• Nenhum resultado encontrado

Mana vol.4 número1

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Mana vol.4 número1"

Copied!
29
0
0

Texto

(1)

O s a n os com p re e n d id os e n tre 1935 e 1938, q u a n d o Lé vi-Stra u ss é p ro-fe ssor n a re cé m -cria d a Un ive rsid a d e d e Sã o Pa u lo, n ã o p a re ce m te r d e s-p e rta d o a a te n çã o d os in té rs-p r e te s e h istoria d or e s d a s ciê n cia s socia is d u ra n te lon g o p e ríod o. É, d e fa to, a p a rtir d a d é ca d a d e 80 q u e se ob se r-va u m a e sp é cie d e re sg a te d e ssa h istória a té e n tã o “ e sq u e cid a ” . A m orte d e Fe rn a n d Bra u d e l e a volta d e C la u d e Lé viStra u ss a o Bra sil, in te g ra n -d o a com itiva -d o p re si-d e n te M itte rra n -d , e m 1985, sã o re sp on sá ve is p or u m a sé rie d e a rtig os, n o Bra sil e n a Fra n ça , a rticu la n d o os d ois p e rson a -g e n s e ta n tos ou tros q u e in te -g ra ra m a m issã o fra n ce sa e m Sã o Pa u lo, n a d é ca d a d e 30: Pie r re M on b e ig , J e a n M a u g ü é , Pa u l Arb ou sse -Ba stid e , Rog e r Ba stid e e tc. De sd e e n tã o, n ã o fora m p ou ca s a s p u b lica çõe s, e ve n tos com e m ora tivos, d e p oim e n tos e e n sa ios q u e a ssin a la ra m a im p ortâ n cia d o Bra sil n a tra je tória e n a ob ra d e sse s (ou trora ) jove n s q u e se in icia -ra m p rofission a lm e n te e m solo b -ra sile iro p or m e io d e a u la s e p e sq u isa s1. Se m p re te n d e r re tom a r n os lim ite s d e ste a rtig o a h istória d a m issã o fra n ce sa con vid a d a a in a u g u ra r a s a tivid a d e s u n ive rsitá ria s e m Sã o Pa u -lo, o m e u in te re sse a q u i é ilu m in a r o p e ríod o b ra sile iro d e Lé vi-Stra u ss e m ostra r com o a p e sa r d e b re ve e , d e m od o g e ra l sile n cia d o, e le foi fu n d a -m e n ta l p a ra os d e sd ob ra -m e n tos d e su a fu tu ra ca rre ira co-m o e tn ólog o2. A id é ia b á sica é com p re e n d e r o lu g a r d o Bra sil n e sse itin e rá rio e sp e cífico. M a s n ã o só. De m od o a a m p lia r a re fle xã o, d e sta ca re i a lg u n s a sp e ctos p a ra q u e p ossa m os a va lia r o sig n ifica d o d a vin d a d e Lé vi-Stra u ss a o Bra sil n o con te xto fra n cê s d a é p oca , e m u m a te n ta tiva d e le itu ra d a via g e m p e los olh os d o via ja n te . Fin a lm e n te , a re tom a d a d a ce n a u n ive rsitá ria p a u lista e m se u s p rim órd ios, a tra vé s d e Lé vi-Stra u ss, ofe re ce p ista s in te re ssa n te s p a ra p e n sa rm os os con torn os a ssu m id os p e la s ciê n cia s socia is e m g e ra l, e p e la a n trop olog ia e m p a rticu la r, n a Un ive rsid a d e d e Sã o Pa u lo.

LÉVI-STRAUSS N O BRASIL:

A FORMAÇÃO DO ETN ÓLOGO

(2)

A viagem

É n a Fra n ça q u e Lé vi-Stra u ss fa z su a form a çã o e scola r: p rim e iro e m Ve r-sa lh e s, d e p ois e m Pa ris, on d e p e rm a n e ce a té o b accalau ré at. A École N

or-m ale S u p é rie u re , or-m e ta d e ce rta e lite in te le ctu a l fra n ce sa , e stá n o h

orizon te d e Lé viStra u ss, q u e se in scre ve n o cu rso p re p a ra tório p a ra os e xa -m e s (h y p ok h âg n e ) d o lice u C on d or ce t. As d ificu ld a d e s co-m o g r e g o e com a m a te m á tica , d iz e le , fa ze m -n o op ta r p e lo Dire ito, n a Fa cu ld a d e d e Pa ris, e , sim u lta n e a m e n te , p e la filosofia , n a Sorb on n e . Ap ós a ag ré g

a-tion , e m 1931, cu m p re se rviço m ilita r e m Estra sb u rg o e n o M in isté rio d a

G u e rra . Re cé m ca sa d o, a ssu m e o p osto d e p rofe ssor n o lice u M on td e -M a rsa n , e m 1932.

O p e ríod o e scola r d e Lé vi-Stra u ss e ste ve forte m e n te m a rca d o p e la m ilitâ n cia p olítica : foi se cre tá rio d o g ru p o d e e stu d a n te s socia lista s d a s cin co e scola s n orm a is su p e riore s (e m b ora n ã o fosse n orm alie n ) e se cre tá -rio-g e ra l d a Fe d e ra çã o d os Estu d a n te s Socia lista s. N os a n os a n te rior e s à

ag ré g ation , ch e g ou a se r se cre tá rio d e G e org e s M on n e t, d e p u ta d o socia

-lista . J á ag re g é e m filosofia e p r ofe ssor d o cu rso se cu n d á rio, a p olítica con tin u ou a te r g ra n d e e sp a ço e m su a vid a . Em M on t-d e -M a rsa n , p or e xe m p lo, ca n d id a tou -se p or oca siã o d a s e le içõe s m u n icip a is (Erib on e Lé vi-Stra u ss 1990).

A n om e a çã o se g u in te é p a ra La on , on d e p e rm a n e ce p ou co m a is d e u m a n o com o p rofe ssor, e m b ora re sid in d o e m Pa ris, on d e p rosse g u e com a s a tivid a d e s p olítica s. N o in ício d e 1935 ve m p a ra o Bra sil com Fe r n a n d Bra u d e l, J e a n M a u g ü é , Pie rre M on b e ig e ou tros, in te g ra n d o a se g u n d a le va d e p rofe ssore s fra n ce se s con tra ta d os p e la Un ive rsid a d e d e Sã o Pa u -lo. O con te xto d a vin d a p a ra o Bra sil foi vá ria s ve ze s d e scrito p or Lé vi-Stra u ss e m d e p oim e n tos e tra b a lh os d e cu n h o a u tob iog rá fico. As ve rsõe s sã o con cord a n te s e lid a s e m con ju n to p e rm ite m u m a visã o d e ta lh a d a d o ocorrid o.

“ M in h a ca rre ira se d e cid iu n u m d om in g o d e ou ton o d e 1934, à s 9 h ora s d a

m a n h ã , a tra vé s d e u m te le fon e m a . Era C é le stin Bou g lé , e n tã o d ire tor d a

Éco-le N orm a Éco-le Su p é rie u re ; e Éco-le m e tra ta va d e sd e a lg u n s a n os com u m a b e n e

vo-lê n cia u m p ou co lon g ín q u a e re tice n te : e m p rim e iro lu g a r, p orq u e e u n ã o

tin h a sid o ‘n orm a lista ’, e m se g u id a e sob re tu d o p orq u e , m e sm o q u e o tive

sse sid o, n ã o p e rte n ce ria a o sse u g ru p o, p e lo q u a l e le m a n ife sta va sse n tim e n

-tos m u ito e xclu sivos; se m d ú vid a , n ã o h a via n in g u é m m e lh or, p ois m e p e

r-g u n tou a b ru p ta m e n te : — con tin u a com a in te n çã o d e se e sp e cia liza r e m

(3)

ro-fe ssor d e sociolog ia d a Un ive rsid a d e d e Sã o Pa u lo. O s a rra b a ld e s e stã o

re p le tos d e ín d ios, o se n h or p od e rá d e d ica r-lh e s os se u s fin s d e se m a n a ”

(Lé vi-Stra u ss 1957:43).

As p a la vra s u m ta n to irôn ica s d irig id a s a Bou g lé n e sta p a ssa g e m d os a n os 50 se rã o a te n u a d a s e m fin s d e 80. Afin a l, foi Bou g lé q u e m se d isp ôs a orie n ta r o m é m oire d ’é tu d e s su p é rie u re s d o jove m Lé vi-Stra u ss, q u e p re te n d ia d iscorre r sob re os p ostu la d os filosóficos d o m a te ria lism o h istó-rico. Porta n to, e ra n a tu ra l q u e con h e ce sse a s a sp ira çõe s d e se u orie n ta n-d o e m se torn a r e tn ólog o (Erib on e Lé vi-Stra u ss 1990:25-26).

A e tn olog ia n os a n os 30 a d q u ire ce rta visib ilid a d e n o m e io in te le c-tu a l fra n cê s, a tra in d o fig u ra s d e form a çõe s d istin ta s, d e filósofos a e scri-tore s. E o ca m in h o m a is a con se lh á ve l p a ra u m ca n d id a to a e tn ólog o q u e n ã o h ou ve sse fre q ü e n ta d o os cu rsos d e M a rce l M a u ss n a École Pratiq u e

d e s H au te s Étu d e s e ra u m a via g e m , u m a e xp e riê n cia d e tra b a lh o d e ca m

-p o. A va g a d e -p rofe ssor d e sociolog ia -p a re cia , e n tã o, u m b om -p re te xto p a ra o jove m filósofo q u e d e se ja va in icia r-se n o ofício, m e sm o q u e e ste só p u d e sse se r e xe rcita d o n os fin a is d e se m a n a ou d u ra n te a s fé ria s e scola re s, já q u e a USP e xig ia , con tra tu a lm e n te , d e d ica çã o e xclu siva à d ocê n -cia .

Pa ra a lé m d a s q u e stõe s p e ssoa is e n volvid a s e m tod a e scolh a , a op çã o p e lo Bra sil d e ve se r e n te n d id a n o con te xto in te le ctu a l d a é p oca , e m q u e o le q u e d e ofe rta s p a ra u m jove m a sp ira n te a e tn ólog o n a Fra n ça in d ica -va p ou cos ca m in h os. M om e n to d e forta le cim e n to d a d iscip lin a e m m ol-d e s a ca ol-d ê m icos e ol-d e p rofission a liza çã o ol-d e se u s p ra tica n te s, a ol-d é ca ol-d a ol-d e 30 con h e ce o in cre m e n to d e a lg u m a s voca çõe s (o a frica n ism o, p or e xe m -p lo) e o su rg im e n to, a in d a tím id o, d e ou tra s (o a m e rica n ism o). O lh e m os m a is d e p e rto p a ra a ce n a fra n ce sa d o p e ríod o, e p a ra a m a n e ira com o Lé vi-Stra u ss va i a o p ou cos se e n ca ixa n d o n e la , a n te s d e p roce d e rm os a o a com p a n h a m e n to d e se u s p a ssos n o Bra sil.

