• Nenhum resultado encontrado

Mana vol.4 número1

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Mana vol.4 número1"

Copied!
31
0
0

Texto

(1)

O s p ovos in d íg e n a s d o N ord e ste n ã o fora m ob je to d e e sp e cia l in te re sse p a ra os e tn ólog os b ra sile iros. N a s b ib liote ca s e n o m e rca d o e d itoria l sã o m u ito ra ros os tra b a lh os e sp e cia liza d os d isp on íve is1. Ap e sa r d a g ra n d e e xp a n sã o d o siste m a d e p ós-g ra d u a çã o n os ú ltim os a n os n o Bra sil, a in d a n o in ício d e sta d é ca d a con ta va -se com p ou ca s te se s m on og rá fica s2 e n e n h u m a in te rp re ta çã o m a is a b ra n g e n te form u la d a sob re o a ssu n to. Tu d o le va va a cre r tra ta r-se , e m d e fin itivo, d e u m ob je to d e in te re sse re sid u a l, e stiola d o n a con tra corre n te d a s p rob le m á tica s d e sta ca d a s p e los a m e rica -n ista s e u rop e u s, e i-n te ira m e -n te d e sloca d o d os g ra -n d e s d e b a te s a tu a is d a a n trop olog ia . Um a e tn olog ia m e n or.

N a d é ca d a d e 50, a re la çã o d e p ovos in d íg e n a s d o N ord e ste in clu ía d e z e tn ia s; q u a re n ta a n os d e p ois, e m 1994, e ssa lista m on ta va a 23. Se le m b ra rm os d a con ce itu a çã o d os p ovos in d íg e n a s n a s Am é rica s com o “ p u e b los ú n icos” (Bon fil 1995:10), ou d a d e scriçã o d os d ir e itos in d íg e -n a s com o “ orig i-n á rios” (C a r-n e iro d a C u -n h a 1987), e sta re m os d ia -n te d e u m a con tra d içã o e m te rm os a b solu tos: o su rg im e n to re ce n te (d u a s d é ca -d a s!) -d e p ovos q u e sã o p e n sa -d os, e se p e n sa m , com o orig in á rios. Existe m m u ita s ou tra s con ce itu a çõe s sim ila re s e sp a lh a d a s p e lo m u n d o (com o a d e p op u la çõe s a b oríg in e s, e n con tra d a n a le g isla çã o n a Au strá lia e O ce a -n ia , -n o C a -n a d á , -n a Ar g e -n ti-n a e e m ou tr os p a íse s d a Am é rica La ti-n a ; “ p op u lation s au toch ton e s” , re fe rê n cia com u m u tiliza d a n a e tn olog ia fra n -ce sa , e p e los a frica n ista s e m e sp e cia l; “ first n ation s” , e m p re g a d a p or org a n iza çõe s in d íg e n a s n os Esta d os Un id os), o q u e tor n a a in d a m a is a m p la a q u e stã o. C om o p od e m os e xp lica r e sse p a ra d oxo? Se m d ú vid a a s la cu n a s e tn og rá fica s e os silê n cios d a h istoriog ra fia — e n q u a n to com p

o-UMA ETN OLOGIA DOS “ÍN DIOS

MISTURADOS”? SITUAÇÃO COLON IAL,

TERRITORIALIZAÇÃO E FLUXOS

CULTURAIS*

J oã o Pa ch e co d e O live ira

(2)

n e n te s d e u m d iscu rso d o p od e r (vid e Trou illot 1995) — con stitu e m fon -te s g e ra d ora s d e sse e n ig m a , m a s n ã o re solve m o p rob le m a , torn a n d o-se n e ce ssá rio d iscu tir ta m b é m a s te oria s sob re e tn icid a d e e os m od e los a n a -líticos u tiliza d os.

M in h a in te n çã o a q u i é forn e ce r su b síd ios p a ra se re fle tir sob re e sse p a ra d oxo. Pa ra ta n to a m in h a e xp osiçã o se g u e trê s m ovim e n tos. N o p rim e iro p rocu ro rim ostra r corim o ocorre u a forrim a çã o d o ob je to d e in ve stig a çã o e re fle xã o in titu la d o “ ín d ios d o N ord e ste ” , p a rtin d o d os câ n on e s cie n -tíficos n a cion a is e in te r n a cion a is a té a s in stitu içõe s loca is, m ostra n d o com o con cre ta m e n te se in te rre la cion a ra m m od e los cog n itivos e d e m a n -d a s p olítica s. Em u m se g u n -d o m ovim e n to -d iscu to con ce itos p a ra a a n á lise d a e tn icid a d e e , b a lise a n d om e e m a lg u m a s e tn og ra fia s, p rocu ro forn e -ce r u m a ch a ve in te rp re ta tiva p a ra os fa tos d a ch a m a d a “ e m e rg ê n cia ” d e n ova s id e n tid a d e s. Fin a lm e n te d e b a to com o a m e rica n ism o e re flito sob re a s p e rsp e ctiva s p a ra o e stu d o d e p op u la çõe s tid a s com o d e p ou ca d istin -tivid a d e cu ltu ra l (ou se ja , cu ltu ra lm e n te “ m istu ra d a s” ).

Uma et nologia das perdas e das ausências cult urais

(3)

se r d e scritos a p e n a s p e lo q u e fora m (ou p e lo q u e , su p õe -se , e le s fora m ) h á sé cu los a trá s, m a s sa b e -se n a d a (ou m u ito p ou co) sob re o q u e e le s sã o h oje e m d ia . O q u e , p or su p osto, p ou ca con trib u içã o tra ria à e tn olog ia e n q u a n to e stu d o com p a ra tivo d a s cu ltu ra s.

Em u m a fa m osa m e tá fora , Lé vi-Stra u ss n os e n sin a q u e “ O an trop ó-log o é o astrôn om o d as ciê n cias sociais: e le e stá e n ca rre g a d o d e d e sco-b rir u m se n tid o p a ra con fig u ra çõe s m u ito d ife re n te s, p or su a ord e m d e g ra n d e za e se u a fa sta m e n to, d a s q u e e stã o im e d ia ta m e n te p róxim a s d o ob se rva d or.” (1967:422; ê n fa se s n o orig in a l) N ã o se tra ta d e u m a a ssocia çã o a cid e n ta l ou p ou co re p re se n ta tiva d e su a ob ra , m a s d e u m e n sin a -m e n to con e cta d o co-m p re ssu p ostos fu n d a -m e n ta is d o “ -m é tod o e tn ológ i-co” p or e le d e lin e a d o5.

A re le vâ n cia d o a u tor e d e su a m e tá fora p a ra os e stu d os a m e rica n is-ta s n ã o p od e se r m e d id a p or ciis-ta çõe s ou re fe rê n cia s e xp líciis-ta s e m a rtig os e m on og ra fia s, m a s p or situ a r-se com o u m a im a g e m sim p le s e su g e stiva , com p a rtilh a d a p e la m a ioria d os e tn ólog os q u e e stu d a a s p op u la çõe s a u tócton e s su l-a m e rica n a s (in clu sive os n ã o vin cu la d os d ir e ta m e n te a e sse q u a d ro te órico). Esq u a d rin h a n d o os cé u s, o a strôn om o le m b ra o via -ja n te / e tn óg ra fo d e q u e n os fa la Dé g é ra n d o, cu -ja s via g e n s n o e sp a ço cor-re sp on d e m ta m b é m a e n or m e s d e sloca m e n tos n o te m p o, e xp lora n d o o p a ssa d o e cru za n d o d ife re n te s e ra s (vid e Stock in g J r. 1982; Fa b ia n 1983). C a b e le m b ra r os com e n tá rios d e An n e -C h ristin e Ta ylor, sob re o “ a rca ís-m o” ca ra cte rístico d o “ a ís-m e rica n isís-m o trop ica l” (1984:232).

