSÃO

A literatura e o cinema são linguagens diferentes e baseiam-se em visões diferentes dos escritores/roteiristas e diretores de cinema. Para Robert Stam, as

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adaptações de filmes a partir de romances têm sido vistas como um processo de perda, em que o romance ocupa um lugar privilegiado (STAM, 2006). Já na opinião do crítico de cinema Luiz Zanin, adaptações literárias para o cinema ultrapassam o texto escrito (ZANIN, 2011).

O filme dirigido por Brian Percival segue a obra de Markus Zuzak e, na medida do possível, com fidelidade. Entre as alterações realizadas, destacam-se a amenização dos horrores da guerra, a suavização dos personagens, a omissão dos pequenos furtos de frutas e outras pequenas coisas que Liesel e Rudy cometiam, além dos livros: “- Ano passado – listou ela – roubei pelo menos trezentas maçãs e dezenas de batatas. Não tenho dificuldade com cercas de arame farpado e posso ficar à altura de qualquer um aqui” (ZUSAK, 2013, p. 242). Sem dúvida, isso está relacionado à condensação, processo necessário em qualquer adaptação fílmica.

Entretanto, a adaptação fílmica, de modo coerente com o texto-base, ressalta a importância da palavra como instrumento de manipulação e de libertação e reflete a contradição do ser humano, capaz de praticar, paradoxalmente, atos de bondade e maldade. Sobre isso, ao final de ambas as obras, há esta frase, dita pela Morte: “Uma última nota de sua narradora: Os seres humanos me assombram” (ZUSAK, 2013, p. 478).

REFERÊNCIAS

A MENINA que roubava livros. Direção Brian Percival. Fox Film do Brasil, 2014. 1 DVD (131mim).

DINIZ, A. A menina que roubava livros. Disponível em:

<http://omelete.uol.com.br/menina-que-roubava-livros/cinema/menina-que-roubava- livros-critica/#.VGnd8odMSRt>. Acesso em: 21 jan. 2014.

ENCICLOPÉDIA DO HOLOCAUSTO. Queima de livros. (Artigo resumido). Disponível em:

<http://www.ushmm.org/wlc/ptbr/article.php?ModuleId=10007978>. Acesso em: 14 abr. 2015.

FIELD, S. Roteiro: os fundamentos do roteirismo. Curitiba: Arte & Letra, 2009.

FURTADO, J. A adaptação literária para cinema e televisão. Disponível em:

<http://www.casacinepoa.com.br/port/conexoes/adaptac.htm>. Acesso em: 10 jan.

2014.

KUSUMOTO, M. A menina que roubava livros se perde em salada de temas. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/entretenimento/a-salada-de-temas-em-a-menina- que-roubava-livros>. Acesso em: 10 jan. 2014.

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REYNAUD, N. Estreia: A menina que roubava livros mantém essência do best-seller.

Disponível em: <http://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/2014/01/estreia-menina- que-roubava-livros-mantem-essencia-do-best-seller.html>. Acesso em: 20 jan. 2014.

SIMAS, A. Estreia: A menina que roubava livros. Disponível em:

<http://www.gazetadopovo.com.br/gaz/cinema-e-tv/cinema/estreia-hoje-a-menina-que- roubava-livros/>. Acesso em: 15 nov. 2014.

STAM, R. Teoria e prática da adaptação: da fidelidade à intertextualidade. In: CORSEUIL, A. R. Film Beyond Boundaries. Ilha do desterro, n. 51, Florianópolis, jul./dez. 2006, p.

19-53.

ZANIN, L. Literatura e cinema: uma relação muito particular. Disponível em:

<http://cultura.estadao.com.br/blogs/luiz-zanin/literatura-e-cinema-uma-relacao-muito- particular/>. Acesso em: 21 jan. 2014.

ZUSAK, M. A menina que roubava livros. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:

Intrínseca, 2013.

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SHAKESPEARE INTO FILM: COMPARING ORSON WELLES'

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