O CUI DADO HUMANO: REFLEXÃO ÉTI CA ACERCA DOS PORTADORES DO HI V/ AI DS
Pat r ícia Ney v a da Cost a Pinheir o1 Neiv a Fr ancenely Cunha Vieir a2 Mar ia Lúcia Duar t e Per eir a3 Mar ia Gr asiela Teix eir a Bar r oso4
Pinheiro PNC, Vieira NFC, Pereira MLD, Barroso MGT. O cuidado hum ano: reflexão ét ica acerca dos port adores do HI V/ AI DS. Rev Lat ino- am Enferm agem 2005 j ulho- agost o; 13( 4) : 569- 75.
Reflet ir sobre a im port ância da ét ica no cuidado hum ano e sua relação com o port ador do HI V/ AI DS é o obj et iv o dest e est u do. O est u do en v olv e u m a m et odologia descr it iv o- r ef lex iv a, iden t if ican do os pr in cipais conceit os sobre a ét ica no cuidado hum ano e a ét ica no cuidado do port ador do HI V/ AI DS. Est ando a necessidade do cuidado em evidência nos nossos dias, pensadores at uais relacionam o cuidado com o a essência hum ana e present e na ét ica. E com o surgim ent o da Aids, por se t rat ar de um a doença que at é ent ão não t em cura, que t em car át er epidêm ico e m obiliza a sociedade par a as pr eocupações com a pr iv acidade e a confidencialidade vieram à t ona, com a necessidade de reforçar os aspect os ét icos, visando um a m elhor qualidade de vida para os por t ador es da in f ecção. O pen sam en t o ét ico segu e a ev olu ção cien t íf ica e t ecn ológica qu e acon t ece n o m undo. Diant e de nossas reflexões, percebem os que a ét ica faz part e da nossa sociedade e que é im prescindível o cuidar hum ano at r elado à ét ica.
DESCRI TORES: síndr om e de im unodeficiência adquir ida; HI V; enfer m agem ; ét ica
HUMAN CARE: AN ETHI CAL REFLEXI ON ON HI V/ AI DS PATI ENTS
This descript ive- reflexive st udy reflect s on t he im port ance of et hics in hum an care and it s relat ion wit h HI V/ AI DS pat ien t s, iden t if y in g t h e m ain con cept s of et h ics in h u m an car e an d et h ics in car e f or HI V/ AI DS pat ien t s. Con sider in g t h e clear n eed f or car e n ow aday s, cu r r en t ideas pr esen t car e as t h e h u m an essen ce w hich is pr esent in et hics. The em er gence of Aids, an epidem ic t hat cannot be cur ed yet , m obilizes societ y t o concer ns about pr iv acy and confident ialit y , including t he need t o r einfor ce et hical aspect s, w it h a v iew t o a bet t er life qualit y for it s pat ient s. Et hical t hinking is in line wit h scient ific and t echnological evolut ion all over t he world. I n view of our reflect ions, we underst ood t hat et hics is part of our societ y and t hat hum an care needs t o be linked up wit h et hics.
DESCRI PTORS: acquir ed im m unodeficiency sy ndr om e; HI V; nur sing; et hics
EL CUI DADO HUMANO: UN REFLEXI ON ÉTI CO ACERCA DE
LOS PORTADORES EN VI H/ SI DA
Reflej am os sobr e la im por t ancia de la ét ica en el cuidado hum ano y su r elación con el por t ador del VI H/ SI DA. Se usa una m et odología descr ipt iv o- r eflex iv a, ident ificando los concept os pr incipales de la ét ica en el cuidado hum ano y la ét ica en el cuidado al por t ador del VI H/ SI DA. Ant e la ev ident e necesidad de cuidado h oy día, los pen sador es act u ales pr esen t an el cu idado com o la esen cia h u m an a pr esen t e en la ét ica. Y el ap ar eci m i en t o d e l a SI DA, u n a ep i d em i a q u e h ast a ah o r a n o t i en e cu r a, m o v i l i za l a so ci ed ad p ar a l as p r eocu p acion es con la p r iv acid ad y la con f id en cialid ad , con la n ecesid ad d e r ef or zar los asp ect os ét icos, buscando una calidad de vida m ej or para los port adores de la infección. El pensam ient o ét ico sigue la evolución cient ífica y t ecnológica que pasa en el m undo. Ant e nuest r as r eflex iones, not am os que la ét ica hace par t e de nuest r a sociedad y que es indispensable el cuidar hum ano v inculado a la ét ica.