A part ida: o cont ext o f rancês resumido

(4)

p or e xe m p lo, a socié té asiatiq u e (1822) e a socié té d e s am é rican iste s (1895). Isso se m m e n cion a r a s in form a çõe s e tn og rá fica s re g u la rm e n te tra -zid a s p or fu n cion á rios d a s colôn ia s fra n ce sa s, com o oficia is, m é d icos, m is-sion á rios, d e n tre ou tros (Ka ra d y 1988), ou , a in d a , a re fle xã o sob re o “ p ri-m itivo” q u e te ve lu g a r n a “ Socie d a d e d os O b se rva d ore s d o H ori-m e ri-m ” d o sé cu lo XVIII (C la str e s 1983; J a m in e C op a n s 1994). É e vid e n te q u e n a b u sca d a s “ orig e n s” p od e ría m os re troce d e r a in d a m a is e ch e g a r a os via -ja n te s q u e d e sd e o sé cu lo XVI trou xe ra m in form a çõe s va liosa s sob re os p ovos p rim itivos e os p a íse s e xóticos. M a s o ob je tivo a q u i n ã o é p e n sa r a e tn olog ia d e m od o g e ra l, ra stre a n d o a s su a s ra íze s, e sim re u n ir a lg u n s e le m e n tos q u e n os p e rm ita m p e n sa r a su a e stru tu ra çã o com o d iscip lin a a ca d ê m ica org a n iza d a in stitu cion a lm e n te n a Fra n ça .

De sd e o fin a l d o sé cu lo p a ssa d o, o g ru p o d u rk h e im ia n o a u m e n ta o se u p re stíg io n a s ciê n cia s socia is fra n ce sa s. É o q u e se ve rifica , p or e xe m -p lo, -p e la a m -p lia çã o d e se u e s-p a ço d e a tu a çã o d e n tro e fora d a u n ive rsi-d a rsi-d e . M a is e sp e cifica m e n te , a p ós a cria çã o rsi-d o A n n é e S ociolog iq u e , e m 1898, o in te re sse p e la e tn olog ia a p a re ce d e m od o cla ro: é sig n ifica tivo o n ú m e ro d e a rtig os d e d ica d os a os p ovos p rim itivos e à lite ra tu ra e tn og rá -fica n a re vista , m u itos d e a u toria d o p róp rio Du rk h e im . Isso se m fa la r e m se u tra b a lh o d e cu n h o m a is a n trop ológ ico, Le s Form e s Élé m e n taire s d e

la V ie Ré lig ie u se (1912), e e m se u s fa m osos e n sa ios, “ La Proh ib ition d e

l’In ce ste e t se s O rig in e s” (1898) e “ De Q u e lq u e s Form e s Prim itive s d e C la ssifica tion : C on trib u tion à l’Étu d e d e s Re p ré se n ta tion s C olle ctive s” , e m p a rce ria com M a u ss (1903).

Em b ora o e n sin o oficia l d o M u se u d e H istória N atu ral e d a Escola

d e A n trop olog ia d e Paris p ossu ísse u m a m p lo ra io d e a çã o d e n tro e fora

d a Fra n ça , se rá com os cola b ora d or e s d e Du rk h e im q u e a d iscip lin a e n tra rá n o p rog ra m a u n ive rsitá rio fra n cê s, a p a rtir d a cria çã o d o In stitu t

d ’Eth n olog ie d a Un ive rsid a d e d e Pa ris, e m 1925, e p a ssa rá a e n g rossa r a s

file ira s d o Collè g e d e Fran ce , com a ca d e ira ocu p a d a p or M a u ss, e m 1935. É ve rd a d e q u e M a u ss, H u b e r t e H e rtz já h a via m g a ra n tid o u m e n sin o m a is e sp e cia liza d o e m a n trop olog ia n a École Pratiq u e d e s H au te s Étu

-d e s, p oré m se u s cu rsos e n con tra va m -se à m a rg e m -d os ciclos -d e e stu -d os

re g u la re s d a u n ive rsid a d e , n ã o con fe rin d o a o a lu n o u m ce rtifica d o, o q u e só ocorre rá a p a rtir d e 1925.

(5)

-n os (d e 1901 a 1911, o -n ú m e r o d e a lu -n os -n os cu rsos d e M a u ss va ria va e n tre 16 e 38, e n o cu rso d e H u b e rt, e n tre 10 e 29), n o In stitu to con sta va m 26 in scritos e m 1926 e 258 e m 1938. En tre 1926 e 1940, p or e xe m -p lo, 113 a lu n os fora m e n via d os a o ca m -p o (Ka ra d y 1988: 33)3.

Em re la çã o à p e sq u isa é im p orta n te le m b ra r q u e os a n os 30 a ssiste m à e n tra d a d a Fu n d a çã o Rock e fe lle r n o p a ís, fin a n cia n d o in ve stig a -çõe s, o q u e a n te rior m e n te e ra fe ito p or in icia tiva p riva d a e e sta ta l e m e sca la re d u zid íssim a (M a zon 1985). A a ju d a forn e cid a p e los n ovos re cu rsos a lte ra o p e rfil d a d iscip lin a e p e rm ite a re a liza çã o d a s p rim e ira s g ra n -d e s e xp e riê n cia s -d e ca m p o -d a a n trop olog ia fra n ce sa : a m issã o Da k a r-Dji-b ou ti (1931) e a m issã o Sa a ra -Su d ã o (1935).

A q u e stã o d o tra b a lh o e m p írico n a Fra n ça é p on to im p orta n te e con trove rso e n tre os h istoria d ore s d a d iscip lin a . A p e sq u isa d e ca m p o ocu -p ou , d e ce rta form a , lu g a r se cu n d á rio n a sociolog ia fra n ce sa a té os a n os 30, o q u e p od e se r e m p a r te e xp lica d o p e la p r oxim id a d e d a d iscip lin a com u m a ce r ta tra d içã o filosófica n o p a ís e ta m b é m p e la e sca sse z d e re cu rsos. Se a a fir m a çã o e m lin h a s g e ra is é ve r d a d e ira — Du rk h e im é sociólog o “ d e g a b in e te ” , a ssim com o Lé vy-Br u h l e M a u ss —, é p re ciso le m b ra r q u e ta l tra d içã o foi con sta n te m e n te con te sta d a , se ja p or M a u rice Le e n h a rd t ou p or Va n G e n n e p , se ja p e la e scola d e M a rce l G ria u le (C lif-ford 1988). M a s o cu rioso é q u e ta is p e sq u isa d or e s fora m for m a d os e orie n ta d os p a ra a p e sq u isa p e los m e stre s “ d e g a b in e te ” , com e xce çã o d e Va n G e n n e p q u e d e se n volve o se u tra b a lh o lig a d o à d iscu ssã o com os folclorista s sob re q u e stõe s d e cu ltu ra p op u la r (C u isin ie r e Se g a le n 1986). Se Le e n h a rd t é u m ca so p a rticu la r — já q u e re a lizou su a s p rim e ira s e xp e -riê n cia s d e ca m p o com o m ission á rio —, foi a a m iza d e com M a u ss e Lé vy-Bru h l q u e o in trod u ziu n a ca rre ira d e e tn ólog o. O s m e m b ros d a m issã o à África , p or su a ve z, fora m e m su a m a ioria a lu n os d e M a u ss, re fe rin d o-se com fre q ü ê n cia a os se u s con se lh os e cu rsos4.

As m issõe s fra n ce sa s à África tive ra m g ra n d e im p or tâ n cia n ã o só p orq u e p or se u in te rm é d io foi form a d a u m a g e ra çã o d e p e sq u isa d ore s, m old a n d o u m n ovo p e rfil d a e tn olog ia e m con te xto fra n cê s, m a s ta m b é m p orq u e in a u g u ra ra m u m a á re a te m á tica , u m a n ova “ voca çã o” : o a frica -n ism o.

(6)

C a m a rõe s e re g iã o e tíop e d e G od ja n (C a lta g iron e 1988). Em 1935, u m a n ova m issã o é org a n iza d a com o ob je tivo d e com p le ta r os d a d os e a s cole çõe s e tn og rá fica s re colh id os p e la m issã o Da k a rDjib ou ti: a m issã o Sa a ra -Su d ã o. G ria u le , n e sse m om e n to, re colh ia m a te ria l p a ra a con clu sã o d e se u tra b a lh o sob re a s m á sca ra s d og on (te se a p re se n ta d a e m 1937), e n q u a n to a lin g ü ista De b ora h Lifch itz re a liza va u m a in ve stig a çã o m a is siste m á tica sob re a lín g u a d og on e De n ise Pa u lm e , ju rista d e form a çã o, p e sq u isa va a org a n iza çã o socia l d o g ru p o. G ra ça s a u m a b olsa d a Fu n d a çã o Rock e fe l-le r e a o a p oio d e Rive t e Lé vy-Bru h l, a s p e sq u isa d ora s p rolon g a ra m su a e sta d a n o p a ís d og on p or m a is se is m e se s — d e m a rço a se te m b ro d e 1935. Este p e ríod o ficou con h e cid o com o a “ m issã o Pa u lm e -Lifch itz” e se ca ra c-te rizou p or u m tra b a lh o m a is in c-te n sivo q u e os a n c-te riore s (Du p u is 1987).

O a frica n ism o con h e ce u m su rto e xp a n sion ista n os a n os 30, e m b ora o in te re sse p e la África , com o sa b e m os, se ja m u ito a n te rior (Du ch e t 1977). Em 1931, q u a n d o é cria d a a S ocié té d e s A frican iste s, a cu riosid a d e p e la cu ltu ra a frica n a é com p a rtilh a d a p or se tore s m a is a m p los d a socie d a d e fra n ce sa . O s su rre a lista s, p or e xe m p lo, in corp ora m o a frica n o — e fe tiva -m e n te o “ ou tro” d e sve n d a d o p e la a n trop olog ia fra n ce sa — e -m su a críti-ca cu ltu ra l. O s e le m e n tos d o m u n d o n e g r o p a ssa m n e sse m om e n to a im p re g n a r a vid a p a risie n se — m ú sica , im p re n sa , e xp osiçõe s d e ob je tos a frica n os — e se torn a m fon te d e in sp ira çã o p a ra d ive rsa s ob ra s p rod u zi-d a s n o p e ríozi-d o (C lifforzi-d 1981).