(4)

-ra s p a -ra a e tn og -ra fia e a e tn olog ia se ria se m p r e in fe rior a o d o e stu d o d e ou tra s situ a d a s e m u m a fa ixa m a is fa vorá ve l d e ob se rva çã o.

Se a s d u a s m a ior e s ve rte n te s d os e stu d os e tn ológ icos d a s p op u la çõe s a u tócton e s d a Am é rica d o Su l — o e volu cion ism o cu ltu ra l n or te a m e rica n o e o e stru tu ra lism o fra n cê s — p a re ce m con flu ir p a ra u m a a va -lia çã o n e g a tiva q u a n to à s p e rsp e ctiva s d e u m a e tn olog ia d os p ovos e cu l-tu ra s in d íg e n a s d o N ord e ste , o m e sm o ocorre com o in d ig e n ism o. Em u m te xto d e g ra n d e d ifu sã o, Da rcy Rib e iro é a in d a m a is in cisivo. Utiliza n d o-se d e im a g e n s forte s, fa la e m “ re síd u os d a p op u la çã o in d íg e n a d o n or-d e ste ” , ou a in or-d a e m “ m a g ote s or-d e ín or-d ios or-d e sa ju sta or-d os” , vistos n a s ilh a s e b a rra n cos d o Sã o Fra n cisco (Rib e iro 1970:56). Re cord a com triste za q u e a té m e sm o “ os sím b olos d e su a orig e m in d íg e n a , h a via m sid o a d ota d os n o p roce sso d e a cu ltu ra çã o” (Rib e iro 1970:53), o q u e e xe m p lifica com os Potig u a ra , q u e e m su a s d a n ça s u tiliza va m in stru m e n tos a frica n os — za m -b é e p u itã — “ a cre d ita n d o se re m tip ica m e n te tri-b a is” (Ri-b e iro 1970:53). De scre ve n d o os Xu cu ru d e m od o sim ila r, o a u tor ob se rva q u e e stã o a lta -m e n te -m e stiça d os co-m a p op u la çã o se rta n e ja loca l, te n d o p e rd id o “ o id io-m a e tod a s a s p rá tica s trib a is, e xce to o cu lto d o J u a ze ir o Sa g ra d o, se é q u e e ste ce rim on ia l fora orig in a lm e n te d e le s” (Rib e iro 1970:54).

Ao a m a rg or vê m ju n ta r-se a su sp e içã o e , log o, o d e scré d ito, in clu si-ve , com o p ossísi-ve is su je itos h istóricos: “ Por tod os os se rtõe s d o n ord e ste , a o lon g o d os ca m in h os d a s b oia d a s, tod a a te rra já é p a cifica m e n te p os-su íd a p e la socie d a d e n a cion a l; e os r e m a n e sce n te s trib a is, q u e a in d a re siste m a o a va ssa la m e n to só tê m sig n ifica d o com o a con te cim e n tos loca is, im p on d e rá ve is” (Rib e iro 1970:57). O s ín d ios d o N ord e ste n ã o p os-su iria m m a is im p ortâ n cia e n q u a n to ob je to d e a çã o p olítica (in d ig e n ista ), n e m p e rm itiria m visu a liza r p e rsp e ctiva s p a ra os e stu d os e tn ológ icos.

A const rução do objet o “índios do nordest e”

(5)

-çõe s h istórica s d e p op u la -çõe s q u e vive ra m n o N ord e ste , se ja p or cole -çõe s e tn og rá fica s tra zid a s d e p op u la çõe s a tu a is d o Xin g u ou d a Am a zôn ia .

É a p a rtir d e fa tos d e n a tu re za p olítica — d e m a n d a s q u a n to à te rra e a ssistê n cia form u la d a s a o órg ã o in d ig e n ista — q u e os a tu a is p ovos in d í-g e n a s d o N ord e ste sã o coloca d os com o ob je to d e a te n çã o p a ra os a n tro-p ólog os se d ia d os n a s u n ive rsid a d e s d a re g iã o. O q u e a í ocorre e xe m tro-p lifi-ca u m a tra je tória p ossíve l d e in stitu cion a liza çã o p a ra u m a a n trop olog ia p e rifé rica , ta l com o ob se rva d o p or Pe ira n o (1995:24): e m lu g a r d e d e fin ir su a s p rá tica s p or d iá log os te óricos, op e ra m m a is com ob je tos p olíticos ou a in d a com a d im e n sã o p olítica d os con ce itos d a a n trop olog ia .

Em 1975, com o u m d e sd ob ra m e n to d a Re u n iã o Bra sile ira d e An tr o-p olog ia , re a liza d a e m Sa lva d or, e sta b e le ce -se u m te rm o d e cooo-p e ra çã o e n tre a Fu n a i e a UFBA n o se n tid o d e q u e e sta p u d e sse vir a g e ra r e stu -d os q u e su b si-d ia sse m p rog ra m a s -d e a ssistê n cia e -d e se n volvim e n to a os p ovos in d íg e n a s d o e sta d o. Em b ora e ssa a r ticu la çã o te n h a tid o cu r ta d u ra çã o, e stim u lou o a p a re cim e n to d e u m p rim e iro “ g ru p o d e tra b a lh os” (C a rva lh o 1977; Ba n d e ira s/ d , e n tre ou tros) sob re a lg u n s p ovos in d íg e n a s d a Ba h ia — com o os Pa ta xó e os Kiriri, q u e , e m b ora re con h e cid os com o “ ín d ios” p e lo órg ã o in d ig e n ista e p e la lite ra tu ra e tn ológ ica , n ã o d isp u -n h a m d e te rra s d e m a rca d a s e p rote g id a s.

O rg a n iza d os e m ob iliza d os m a is ta r d e p e la cria çã o d a AN AI e d o PIN EB (vid e Ag ostin h o 1995), os a n trop ólog os p rod u ze m u m a q u a n tid a d e e xp re ssiva d e a rtig os, re la tórios e la u d os q u e a m p lia m o con h e cim e n -to e m p írico sob re a s con d içõe s d e e xistê n cia d a p op u la çã o in d íg e n a d o e sta d o (vid e C a rva lh o 1984; Ag ostin h o 1988), g e ra n d o d a d os e a rg u m e n -tos q u e forta le ce m su a s d e m a n d a s.

É com o u m a re su lta n te d e sse con te xto q u e su rg e a p rim e ira te n ta ti-va d e d e fin içã o d os “ ín d ios d o n ord e ste ” com o u m a u n id a d e , isto é , u m “ con ju n to é tn ico e h istórico” in te g ra d o p e los “ d ive rsos p ovos a d a p ta tiva -m e n te re la cion a d os à ca a tin g a e h istorica -m e n te a ssocia d os à s fre n te s p a s-toris e a o p a d rã o m ission á rio d os sé cu los XVII e XVIII” (Da n ta s, Sa m p a io e C a rva lh o 1992:433).

(6)

m a s p or p e rte n ce re m a o N ord e ste , e n q u a n to con g lom e ra d o h istórico e g e og rá fico.

Ao lon g o d o e n sa io, con tu d o, e sse s a u tore s m e n cion a m , a títu lo d e u m e stig m a , u m a ca ra cte riza çã o sociológ ica q u e p od e ria a p lica r-se a tod a s a q u e la s p op u la çõe s: “ a p a rtir d a se g u n d a m e ta d e d o sé cu lo, sob re -tu d o, os ín d ios d os a ld e a m e n tos p a ssa m a se r re fe rid os, com cre sce n te fre q ü ê n cia , com o ín d ios ‘m istu rad os’, a g re g a n d o-se -lh e s u m a sé rie d e a trib u tos n e g a tivos q u e os d e sq u a lifica m e os op õe m a os ín d ios ‘p u ros’ d o p a ssa d o, id e a liza d os e a p r e se n ta d os com o a n te p a ssa d os m íticos” (Da n ta s, Sa m p a io e C a r va lh o 1992:451). Ta l ob se rva çã o, n o e n ta n to, é in te g ra d a a u m a ca d e ia p u ra m e n te cron ológ ica d e fa tos h istóricos, se m vir a se r in corp ora d a a u m e sforço d e con ce itu a çã o.