DESCRI PTORES: síndr om e de inm unodeficiencia adquir ida; VI H; enfer m er ía; ét ica
1 Enferm eira, Doutoranda em Enferm agem , I ntegrante do Proj et o de Pesquisa: Educação em Saúde no Cont exto da Prom oção Hum ana - um a invest igação
na Enferm agem , e- m ail: neyva.pinheiro@ig.com .br; 2 Enferm eira, Mestre em Educação, PhD pela Universidade de Briston, I ntegrante do Proj eto de Pesquisa
Educação em Saúde no Cont ext o da Prom oção Hum ana - um a invest igação em enferm agem ; 3 Enferm eira, Dout or em Enferm agem , Docent e da
Universidade Est adual do Ceará; 4 Enferm eira, Professor Titular Em érit o da Universidade Federal do Ceará, Coordenador do Proj et o de Pesquisa: Educação
I NTRODUÇÃO
O
cuidado com o prática fundam ental na área d a sa ú d e é u m a p a l a v r a q u e v e m a ssu m i n d o significados div er sos, com o passar do t em po. No latim , significa cura e essa, de acordo com o era escrita na ant igüidade, t inha sent ido de am or e am izade. Ou t r os r elacion am a palav ra cu idado com cogit ar, pensar, colocar at enção, m ost r ar int er esse, r evelar um a at it ude de desvelo e de preocupação. Sej a qual for o significado, o cuidado faz part e do ser hum ano e tudo que tem vida clam a por cuidado. Na realidade, o cuidado é o sustentáculo da criatividade, da liberdade e d a in t elig ên cia h u m an a, t ão im p or t an t e p ar a a hum anidade, que é preciso que cada um de nós venha a desenvolver a afet ividade para com os out ros, que p o ssa p e r ce b e r su a s n e ce ssi d a d e s, p a r a q u e a const r ução de um m undo m elhor não sej a apenas ut opia( 1).É f u n d a m e n t a l , p r i n ci p a l m e n t e p a r a o s t rabalhadores da área da saúde, perceber o cuidado na sua dim ensão m ais am pla, que tem com o princípio um a form a de viver plenam ent e e não apenas com o um a execução de t arefas para prom over o confort o de alguém( 2).
O cuidado hum ano deve ser resgat ado, pois esse é consider ado com o ét ica m ínim a e univer sal, su r g i n d o d a co n sci ên ci a co l et i v a, em m o m en t o s cr ít icos. Ao com ent ar a im por t ância do cuidado, é m ist er d iscor r er sob r e a ex p er iên cia d e Flor en ce Nit h in g ale, p ion eir a n a en f er m ag em cien t íf ica n o m u n do qu e, com u m gr u po de colegas, “ par t e de Londres para um hospital m ilitar na Turquia, onde se t r av av a a guer r a da Cr im éia. I m buída da idéia do cu i d a d o , co n se g u e r e d u zi r, e m d o i s m e se s, a m ort alidade de 42 para 2% ”( 3).
Ao se cuidar do outro, passa- se a respeitá- lo e a vê- lo na sua individualidade, sendo im prescindível o conhecim ento acerca da ética e da m oral, princípios q u e p r o p i ci a m u m a n o v a r a zã o , i n st r u m e n t a l , em ocional e espirit ual.
E, por falar em ét ica, o seu grande m ist ério consist e na predom inância de sent im ent os e at it udes volt adas para o am or verdadeiro ao próxim o; desde que a com paixão viva dentro de cada um , o bem e a dor do out ro passam a ser encont rados no coração de quem acredit a nesses princípios( 4).
Tendo em vista que o cuidar de pessoas com a sín dr om e da im u n odeficiên cia adqu ir ida passa a
fazer par t e do dia- a- dia de m uit os pr ofissionais da á r ea d a sa ú d e, é p r eci so r esg a t a r a v er d a d ei r a essên ci a d esse cu i d a d o , p a r a p o ssi b i l i t a r m a i o r am or osidade ent r e os ser es hum anos e, com isso, d esv el a r u m m u n d o co m m a i s v a l o r, v a l o r esse pr esen t e n os pr eceit os ét icos n ecessár ios par a se viver em com unidade e, nessa vida em com unidade, é p r eci so q u e ex i st a a so l i d a r i ed a d e, q u a l i d a d e essencial para se enxergar as necessidades do outro, pr incipalm ent e, se esse é por t ador de um a doença est igm at izada com o a AI DS.
A AI D S t r o u x e à t o n a q u e st õ e s é t i ca s im pr escindív eis para pr eser var o ser hum ano. Vale ressalt ar que, inicialm ent e, adot aram - se Propost as e D i r et r i zes Ét i cas I n t er n aci o n ai s p ar a a Pesq u i sa Biom éd ica En v olv en d o Ser es Hu m an os ( CI OM/ MS 1 9 8 2 e 1 9 9 3 ) , i n co r p o r a n d o a D e cl a r a çã o d e He l si n q u e , q u e f o i a d o t a d a , e m m u i t o s p a íse s, inclusiv e no Br asil, com o r efer encial ét ico. A par t ir dessa iniciat iva, foram se inst it ucionalizando norm as ét icas de pesquisa com seres hum anos, cont idas na Resolução 196- 96( 5).