A a p roxim a çã o d a e tn olog ia a o m u n d o d a s a r te s n a Fra n ça , d a d a p rin cip a lm e n te p e lo g ru p o su rre a lista , p rod u z u m a sé rie d e re su lta d os in te re ssa n te s, com o p or e xe m p lo a re vista Docu m e n ts, e d ita d a p or G e or-g e s Ba ta ille a p a r tir d e 1929, q u e d e d ica u m n ú m e r o in te iro à m issã o Da k a rDjib ou ti; ou o ca tá log o d a e xp osiçã o Le s A rts A n cie n s d e l’A m é

-riq u e , org a n iza d a p or G e org e s H e n ri-Riviè re e m 1928, p a ra o q u a l Ba ta

ille e scre ve “ L’Am é riq u e Disp a ru e ” . A p osiçã o a n ticolon ia lista d os su rre a -lista s m ob iliza o in te re sse p e los p ovos colon iza d os e le va vá rios d e se u s p a rtid á rios a e scre ve re m te xtos d e ca rá te r e tn ológ ico. M a s ta l p osiçã o, lon g e d e sig n ifica r a p e n a s u m a b a n d e ira p olítica — q u e ou tros ta m b é m le va n ta ra m —, te m u m se n tid o m a is p rofu n d o n o in te rior d a “ filosofia ” su rre a lista . Fe roze s e irre ve re n te s críticos d o p on to d e vista a n tr op ocê n -trico, os m e m b ros d o g ru p o com p a rtilh a m a con vicçã o a ce rca d a n e ce ssi-d a ssi-d e ssi-d e a m p lia çã o ssi-d a s fron te ira s ssi-d o h u m a n o. N e sse se n tissi-d o, o h om e m n ã o p od e ria m a is se r p e n sa d o se m os se u s “ ou tros” , se m os se u s “ d u p los” : os a n im a is, a s fig u ra s m on stru osa s, os p rim itivos (M ora e s 1996:109).

(7)

d e fe içã o su rre a lista q u e fa z a op çã o p e la e tn olog ia , e isto n ã o sig n ifica ru p tu ra s. Ao con trá rio, b a sta a com p a n h a rm os a p rod u çã o d o a u tor p a ra p e rce b e rm os q u e se u s livr os e tn ológ icos se e n con tra m p e r fe ita m e n te in te g ra d os a o con ju n to d e su a p rod u çã o (Pe ixoto M a ssi 1992). O in te re s-se p e la e tn olog ia , e le n ã o s-se ca n sa d e a firm a r, n a sce u com o su rre a lism o e re p re se n ta va a re b e liã o con tra o ra cion a lism o ocid e n ta l, q u e se tra d u -zia n a cu riosid a d e p e los p ovos p rim itivos e p e la “ m e n ta lid a d e p rim itiva ” (J a m in e Price 1988).

O a m e rica n ism o con h e ce d e se n volvim e n to d istin to n a Fra n ça . Em b ora org a n iza d o p re coce m e n te sob a form a d e u m a socié té sav an te — a S ocié té d e s A m é rican iste s é fu n d a d a e m 1895 —, n os a n os 30 é a in d a u m a á re a p ou co e xp lora d a , se n d o G e org e s H e n ri-Riviè re , d o M u se u d e

A rte s e Trad içõe s Pop u lare s, e Pa u l Rive t, d o M u se u d o H om e m , se u s

m a is d e sta ca d os re p re se n ta n te s.

A Socie d a d e d os Am e rica n ista s é cria d a com a a ju d a fin a n ce ira d o con d e d e Lou b a t, se u p re sid e n te d e h on ra , e te m com o d ire tor o p rofe s-sor E.-T. H a m y, d o M u se u d e H istória N atu ral. Se g u n d o os e sta tu tos, se u ob je to é o “ e stu d o h istórico e cie n tífico d o con tin e n te a m e rica n o e d e se u s h a b ita n te s d e sd e a s é p oca s m a is re m ota s a té os n ossos d ia s” . Se u s m e m -b ros e d ita m , d e sd e o p rim e iro a n o d e e xistê n cia d a Socie d a d e , u m a re vista cu jo con te ú d o a p re se n vista “ tod os os d ocu m e n tos p róp rios p a ra se con h e -ce r os p rog re ssos d a s ciê n cia s a m e rica n a s” . O a m e rica n ism o é d e fin id o p e los se u s p ra tica n te s com o u m a ciê n cia — q u e com p r e e n d e a s d ive rsa s d iscip lin a s m e n cion a d a s — volta d a p a ra o con h e cim e n to d a s Am é rica s, e cu ja q u e stã o ce n tra l, n orte a d ora d a s in ve stig a çõe s, d iz re sp e ito à s ori-g e n s a m e rica n a s.

(8)

istóri-ca s d os Tu p i-G u a ra n i; Je an Ve llard , q u e a ssin a e m 1934 o p rim e ir o d e u m a sé rie d e a rtig os sob re os G u a ya q u i; Jacq u e s S ou ste lle , q u e d ivu lg a su a s p e sq u isa s com a s p op u la çõe s m e xica n a s a p a r tir d e 1935; Lé v

i-S trau ss, a u tor d e u m lon g o a rtig o sob re os Bororo, e m 1936.

O lu g a r o cu p a d o p e lo Bra sil n o Jo u rn al a té os a n os 30 é b a st a n te d iscre to. Alé m d e p ou cos a rtig os — sob re tu d o in form a çõe s d e via g e n s —, o p a ís a p a r e ce com m a ior fre q ü ê n cia n a se çã o N ou v e lle s e t m é lan g e s

am é rican iste s, on d e sã o n oticia d os: via g e n s fe ita s e m te rritório b ra sile

iro, p a rte d a p rod u çã o d os m u se u s (M u se u Pa ra e n se e Pa u lista ), r e ce n -se a m e n tos p op u la cion a is e fa tos p olíticos. N o fin a l d a d é ca d a d e 20, -se rá Pa u l Rive t o p rin cip a l cron ista d a situ a çã o b ra sile ira n o â m b ito d a p u b li-ca çã o5. O s a n o s 3 0 , c om o v im o s, a ssist e m a u m m a ior n ú m e ro d e m is-sõe s e tn ológ ica s org a n iza d a s n a Fra n ça , o q u e p od e se r p e r fe ita m e n te a com p a n h a d o p e la le itu ra d o Jou rn al d e la S ocié té d e s A m é rican iste s. C om p a ra n d o, p oré m , a s in ve stig a çõe s re a liza d a s n a Ásia , África e Am é -r ica , fica e v id e n t e o p -re d o m ín io d o s e st u d os a f-rica n os n o p e -ríod o. As p op u la çõe s in scrita s e m te rritório b ra sile iro n e ssa é p oca sã o p ra tica m e n -te d e scon h e cid a s; é p ossíve l con ta r n os d e d os a s p e sq u isa s r e a liza d a s sob re e la s: e m 1929, J e a n Ve lla rd fa z u m a via g e m d o Rio d e J a n e iro a o Pa rá , a tra ve ssa o Ara g u a ia e re a liza u m e stu d o sob re os C a ra já ; e m 1936, Din a e C la u d e Lé vi-Stra u ss p a ssa m u m p e ríod o e n tr e os Bororo e , e m 1938, a com p a n h a d os p or Ve lla rd , re a liza m u m a visita a os ín d ios d o M a to G rosso6.

O Jou rn al d e la S ocié té d e s A m é rican iste s a com p a n h a os p a ssos d o jove m e tn ólog o. Em 1935, Rive t p u b lica a se g u in te n ota : “ M . C la u d e Lé vi-Stra u ss, p rofe ssor n a Fa cu ld a d e d e Le tra s, C iê n cia s e Arte s (sic) d e Sã o Pa u lo e su a m u lh e r fora m e n ca r re g a d os d e m issã o p e lo M in isté rio d e Ed u ca çã o N a cion a l p a ra e stu d a re m d e p e rto a lg u m a s trib os p ou co ou m a l con h e cid a s n o M a to G rosso. M . Lé vi-Stra u ss a p re se n tou a o con se lh o d a Un ive rsid a d e d e Sã o Pa u lo u m p roje to d e fu n d a çã o d e u m In stitu to d e An trop olog ia Física e C u ltu ra l” (Jou rn al d e la S ocie té d e s A m é rican iste s XXVII:475-476). N o m om e n to m e sm o e m q u e e sse com u n ica d o a p a re ce n a s p á g in a s d a p u b lica çã o, o n om e d e Lé vi-Stra u ss p a ssa a con sta r n a re la çã o d e m e m b ros d a Socie d a d e d os Am e rica n ista s.

Em 1936, Lé vi-Stra u ss p u b lica o se u p rim e ir o a rtig o n o Jou rn al: “ C on trib u tion à l’Étu d e d e l’O r g a n isa tion Socia le d e s In d ie n s Bor oro” (Tom o XXVIII). Tra ta -se d o p rim e iro re su lta d o d e su a s p e sq u isa s e d ita d o e m u m ve ícu lo d e re n om e in te rn a cion a l. C om e le , d e sloca -se d a se çã o

M é lan g e s, on d e e ra m d ivu lg a d a s a s su a s via g e n s p e lo Bra sil, e p a ssa a o

(9)

N o m e sm o a n o e volu m e , Sou ste lle a n u n cia a s “ n ova s p e sq u isa s n o Bra sil” :

“ N o com e ço d o m ê s d e m a rço volta m a Sã o Pa u lo M . e M m e . Lé vi-Stra u ss,

q u e e stive ra m e n tre os Ka d u ve o e os Bororo. Ele s e n con tra ra m a p rim e ira

p op u la çã o e m u m e sta d o d e d e g ra d a çã o a va n ça d o. De n tre 150 Ka d u ve os

a p roxim a d a m e n te , a p e n a s 20 d e sce n d e m d e p a i e m ã e ín d ios. En tr e ta n to,

su a cu ltu ra m a te ria l e in stitu içõe s p a re ce m te r con se rva d o u m a ce rta orig

i-n a lid a d e . Tota lm e i-n te d ife re i-n te é a situ a çã o d os Bororo, cu ja cu ltu ra m a te ria l

e in stitu içõe s se m a n tive ra m p ra tica m e n te in ta cta s. M . e M m e . Lé vi-Stra u ss

tive ra m a sorte d e a ssistir a u m n ú m e ro con sid e rá ve l d e ce rim ôn ia s q u e

p u d e ra m film a r e ce n tra ra m se u s e stu d os n a org a n iza çã o clâ n ica e n a s cla

s-se s m a trim on ia is” (Jou rn al d e la S ocié té d e s A m é rican iste s XXVIII:262).

N os a n os se g u in te s, Din a Lé vi-Stra u ss p u b lica d u a s n ota s in form a tiva s: a p rim e ira sob re a Socie d a d e d e Etn og ra fia e Folclore d o De p a rta -m e n to d e C u ltu ra d e Sã o Pa u lo (To-m o XXIX) e a ou tra sob re a “ -m issã o Ve lla rd -Lé vi-Stra u ss” , d e 1938 e 1939 (Tom o XXX).

(10)

No Brasil

Lé vi-Stra u ss ch e g a a o Bra sil e m 1935, a p ós te r tid o o se u n om e a p rova d o p or G e org e s Du m a s7, d e q u e m h a via sid o a lu n o e m Sa in tAn n e . A via -g e m é fe ita n a com p a n h ia d e J e a n M a u -g ü é , Fe r n a n d Bra u d e l, Pie r re M on b e ig e Din a , e tn ólog a e e sp osa d o jove m filósofo8. C la u d e Lé vi-Stra u ss d e ve ria ocu p a r a ca d e ira d e sociolog ia d a se çã o d e ciê n cia s socia is d a Fa cu ld a d e d e Filosofia , C iê n cia s e Le tra s, on d e se e n con tra va , d e sd e 1934, Pa u l Arb ou sse -Ba stid e .