A e x p r e s s ã o “ ín d io s m is t u ra d o s ” — fr e q ü e n t e m e n t e e n c o n t r a d a n os Re la tórios d e Pre sid e n te s d e Provín cia e e m ou tros d ocu m e n tos ofi-cia is — m e re ce u m a ou tra ord e m d e a te n çã o, p ois p e rm ite e xp licita r va lo-re s, e stra té g ia s d e a çã o e e xp e cta tiva s d os m ú ltip los a tolo-re s p lo-re se n te s n e s-sa situ a çã o in te ré tn ica . Em lu g a r d e e sta b e le ce r u m d iá log o com a s te n-ta tiva s d e cria r in stru m e n tos te óricos p a ra o e stu d o d e sse fe n ôm e n o — com o a n oçã o d e “ fricçã o in te ré tn ica (C a rd oso d e O live ira 1964), a s críti-ca s à s n oçõe s d e trib a lism o e a cu ltu ra çã o (C a r d oso d e O live ira 1960 e 1968), ou a n oçã o d e “ situ a çã o h istórica ” (O live ira 1988) — a te n d ê n cia d os e stu d os foi re strin g ir-se a os tra b a lh os sob re a re g iã o (ta l com o a d e fi-n e m ) e d iscu tir a “ m istu ra” com o u m a fa b rica çã o id e ológ ica e d istorcid a .

O órg ã o in d ig e n ista , ig u a lm e n te , se m p re m a n ife stou se u in côm od o e h e sita çã o e m a tu a r ju n to a os “ ín d ios d o n ord e ste ” , ju sta m e n te p or se u a lto g ra u d e in corp ora çã o n a e con om ia e n a socie d a d e re g ion a is. O p a -d rã o h a b itu a l -d e a çã o in -d ig e n ista ocor ria e m situ a çõe s -d e fron te ira e m e xp a n sã o, com p ovos in d íg e n a s q u e m a n tin h a m sob se u con trole a m p los e sp a ços te rritoria is (ou , in ve rsa m e n te , a m e a ça va m o con trole d a s fre n te s sob re e ste s) e q u e p ossu ía m u m a cu ltu ra m a n ife sta m e n te d ife r e n te d a q u e la d os n ã o-ín d ios. Esta b e le ce r a tu te la sob re os “ ín d ios” e ra e xe r-ce r u m a fu n çã o d e m e d ia çã o in te r cu ltu ra l e p olítica , d iscip lin a d ora e n e ce ssá ria p a ra a con vivê n cia e n tre os d ois la d os, p a cifica n d o a re g iã o com o u m tod o, re g u la riza n d o m in im a m e n te o m e rca d o d e te rra s e cria n -d o con -d içõe s p a ra o ch a m a -d o -d e se n volvim e n to e con ôm ico (vi-d e O live ira 1983 e 1988; Lim a 1995 p a ra a p rofu n d a m e n to d e sse p on to).

(7)

a p e n a s d e m a n e ira e sp orá d ica , re sp on d e n d o tã o-som e n te à s d e m a n d a s m a is in cisiva s q u e re ce b ia . M e sm o n e ssa s p ou ca s e p on tu a is in te rve n çõe s, o órg ã o in d ig e n ista tin h a d e ju stifica r p a ra si m e sm o e p a ra os p od e -re s e sta d u a is q u e o ob je to d e su a a tu a çã o e ra e fe tiva m e n te com p osto p or “ ín d ios” , e n ã o p or m e ros “ re m a n e sce n te s” .

Em a rtig o q u e in te g ra u m a p u b lica çã o volta d a p a ra u m p ú b lico a m p lo (O live ira 1994), com p a ro os p ovos in d íg e n a s q u e e stã o n a re g iã o N ord e ste com a q u e le s d a Am a zôn ia e m te rm os d os te rritórios q u e ocu -p a m ou re ivin d ica m8. Da d a s a s ca ra cte rística s e a cron olog ia d a e xp a n -sã o d a s fron te ira s n a Am a zôn ia , os p ovos in d íg e n a s d e tê m p a rte sig n ifi-ca tiva d e se u s te rritórios e n ich os e cológ icos, e n q u a n to n o N ord e ste ta is á re a s fora m in corp ora d a s p or flu xos colon iza d ore s a n te riore s, n ã o d ife rin d o m u ito a s su a s p osse s a tu a is d o p a d rã o ca m p on ê s e e sta n d o e n tre -m e a d a s à p op u la çã o re g ion a l9.

Essa d e sp rop orçã o d á a os p rob le m a s e m ob iliza çõe s d os p ovos in d í-g e n a s n a Am a zôn ia u m a im p orta n te d im e n sã o a m b ie n ta l e í-g e op olítica , e n q u a n to n o N ord e ste a s q u e stõe s se m a n tê m p rim ord ia lm e n te n a s e sfe ra s fu n d iá ria e d e in te rve n çã o a ssiste n cia l. Se , n a Am a zôn ia , a m a is g ra -ve a m e a ça é a in va sã o d os te rritórios in d íg e n a s e a d e g ra d a çã o d e se u s re cu rsos a m b ie n ta is, n o ca so d o N ord e ste , o d e sa fio à a çã o in d ig e n ista é re stab e le ce r os te rritórios in d íg e n as , p rom ove n d o a r e tira d a d os n ã o-ín d ios d a s á re a s in d íg e n a s, d e sn atu raliz an d o a “m istu ra” com o ú n ica via d e sob re vivê n cia e cid a d a n ia .

É p or isso q u e o fa to socia l q u e n os ú ltim os vin te a n os ve m se im p on -d o com o ca ra cte rístico -d o la -d o in -d íg e n a -d o N or-d e ste é o ch a m a -d o p roce s-so d e e tn og ê n e se , a b ra n g e n d o ta n to a e m e rg ê n cia d e n ova s id e n tid a d e s com o a re in ve n çã o d e e tn ia s já re con h e cid a s. C om o a p on te i n a q u e la oca siã o (O live ira 1994), é isso q u e p od e se r tom a d o com o b a se p a ra d istin -g u ir os p ovos e a s cu ltu ra s in d í-g e n a s d o N ord e ste d a q u e le s d a Am a zôn ia .

A “ e tn olog ia d a s p e rd a s” d e ixou d e p ossu ir u m a p e lo d e scritivo ou in te rp re ta tivo e a p ote n cia lid a d e d a á re a d o p on to d e vista té orico p a ssou a se r o d e b a te sob re a p rob le m á tica d a s e m e rg ê n cia s é tn ica s e d a re con s-tru çã o cu ltu ra l. E é orie n ta d o p or e ssa s p r e ocu p a çõe s te órica s, q u e se con stitu iu d o in ício d os a n os 90 p a ra cá u m sig n ifica tivo con ju n to d e con h e cim e n tos sob re os p ovos e cu ltu ra s in d íg e n a s d o N ord e ste10, a n co-ra d o n a b ib liog co-ra fia in g le sa e n orte -a m e rica n a sob re e tn icid a d e e a n tro-p olog ia tro-p olítica , e — é im tro-p orta n te a cre sce n ta r — n os e stu d os b ra sile iros sob re con ta to in te ré tn ico.

(8)

-ta r u m a re fle xã o m a is siste m á tica e e la b ora d a sob re o lu g a r e a con tri-b u içã o q u e p od e m a p orta r e sse s e stu d os p a ra a e tn olog ia in d íg e n a . É o q u e p rocu ra re i fa ze r a se g u ir.