Dian t e d esse p an or am a at u al, em q u e se d e p a r a r co m a sín d r o m e d a i m u n o d e f i ci ê n ci a adquirida favorecendo o adoecer e o m orrer de m uitos por t ador es do v ír us que, em alguns m om ent os de su a s t r a j e t ó r i a s, n e ce ssi t a m d o s cu i d a d o s d o s profissionais da área da saúde, que vivenciam , j unt o a esses pacient es, sit uações delicadas que t razem à t on a as qu est ões ét icas, essa t r íade pr esen t e n os nossos dias faz com que se reflita criticam ente sobre com o cuidar et icam ent e desses pacient es.
Com o int uit o de cont ribuir para o despert ar do pen sam en t o cr ít ico en v olv en do a t em át ica em questão e conscientes da im portância dessas reflexões p a r a o cu i d a d o é t i co d o p a ci e n t e so r o p o si t i v o , o b j e t i v a - se , n e st e t r a b a l h o , r e f l e t i r so b r e a im portância da ética no cuidado hum ano e sua relação com o port ador do HI V/ AI DS.
A ÉTI CA NO CUI DADO HUMANO
A palav r a ét ica, de or igem gr ega, significa carát er, hábit o ou m oradia. Essa palavra não t em a m esm a conot ação em t odos os povos e populações, por t ant o, r equer m aior com pr een são por par t e de qu em a em pr ega. Su r gin do n a Gr écia, n o seio da
polis, foi oriunda de inquiet ações sobre a vida com dignidade, apesar das inúm eras dificuldades.
O desafio at ual é r epensar o m odo de ser egoíst a que a sociedade at ual cult iv a no ínt im o de ca d a ci d a d ã o e t r a b a l h a r f o r m a s q u e l e v e m o s h om en s a at u ar em n a d im en são d a colet iv id ad e, p r e se r v a n d o v a l o r e s u n i v e r sa i s h u m a n o s e a s m icr or r ealidades h ist ór icas, fazen do com qu e sej a preservada a biodiversidade, com que se reconheçam as especificidades locais e respeit adas as diferenças de gênero, raça, religião e out ras m ais( 6).
O pensar no out ro e a solidariedade vêm à t ona com a quebr a da ét ica t r adicional, or iunda de um a sociedade fort em ent e individualizada e cent rada nas com unidades religiosa, fam iliar, cívica e nacional( 7).
Essa m udança de paradigm a no cenário da ética leva a repensar as ações ét icas no cot idiano.
Ao se report ar à vida diária, depara- se com várias atitudes “ sem ética”, sej a na form ação de j ovens e adult os, confr ont ando com um sucat eam ent o nas e sco l a s p ú b l i ca s e m e r ca n t i l i za çã o d o e n si n o part icular; sej a na prát ica profissional, por m eio de pessoas que usam suas profissões para out ros fins e n ão aq u ilo q u e r ealm en t e se p r op õem ; sej a, at é m esm o, com os fam iliares, quando não são assistidos com o deveriam ser. Os conflitos entre o que é certo e errado e a sobrevivência num m undo, onde se tem o
slogan “ o m undo é dos m ais espert os”, fazem part e daqueles que acr edit am na v er dade e na v ida com dignidade.
O cidadão, n o sen t ido pr eciso da palav r a, deve ter dignidade, e essa im plica em ter as m ínim as condições para sobr ev iv er. Há m endigos e pessoas m u t iladas n as r u as a pedir aj u da par a “ t er o qu e com er” ; em cont rapart ida, m ansões são const ruídas e ca r r o s i m p o r t a d o s sã o co m p r a d o s; e ssa desigualdade social, ex acer bada, é um m al par a a sociedade e a prova de que se está sendo negligente no cuidado com a população. Quando se reflete sobre t al fat o, há indignação, m as t am bém acost um a- se e o cenário cont inua, perm anecendo a inj ust iça social e a falt a de com prom isso com o próxim o.
O sé cu l o XX, m a r ca d o p o r p r o f u n d a s
desigu aldades sociais, en con t r an do- se dispar idade social grit ant e, em que os m enos favorecidos vivem se m a s m ín i m a s co n d i çõ e s p a r a u m a v i d a co m dignidade e não só os ser es hum anos sofr em com essas in j u st iças, m as t am b ém a n at u r eza q u e é destruída e degradada sem o m enor respeito, havendo desgast e ecológico. Toda essa falt a de respeit o com a vida é oriunda da falt a de ét ica da civilização, que visa a am bição, a com petição selvagem , a exploração so ci a l d a n a t u r e za e d o s se r e s h u m a n o s, q u e cont inuam sendo est im ulados( 8).