Re ce p cion a d os p or J ú lio d e M e sq u ita n o ca is e m Sa n tos, os p rofe s-sore s fora m le va d os p rovisoria m e n te p a ra o H ote l Te rm id or, n o ce n tro d e Sã o Pa u lo. M a s “ com o g a n h a va m b e m , n ã o d e m ora ra m a e n con tra r u m loca l fixo d e m ora d ia . Lé vi-Stra u ss a lu g ou u m a ca sa n a r u a C in cin a to Bra g a , a p ou cos q u a rte irõe s d a a ve n id a Pa u lista ; Pa u l Arb ou sse m orou p rim e iro n a Av. Bra sil e d e p ois n o Brook lin ; M a u g ü é m a n te ve se h osp e -d a -d o n o H ote l Esp la n a -d a , p e rto -d o Te a tro M u n icip a l” (Sch a -d e n 1990).

N os d e p oim e n tos d os e x-a lu n os d a Fa cu ld a d e d e Filosofia d a USP, Lé vi-Stra u ss n ã o a p a re ce com o p rofe ssor d e sta ca d o, d ig n o d e re fe rê n cia e sp e cia l. Em g e ra l, fa la se d e le som e n te q u a n d o o se u n om e é m e n cio n a d o, a o con trá rio d e J e a n M a u g ü é ou d e Rog e r Ba stid e , se m p re le m b ra -d os q u a n -d o o te m a é a h istória -d a u n ive rsi-d a -d e e a m issã o fra n ce sa (M e l-lo e Sou za 1988). De q u a lq u e r m od o, a s re cord a çõe s sã o p ositiva s: “ Se g u ir se u s cu rsos e ra e vid e n te m e n te a lg u m a coisa d e e sp e cia l. A e xp osiçã o n ã o e ra viva m a s a s id é ia s, se m p re cla ra s. E e ra sob re tu d o a d m irá ve l a su a m a n e ira d e fa ze r tra b a lh a r e le r, com e xp osiçõe s, se m in á rios e d is-cu ssõe s. N ã o e ra u m h om e m con h e cid o, m a s h a via m u ita g e n te e m se u s cu rsos” (Sch a d e n ap u d Lin d on 1988). As a u la s e ra m d a d a s e m fra n cê s, já q u e Lé vi-Stra u ss n ã o ch e g ou a fa la r p ortu g u ê s (d iz Sch a d e n q u e lh e e n si-n a va p ortu g u ê s, e m troca d e liçõe s d e fra si-n cê s). Alé m d a s d iscu ssõe s e m sa la d e a u la , o p rofe ssor, se g u n d o se u s a lu n os, con vid a va os p e riod ica -m e n te p a ra u -m ch á e -m su a ca sa .

As re cord a çõe s d e Dé cio d e Alm e id a Pra d o su b lin h a m a p re ocu p a -çã o d o p rofe ssor com a ob se r va -çã o d ire ta e com a p e sq u isa d e ca m p o, p a ra a s q u a is orie n ta va os a lu n os:

“ Um d os p rim e iros tra b a lh os q u e n os d e u foi p roce d e r a u m a a n á lise socia l

d a cid a d e d e Sã o Pa u lo p or volta d e 1820, ta l com o a p a re ce n os d ocu m e n tos

d a é p oca , on d e e le id e n tificou q u a is e ra m e on d e os e n con tra ría m os. Pa ra o

cu rso q u e fe z sob re a s le is d o p a re n te sco n a s socie d a d e s p rim itiva s, e m ve z

(11)

á rvore s g e n e a lóg ica s in d ivid u a liza d a s. Forn e cia a s re g ra s socia is d o g ru p o e

in d a g a va com q u e m se ca sa ria d e te rm in a d a p e ssoa ” (Pra d o 1997).

Alé m d isso, in d ica Dé cio, a s a u la s d o m e stre fra n cê s p rim a va m p e la flu ê n cia , p e lo e n ca d e a m e n to se g u r o d o ra ciocín io: “ Se a lg u m a coisa a p re n d ía m os e ra ra ciocin a r. N ã o n os p e rd ía m os n e m m e sm o n a s se q ü ê n -cia s lon g a s, p or q u e e la s se a p r e se n ta va m b e m a r ticu la d a s, vía m os a s im b rica çõe s” (Pra d o 1997).

Ain d a q u e ocu p a sse a ca d e ira d e sociolog ia , os te m a s d e cu rso d e Lé vi-Stra u ss va ria va m se g u n d o u m a m p lo le q u e : d e sociolog ia p rim itiva à a n trop olog ia u rb a n a , p a ssa n d o p or lin g ü ística , e tn olin g ü ística e a n tr o-p olog ia física9. Essa va ria çã o, e n tre ta n to, n ã o u ltra p a ssa va os lim ite s d a a n trop olog ia . Um p rog ra m a d o a n o d e 1935 m ostra q u e a sociolog ia p e la q u a l Lé viStra u ss se in te re ssa va se re la cion a va d ire ta m e n te com o e stu -d o -d os p ovos p rim itivos. Tra ta va -se , se g u n -d o r e g istro -d os a n u á rios -d a Fa cu ld a d e , d e u m “ cu rso te m á tico sob re a s form a s e le m e n ta re s d a vid a socia l, com o ob je tivo d e a p re se n ta r n oçõe s su m á ria s sob re a loca liza çã o e os ca ra cte r e s d os p rin cip a is g r u p os socia is in voca d os e m sociolog ia com p a ra d a ” . O s p rin cip a is tóp icos a b ord a d os e ra m : “ sociolog ia d om é sti-ca (o sti-ca sa m e n to, a p roib içã o d o in ce sto, o p a re n te sco, a p olig a m ia , o clã , o m a tria rca d o); a sociolog ia e con ôm ica (a s form a s p rim itiva s d e socie d a -d e , o com u n ism o p rim itivo); sociolog ia p olítica (a s form a s p rim itiva s -d e g ove rn o e d e ju stiça ); sociolog ia re lig iosa (o tote m ism o); e u m tóp ico fin a l d iscu tin d o o e stu d o com p a ra tivo d os fe n ôm e n os socia is” . C om o b ib lio-g ra fia b á sica , q u a tr o clá ssicos: Le s Form e s Élé m e n taire d e la V ie Re

li-g ie u se , d e Du rk h e im ; Prim itiv e S ocie ty , d e Low ie ; L’État A ctu e l d u Pro-b lè m e Toté m iq u e , d e Va n G e n n e p ; e H istoire d u M arriag e , d e Wa ste

r-m a rck (A n u ário d a FFCL-US P 1936: 214,216)10.

O q u e ch a m a a a te n çã o n os p r og ra m a s d e cu rso d a d os p or Lé vi-Stra u ss n o Bra sil é q u e e le s con tê m , d e m od o con ce n tra d o, os te m a s sob re os q u a is e le irá tra b a lh a r a o lon g o d e su a ob ra : p a r e n te sco, tote m ism o, m itos. N o p e ríod o d e a p r e n d iza d o d e u m ofício, e le d e se n h a , d e ce r to m od o, u m u n ive rso d e p r e ocu p a çõe s te órica s e te m á tica s d o q u a l n ã o m a is se a fa sta rá .

(12)

n ova filosofia d o p rog re sso” . De 1938, m a is u m títu lo: “ O s p rob le m a s cria -d os p e lo e sta -d o a tu a l -d a e tn og ra fia su l-a m e rica n a ” . Em 1937, a s fon te s fa la m a lte rn a d a m e n te d e u m cu rso d e e xte n sã o u n ive rsitá ria e d e u m a con fe rê n cia sob re u m m e sm o te m a : “ O s con tos d e Pe rra u lt e su a sig n ifi-ca çã o sociológ iifi-ca ” . N e ste cu rso (ou con fe rê n cia ), Lé vi-Stra u ss d iscu te o sig n ifica d o d os con tos, m ostra n d o com o e stã o re p le tos d e p re ce itos re la -cion a d os a p ovos p rim itivos, a lg u n s já d e sa p a re cid os. C om o ob je tivo d e com p a ra r m itos e con tos, re fle te sob re a n a tu re za d os m itos p a ra os p ri-m itivos (A n u ário d a FFCL-US P 1937-1938:72-73).

Se g u in d o os ra stros d e ixa d os p or Lé vi-Stra u ss d u ra n te os trê s a n os p a ssa d os n o Bra sil, é p ossíve l e n con tra r a lé m d o p rog ra m a d e cu rso e d a s con fe rê n cia s m e n cion a d a s, a lg u n s a rtig os p u b lica d os e m re vista s e jor-n a is e sp e cia liza d os. Um d os p rim e iros foi e d ita d o jor-n a Re v ista d o A rq u iv o

M u n icip al, n o a n o d e 1935, sob o títu lo: “ O C u b ism o e a Vid a C otid ia

-n a ”11. Ta l a rtig o p od e ca u sa r e sp a n to a os m a is d e sa visa d os, m a s n ã o d e s-toa , d e m od o a lg u m , d a b iog ra fia e d a p rod u çã o d e Lé vi-Stra u ss. Bisn e to d e m ú sico, filh o e sob rin h o d e p in tore s, Lé vi-Stra u ss cre sce u e m u m m e io in tim a m e n te lig a d o à s a rte s. Este con ta to se rá re força d o p e la in te n sa con -vivê n cia com os su rre a lista s d u ra n te a g u e rra , e m N ova Iorq u e , e con tin u a rá p e lo re sto d e su a vid a . M a x Ertin st, Atin d ré Bre totin e Pa trick Wa ld e b e rg , com o e le a firm a e m vá ria s oca siõe s, torn a ra m se re la çõe s p e rm a -n e -n te s. Se o i-n te re sse p e la s a rte s p od e se r p i-n ça d o e m p a rte sig -n ifica tiva d a p rod u çã o d o a u tor (e m La Pe n sé e S au v ag e , n a s M ith olog y q u e s, e m

La Voie d e s M asq u e s, e m Le Re g ard Eloig n é e e e m vá rios ou tros tra b a

-lh os), e le p a ssa à ce n a p rin cip a l e m p u b lica çã o m a is re ce n te , Re g ard e r,

Écou te r, Lire (1993). O a rtig o d e ju ve n tu d e n ã o te m com o p rop ósito a a n á

-lise d a p rod u çã o cu b ista , n e m d e se u s ilu stre s re p re se n ta n te s; q u e r d e s-ta ca r a im p ortâ n cia d o m ovim e n to n a con str u çã o d e u m n ovo olh a r, d e u m a n ova visã o d e m u n d o. M ostra o a u tor com o o cu b ism o in filtrou -se n o cotid ia n o, n a p u b licid a d e e n a a r q u ite tu ra m od e r n a (Lé vi-Stra u ss 1935a ).