Sit uação colonial e t errit orialização

C a b e re cord a r q u e a n oçã o d e te rritório n ã o é d e m a n e ira a lg u m a n ova n a a n trop olog ia , se n d o u tiliza d a p or M or g a n (1973) com o crité rio p a ra d istin g u ir a s form a s d e g ove rn o (socie tas e civ itas, b a se a d a s, re sp e ctiva -m e n te , n os g r u p os d e p a re n te sco ou n o te r ritório e n a p r op rie d a d e ), e re tom a d a com a m e sm a fu n çã o p or For te s e Eva n s-Pritch a r d (1975) n a cla ssifica çã o d os siste m a s p olíticos a frica n os. Em u m a r tig o p oste rior, Boh a n a n (1967) forn e ce u m a g ra n d e q u a n tid a d e d e e xe m p los e m q u e os p rin cíp ios ord e n a d ore s d e u m a socie d a d e e stã o loca liza d os e m u m p on to e sp e cífico d a e stru tu ra socia l — o siste m a d e lin h a g e m , a s cla sse s d e id a -d e , a org a n iza çã o m ilita r, o siste m a ritu a l, a s form a çõe s re lig iosa s —, se m q u e a s a çõe s socia is p ossu a m q u a lq u e r con e xã o m a is sig n ifica tiva com a lg u m a b a se te rritoria l fixa . À d ife re n ça d e ssa s, ou tra s socie d a d e s a p re -se n ta m u m a te n d ê n cia a con stitu ir form a çõe s e sta ta is (a in d a q u e ru d i-m e n ta re s) e costu i-m a i-m toi-m a r o te r ritório coi-m o u i-m fa tor r e g u la d or d a s re la çõe s e n tre os se u s m e m b ros.

Se m u itos fa tor e s (in te rn os e e xte rn os) p od e m se r in d ica d os p a ra e xp lica r a p a ssa g e m d e u m a socie d a d e se g m e n ta r à con d içã o d e socie -d a -d e ce n tra liza -d a , o e le m e n to m a is re p e titivo e con sta n te re sp on sá ve l p or ta l tra n sform a çã o é a su a in corp ora çã o d e n tro d e u m a situ a çã o colo-n ia l, su je ita , p orta colo-n to, a u m a p a ra to p olítico-a d m icolo-n istra tivo q u e icolo-n te g ra e re p re se n ta u m Esta d o (se ja p olitica m e n te sob e ra n o ou som e n te com statu s colon ia l). O q u e im p orta re te r d e ssa d iscu ssã o (q u e e m ou tro tra b a -lh o — O live ira 1993 — p rocu re i e xp lora r m a is siste m a tica m e n te ) é q u e é u m fa to h istórico — a p re se n ça colon ia l — q u e in sta u ra u m a n ova re la -çã o d a socie d a d e com o te rritório, d e fla g ra n d o tra n sform a çõe s e m m ú lti-p los n íve is d e su a e xistê n cia sociocu ltu ra l.

(9)

-ta n d o p rofu n d a m e n te o fu n cion a m e n to d a s su a s in stitu içõe s e a sig n ifi-ca çã o d e su a s m a n ife sta çõe s cu ltu ra is” . N e sse se n tid o, a n oçã o d e te rri-torializ ação é d e fin id a com o u m p roce sso d e re org an iz ação social q u e im p lica : 1) a cria çã o d e u m a n ova u n id a d e sociocu ltu ra l m e d ia n te o e sta -b e le cim e n to d e u m a id e n tid a d e é tn ica d ife re n cia d ora ; 2) a con stitu içã o d e m e ca n ism os p olíticos e sp e cia liza d os; 3) a re d e fin içã o d o con trole socia l sob re os re cu rsos a m b ie n ta is; 4) a re e la b ora çã o d a cu ltu ra e d a re la çã o com o p a ssa d o.

Ta l form u la çã o p re te n d e a cre sce n ta r u m e le m e n to n ovo à clá ssica a n á lise d e Ba rth (1969) sob re os g ru p os é tn icos e su a s fron te ira s. Afa s-ta n d o-se d a s p ostu ra s cu ltu ra liss-ta s, Ba rth d e fin ia u m g ru p o é tn ico com o u m tip o org a n iza cion a l, on d e u m a socie d a d e se u tiliza va d e d ife re n ça s cu ltu ra is p a ra fa b rica r e re fa b rica r su a in d ivid u a lid a d e d ia n te d e ou tra s com q u e e sta va e m u m p roce sso d e in te ra çã o socia l p e rm a n e n te . Do p on -to d e vista h e u rístico, p orta n -to, se ria u m e q u ívoco p re te n d e r re p orta r-se a u m a con d içã o d e isola m e n to (loca liza d a n o p a ssa d o) p a ra vir a e xp lica r os e le m e n tos d e fin id ore s d e u m g ru p o é tn ico, cu jos lim ite s (b ou n d arie s) se ria m con stru íd os — e se m p re situ a cion a lm e n te — p e los p róp rios m e m -b ros d a q u e la socie d a d e . Isso o le va a p rop or o d e sloca m e n to d o foco d e a te n çã o d a s cu ltu ra s (e n q u a n to isola d os) p a ra os p roce ssos id e n titá rios q u e d e ve m se r e stu d a d os e m con te xtos p r e cisos e p e r ce b id os ta m b é m com o a tos p olíticos (re cu p e ra n d o a ssim a d e fin içã o w e b e ria n a d e “ com u -n id a d e s é t-n ica s” — vid e We b e r 1983).

A e la b ora çã o te órica d e Ba rth va i ju sta m e n te a té e sse p on to, q u a n -d o, e n tã o, ce -d e a ve z à in ve stig a çã o e m p írica . Q u a n -d o a p rim e ira é re to-m a d a to-m a is ta rd e (Ba rth 1984; 1988), o p risto-m a a d ota d o já é d ive rso (coto-m o m e n cion a re i a d ia n te ). C re io, n o e n ta n to, q u e é im p orta n te re fle tir m a is d e tid a m e n te sob r e o con te xto in te rsocie tá rio n o q u a l se con stitu e m os g ru p os é tn icos. N ã o se tra ta d e m a n e ira a lg u m a d e u m con te xto a b stra to e g e n é rico, q u e p ossa a b sorve r tod a s a s socie d a d e s e su a s d ife re n te s for-m a s d e g ove rn o, for-m a s d e u for-m a in te ra çã o q u e é p roce ssa d a d e n tro d e u for-m q u a d ro p olítico p re ciso, cu jos p a râ m e tros e stã o d a d os p e lo Esta d o-n a çã o (Willia m s 1989). Pa ra d a r m a is a tu a lid a d e h istórica a ta l con te xto, ca b e ria fa ze r d ois re p a ros à form u la çã o a n te rior: q u e a lg u m a s ve ze s o e xe rcício d o m a n d a to p olítico p od e se r tra n sfe rid o d e u m Esta d o-n a çã o p a ra ou tro; e q u e e xiste m re g u la m e n ta çõe s in te rn a cion a is q u e g a n h a m a ca d a d ia m a is força e q u e vê m a in stitu ir n ovos d in a m ism os n a r e la çã o e n tre g ru -p o é tn ico e Esta d o-n a çã o.

(10)

a te rritoria l. Da p e rsp e ctiva d a s org a n iza çõe s e sta ta is — d a s q u a is os re i-n os se ria m a p rim e ira m od a lid a d e coi-n h e cid a —, a d m ii-n istra r é r e a liza r a g e stã o d o te rritório, é d ivid ir a su a p op u la çã o e m u n id a d e s g e og rá fica s m e n ore s e h ie ra rq u ica m e n te re la cion a d a s (vid e Re ve l 1990), d e fin ir lim i-te s e d e m a rca r fron i-te ira s (Bou rd ie u 1980).