Por t ant o, per cebe- se que, com a ev olução, o h o m e m t e m si d o b e n e f i ci a d o co m o d e se n v o l v i m e n t o d o m u n d o m o d e r n o , e m co n t r a p a r t i d a , a m i sé r i a , a cr i m i n a l i d a d e e a d e st r u i çã o a m b i e n t a l v e m t o m a n d o p r o p o r çõ e s crescentes no decorrer dos anos. Há o paradoxo entre as for ças do m undo m oder no v olt ado par a v alor es co m o a h o st i l i d a d e , o ó d i o , a v i o l ê n ci a , a desonestidade, o m edo e a necessidade de um a vida co m m ai s so l i d ar i ed ad e, af et i v i d ad e, am o r, p az, respeit o e esperança( 2).
I n f elizm en t e o ser h u m an o du r an t e a su a ex ist ên cia apr esen t a am bigü idades em r elação às suas práticas voltadas tanto para o cuidado com o para a falt a de cuidado r epr esent ado nas guer r as e nas lut as pelo poder, levando o ser hum ano a esquecer d os seu s sem elh an t es em p r ol d os seu s p r óp r ios int er esses( 2).
Não existe o cuidado com a população e com isso há o retorno, os ricos tem em assaltos, seqüestros e outros agravos; e os pobres tem em a falta de teto, d e co m i d a e d e a f et o . Nã o h á cu i d a d o co n o sco m esm os, vive- se com a síndrom e de stress e não há tem po para a vida. Não se cuida do planeta e, dentre os g r i t o s d e al er t a, a n at u r eza ap r esen t a a su a cam ada de ozônio, que dim inui, e com isso aum ent a o câncer de pele, a água que, cada v ez m ais, fica escassa e insalubre, o m ar que, ao ser contam inado, se torna im próprio para o banho, a terra que, de tanto ser ex p lor ad a, f ica im p r od u t iv a. Tod a a f alt a d e cuidado ger a desequilíbr io, t ant o no m undo quant o nas pessoas que, pela falta de am or, usam seus corpos par a obt er pr azer m om ent âneo, que pode r esult ar num a doença sexualm ent e t r ansm issível.
O cuidado tem com o base o respeito e o am or ao próxim o, e t endo a consciência de que as ações são nort eadas pelos conhecim ent os adquiridos, Paulo Fr eir e r elat a que a ét ica não é algo abst r at o, m as concreto e está presente na capacidade de se indignar com as inj ustiças que acontecem no m undo e ao nosso redor( 9).
O cuidar et icam ent e do out ro é um a at it ude que leva à reflexão, principalm ente quando se reporta ao dia- a- dia do cuidar de pacient es com HI V/ AI DS, p esso as est i g m at i zad as e d i scr i m i n ad as. Mesm o conhecendo as form as de contágio, as pessoas tem em o sim ples fat o de t ocar o out ro, t alvez por causa da sociedade conser v ador a e aut or it ár ia, que deix a à m a r g e m d e t e r m i n a d o s g r u p o s, i n t r o j e t a - se t a i s v a l o r e s, se n d o d i f íci l m u d á - l o s, a p e sa r d o s conhecim ent os adquiridos( 10).
É preciso, repensar a form a de educar, pois, p ar a q u e o cu id ad o h u m an o sej a im p lem en t ad o, pr incipalm ent e par a aqueles que est ão v iv enciando u m p r o ce sso d e m o r b i d a d e , é n e ce ssá r i o a co n sci en t i zação co m o v al o r e i m p er at i v o m o r al , sen sibilização e con seqü en t e ex er cício. O cu idado h u m a n o é u m p r o ce sso d e e m p o d e r a m e n t o , d e crescim ent o e de realização da hum anidade( 2).
Ao cuidar de um pacient e é pr eciso que o profissional o vej a com o um ser hum ano, com suas n e ce ssi d a d e s b á si ca s a f e t a d a s, e n co n t r a n d o - se f r ag ilizad o, p or t an t o, m er ecen d o m ais r esp eit o e a t e n çã o( 1 1 ). É i m p o r t a n t e q u e o s p r o f i ssi o n a i s
ex er cit em o au t ocu id ad o d esses p acien t es com o obj et ivo de incent ivarem sua aut onom ia e sua aut o-est im a.