(13)

-çõe s a rtística s n a cion a is — p op u la re s e e ru d ita s —, com o crítico a tu a n te n a s p á g in a s d os p e riód icos loca is, e ta m b é m com o p e sq u isa d or d o folclo-re e d a e sté tica a fro-b ra sile ira . C om p a ra n d o os p ron u n cia m e n tos e os e scritos sob re a rte d os trê s p rofe ssore s, G ild a d e M e llo e Sou za (1990) a ssi-n a la q u e se M a u g ü é e Lé vi-Stra u ss p e rm a ssi-n e ce ra m e u rop e u s, a p e sa r d o p e ríod o b ra sile iro, Ba stid e a b ra sile irou -se . Se g u n d o a e x-a lu n a , e n q u a n to os d ois p rim e iros fa la va m d e p in tu ra te n d o com o re fe rê n cia e xclu siva a Eu rop a , Ba stid e d e b ru çou -se sob re a re a lid a d e b ra sile ira , e m u m e sforço d e com p re e n sã o d e u m p a ís se m tra d içã o cu ltu ra l forte . N e sse se n tid o, te ria sid o Ba stid e o ú n ico d os trê s a e la b ora r u m a “ e sté tica p ob re ” .

O u tro a rtig o d e Lé vi-Stra u ss, ta m b é m d e 1935, “ Em Prol d e u m In s-titu to d e An trop olog ia Física e C u ltu ra l” , é p u b lica d o n a m e sm a Re v ista

d o A rq u iv o M u n icip al. C om o o p róp rio títu lo in d ica , tra ta se d a a p re se n

-ta çã o d e u m p roje to d e cria çã o d e u m In stitu to d e An trop olog ia Física e C u ltu ra l q u e , se g u n d o Lé vi-Stra u ss, d e ve ria se r u m lu g a r r e se rva d o à p e sq u isa a n trop ológ ica d e n tro d a u n ive rsid a d e , n os m old e s d os g ra n d e s in stitu tos e stra n g e iros. As p e sq u isa s n a s á re a s d e a n trop olog ia física e cu ltu ra l — e sta ú ltim a d e ve ria se r a in d a m a is d e se n volvid a n o In stitu to, p orq u e m a is re ce n te —, p e n sa d a s d e m od o a rticu la d o, p e rm itiria m a e la -b ora çã o d e u m “ G ra n d e Fich á rio An trop ológ ico Am e rica n o” . Fe ito isso, o In stitu to e sta b e le ce ria , a p a rtir d a cla ssifica çã o d e ca d a rito, cre n ça ou té cn ica , u m g ra n d e “ Atla s” , “ n o q u a l m a p a s d o con tin e n te a m e rica n o m ostra ria m a s zon a s d e d istrib u içã o e a s va ria çõe s d e d e n sid a d e ” (Lé vi-Stra u ss 1935b :251-256)12.

Alg u m a s b re ve s ob se rva çõe s p od e ria m se r fe ita s a o fin a l d a le itu ra d o p roje to a p re se n ta d o p or Lé vi-Stra u ss. In icia lm e n te , n ota -se q u e p e la p rim e ira ve z e le toc a n a q u e st ã o r a cia l, p o n t o q u e irá d e se n volve r n o cé le b re Raça e H istória (1950), e q u e con stitu i u m p rob le m a fu n d a m e n -ta l p a ra o p e n sa m e n to socia l b ra sile iro d o p e ríod o, ob je to p rivile g ia d o d a s p e sq u isa s cie n tífica s d a é p oca . O cu rioso é q u e o fa ça e n fa tiza n d o o e stu d o d os ca ra cte re s físicos d os n e g ros e d os m e stiços: a m e stiça g e m ofe re ce ria u m a p ossib ilid a d e ú n ica p a ra o e stu d o d a s le is d e h e re d ita -rie d a d e d o h om e m . N e sse con te xto, cita , in clu sive , a “ ob ra a d m irá ve l” d e Roq u e tte -Pin to.

Em se g u n d o lu g a r, d e sta ca -se n o te xto a id é ia d a a r ticu la çã o e n sin o e p e sq u isa , d a form a çã o d e p e sq u isa d ore s com e xp e riê n cia p rá tica e cu rsos in te rd iscip lin a re s. N ã o se ria e xa g e ra d o d ize r q u e ta l p la n o, p re coce -m e n te e la b ora d o, se re a lizou , d e for-m a d istin ta e vid e n te -m e n te , a n os -m a is ta rd e , n o C ollè g e d e Fra n ce , q u a n d o d a cria çã o d o Lab oratoire d ’A n th

(14)

-p a ra d os: o Bra sil d e ve ria se r in ve stig a d o n o con te xto a m e rica n o, já q u e “ a Am é rica e m g e ra l, e a Am é rica d o Su l e m p a rticu la r forn e ce ra m a lg u -m a s d a s -m a is ilu str e s civiliza çõe s d a h istória , fora -m o ca d in h o on d e se m istu ra ra m a lg u m a s d a s m a is im p or ta n te s cor re n te s cu ltu ra is” (Lé vi-Stra u ss 1935b :256).

Do a n o d e 1936, con sta m trê s a rtig os d e Lé vi-Stra u ss: “ C on trib u içã o p a ra o Estu d o d a O rg a n iza çã o Socia l Bororo” , p u b lica d o n a Re v ista d o

A rq u iv o M u n icip al; “ En tre os Se lva g e n s C iviliza d os” , q u e a p a re ce u e m O Estad o d e S . Pau lo e “ O s M a is Va stos H orizon te s d o M u n d o” , in te g ra n d o

os A n u ários d a Facu ld ad e d e Filosofia, Ciê n cias e Le tras d a US P. O e n sa io sob re os b ororo é con sid e ra d o p or Lé vi-Stra u ss o ú n ico te xto re le va n te d e su a p rod u çã o b ra sile ira , a in d a q u e , se g u n d o e le , e stive sse m a is p róxim o d o jorn a lism o d o q u e d a e tn olog ia . Foi g ra ça s a e sse tra b a lh o, p u b lica d o n o m e sm o a n o n o Jou rn al d e la S ocié té d e s A m é rican iste s, se g u n d o e le , q u e su a p oste rior id a p a ra os EUA foi g a ra n tid a (Erib on e Lé vi-Stra u ss 1990:36). Em 1937, a Re v ista d o A rq u iv o M u n icip al d ivu lg a a ú ltim a cola -b ora çã o d e Lé vi-Stra u ss p a ra a p u -b lica çã o a n te s d e su a p a rtid a : u m a rti-g o irôn ico in titu la d o “ A Prop ósito d a C iviliza çã o C h a co-Sa n tia rti-g u e n se ”13. O te xto re la ta u m d e b a te q u e te ve in ício com u m a r e se n h a d e Lé vi-Stra u ss p a ra o jorn a l O Estad o d e S . Pau lo (11/ 4/ 1937) sob re o p rim e iro volu m e d a ob ra d os irm ã os Du ca n e Em ílio Wa g n e r, A Civ iliz ação Ch

aco-S an tiag u e n se e su as Corre laçõe s com as d o Ve lh o e d o N ov o M u n d o.

H á re fe rê n cia s a ou tros te xtos e con fe rê n cia s d e Lé vi-Stra u ss re a li-za d os n o Bra sil, n o Bole tim d a S ocie d ad e d e Etn og rafia e Folclore : u m a com u n ica çã o d e 1937 sob re “ Alg u m a s b on e ca s k a ra já ” , a p a rtir d e e xe m p la re s p or e le re colh id os n a re g iã o d o Ara g u a ia , G oiá s; e u m a con fe rê n -cia sob re “ A civiliza cã o m a te ria l d os ín d ios Ka d iu e u ” (sic). N ã o p a re ce e stra n h o Lé vi-Stra u ss te r p u b lica d o a m a ior p a rte d e se u s a rtig os e p a le s-tra s d a d é ca d a d e 30 n a Re v ista d o A rq u iv o M u n icip al e n o Bole tim d a

S EF. Ta n to a re vista q u a n to o b ole tim e ra m órg ã os oficia is d o De p a rta

(15)

A Socie d a d e , com o sa b e m os, te ve vid a cu r ta , e xtin ta ju n to com o De p a rta m e n to d e C u ltu ra p e la p olítica d o Esta d o N ovo, e m 1938. En q u a n to d u rou , foi e la o p rin cip a l vín cu lo d e Lé viStra u ss com o m e io in te -le ctu a l p a u lista . M e sm o a ssim , su a p a rticip a çã o n a in stitu içã o re su m iu -se a con fe rê n cia s e te xtos, ca b e n d o a Din a o tra b a lh o d e p e sq u isa , org a n i-za çã o e a sse ssoria e tn ológ ica . Eg on Sch a d e n , p or e xe m p lo, q u a se n ã o se le m b ra d e tê -lo visto n a s re u n iõe s p e riód ica s q u e se re a liza va m e m u m a sa la la te ra l d o Te a tro M u n icip a l. Se g u n d o e le , a p a rticip a çã o d os p rofe s-sore s fra n ce se s n a Socie d a d e d e Etn og ra fia e Folclore foi tím id a . Aí, foi Din a a g ra n d e a tu a n te .

“O Lévi-St rauss cont inua at rás dos índios” (Oneida Alvarenga, cart a de 13/ 8/ 38)

Em Sã o Pa u lo, le m b ra Lé vi-Stra u ss e m Triste s Tróp icos, p od ia -se fa ze r a “ e tn og ra fia d e d om in g o” , n ã o com os ín d ios, “ com o lh e h a via m p rom e ti-d o” , m a s com a le m ã e s, ja p on e se s e n e g ros. En tre ta n to, n a p rim e ira op or-tu n id a d e , o jove m p r ofe ssor sa i a n siosa m e n te e m b u sca d e a lg u n s d os “ e xe m p la re s in d íg e n a s” son h a d os. N o ve lh o Ford d e Re n é C ou rtin , p ro-fe ssor d e e con om ia n a USP e n tre 1937 e 1938, e n a com p a n h ia d e J e a n M a u g ü é , ch e g a a té a s m a r g e n s d o Ara g u a ia , e m u m a ca b a n a Ka ra já (Lé vi-Stra u ss 1957:119). M a u g ü é re la ta su a ve rsã o d o ocorrid o:

“ Éra m os jove n s a p e sa r d e tu d o. Era n a tu ra l q u e e u a ce ita sse com a le g ria a

p rop osta q u e fe z Lé vi-Stra u ss p a ra q u e e u o a com p a n h a sse n u m a via g e m

a os con fin s d e G oiá s p a ra te r con ta to com os ín d ios. Re n é C ou rtin d e via se

ju n ta r a n ós. ‘Ag r e g é ’ e m d ire ito e p rofe ssor n a fa cu ld a d e d e M on tp e llie r,

e le su ce d e u e m Sã o Pa u lo, Fra n çois Pe rrou x, e p a re cia tã o sim p le s e fe liz, a o

con trá rio d e se u p re d e ce ssor, ira scíve l e d ista n te . Ele tin h a u m a p a ixã o: a

ca ça . Esta va fa scin a d o p or Lé vi-Stra u ss. A id é ia d e q u e os in d íg e n a s p u d e

s-se m ob e d e ce r a re g ra s m a trim on ia is, à m a te m á tica m a is su til, d e ixa va m -n o

son h a d or [...]. Lé vi-Stra u ss log o com e çou a tra b a lh a r, se n ta d o sob re o m e

sm o solo q u e os in d íg e n a s, p rocu ra n d o se fa ze r e n te n d e r, la n ça n d o p e rg u n

-ta s, tom a n d o n o-ta s. Eu m e m a ra vilh a va ve n d o q u e e le p od ia d e cifra r g e stos

d os q u a is C ou rtin e e u n ã o p od ía m os p e g a r se n ã o o p itore sco” (M a u g ü é

1982:118-121, tra d u çã o m in h a ).