A n oçã o d e te rritorializ ação te m a m e sm a fu n çã o h e u rística q u e a d e situ a çã o colon ia l — tra b a lh a d a p or Ba la n d ie r (1951), re e la b ora d a p or C a rd oso rd e O live ira (1964), p e los a frica n ista s fra n ce se s e , m a is re ce n te m e n -te , p or Stock in g J r. (1991) —, d a q u a l d e sce n d e e é ca u d a tá ria e m -te rm os te óricos. É u m a in te r ve n çã o d a e sfe ra p olítica q u e a ssocia — d e for m a p re scritiva e in sofism á ve l — u m con ju n to d e in d ivíd u os e g ru p os a lim i-te s g e og rá ficos b e m d e i-te rm in a d os. É e sse a to p olítico — con stitu id or d e ob je tos é tn icos a tra vé s d e m e ca n ism os a rb itrá rios e d e a rb itra g e m (n o se n-tid o d e e xte riore s à p op u la çã o con sid e ra d a e re su lta n te d a s re la çõe s d e força e n tre os d ife re n te s g ru p os q u e in te g ra m o Esta d o) — q u e e stou p ro-p on d o tom a r com o fio con d u tor d a in ve stig a çã o a n troro-p ológ ica .

O q u e e stou ch a m a n d o a q u i d e p roce sso d e te rritorializ ação é , ju s-ta m e n te , o m ovim e n to p e lo q u a l u m ob je to p olítico-a d m in istra tivo — n a s colôn ia s fra n ce sa s se ria a “ e tn ia ” , n a Am é rica e sp a n h ola a s “ re d u ccio-n e s” e “ re sg u a rd os” , ccio-n o Bra sil a s “ com u ccio-n id a d e s iccio-n d íg e ccio-n a s” — ve m a se tra n sform a r e m u m a cole tivid a d e org a n iza d a , form u la n d o u m a id e n tid a d e p róp ria , in stitu in d o m e ca n ism os d e tom a d a d e d e cisã o e d e re p re se n ta çã o, e re e stru tu ra n d o a s su a s form a s cu ltu ra is (in clu sive a s q u e o re la -cion a m com o m e io a m b ie n te e com o u n ive rso re lig ioso)11. E a í volto a re e n con tra r Ba rth , m a s se m re strin g ir-m e à d im e n sã o id e n titá ria , ve n d o a d istin çã o e a in d ivid u a liza çã o com o ve tore s d e org a n iza çã o socia l. As a fi-n id a d e s cu ltu ra is ou lifi-n g ü ística s, b e m com o os vífi-n cu los a fe tivos e h istó-ricos p or ve n tu ra e xiste n te s e n tr e os m e m b r os d e ssa u n id a d e p olítico-a d m in istrolítico-a tivolítico-a (olítico-a rb itrá riolítico-a e circu n stolítico-a n ciolítico-a l), se rã o re trolítico-a b olítico-a lh olítico-a d os p e los p ró-p rios su je itos e m u m con te xto h istórico d e te r m in a d o e con tra sta d os com ca ra cte rística s a trib u íd a s a os m e m b ros d e ou tra s u n id a d e s, d e fla g ra n d o u m p roce sso d e re org a n iza çã o sociocu ltu ra l d e a m p la s p rop orçõe s.

(11)

ra ro, com o d e m on stra Wa ch te l (1992:46-48) a o ob se r va r q u e , e n tre os C h ip a ya e se u s vizin h os n o a ltip la n o b olivia n o, a crista liza çã o d os e le -m e n tos q u e p od e -m se r d itos co-m o con stitu tivos d a s id e n tid a d e s é tn ica s a tu a is só se e fe tu ou n o cu rso d o sé cu lo XVIII.

Pe lo p rim e iro m ovim e n to, fa m ília s d e n a tivos d e d ife re n te s lín g u a s e cu ltu ra s fora m a tra íd a s p a ra os a ld e a m e n tos m ission á rios, se n d o se d e n-ta riza d a s e ca te q u iza d a s. De sse con tin g e n te é q u e p roce d e m a s a tu a is d e n om in a çõe s in d íg e n a s d o N ord e ste , cole tivid a d e s q u e p e rm a n e ce ra m n os a ld e a m e n tos sob o con trole d os m ission á rios, e d ista n te s d os d e m a is colon os e d os p rin cip a is e m p re e n d im e n tos (com o a s la vou ra s d e ca n a -d e -a çú ca r, a s fa ze n -d a s -d e g a -d o e a s ci-d a -d e s -d o litora l). N e sse se n ti-d o, a re la çã o d e a ld e a m e n tos m ission á rios (vid e Da n ta s, Sa m p a io e C a rva lh o 1992:445446) p od e se r lid a com o u m a com p le xa á rvore g e n e a lóg ica , con -te n d o ca d e ia s su ce ssória s e d e m a n d a s -te rritoria is.

M a s a s m issõe s re lig iosa s fora m in stru m e n tos im p orta n te s d a p olíti-ca colon ia l, e m p re e n d im e n tos d e e xp a n sã o te rritoria l e d a s fin a n ça s d a C oroa , loca liza d a s p rin cip a lm e n te n o se rtã o d o Sã o Fra n cisco. Pa ra isso in corp ora va m a o Esta d o colon ia l p ortu g u ê s u m con tin g e n te d e “ ín d ios m a n sos” e q u e já e ra p r od u to d e u m a p rim e ira “ m istu ra” . De ve m os ob se rva r q u e o p roce sso d e te rritorializ ação vive n cia d o p e la p op u la çã o a u tócton e é ra d ica lm e n te d ive rso d a q u e le g e ra d o p e la p olítica in d ig e n is-ta d o sé cu lo XX q u e , e m te rm os d e p rop ositu ra , p re te n d e in te rrom p e r o p roce sso d e a ssim ila çã o com p u lsória , d e ixa n d o o p rog re sso m a te ria l d a re g iã o com o u m a ta re fa p a ra os n ã o-in d íg e n a s. N o ca so d a s m issõe s, q u e sã o u n id a d e s b á sica s d e ocu p a çã o te rritoria l e d e p rod u çã o e con ôm ica , h á u m a in te n çã o in icia l e xp lícita d e p r om ove r u m a a com od a çã o e n tr e d ife re n te s cu ltu ra s, h om og e n e iza d a s p e lo p roce sso d e ca te q u e se e p e lo d iscip lin a m e n to d o tra b a lh o. A “ m istu ra” e a a rticu la çã o com o m e rca d o sã o fa tore s con stitu tivos d e ssa situ a çã o in te ré tn ica .

(12)

a o m e sm o te m p o q u e se id e n tifica va m cole tiva m e n te m e d ia n te re fe rê n -cia s à s m issõe s orig in a is, a sa n tos p a d roe iros ou a a cid e n te s g e og rá ficos. M a s a p olítica a ssim ila cion ista va i re cru d e sce r, a p oia d a e m m u d a n -ça s d e m og rá fica s e e con ôm ica s. C om a Le i d e Te rra s d e 1850 in icia -se p or tod o o Im p é rio u m m ovim e n to d e r e g u la riza çã o d a s p r op rie d a d e s ru ra is. As a n tig a s vila s, p rog re ssiva m e n te , e xp a n d e m o se u n ú cle o u rb a -n o e fa m ília s vi-n d a s d a s g ra -n d e s p rop rie d a d e s d o litora l ou d a s fa ze -n d a s d e g a d o b u sca m e sta b e le ce r-se n a s ce rca n ia s com o p rod u tora s a g rícola s. O s g ove rn os p rovin cia is vã o, su ce ssiva m e n te , d e cla ra n d o e xtin tos os a n ti-g os a ld e a m e n tos in d íti-g e n a s e in corp ora n d o os se u s te rre n os a com a rca s e m u n icíp ios e m form a çã o. Pa ra le la m e n te , p e q u e n os a g ricu ltore s e fa ze n -d e iros n ã o-in -d íg e n a s con soli-d a m a s su a s g le b a s ou , p or a r re n -d a m e n to, e sta b e le ce m con tr ole sob re p a rce la s im p or ta n te s d a s te r ra s q u e , n a a u sê n cia d e ou tr os p ostu la n te s, a in d a su b sistia m n a p osse d os a n tig os m ora d ore s. Essa foi a te rce ira “ m istu ra” , a m a is ra d ica l, q u e lim itou se ria -m e n te a s su a s p osse s, d e ixa n d o i-m p re ssa s -m a rca s e -m su a s -m e -m ória s e n a rra tiva s. É o q u e su ce d e u , p or e xe m p lo, com os Pa n k a ra ru d o Bre jo d os Pa d re s, q u e d e scre ve m a e xtin çã o d o a n tig o a ld e a m e n to fa ze n d o re fe -rê n cia a o “ te m p o d a s lin h a s” , q u a n d o ocor re ra m os tra b a lh os d e d e m a r-ca çã o e d istrib u içã o d e lote s (Arru ti 1996).