Mu it os pacien t es passam por sit u ações de d esp er so n a l i za çã o , q u e o s l ev a m a se sen t i r em desvalorizados, fat o que infringe os preceit os ét icos que norteiam a prática do cuidado. Tendo em vista o cu i d ar, co m o u m v al o r p r o f i ssi o n al e p esso al , é e x t r e m a m e n t e n e ce ssá r i o q u e e x i st a m p a d r õ e s norm at ivos para nort ear as ações e as at it udes em relação àquelas a quem se cuida( 2).
A at it ude ét ica do pr ofissional par a com o pacient e est á pr esent e cada vez que ele r econhece seus clientes com o pessoas iguais a ele, que precisam ser o u v i d as e co m p r een d i d as p ar a q u e ex i st a a int eração e, por conseguint e, o cuidado efet ivo( 11).
As e n f e r m i d a d e s cr ô n i ca s p r e ci sa m d e a t e n çã o e sp e ci a l , p o i s o cu i d a d o r d e v e e st a r p r e p a r a d o p a r a a co m p a n h a r se u cl i e n t e n a s diferent es fases de m anifest ação da doença( 12).
Alg u n s p esq u isad or es, ao d esen v olv er em est udos acer ca do cuidado de pacient es com HI V/ AI DS, dissert am sobre a com plexidade de se cuidar dessas pessoas, t endo em vist a o t em or do cont ágio e o f o co ce n t r a d o n a su a p r ó p r i a p r e se r v a çã o , chegando, m uit as vezes à falt a de cuidado( 10).
Out ros est udiosos levam a pensar acerca da essên ci a h u m an a e su as at i t u d es, m u i t as v ezes in con seqü en t es com o, por ex em plo, a in fidelidade m asculina atrelada à falta de cuidado com a sua saúde e p r o v av el m en t e co m a d e su a esp o sa e f i l h o s, levando a possível cont am inação pelo HI V( 13).
Te n d o e m v i st a si t u a çõ e s d o co t i d i a n o, p e r ce b e - se q u e a f a l t a d e cu i d a d o e o cu i d a d o in cor r et o ( se in t en cion ais) , são agr av os à pessoa hum ana e est ão diret am ent e relacionadas à falt a de ét ica, j á q u e, q u an d o se r ef er e ao sen t id o d essa palavra, pode- se fazer um a analogia com o cuidado de si e do out ro. O cuidado com t udo que t em vida traz o dever de refletir sobre todos os atos; portanto, deve- se cuidar dos deveres e das conseqüências dos at os. Os cuidados são definidos por deveres e pela avaliação das conseqüências( 14).
Est a n d o a n e ce ssi d a d e d o cu i d a d o e m e v i d ê n ci a n o s d i a s d e h o j e , p e n sa d o r e s a t u a i s r elacion am o cu idado com o a essên cia h u m an a e pr esent e na ét ica; sendo o cuidado o r esponsáv el pela sint ropia, e a falt a desse a causa da ent ropia; portanto, percebe- se que o cuidado “ funda a prim eira at it ude ét ica fundam ent al, capaz de salvaguardar a t erra com o um sist em a vivo e com plexo, prot eger a v ida, gar ant ir os dir eit os dos ser es hum anos e de t odas as cr iat ur as, a conviv ência em solidar iedade, com preensão, com paixão e am or”( 15).
Em concor dância com esse pensam ent o, é sabido que o ser hum ano, desde os seus prim órdios, busca resolver seus problem as em m eio às sit uações com p lex as e, n o con f r on t o com o am b ien t e p r é-histórico, em ergiram atitudes voltadas para o cuidado e, a p a r t i r d e en t ã o , p er ceb e- se n a s d i f er en t es cult uras as diversas form as de cuidar, e at ualm ent e se confir m a, at r av és da sociedade cont em por ânea, a im p or t ân cia q u e t em o cu id ad o n a v id a d o ser hum ano( 16).
ÉTI CA NA ASSI STÊNCI A AO PORTADOR DO
HI V/ AI DS
hum ana”, ou sej a, o ét ico significa t udo aquilo que a j u d a a t o r n a r m e l h o r o a m b i e n t e d e m o r a d a saudável. A ética existe com o referência para os seres hum anos em sociedade e que esses sej am cada vez m a i s h u m a n o s e ca p a ze s d e e n x e r g a r a s necessidades do out ro, m esm o que esse t enha um a doença est igm at izada pela sociedade.
Po r se r co n si d e r a d a u m d o s p r i n cíp i o s reguladores do desenvolvim ent o hist órico- cult ural da hum anidade a ét ica v em à t ona com o adv ent o da AI DS que, por se tratar de doença que até o m om ento não t em cura, que t em carát er epidêm ico e m obiliza a sociedade, or igin ou u m a r ev olu ção em t odos os sen t idos, pr in cipalm en t e n a discu ssão ét ica sobr e pesquisa, pois a pesquisa é a m aneira confiável para descoberta da evolução da infecção pelo HI V, vacinas e t rat am ent o eficazes para as doenças oport unist as, o q u e p r op or cion a m elh or q u alid ad e d e v id a aos portadores da infecção. Esse espaço de diálogo m ostra que o pensam ento ético segue a evolução científica e t ecnológica que acont ece no m undo.