(16)

te rra s, fin a lm e n te , te ve o se u p rim e iro con ta to com os ín d ios, à s m a rg e n s d o rio Tib a g i. Poré m , p a ra d e ce p çã o d o e tn ólog o, “ os ín d ios Tib a g i n ã o e ra m n e m ‘ve rd a d e iros ín d ios’, n e m ‘se lva g e n s’” (Lé vi-Stra u ss 1957:160161). De p ois d e sse d é b u t, e sta va n osso e tn óg ra fo p re p a ra d o p a ra a ve n tu -ra s m a is ou sa d a s. Esta s ocor re m n o fin a l d o p rim e ir o a n o e scola r (1935/ 1936), q u a n d o e le e Din a visita m os Ka d ive u d a fron te ira p a ra g u a ia e os Bororo, n o M a to G r osso C e n tra l. Ta l via g e m va le u a o ca sa l Lé vi-Stra u ss su a p rim e ira e xp osiçã o e m Pa ris, n a s fé ria s e n tre 1936 e 1937, n a G a le ria Wild e n ste in . A m ostra d o m a te ria l re colh id o n o Bra sil foi fu n d a -m e n ta l p a ra a e n tra d a d e Lé vi-Stra u ss n o -m e io e tn ológ ico fra n cê s, co-m o e le fa z q u e stã o d e a firm a r: “ Eu p re cisa va fa ze r m in h a s p rova s d e e tn olo-g ia , p orq u e n ã o tin h a for m a çã o a lolo-g u m a . G ra ça s à e xp e d içã o d e 1936, con se g u i cré d itos d o M u se u d o H om e m e d a Pe sq u isa C ie n tífica , ou d o q u e a ca b a ria ch a m a n d ose a ssim . C om e sse d in h e iro, org a n ize i a e xp e -d içã o n a m b iq u a ra ” (Erib on e Lé vi-Stra u ss 1990:33-34)15.

A e xp e d içã o a té os N a m b ik w a ra foi or g a n iza d a d u ra n te o a n o d e 1937, e re a liza d a e m 1938. C om fin a n cia m e n to fra n cê s e b ra sile ir o, a id é ia e ra p a ssa r u m a n o n o ca m p o. De fa to, a e xp e d içã o in iciou -se e m m a io d e 1938, te rm in a n d o, tod a via , e m n ove m b ro d o m e sm o a n o. De la fize ra m p a rte , a lé m d o ca sa l Lé vi-Stra u ss, o m é d ico e e tn ólog o fra n cê s J e a n Ve lla rd e o a n tr op ólog o b ra sile ir o Lu is d e C a str o Fa ria , já q u e a s ord e n s oficia is e ra m d e q u e d e ve ria h a ve r p e lo m e n os u m b ra sile iro e m tod a e q u a lq u e r m issã o e stra n g e ira n o Bra sil. A ve rsã o d e C a str o Fa ria su b lin h a os p rob le m a s q u e a m issã o Ve lla rd / Lé vi-Stra u ss e n fre n tou com os órg ã os p ú b licos n o Bra sil, já q u e Lé vi-Stra u ss con tou com o p a trocín io d e Rive t, lig a d o a o Pa rtid o Socia lista fra n cê s, e q u e se torn a ra p e rson a

n on g rata n o Bra sil p or con ta d e ru m ore s d e q u e te ria d ifa m a d o o p a ís n a

Fra n ça (Fa ria 1984:229)16. Q u a n d o foi form a liza d o o p e d id o d e a u toriza -çã o, n ovos p rob le m a s su rg ira m , le m b ra C a stro Fa ria :

“ N e n h u m a e xp e d içã o e stra n g e ira p od ia p e rcorre r o Bra sil se m a u toriza çã o

d o C on se lh o d e Fisca liza çã o d a s Exp e d içõe s Artística s e C ie n tífica s, cria d o

d e sd e 1933 (d e cre tos n ú m e ros 22.698, d e 11 d e m a io, e 23.311, d e 31 d e ou tu

-b ro). H e loisa Al-b e rto Torre s, m e m -b ro d e sta ca d o d o C on se lh o e a m ig a d e

a m b os [d e Lé vi-Stra u ss e d e Rive t], e n fre n tou e ve n ce u a s re sistê n cia s,

a m p lia d a s p e lo fa to d e q u e o ou tro m e m b ro fra n cê s d a e xp e d içã o e ra ig u a

l-m e n te vítil-m a d e ru l-m ore s, col-m a le g a çõe s d e q u e h a via re ce b id o fa cilid a d e s

d o g ove rn o p a ra g u a io p a ra lá re a liza r e xp e d içõe s d e e stu d o e p u b lica ra u m

re la tório d e via g e m com in form a çõe s d e sa irosa s sob re o p a ís. A p re se n ça d e

(17)

O itin e rá rio d a m issã o (Se r ra d os Pa re cis, M a to G rosso), d e ve ria se g u ir os p ostos te le g rá ficos d a lin h a Ron d on . Din a Lé vi-Stra u ss r e su m e , e m ord e m cron ológ ica , os tra b a lh os:

“ 1) Prim e iro con ta to p rolon g a d o com os ín d ios N a m b ik w a ra , n a r e g iã o d e

Utia riti; 2) Visita e p e rm a n ê n cia n u m a a ld e ia n a m b ik w a ra n a re g iã o d e

J u ru e n a ; 3) C on ta tos d ive rsos com fra çõe s d o m e sm o g ru p o, e n tre J u ru e n a e

N a m b ik w a ra s; 4) N a re g iã o d os N a m b ik w a ra , con ta to p rolon g a d o com fra

-çõe s d o m e sm o g ru p o; 5) N a re g iã o d e Vilh e n a , con ta to p rolon g a d o com trê s

su b g ru p os N a m b ik w a ra ; 6) N o com e ço d e ou tu b ro, a e xp e d içã o ch e g a a

Pim e n ta Bu e n o. Visita u m g ru p o p e rte n ce n te à cu ltu ra G u a p oré , n ã o cla

ssi-fica d o d o p on to d e vista lin g ü ístico e re p re se n ta d o p or ce rca d e trin ta in d

iví-d u os; 7) Ap ós p e sq u isa s lon g a s e iví-d ifíce is, p e r m a n ê n cia n u m a a liví-d e ia Tu p i,

situ a d a a m e io ca m in h o e n tre Pre sid e n te H e rm e s e Pre sid e n te Pe n a . Este

g ru p o, m u ito p ob re e cu ltu ra lm e n te d e g e n e ra d o, foi e n tre ta n to ob je to d e

fru tífe ra e n q u ê te ; 8) N o fin a l d e n ove m b ro, a m issã o, te n d o ch e g a d o a Pre

si-d e n te Pe n a , e n con trou -se im p ossib ilita si-d a si-d e re tom a r a su a visi-d a n orm a l p a ra

o su l, e m ra zã o d a s ch u va s torre n cia is, d o e sta d o sa n itá rio d e se u s m e m b ros

e tc. Ela d e cid iu e n tã o a sa íd a p e lo n orte , e m d ire çã o a o rio M a d e ira , d e p ois

p a ra o oe ste e p a ra a Bolívia ” (Jou rn al d e la S ocié té d e s A m é rican iste s, Tom o

XXX:384-386).

A m issã o Lé viStra u ss visitou ta m b é m os Bororo e os ú ltim os re p re -se n ta n te s d os Tu p i-Ka g u a h ib d o rio M a ch a d o, con sid e ra d os d e sa p a re ci-d os, re la ta Lé vi-Stra u ss e m Triste s Tróp icos. Aí, fin a lm e n te , o e tn ólog o a lca n ça o m om e n to tã o e sp e ra d o. A via g e m r e a l cola -se p e la p rim e ira ve z à via g e m son h a d a , su p re e n d e n d o o via ja n te q u e a o re e n con tra r se u s a n te ce ssore s fe ch a u m ciclo: “ N ã o h á p e rsp e ctiva m a is e xa lta n te p a ra o e tn óg ra fo q u e a d e se r o p rim e iro b ra n co a p e n e tra r n u m a com u n id a d e in d íg e n a [...]. Eu re vivia , p ois, a e xp e riê n cia d os a n tig os via ja n te s [...]” (Lé vi-Stra u ss 1957:346).

De volt a à França

(18)

re la çã o d os a m e rica n ista s d a S ocié té , e n fim , re torn a à Fra n ça re con h e ci-d o n o m e io e tn ológ ico com o u m p rofission a l ci-d o ra m o. Diz e le : “ Um a n o d e p ois d a visita a os Bor oro, tod a s a s con d içõe s p a ra fa ze r d e m im u m e tn óg ra fo e sta va m sa tisfe ita s; b e n çã o d e Lé vy-Br u h l, d e M a u ss e d e Rive t, re troa tiva m e n te con ce d id a ; e xp osiçã o d e m in h a s cole çõe s e m u m a g a le ria d o b a irro d e Sa in t-H on oré ; con fe rê n cia s e a rtig os” (Lé vi-Stra u ss 1957:261).

O Bra sil re p re se n tou , p orta n to, u m m om e n to d e p a ssa g e m d e cisivo n a con stru çã o d e su a fu tu ra id e n tid a d e p r ofission a l. Se a n te s d e 1935, Lé vi-Stra u ss e ra u m p rofe ssor d e filosofia n o e n sin o se cu n d á rio fra n cê s com forte s vín cu los com a p olítica , a p a rtir d e 1938 tra n sform a -se e m u m a m e rica n ista com p e sq u isa s sob re ín d ios b ra sile iros, d e ixa n d o a m ilitâ n cia p olítica d e la d o, ou m e lh or, a m ilitâ n cia p olíticop a rtid á ria , p ois d u ra n -te tod a a su a vid a m a n -te ve in -te n sa a tivid a d e p olítico-a d m in istra tiva e a ca d ê m ica . Foi con se lh e iro cu ltu ra l ju n to à e m b a ixa d a fra n ce sa n os EUA, e n tre 1946 e 1948; a in d a n a Am é rica d o N orte , fu n d a com ou tros cole g a s a École Lib re d e s H au te s Étu d e s; m a n te ve -se lig a d o à UN ESC O d u ra n te a lg u m te m p o; d e volta a Pa ris d e p ois d a g u e rra , torn a -se su b d ire tor d o

M u sé e d e l’H om m e ; n os a n os 60, cria o Lab oratoire d ’A n th rop olog ie S o-ciale n o Collè g e d e Fran ce e a re vista L’H om m e .