An te s d o fin a l d o sé cu lo XIX já n ã o se fa la va m a is e m p ovos e cu ltu -ra s in d íg e n a s n o N or d e ste . De stitu íd os d e se u s a n tig os te r ritórios, n ã o sã o m a is re con h e cid os com o cole tivid a d e s, m a s re fe rid os in d ivid u a lm e n -te com o “ re m a n e sce n -te s” ou “ d e sce n d e n -te s” . Sã o os “ín d ios m istu rad os” d e q u e fa la m a s a u torid a d e s, a p op u la çã o r e g ion a l e e le s p róp rios, os re g istros d e su a s fe sta s e cre n ça s se n d o re a liza d os sob o títu lo d e “ tra d i-çõe s p op u la re s” . Foi n e ssa con d içã o, p or e xe m p lo, q u e u m a e q u ip e d o a n tig o In stitu to N a cion a l d o Folclore , n a d é ca d a d e 70, visitou o a n tig o a ld e a m e n to d e Alm ofa la , film a n d o e g ra va n d o a re a liza çã o d o “ toré m ” , ritu a l m a is im p orta n te d os ín d ios Tre m e m b é (Va lle 1993).

(13)

op e rou com o u m m e ca n ism o a n tia ssim ila cion ista (vid e C a rd oso d e O li-ve ira 1972), cria n d o con d içõe s su p osta m e n te “ n a tu ra is” e a d e q u a d a s d e a firm a çã o d e u m a cu ltu ra d ife re n cia d ora , e in sta u ra n d o a p op u la çã o tu te -la d a com o u m ob je to d e m a rca d o cu ltu ra l e te rritoria lm e n te . Ap e sa r d a ú ltim a re ssa lva d o d e cre to, q u e fa zia p a rte d a s fin a lid a d e s d e cla ra d a s d a p olítica in d ig e n ista oficia l, a in te n çã o d e tu tor e s e tu te la d os n u n ca ca m i-n h ou i-n a d ire çã o d a tota l a ssim ila çã o e d a e lim ii-n a çã o d a tu te la .

N a s d é ca d a s se g u in te s fora m im p la n ta d os Postos In d íg e n a s e m d ive rsa s á re a s d o N ord e ste , visa n d o a te n d e r a s p op u la çõe s a li situ a d a s. Em 1937 isso ocorre u com os Pa n k a ra ru (Bre jo d os Pa d re s, PE) e os Pa ta -xó, d a Fa ze n d a Pa ra g u a ssu / C a ra m u ru (Ilh é u s, BA); e m 1944 com os Ka ri-ri-Xocó, d a ilh a d e Sã o Pe d ro (AL); e m m e a d os d a d é ca d a d e 40 com os Tru k á , d a ilh a d e Assu n çã o (BA); e m 1949 com os Atik u m , d a se r ra d o Um ã (PE), e os Kiriri, d e M ira n d e la (BA); e m 1952 com os Xu k u ru -Ka riri, d a Fa ze n d a C a n to (AL); e m 1954 com os Ka m b iw á (PE); e e m 1957 com os Xu k u ru , d e Pe sq u e ira (PE). N a m a ior p a rte d e sse s ca sos te rra s fora m d e m a rca d a s e d e stin a d a s à s p op u la çõe s a te n d id a s.

Em lin h a s g e ra is, e sse p roce sso d e te rritoria liza çã o trou xe con sig o a im p osiçã o d e in stitu içõe s e cre n ça s ca ra cte rística s d e u m m od o d e vid a p róp rio a os ín d ios q u e h a b ita m a s re se rva s in d íg e n a s e sã o ob je to, com m a ior g ra u d e com p u lsã o, d o e xe rcício p a te rn a lista d a tu te la (fa to in d e -p e n d e n te d e su a d ive rsid a d e cu ltu ra l). De n tre os com -p on e n te s -p rin ci-p a is d e ssa in d ian id ad e (O live ira 1988) ca b e d e sta ca r a e stru tu ra p olítica e os ritu a is d ife re n cia d ore s.

A org a n iza çã o p olítica d e q u a se tod a s a s á r e a s p a ssou a in clu ir trê s p a p é is d ife re n cia d os — o ca ciq u e , o p a jé e o con se lh e iro (isto é , m e m b ro d o “ con se lh o trib a l” ) —, tom a d os com o “ tra d icion a is” e “ a u te n tica m e n te in d íg e n a s” . A in d ica çã o ou ra tifica çã o d os ocu p a n te s d e sse s p a p é is e ra re a liza d a p e lo a g e n te in d ig e n ista loca l (o ch e fe d o P.I.), q u e , d e fa to, ocu -p a va o to-p o d e ssa e stru tu ra d e -p od e r e q u e m d istrib u ía os b e n e fícios -p ro-ve n ie n te s d o Esta d o (d e a lim e n tos a e m p re g os, p a ssa n d o p or e m p ré sti-m os ou p e rsti-m issõe s d e u so d e in stru sti-m e n tos a g rícola s, sti-m e ios d e tra n sp or-te , ca cim b a s d ’á g u a e tc.).

(14)

fre q ü e n te m e n te , ta is e le m e n tos d e cu ltu ra sã o com p a rtilh a d os com ou tra s p op u la çõe s in d íg e n a s ou r e g ion a is, com o ocor re , p or e xe m p lo, com os ín d ios Tre m e m b é e se u s vizin h os, q u e p ossu e m e m com u m u m con ju n to d e cre n ça s e n a rra tiva s sob re o p a ssa d o e o m u n d o sob re n a tu ra l, q u e sã o, n o e n ta n to, m u ito d istin ta s d a q u e la s d a p op u la çã o r u ra l d o in te rior d o C e a rá (vid e Va lle 1993).

M a s a p olítica in d ig e n ista oficia l e xig e d e m a rca r d e scon tin u id a d e s cu ltu ra is e m fa ce d os re g ion a is, e a ssim o p roce sso d e te rritoria liza çã o g a n h a ca ra cte rística s b e m d istin ta s d o q u e ocorre u n a s m issõe s re lig iosa s. O ritu a l d o toré , p or e xe m p lo, p e rm ite e xib ir a tod os os a tore s p re se n te s n e ssa situ a çã o in te ré tn ica (re g ion a is, in d ig e n ista s e os p róp rios ín d ios) os sin a is d ia críticos d e u m a in d ian id ad e (O live ira 1988) p e cu lia r a os ín d ios d o N ord e ste . Tra n sm itid o d e u m g ru p o p a ra ou tro p or in te rm é d io d a s visi-ta s d os p a jé s e d e ou tros coa d ju va n te s, o toré d ifu n d iu -se p or tod a s a s á re a s e se torn ou u m a in stitu içã o u n ifica d ora e com u m . Tra ta -se d e u m ritu a l p olítico, p rota g on iza d o se m p re q u e é n e ce ssá rio d e m a rca r a s fron te ira s e n tre “ ín d ios” e “ b ra n cos” . Foi o q u e su ce d e u com os Atik u m , con -sid e ra d os com o “ ín d ios” p e lo SPI a p ós — com o re la tou u m in form a n te Ati-k u m q u a se q u a re n ta a n os d e p ois — u m in sp e tor te r id o a ssistir à p e rfor-m á tica re a liza çã o d e u rfor-m toré . Ao ve r q u e “ d a n ça va rfor-m u rfor-m toré a rroxa d o” o re p re se n ta n te oficia l d e u -se p or con ve n cid o, p a ssa n d o a e n ca m in h a r o p roce sso d e re con h e cim e n to d o g ru p o (vid e G rü n e w a ld 1993).