Ap esar d a d iv u lg ação d a p an d em ia e d os t r abalhos env olv endo o assunt o, de acor do com a Or ganização Mundial de Saúde, cont a- se com m ais de 20 m ilhões de pessoas m ort as pelo HI V e out ras m ais de 3,7 m ilhões de pessoas convivendo com o vírus em t odo o m undo. Desse t ot al há m ais de 1,6 m ilhões de pessoas que est ão vivendo com o vír us da AI DS na Am érica Lat ina( 17).
A AI D S co n si d e r a d a , a t u a l m e n t e , co m o doença crônica, conta com estudos para a descoberta da vacina, ent r et ant o essas não ofer ecem pr ot eção total, pois é necessário que exista trabalho educacional int enso para que a prevenção realm ent e se efet ive e com o intuito de que a educação sej a um a constante n a l u t a co n t a e ssa p a n d e m i a a s p e sq u i sa s e m d i f e r e n t e s á r e a s d o co n h e ci m e n t o v ê m se n d o incent ivadas( 18).
Par a o d esen v olv im en t o d as p esq u isas, é necessário, na m ais das vezes, que os portadores do v ír u s possam se dispor par a con t r ibu ir com esses estudos, sendo a ética im prescindível nesse contexto, ap esar d a f o r ça d e d i f er en t es seg m en t o s, co m o indúst rias farm acêut icas m ult inacionais, profissionais d e saú d e co m i n t er esse ci en t íf i co , p o r t ad o r es e agências financiadoras; faz- se necessário um debat e m a i s cu i d a d o so a ce r ca d o s a sp e ct o s é t i co s n a p esq u isa, u m a v ez q u e h á g r an d e q u an t id ad e d e int er essados envolvidos no pr ocesso.
Os av anços cient íficos t êm t r azido gr andes
v an t ag en s p ar a o h om em , m as p od em se t or n ar ca t a st r ó f i co s se u t i l i za d o s i n d e v i d a m e n t e , com prom etendo a vida e os princípios da hum anidade. Tam bém , per cebe- se qu e, qu an do se fala sobr e a AI D S e o s a v a n ço s d a ci ê n ci a , e x i st e m v á r i o s pensam entos - com o a atribuição da doença à vontade divina - que podem influenciar o tratam ento de m uitos por t ador es. Ent r et ant o, não se dev e ult r apassar a ét i ca , p o i s a d eci sã o d e ca d a ci d a d ã o d ev e ser respeit ada( 19).
A AI DS trouxe à tona pontos éticos bastante delicados, pois surge a necessidade de balancear os d ir eit os e as n ecessid ad es d o in d iv íd u o e o b em p ú b l i co . Em m e i o a e ssa s q u e st õ e s, h á a s p r e o cu p a çõ e s co m a p r i v a ci d a d e e a confidencialidade, j á que o pesquisador entra na vida part icular e na int im idade dessas pessoas( 20).
No Brasil, a partir da Resolução N. 196/ 96 do Co n se l h o Na ci o n a l d e Sa ú d e , so b r e p e sq u i sa s envolvendo seres hum anos, foram criados os Com itês d e Ét i ca e m Pe sq u i sa ( CEPs) e a e x i g ê n ci a d e a p r o v a çã o d e u m p r o t o co l o d e p e sq u i sa , q u e corresponde a um conj unt o de docum ent os, m uit as v ezes com p r een d id o com o b u r ocr acia e p er d a d e t em po pelos pesquisadores, porém “ est a burocracia tem sua legitim idade, quando m antida dentro de seus d e v i d o s l i m i t e s e q u a n d o e st á a se r v i ço d a cientificidade e da eticidade do proj eto de pesquisa”( 21).