N ã o a p e n a s a ca rre ira , m a s ta m b é m a ob ra d e Lé viStra u ss é d e ve -d ora -d a e xp e riê n cia b ra sile ira . A p rim e ira fa se -d e su a p ro-d u çã o a p óia -se e m m a té ria -p rim a ob tid a n o Bra sil, sob re tu d o o a rtig o sob re os Bororo e a te se sob re os N a m b ik w a ra , p u b lica d a e m 1948, La Vie Fam iliale e t S

ociale d e s In d ie n s N am b ik w ara. Se u s tra b a lh os p oste riore s, a in d a q u e re ú

n a m in form a çõe s e tn og rá fica s d e vá ria s r e g iõe s a m e rica n a s, fora m ta m -b é m -b e n e ficia d os p e la e tn og ra fia -b ra sile ira , q u e fu n cion a com o u m a e sp é cie d e p on to d e p a rtid a a p a rtir d o q u a l a ob ra se p roje ta . Pod e ría -m os d ize r q u e a ob ra e sp ira la r d e Lé vi-Stra u ss con té -m u -m -m ovi-m e n to p e rm a n e n te q u e se tra d u z n a in corp ora çã o d e n ovos ob je tos e q u e stõe s, e e m u m re torn o siste m á tico a a n tig os re su lta d os, a o com e ço — os Boro-ro, os N a m b ik w a ra . Ba sta olh a rm os os re su m os d e se u s cu rsos — a s p

aro-le s d on n é e s — a o lon g o d os a n os (Lé vi-Stra u ss 1986). É e xa ta m e n te n e

s-se s-se n tid o a a firm a çã o d e Vive iros d e C a stro (1993:152):

“ A e xp e riê n cia d e Lé vi-Stra u ss e n tre os N a m b ik w a ra é d e cisiva p a ra o

d e se n volvim e n to d a p rim e ira p a rte d o livro [As e stru tu ra s e le m e n ta re s d o

p a re n te sco, SEP], q u e e sta b e le ce o p rin cíp io d e re cip rocid a d e e a e le re m e te

o ca sa m e n to b ila te ra l. O s N a m b ik w a ra e os Tu p i-G u a ra n i já e sta va m n a

(19)

e n a s SEP a p a re ce m e xe m p lifica n d o a form a m ín im a d e troca m a trim on ia l, o

ca sa m e n to a vu n cu la r” .

Pe n sa n d o n a s re sson â n cia s d e su a e sta d a n o m e io in te le ctu a l p a u lis-ta , n ã o se p od e a firm a r q u e te n h a m sid o forte s: a lé m d a s já m e n cion a d a s cola b ora çõe s e m jorn a is e re vista s d e Sã o Pa u lo, re g istra se o se u e n g a -ja m e n to d iscre to n a S ocie d ad e d e Etn og rafia e Folclore . Su a e n tra d a n o Bra sil ocorre u , d e fa to, a p a rtir d a d é ca d a d e 60, com o re e xa m e d e tóp icos com o a org a n iza çã o d u a lista e n tre os p ovos d o Bra sil C e n tra l, n o in te -rior d o p r oje to H a rva rd / C e n tra l Bra zil (M a yb u r y-Le w is 1979) e , a n os d e p ois, com os e stu d os d o p a r e n te sco a m a zôn ico (Vive iros d e C a str o 1995).

O jove m ag re g é e m filosofia , d e p e rfil p a rticu la r — n ã fra n cê s, n ã on orm a lista , ju d e u e m ilita on te socia lista —, é ion d ica d o p or Bou g lé , d u r k h e im ia n o fe rvoroso, p a ra vir a o Bra sil com o p rofe ssor. Em vá rios m om e n -tos, Lé vi-Stra u ss a firm a q u e a e scolh a d e u m a p re n d iz d e e tn olog ia a ve s-so à tra d içã o d u rk h e im ia n a ch ocou -se d e im e d ia to com a s in te n çõe s d os con tra ta n te s p a u lista s, im e rsos n a in flu ê n cia com te a n a e d u rk h e im ia n a , e q u e d e se ja va m u m p rofe ssor d e sociolog ia h e rd e iro d e ssa tra d içã o:

“ Fu i p a ra o Bra sil p orq u e q u e ria se r e tn ólog o. Eu tin h a sid o con q u ista d o p e la

e tn olog ia e m re b e liã o con tra Du rk h e im , q u e n ã o e ra u m h om e m d e ca m p o,

a o p a sso q u e e u d e scob ria a e tn olog ia d e ca m p o a tra vé s d os in g le se s e d os

a m e rica n os. Eu e sta va p orta n to n u m a p osiçã o fa lsa . C h a m a ra m -m e p a ra p e

r-p e tu a r a in flu ê n cia fra n ce sa , r-p or u m la d o, e a tra d içã o C om te -Du rk h e im , r-p or

ou tro. Eu e sta va con q u ista d o n a q u e le m om e n to p or u m a e tn olog ia d e in sp

i-ra çã o a n g lo-sa xôn ica . Isto m e criou u m a sé rie d e d ificu ld a d e s” (Erib on e

Lé vi-Stra u ss 1990:31).

(20)

e scola sociológ ica fra n ce sa . Poste riorm e n te , com o b e m sa b e m os, Lé vi-Stra u ss n ã o ca n sa rá d e m e n cion a r o se u d é b ito in te le ctu a l e m re la çã o à p rod u çã o d u rk h e im ia n a e a d ívid a d a e tn olog ia p a ra com a ob ra d o m e s-tre fra n cê s (Lé vi-Stra u ss 1976).

O s p rob le m a s n ã o e xistia m a p e n a s e n tre os p atron s d a USP e os p ro-fe ssore s fra n ce se s, m a s e n tre os p róp rios m e m b ros d a m issã o. Alé m d a in e vitá ve l com p e tiçã o e n tr e jove n s e m in ício d e ca r re ira (M a u g ü é 1982:93-94; Erib on e Lé vi-Stra u ss 1990:32), a p osiçã o p rivile g ia d a d e Pa u l Arb ou sse -Ba stid e , q u e a sp ira va se r u m a e sp é cie d e “ ch e fe ” d o g ru p o, criou p rob le m a s e xtra s p a ra Lé vi-Stra u ss, já q u e e ra m a m b os p rofe ssore s d a m e sm a d iscip lin a (C a rd oso 1987:189). N a s p a la vra s d e Lé vi-Stra u ss: “ G e org e s Du m a s tin h a e m p r e g a d o n a Un ive rsid a d e , d e sd e o p rim e ir o a n o, u m jove m p a r e n te q u e e ra sociólog o. Q u a n d o ch e g u e i, e ste q u is coloca r-m e n u m a p osiçã o su b ord in a d a . N ã o fiq u e i sa tisfe ito, e com o re sistisse , e sforçou se p a ra q u e m e d e sp e d isse m e m n om e d a tra d içã o com -te a n a , e m q u e e ra e sp e cia lista , e q u e m e u e n sin o tra ía ” (Erib on e Lé viStra u ss 1990:32). C om e sta a firm a çã o, Lé viviStra u ss su g e re q u e o a rg u -m e n to d a e xig ê n cia u sp ia n a d a fid e lid a d e à tra d içã o C o-m te -Du rk h e i-m foi a cion a d o e stra te g ica m e n te p a ra e n cob rir ou tra s ra zõe s; o q u e n ã o q u e r d ize r, e vid e n te m e n te , q u e a s a fin id a d e s e n tre ce rta e lite in te le ctu a l p a u -lista e a tra d içã o d u rk h e im ia n a n ã o fosse ve rd a d e ira ...

Em S au d ad e s d e S ão Pau lo, Lé viStra u ss, m a is u m a ve z, fa z re fe rê n -cia a os p r ob le m a s e n volvid os n a n ã o r e n ova çã o d e se u con tra to com a USP. N e sse m om e n to, r e tom a o a rg u m e n to d e Rog e r Ba stid e sob r e a s q u e stõe s p olítica s e n volvid a s n o e p isód io:

“ Um cole g a fra n cê s, u m p ou co m a is ve lh o q u e e u e q u e m e a n te ce d e ra u m

a n o n a u n ive rsid a d e , q u is m e coloca r n u m a p osiçã o su b ord in a d a . En con trou

u m ou vid o com p la ce n te ju n to à d ire çã o d e O Estad o d e S . Pau lo, q u e tin h a

a sce n d ê n cia sob re a u n ive rsid a d e . Eu n ã o e ra o d u rk h e im ia n o d e e strita

ob se rvâ n cia q u e d e se ja va m ; e m in h a s lig a çõe s com o M u se u d o H om e m m e

d e sig n a va m com o p róxim o d e se u d ire tor, o d r. Pa u l Rive t, re p u ta d o d e e xtre

-m a e sq u e rd a . Essa ra zã o p olítica , q u e n ã o su sp e ite i e n q u a n to e stive n o

Bra-sil, sou b e -a b e m m a is ta rd e p or u m te ste m u n h o d e m e u su ce ssor n a Un ive

r-sid a d e , Rog e r Ba stid e [...]. O fa to é q u e q u a n d o re n u n cie i a solicita r a re n

o-va çã o d e m e u con tra to p a ra m e d e d ica r u m a n o a u m a m issã o e tn og rá fica e

re torn a r e m se g u id a à Fra n ça , n e n h u m e sforço foi fe ito p a ra m e re te r” (Lé

(21)

Q u a isq u e r q u e te n h a m sid o a s ra zõe s “ ve r d a d e ira s” , o fa to é q u e a lg u m a s d a s d ificu ld a d e s a p on ta d a s e o d e se jo d e Lé vi-Stra u ss d e re to-m a r a ca rre ira u n ive rsitá ria fra n ce sa , a g ora to-m u n id o d e rico to-m a te ria l d e p e sq u isa , con cor re ra m p a ra q u e o con tra to p a d rã o d e trê s a n os com a USP n ã o fosse re n ova d o. Assim , n o com e ço d e 1939, Lé vi-Stra u ss e Din a d e ixa va m o Bra sil.

O e xa m e d o itin e rá rio d e Lé vi-Stra u ss a u xilia -n os a con stru ir u m a visã o m a is m a tiza d a d o q u e foi a m issã o fra n ce sa d os a n os 30, n a re cé m -cria d a Un ive rsid a d e d e Sã o Pa u lo. Se , d e fa to, tive m os a im p orta çã o d e vá rios d e p a rta m e n tos — d os a le m ã e s e ita lia n os n a s ciê n cia s física s e m a te m á ti-ca s, a os fra n ce se s n a s h u m a n id a d e s e le tra s — e , com os e stra n g e ir os, a s p rim e ira s g e ra çõe s form a d a s p e la USP a p re n d e ra m a e stu d a r, n ã o d e ve -m os a cre d ita r q u e a p re n d e ra -m co-m tod os, n e -m d a -m e s-m a for-m a .