O p roce sso d e te rritorializ ação n ã o d e ve ja m a is se r e n te n d id o sim p le sm e n te com o d e m ã o ú n ica , d irig id o e xte r n a m e n te e h om og e n e iza d or, p ois a su a a tu a liza çã o p e los in d íg e n a s con d u z ju sta m e n te a o con trá rio, isto é , à con stru çã o d e u m a id e n tid a d e é tn ica in d ivid u a liza d a d a q u e -la com u n id a d e e m fa ce d e tod o o con ju n to g e n é rico d e “ ín d ios d o N or-d e ste ” . O s p a jé s Pa n k a ra ru p oor-d e m e n sin a r a com u n ior-d a or-d e s or-d e p a re n te s d e sg a rra d os com o se fa z u m “ p ra iá ” (ce rim on ia l e m q u e a s m á sca ra s d a n -ça m re p re se n ta n d o os “ e n ca n ta d os” ), m a s ca d a n ova a ld e ia (a ssim com o ca d a g ru p o é tn ico d a li su rg id o — com o os Pa n k a ra ré , os Ka n ta ru ré e os J e rip a n có) irá le va n ta r su a p róp ria “ ca sa d os p ra iá s” , in stitu in d o a su a p róp ria g a le ria d e “ e n ca n ta d os” e in sta u ra n d o u m a r e la çã o e sp e cífica com os “ e n ca n ta d os” m a is a n tig os (Arru ti 1996).

(15)

in d íg e n a s) e os “ b ra ia d os” (p rod u to d e in te rca sa m e n to com b ra n cos ou ou tros já m e stiça d os) (vid e , re sp e ctiva m e n te , Fia lh o 1992; M a rtin s 1994)12. Alg u m a s ve ze s e ra o p róp rio Posto In d íg e n a q u e id e n tifica va os m e m b ros d e u m a d e n om in a çã o in d íg e n a , m e d ia n te o for n e cim e n to d e ca rte ira in d ivid u a l, q u e a te sta va q u e “ o p orta d or d e sta e ra e fe tiva m e n te ín d io” . M a s à im p osiçã o d a n orm a se g u e se a su a a p rop ria çã o loca l, se m p re e sp e cífica e in d ivid u a liza d ora . Assim , os Kiriri cria ra m u m a n ova fig u -ra p a -ra lid a r com o fe n ôm e n o d a id e n tid a d e é tn ica , tã o sim p le s e cla -ra com o a lista , só q u e sob se u con trole e , p orta n to, p od e n d o se r u sa d a situ a -cion a lm e n te — p a ra “ se r ín d io” n ã o b a sta te r d e sce n d ê n cia in d íg e n a n e m te r ca rte ira , é p re ciso ta m b é m , com o d ize m , “ p a ssa r n o coa d or” (isto é , te r u m a con d u ta m ora l e p olítica ju lg a d a a d e q u a d a , m a n te n d o-se e m u m a lista q u e fica e m m ã os d o ca ciq u e e q u e é a tu a liza d a d e te m p os e m te m -p os e m re u n iã o d o “ con se lh o in d íg e n a ” ) (vid e Bra sile iro 1996).

An te s d e fin a liza r e sta su m á ria a p re se n ta çã o d e d a d os re su lta n te s d e p e sq u isa s m a is re ce n te s, ca b e ria re torn a r à d iscu ssã o d o in ício d e ste su b -títu lo sob re a n a tu re za ú ltim a d os g ru p os é tn icos. Se g u in d o a a n á lise d e We b e r sob re a s com u n id a d e s é tn ica s, Ba rth ce rta m e n te d iria q u e é a p olí-tica . O s d a d os a p re se n ta d os e m u m a situ a çã o e tn og rá fica b a sta n te a d ve rsa — e m q u e p op u la çõe s q u e se re ivin d ica m com o in d íg e n a s e stã o a lta m e n te d e p e n d e n te s d o Esta d o e m u ito a fe ta d a s p or a g ê n cia s e in stitu içõe s ocid e n -ta liza n te s — p a re ce m e xig ir u m a m a ior com p le xifica çã o. C a d a com u n id a d e é im a g in a d a com o u m a u n id a d e re lig iosa e é isto q u e a m a n té m u n ifica d a e p e rm ite cria r a s b a se s in te rn a s p a ra o e xe rcício d o p od e r. Um a m e tá fora a cion a d a p or d ife re n te s g ru p os, e m va ria d os con te xtos, con e cta a s g e ra çõe s d o p a ssa d o e d o p re se n te (Ba p tista 1992; Ba rre to Filh o 1993; G rü n e w a ld 1993; Arru ti 1996). O s a n te p a ssa d os se ria m “ os tron cos ve lh os” e a s g e ra -çõe s a tu a is “ a s p on ta s d e ra m a ” . Q u a n d o a s ca d e ia s g e n e a lóg ica s fora m p e rd id a s n a m e m ória e n ã o h á m a is vín cu los p a lp á ve is com os a n tig os a ld e a m e n tos, a s n ova s a ld e ia s tê m d e a p e la r a os “ e n ca n ta d os” p a ra a fa s-ta r-se d a con d içã o d e “ m istu ra ” e m q u e fora m coloca d a s. Só a ssim p od e m re con stru ir p a ra si m e sm a s a r e la çã o com os se u s a n te p a ssa d os (o se u “ tron co ve lh o” ), p od e n d o vir a re d e scob rir-se e n q u a n to “ p on ta s d e ra m a ” .

Diásporas e viagens

(16)

d e scritos n a lite ra tu ra e tn ológ ica . Era o ca so d os Tin g u í-Botó, d os Ka ra p o-tó, d os Ka n ta ru ré , d os J e rip a n có, d os Ta p e b a , d os Wa ssu , d e n tre ou tros, q u e p a ssa m a se r ch a m a d os d e “ n ova s e tn ia s” ou d e “ ín d ios e m e r g e n te s” .

As m e tá fora s u tiliza d a s, se ja p a ra d e scre ve r e sse p roce sso, se ja p a ra d e fin ir a e sp e cificid a d e d e ssa s socie d a d e s, d e ve m se r vista s com b a sta n te re se rva e d e scon forto, p ois com p rom e te m a in ve stig a çã o com p re ssu p ostos a rb itrá rios e e q u ivoca d os. É com u m o u so d e im a g e n s n a tu ra liza n -te s lig a n d o a d in â m ica d a s socie d a d e s a o ciclo b iológ ico d os in d ivíd u os. Fa la -se e m n a scim e n to e m orte sob a s im a g e n s m a is sim p le s e d ire ta s, a lg u m a s ve ze s com a d e scu lp a d e u m a in te n çã o lite rá ria , m a s ta m b é m n a e la b ora çã o ou re e la b ora çã o d e con ce itos com p re te n sã o e xp lica tiva .