A part ir da Resolução, ant eriorm ent e cit ada, a ét ica da pesquisa im plica em : “ a) consent im ent o livre e esclarecido dos indivíduos- alvo e a proteção a g r u p o s v u l n e r á v e i s e a o s l e g a l m e n t e i n ca p a ze s ( aut onom ia) . Nesse sent ido, a pesquisa envolvendo ser es h u m an o s d ev er á sem p r e t r at á- l o s em su a dignidade, respeit á- los em sua aut onom ia e defendê-los em su a v u ln er ab ilid ad e; b ) p on d er ação en t r e r iscos e ben ef ícios, t an t o at u ais com o pot en ciais, i n d i v i d u a i s o u co l e t i v o s ( b e n e f i cê n ci a ) , com prom et endo- se com o m áxim o de benefícios e o m ínim o de danos e riscos; c) garant ia de que danos p r ev isív eis ser ão ev it ad os ( n ão- m alef iciên cia) ; d ) r e l e v â n ci a so ci a l d a p e sq u i sa , co m v a n t a g e n s si g n i f i ca t i v a s p a r a o s su j e i t o s d a p e sq u i sa e m inim ização do ônus para os suj eit os vulneráveis, o q u e g ar an t e a ig u al con sid er ação d os in t er esses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação sócio- hum anit ária ( j ust iça e eqüidade) ”( 21).
porque é um direit o fundam ent al do ser hum ano. A garantia da cidadania deve ser vista com o indicadora de qualidade e está relacionada a questões referentes à aut onom ia, privacidade, sigilo e anonim at o.
A in f or m ação v er d ad eir a é im p r escin d ív el para que o indivíduo possa se m anifest ar de form a e scl a r e ci d a a ce r ca d a s a çõ e s d a p e sq u i sa , q u e poderão alt erar sua int egridade física e/ ou psíquica. Dev en d o ser ad ap t ad a a cad a caso, lev an d o em consideração o seu estado psicológico, suas condições sociais e cult urais.
Consentir é um ato de decisão, que deve ser livre e isento de coação física, psíquica ou m oral. Um e l e m e n t o i m p o r t a n t e n o co n se n t i m e n t o é a t em por alidade, t am bém assegur ada nos dir eit os do paciente e tam bém na Res. N. 196/ 96 no item I V.1a, que fala sobre “ a liberdade do suj eito de se recusar a participar ou retirar o seu consentim ento, em qualquer f ase da pesqu isa, sem pen alização algu m a e sem prej uízo ao seu cuidado”. Port ant o, o consent im ent o não é im ut ável, pode ser m odificado ou revogado a qualquer m om ent o, por decisão liv r e e esclar ecida, se m q u e se j a m i m p u t a d a s sa n çõ e s m o r a i s o u adm inist rat ivas ao pacient e ( suj eit o da pesquisa) .
O Te r m o d e Co n se n t i m e n t o Li v r e e Esclar ecido, além de ser u m t ex t o j u r ídico, é u m inst r um ent o ut ilizado com o obj et iv o de facilit ar a com unicação ent re o pesquisador e o pesquisado, no int uit o de firm ar um a parceria ent re seres hum anos a u t ô n o m o s. A p r o p o st a é en v o l v er o su j ei t o d a p e sq u i sa n u m p r o ce sso , a t r a v é s d o q u a l t o m a conhecim ento do propósito do pesquisador, à luz desse conhecim ent o decide livrem ent e part icipar ou não da pesquisa, t endo o conhecim ent o pleno dos r iscos e benefícios decorrent es de sua part icipação. I sso não si g n i f i ca q u e se j a u m t e r m o d e i se n çã o d e responsabilidade do pesquisador cont ra processos de im per ícia, im pr udência e negligência, m as, sim , de g ar an t ir q u e o p esq u isad or aj a et icam en t e, p ar a pr ot eger o suj eit o da pesquisa na sua dignidade e int egridade( 21).
Vale r essalt ar q u e a p r eocu p ação com as
pessoas que são sor oposit ivas para o HI V, t am bém p r op iciou a elab or ação d e m ed id as v olt ad as p ar a p r eser v ar os d ir eit os d essas p essoas at r av és d a elabor ação da Declar ação de com pr om isso sobr e o HI V/ SI DA.
Assim , o que se dev e fazer são iniciat iv as par a um a m udança de post ur a dos pesquisador es, um a vez que m ant êm , ainda, resíduos evident es das r elações d os p r of ission ais d e saú d e p ar a com os pacient es, fundam ent adas, pr incipalm ent e no poder aut orit arist a de m uit os dos profissionais que cuidam e no pat ernalism o.
CONSI DERAÇÕES FI NAI S
Diant e dessas reflexões, faz- se necessário a i n se r çã o d a é t i ca n o co t i d i a n o , n o r t e a n d o a s at iv idades, sej a r ealizan do ações v olt adas par a o cuidado de pacient es sor oposit iv os, sej a no ensino o u n a s p e sq u i sa s, p o i s a co n sci ê n ci a é t i ca n a sociedade torna as pessoas e trabalhadores m elhores. Co n si d er an d o , en t ão , a ét i ca u m esp aço m u lt id iscip lin ar q u e en v olv e a ár ea d a saú d e, os pesqu isador es dev em se apr opr iar dessa r ef lex ão é t i ca , p a r a n o r t e a r o d e se n v o l v i m e n t o d e su a s pesquisas, que t em o int uit o de favorecer um a vida com m ais qualidade.
