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HARMADA, DE JOÃO GILBERTO NOLL: NARRADOR INTIMISTA PÓS-MODERNO 1

No documento NOVOS TEMPOS, MESMAS HISTÓRIAS (páginas 51-54)

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Scripta Alumni - Uniandrade, n. 12, 2014.

HARMADA, DE JOÃO GILBERTO NOLL: NARRADOR INTIMISTA

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Scripta Alumni - Uniandrade, n. 12, 2014.

INTRODUÇÃO

Os desdobramentos na expressão literária no segundo cinquentenário do século XX vão, para observar de maneira incompleta, da experimentação da linguagem, da inserção imagética, da paródia à reinvenção de experiências através do pastiche. Chega-se, para usar a expressão de Silviano Santiago, à “anarquia formal”3.

Ainda que diversa, pode-se notar, na produção contemporânea, uma predominância do imaginário urbano. Uma das vertentes4 dessa multiplicidade da produção é aquela que prima pela análise íntima e psicológica das personagens na qual os espaços sociais parecem estar em segundo plano.

Nosso recorte se insere nessa linha, mais precisamente nos anos 1990, na qual encontramos João Gilberto Noll, contista e romancista, cujas narrativas fazem essa sondagem interior a partir de uma perspectiva pós-moderna. O romance Harmada, a obra a que nos ateremos, foi publicado em 1993. Analisar um texto contemporâneo como parte de um período histórico (e literário) em curso, exige uma tomada de posição teórica, ainda que provisória. Com relação à contemporaneidade, como veremos, existe uma questão de conceituação que paira sobre a crítica e a teoria, de acordo com Rouanet.

De um lado, aqueles que denominam o momento atual de pós- modernidade, pois crêem que esse seja um momento de superação da modernidade, denominação adotada por outra parcela de críticos e teóricos.

Uns aplicam o termo exclusivamente à arquitetura, ou à literatura, ou à pintura. Outros o estendem à totalidade da esfera cultural, abrangendo também a ciência e a filosofia. Outros, enfim, aplicam o termo à economia, à política, à sociedade em geral. Para uns, o fenômeno é recente, outros o fazem remontar aos anos 50, e para outros ele está presente em toda a história humana — cada época vive sempre, em cada momento, seu próprio pós-moderno. Alguns vêem no pós- moderno um salto para a frente, e outros uma fuga para o passado — seria uma nova vanguarda ou uma regressão ao arcaico. (ROUANET, 1987, p. 116)

3 Para Silviano Santiago, a expressão ―anarquia formal‖ demonstra a capacidade de renovação do gênero.

(SANTIAGO, 2002, p. 34).

4 Desde os anos 1930, com Cornélio Penna e, em seguida, com Lúcio Cardoso podemos observar uma forte vertente intimista na literatura brasileira, que encontra seu ponto alto na obra de Clarice Lispector – cuja obra final data de 1977.

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Scripta Alumni - Uniandrade, n. 12, 2014.

Ao longo deste trabalho, tendo em vista as características e o momento de publicação da obra, além da perspectiva teórico-crítica atinente, será adotada a designação “pós-modernidade”5, já que o conceito abarca elementos que serão fundamentais para os fins a que se propõe a presente análise.

Dessa maneira, buscar-se-á analisar o foco narrativo do romance Harmada, a fim de observar como o narrador pode ser considerado pós-moderno, já que sujeito da pós-modernidade – sujeito em crise de identidade, como quer Stuart Hall na obra A identidade cultural na pós-modernidade.

A assim chamada "crise de identidade" é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social. (HALL, 2002, p. 7)

A discussão acerca do tema ainda fervilha no meio acadêmico.

Todavia, para os fins a que se destina o trabalho, não caberia elaborar uma análise extensa da questão. Torna-se necessário, porém, estabelecer certos parâmetros, a fim de justificar a escolha do termo, já que “o pós-modernismo não pode ser utilizado como um simples sinônimo para o contemporâneo” (KROKER; COOK, citados em HUTCHEON, 1991, p. 20). Linda Hutcheon, em sua obra fundamental, A poética do pós-modernismo, analisa certos aspectos da cultura pluralista e fragmentada de hoje e propõe

(...) um ponto de partida específico, embora polêmico, a partir do qual se possa trabalhar: como uma atividade cultural que pode ser detectada na maioria das formas de arte e em muitas correntes de pensamento atuais aquilo que quero chamar de pós-modernismo é fundamentalmente contraditório, deliberadamente histórico e inevitavelmente político, as contradições podem muito bem ser as mesmas da sociedade governada pelo capitalismo recente mas, seja qual for o motivo, sem dúvida essas contradições se manifestam no importante conceito pós-moderno da "presença do passado".

(HUTCHEON, 1991, p. 20)

5 Para Fredric Jameson, ainda que contestando o termo, ―(...) um modo de marcar a ruptura entre os períodos e de datar o surgimento do pós-modernismo é precisamente encontrado nisto: no momento (pensado por volta do início da década de 1960) no qual a posição do alto modernismo e sua estética dominante se tornaram estabelecidas na academia e, a partir de então, percebidas como acadêmicas por toda uma nova geração de poetas, pintores e músicos‖ (JAMESON, 2006, p. 43).

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Scripta Alumni - Uniandrade, n. 12, 2014.

A partir da colocação de Hutcheon observamos que as diferentes perspectivas teóricas e acepções do termo têm um ponto em comum: a relação com o passado; quer para refutá-lo, quer para considerar o movimento atual como superação daquele, quer para considerá-lo a fadiga de uma época. Não obstante, as múltiplas leituras analíticas desse momento histórico indicam que:

(...) de forma geral, a nova sensibilidade pós-moderna dirige suas forças para a desconstrução sistemática dos mitos modernistas questionados (...), a identidade cultural do Ocidente, mas também o problema da totalidade e do totalitarismo na epistemologia e na sua teoria políticas modernas. (HOLLANDA, 1992, p. 8)

A diluição da produção cultural reflete nas correntes de pensamento, que se nota enquanto essa deixa de crer num absolutismo crítico e teórico. Outra questão levantada por Hollanda, que é de fundamental importância para os fins a que se pretende a investigação, é a da identidade cultural do Ocidente, pois este exame tem a intenção de observar o narrador enquanto sujeito desse momento histórico de diluição de identidades, de perda da noção de nacionalidade, além das questões que estão ligadas à sua interioridade. Deve-se levar em conta que essa interioridade é formada, também, por fatores externos, aqui entendidos como sociais, no caso, da sociedade contemporânea, como dissemos, não como sinônimo, mas entendida como pós-moderna.

No documento NOVOS TEMPOS, MESMAS HISTÓRIAS (páginas 51-54)