O s p rofe ssore s fra n ce se s, jove n s in icia n te s n a d ocê n cia e n a p e sq u isa (sob re tu d o os q u e vie ra m a n te s d a g u e rra , com o J e a n M a u g ü é , C la u -d e Lé vi-Stra u ss e Pie rre M on b e ig ), ou com a lg u m a e xp e riê n cia u n ive rsi-tá ria , e m b ora com ob ra e ca r re ira a in d a p or con str u ir, com o Fe rn a n d Bra u d e l e Rog e r Ba stid e , tive ra m p a p e l d e cisivo n a form a çã o in te le ctu a l d e An ton io C a n d id o, G ild a d e M e llo e Sou za , Dé cio d e Alm e id a Pra d o, Flore sta n Fe rn a n d e s, Lou riva l G om e s M a ch a d o, Ru y C oe lh o, M a ria Isa u -ra P. d e Q u e ir oz e d e vá rios ou tr os (Pon te s 1996). M a s n ã o p od e m os e sq u e ce r q u e a s m a rca s p or e le s d e ixa d a s p ossu ía m g ra d a çõe s d ife re n -cia d a s, o q u e n ã o p od e ria se r d e ou tro m od o, a té p orq u e a p róp ria m issã o fra n ce sa e ra , a n te s d e m a is n a d a , h e te rog ê n e a . O s d ife re n te s p rofe ssore s e sta b e le ce ra m n e xos a b solu ta m e n te d istin tos com o p a ís. Se J e a n M a u-g ü é e Rou-g e r Ba stid e fora m re sp on sá ve is p e la form a çã o d e n ossa m e lh or in te le ctu a lid a d e (Ara n te s 1994; Q u e ir oz 1983), o m e sm o n ã o p od e m os d ize r d e Lé vi-Stra u ss, d e Fe rn a n d Bra u d e l e d e vá rios ou tros.

As d ife re n te s d iscip lin a s r e a g ira m d e m od os d istin tos à p r e se n ça e stra n g e ira . Se a in flu ê n cia e m a lg u n s ca sos foi d e cisiva (J e a n M a ü g u é n a filosofia , Rog e r Ba stid e n a sociolog ia e Pie rre M on b e ig n a g e og ra fia ), e m ou tros foi b a sta n te d iscre ta . A ca d e ira d e a n trop olog ia a d q u iriu sota -q u e s d istin tos n o m om e n to d e su a cria çã o. A voz fra n ce sa d e tim b re e tn o-lóg ico, d a d a p or Lé vi-Stra u ss, e n con trou p ou co e co p e rto d e ou tra s. As m a iore s in flu ê n cia s n a a n tr op olog ia p a u lista n a q u e le p e ríod o e ra m : Don a ld Pie rson , Em ílio Wille m s, H e rb e rt Ba ld u s.

(22)

o-log ia , p or su a ve z, é cria d a e m 1941, te n d o com o re sp on sá ve l Em ílio Wil-le m s, su b stitu íd o p rim e iro p or Eg on Sch a d e n , e m 1949, e e ste p or J oã o Ba tista Borg e s Pe re ira , e m 1967 (C orrê a 1995a ). C a b e a in d a d e sta ca r a im p ortâ n cia d a Escola Livre d e Sociolog ia e Política n a form a çã o d e a n tro-p ólog os n o con te xto tro-p a u lista d o tro-p e ríod o. Fu n d a d a e m 1933 com o ob je ti-vo d e p re p a ra r té cn icos, a ê n fa se d a ELSP, a o con trá rio d a USP, e ra a p e s-q u isa . C om a ch e g a d a d e Don a ld Pie rson e m 1939 e a cria çã o d e u m a se çã o d e p ós-g ra d u a çã o e m 1941, a e scola a tra irá p a rte d os form a n d os d a USP, com o Flore sta n Fe rn a n d e s, p or e xe m p lo (Lim on g i 1989; C a rva -lh o 1987).

N ã o p a re ce e xa g e ra d o a firm a r q u e os p rim órd ios d a h istória d a Un i-ve rsid a d e d e Sã o Pa u lo e a p r e se n ça d os m e str e s e stra n g e ir os e m Sã o Pa u lo n a d é ca d a d e 30 re ve rb e ra m a té h oje n a s fe içõe s a d q u irid a s p e la s ciê n cia s socia is e m con te xto p a u lista . A p roe m in ê n cia d a sociolog ia n a USP, p rim e iro com Rog e r Ba stid e e d e p ois com Flore sta n Fe rn a n d e s, é in e g á ve l. In sp ira d a n o m od e lo d u rk h e im ia n o, d o q u a l a sociolog ia é a ciê n cia sín te se , a “ e scola p a u lista d e sociolog ia ” re u n iu e m torn o d os e s-tu d os sociológ icos, a ciê n cia p olítica e a a n trop olog ia . O ca rá te r h e g e m ô-n ico d o g ru p o d e Flore sta ô-n d ificu ltou o d e se ô-n volvim e ô-n to d a ciê ô-n cia p olí-tica e m od e lou a p rod u çã o a n trop ológ ica d a in stitu içã o, ta n to d o p on to d e vista te óricom e tod ológ ico, com o ta m b é m n o q u e d iz re sp e ito a o e le n -co te m á ti-co: e stu d os m ig ra tórios, a cid a d e d e Sã o Pa u lo, a s r e la çõe s ra cia is e tc. (Arru d a 1995:167-168). O m e sm o p a re ce te r ocorrid o com a e tn olog ia , cu jo flore scim e n to foi d e ce rto m od o ob sta cu liza d o p e la p re -p on d e râ n cia d a sociolog ia . Pa ra d oxa lm e n te , a e tn olog ia foi in trod u zid a n os cu rsos d a USP p or a q u e le q u e se tor n a ria o se u m a ior n om e : Lé vi-Stra u ss.

Re ce b id o e m 4 d e n ove m b ro d e 1996

Re a p re se n ta d o e m 5 d e a g osto d e 1997

Ap rova d o e m 24 d e ou tu b ro d e 1997

(23)

Not as

1 De sta co, d e n tre ou tra s p u b lica çõe s, a sé rie d e e n tre vista s fe ita s p or Did ie r

Erib on , De Pe rto e d e Lon g e (1990)[1988], on d e , e m p e lo m e n os d ois ca p ítu los, Lé vi-Stra u ss fa la d e su a e sta d a n o Bra sil e De s S y m b ole s e t Le u rs Dou b le s (1989), e d ita d o p or oca siã o d a e xp osiçã o re a liza d a n o M u sé e d e l’H om m e , “ Le s Am é ri-q u e s d e C la u d e Lé vi-Stra u ss” , ri-q u a n d o fora m e xp osta s vá ria s p e ça s re colh id a s n o Bra sil. Da s p e sq u isa s re a liza d a s, o p roje to “ H istória d a An trop olog ia n o Bra sil (19301960)” , coord e n a d o p or M a riza C orrê a , n a Un ica m p , su b lin h a a im p ortâ n -cia d a s a n d a n ça s d o a n trop ólog o fra n cê s n o Bra sil e , sob re tu d o, a p a rticip a çã o d e Din a Lé vi-Stra u ss n a s in stitu içõe s cie n tífica s e cu ltu ra is d a é p oca . O tra b a lh o d e G ru p ion i (1995) a com p a n h a a s e xp e d içõe s d o ca sa l Lé vi-Stra u ss e a s cole çõe s d a í re su lta n te s. O p roje to “ H istória d a s C iê n cia s Socia is n o Bra sil” , coor d e n a d o p or Sé rg io M ice li, n o Id e sp / SP, d o q u a l se orig in ou m in h a d isse rta çã o d e m e stra d o (Pe ixoto M a ssi 1991), d e d icou se e m vá rios m om e n tos a p e n sa r a s m a rca s e stra n -g e ira s n a s ciê n cia s socia is b ra sile ira s. C f. M ice li (1989; 1995) e Pe ixoto M a ssi e Pon te s (1992).

O film e d e M a rce lo Ta ssa ra , O Brasil, os Ín d ios e Fin alm e n te a US P (1985), p or su a ve z, te ve p a p e l d e sta ca d o n a re tom a d a d e ssa h istória . De lá p a ra cá , e m d ive rsa s oca siõe s, n o Bra sil e n a Fra n ça , fora m e xib id os, ta m b é m , os film e s fe itos p e lo ca sa l Lé vi-Stra u ss n o Bra sil. Ain d a n o ca m p o d os re g istros visu a is, le m b ro os d ois volu m e s d e fotog ra fia s, S au d ad e s d o Brasil (1994) e S au d ad e s d e S ão Pau lo (1996), p or in te rm é d io d os q u a is é p ossíve l a com p a n h a r os â n g u los d a le n te d e Lé vi-Stra u ss. A re e d içã o d e Triste s Tróp icos (1996) é m a is u m d a d o e xp re ssivo d e sse in te re sse re n ova d o p e lo Bra sil d e Lé vi-Stra u ss.

2 Se é ve rd a d e q u e a e ta p a b ra sile ira d e Lé vi-Stra u ss foi, d u ra n te m u ito

te m p o, d e ixa d a d e la d o p e los in té rp re te s, n ã o é p ossíve l a firm a r ca te g orica m e n te o e sq u e cim e n to d e Lé vi-Stra u ss e m re la çã o a e la ; b a sta le m b ra rm os d e Triste s

Tróp icos (1955), q u a n d o o a u tor se d e b ru ça m a is d e tid a m e n te sob re a su a e xTróp e riê n

-cia n a USP e sob re a s via g e n s re a liza d a s e m solo b ra sile iro.

3 É im p orta n te le m b ra r q u e se com o g ru p o d u rk h e im ia n o, a e tn olog ia

a d q u ire u m n ovo e sta tu to in stitu cion a l e in te le ctu a l, p a ra le la m e n te , u m a ou tra corre n te con tin u a va d e se n volve n d o u m tra b a lh o d istin to n a Escola d e A n trop

olo-g ia e n a S ocie d ad e d e Etn oolo-g rafia. A lin h a d e tom m a is d u rk h e im ia n o e a q u e la a

Referências

Documentos relacionados

In: Illum inations... Floria n óp

[r]

Colon ialism ’s Cu

Voice s of.

Pow er Struggle and the Development of Habitus in the Nineteenth and Tw entieth Centuries.. New York: Columbia Uni-

[r]

Et hnonat ionalist Conf lict s and Collective Violence in South Asia.. Berkeley: University of

Greenpeace ) vinculados à proteção do meio ambiente. Esse fenômeno ocorreu igualmente nos movimentos de protesto relacio- nados à mineração a céu aberto. As estratégias das