A globalização e as m udanças no m undo atual g e r a r a m v á r i o s a g r a v o s à p o p u l a çã o , e m co n t r a p a r t i d a i n ce n t i v o u a p r o p a g a çã o d o conhecim ent o e das necessidades de um r epensar q u e v alor ize o cu id ad o e a ét ica p ar a com o ser hum ano e t udo que t em vida.
Ao se reportar à ética voltada para o cuidado do port ador do HI V/ AI DS, const at a- se a im port ância do cuidar ét ico dessas pessoas, t endo em v ist a as suas particularidades e a sua estigm atização, por parte d a so ci e d a d e . Po r e n t r a r e m q u e st õ e s m u i t o part iculares e m uit o polêm icas, criou- se o código de ética para esses pacientes, com o intuito de respeitá-los e pôr em prát ica o cuidado ét ico.
REFERÊNCI AS BI BLI OGRÁFI CAS
1. Boff L. Et hos Mundial. Rio de Janeiro ( RJ) : Sext ant e; 2003. 2. Waldow VR. O Cuidado Hum ano: o resgat e necessário. 2ª ed. Port o Alegre: Edit ora Sagra Luzzat t o; 1999.
3. Boff L. Ét ica e Moral: a busca dos fundam ent os. Pet rópolis ( RJ) : Vozes; 2003.
4. Boff L. Princípios de Com paixão e Cuidado. Pet rópolis ( RJ) : Vozes; 2 0 0 0 .
5 . Ol i v ei r a MLC. Co m i t ês d e Ét i ca : p esq u i sa em ser es hum anos no Brasil. Rev Bras Enferm agem 1999 abril/ j unho; 5 2 ( 2 ) : 1 8 9 - 9 4 .
8 . Si l v a AL. Cu i d a d o Tr a n sd i m en si o n a l : u m p a r a d i g m a em er gent e. Pelot as: Edit or a Univ er sit ár ia UFPEL; 1999. 9 . St r eck DR, Or g an izad or. Pau lo Fr eir e: ét ica, u t op ia e educação. 5ª ed. Pet rópolis ( RJ) : Vozes; 2002.
10. Sandala MLA. Cuidar de pacient es com AI DS: o olhar fenom enológico. São Paulo ( SP) : Edit ora UNESP; 2000. 1 1 . Lu n ar di VL. A ét ica com o o Cu idado de si e o poder past or al na Enfer m agem . Pelot as ( RS) : Edit or a da UFPel; 1 9 9 9 .
1 2 . Be n j u m e a CC. Cu i d a d o Fa m i l i a r e m Co n d i ci o n e s Crônicas: um a aproxim ación a la lit erat ura. Text o Cont ext o Enfer m agem 2004 j aneir o/ m ar ço; 13( 1) : 137- 46.
1 3 . Pr aça NS, Gu alda DMR. Risco de in f ecção p elo HI V: com o m ulheres m oradoras em um a favela se percebem na cadeia de t ransm issão do vírus. Rev Lat ino- am Enferm agem 2003 j aneir o/ fev er eir o; 11( 1) : 14- 20.
14. Zaj dsznaj der L. Ser ét ico no Brasil. Rio de Janeiro ( RJ) : Gr y phus; 2 0 0 1 .
15. Boff L. Saber cuidar: ét ica do hum ano: com paixão pela. Pet r ópolis ( RJ) : Vozes; 1999.
1 6 . Bar r oso MGT. Cu id ad o Hu m an o, Ét ica e Tecn olog ia: reflexão t eórica. Rev Cogit are em Enferm agem , 2000 j ulho/ dezem br o; 5( 2) : 40- 2.
17. ONUSI DA. I nfor m e sobr e la epidem ia m undial de Sida 2004: cuar t o infor m e m undial. Genebr a: ONUSI DA; 2004. 1 8 . Ken n et h RC Jú n ior. Pr ev en ção de HI V/ AI DS: desafios m ú lt ip los. Rev Div u lg ação em Saú d e p ar a Deb at e 2 0 0 3 agost o; 2 7 : 7 0 - 8 0 .
1 9 . Ber lin ger G. Qu est ões de v ida: ét ica, ciên cia, saú de. Londr ina ( PR) : APCE; 1991.
20. Durham JD, Cohen FL. A Enferm agem e o aidét ico. São Paulo ( SP) : Manole; 1989.
21. Mart in LM. O prot ocolo de pesquisa. Cadernos de Ét ica em pesquisa. Brasília ( DF) : Com issão Nacional de Ét ica em Pesq u isa ( CONEP) ; 2 0 0 2 .