Assim a p a re ce , p or e xe m p lo, o te rm o “ e tn og ê n e se ” , e m p re g a d o p or G e ra ld Sid e r (1976), n o con te xto d e u m a op osiçã o a o fe n ôm e n o d o e tn o-cíd io. N ã o ca b e ria tom á -la com o con ce ito ou m e sm o n oçã o, p ois e ste e ou tros a u tore s, q u e ta m b é m a p lica m a m e sm a id é ia n a e tn og ra fia d e p op u la çõe s in d íg e n a s (com o G old ste in 1975), se q u e r se n te m a n e ce ssi-d a ssi-d e ssi-d e m e lh or ssi-d e fin i-la , tom a n ssi-d o-a com o e vissi-d e n te . Em te rm os te óricos, a a p lica çã o d e ssa n oçã o — b e m com o d e ou tra s ig u a lm e n te sin g u la riza n -te s — a u m con ju n to d e p ovos e cu ltu ra s p od e a ca b a r su b sta n tiva n d o u m p roce sso q u e é h istórico, d a n d o a fa lsa im p re ssã o d e q u e , n os ou tros ca sos e m q u e n ã o se fa la d e “ e tn og ê n e se ” ou d e “ e m e rg ê n cia é tn ica ” , o p ro-ce sso d e form a çã o d e id e n tid a d e s e sta ria a u se n te .

Ta m b é m ou tra s n oçõe s q u e ocu p a m lu g a re s p re cisos d e n tro d e ce r-tos q u a d ros te óricos p od e m vir a se r u tiliza d a s com sig n ifica d os m u ito d e s-loca d os e re fe rid os à m e tá fora n a tu ra liza n te a cim a critica d a : é o ca so d os con ce itos d e a ca m p on e sa m e n to/ p role ta riza çã o, cu jo p a r é a p lica d o p or Am orim (1975) com a in te n çã o d e d e scre ve r u m ciclo e volu tivo m a rca d o p e la fa ta lid a d e (e xp a n sã o d o ca p ita l e p role ta riza çã o) a trib u íd a à h istória .

Um a ou tra cla ssifica çã o fre q ü e n te é a d o a trib u to d a in visib ilid a d e . Re tom a u m a tra d içã o p re se n te n o O cid e n te d e e sta b e le ce r u m a id e n tifi-ca çã o e n tre a visã o e o con h e cim e n to, con sid e ra n d o a q u e la com o u m a fa cu ld a d e p rivile g ia d a13. Em b ora p ossa se r d e u tilid a d e e n q u a n to a rtifí-cio d e scritivo, n o p la n o d a a n á lise com p a ra tiva con tin u a a se r ca u d a tá ria d e u m a e tn olog ia d a s p e rd a s e d a s a u sê n cia s cu ltu ra is.

(17)

p od e se r su sce tíve l d e u sos va ria d os se m , n o e n ta n to, con trib u ir p a ra o e n te n d im e n to d e a sp e ctos re le va n te s d o fe n ôm e n o q u e d e sig n a .

Um ou tro con ju n to d e im a g e n s a d ota com o e stra té g ia sin g u la riza r ta is socie d a d e s, d e form a a p od e r con tra p ôla s e d istin g u ila s d os m od e -lo s s o c io ló g ic o s u s u a is . O m a is p o p u la r iz a d o é o c o s t u m e d e fa la r e m “ n o v a s e t n ic id a d e s ” (Be n n e t t 1 9 7 5 ), e n g lo b a n d o u m e x t e n s o a rc o d e fe n ôm e n os (m ig ra n te s, m in oria s re con h e cid a s, a fro-a m e rica n os, ín d ios e m cid a d e s e tc.) q u e , e m si m e sm os, p ou co tê m e m com u m . M a s, a fin a l, e xiste u m a “ ve lh a ” e tn icid a d e ? O u os a u tore s q u e u tiliza m ta l e xp re ssã o e sta ria m con stru in d o u m a u n id a d e fa n ta sm á tica a p a rtir d e d ife re n -te s e n foq u e s p e los q u a is o s a n t ro p ó log o s e st u d a ra m ou tra s u n id a d e s s o c ia is ? E m lu g a r d e p e rd e r- s e n a lin g u a g e m d o e m p ir ic is m o , s e r ia o ca so d e p a rtir p a ra u m a e xp licita çã o d e p re ssu p ostos te óricos, m ostra n -d o a q u e le s q u e n ã o se ria m ca b íve is n a s n ova s circu n stâ n cia s, b e m com o a p on ta n d o os q u e p od e ria m a b rir ca m in h os a lte rn a tivos p a ra a a n á lise . A n oçã o d e socié té s fractale s (vid e Be rn a n d e G ru zin sk i 1992:32) e la b ora d a p a ra in d ica r socie d a d e s cu ja s form a s d e socia b ilid a d e sã o irre -g u la r e s e in t e r r o m p id a s , t a m b é m p a re c e - m e s o fr e r d e u m a lim it a ç ã o sim ila r.

Em u m a rtig o re ce n te , J . C lifford (1997) p rocu ra d a r u m statu s d e in stru m e n to a n a lítico a o te rm o “ d iá sp ora ” , a m p la m e n te d ifu n d id o n a s d iscu ssõe s a tu a is sob re g lob a liza çã o, m ig ra çõe s e e tn icid a d e . Em b ora o a u tor n ã o se e n ca m in h e p a ra u m a d e fin içã o, p od e ría m os d ize r q u e a d iá sp ora re m e te à q u e la s situ a çõe s e m q u e o in d ivíd u o e la b ora su a id e n tid a d e p e ssoa l com b a se n o se n tim e n to d e e sta r d ivid id o e n tre d u a s le a ld a -d e s con tra -d itória s, a -d e su a te rra -d e orig e m (h om e ) e -d o lu g a r on -d e e stá a tu a lm e n te , on d e vive e con strói su a in se rçã o socia l (o q u e Bh a b h a 1995 ch a m a d e location s). Ap e sa r d a m u ltip licid a d e d e form a s d e q u e a d iá sp ora se re ve ste , C lifford in siste e m q u e a su a u n id a d e só sp od e se r a fir -m a d a p or op osiçã o a os p roce ssos q u e a fe ta -m a s n a çõe s e os p ovos in d í-g e n a s (e xclu íd os e ste s d a n oçã o d e d iá sp ora p orq u e ja m a is d e ixa ria m d e e sta r re fe rid os à su a p róp ria orig e m ).

(18)

u n h om e d (Bh a b h a 1995:9), tã o típ ica d a s p op u la çõe s q u e sofre m p roce s-sos m ig ra tórios?

É isso q u e m e e stim u la a re tom a r u m a im a g e m — a d a “ via g e m d a volta ” (O live ira 1994) — p or m im u tiliza d a e m u m a p u b lica çã o d e stin a d a a u m p ú b lico h e te rog ê n e o d e p e ssoa s in te re ssa d a s n os “ ín d ios d o N or-d e ste ” (in clu sive a s su a s p róp ria s “ lior-d e ra n ça s” ), e a n te rior a o a rtig o or-d e C lifford . N o se n tid o u sa d o n a q u e le con te xto, a via g e m é a e n u n cia çã o, a u to-re fle xiva , d a e xp e riê n cia d e u m m ig ra n te , tra n sp osta p a ra os ve rsos d e Torq u a to N e to: “ d e sd e q u e sa í d e ca sa , trou xe a via g e m d a volta g ra -va d a n a m in h a m ã o, e n te rra d a n o u m b ig o, d e n tro e fora a ssim com ig o, m in h a p róp ria con d u çã o” .

O s d e b a te s te óricos sob r e e tn icid a d e a p on ta m se m p r e p a ra u m a b ifu rca çã o d e p ostu ra s: d e u m la d o, os in str u m e n ta lista s (Ba r th 1969; C oh e n 1969; 1974; e m u itos ou tros), q u e a e xp lica m p or p roce ssos p olíti-cos q u e d e ve m se r a n a lisa d os e m circu n stâ n cia s e sp e cífica s; d e ou tro, os p rim ord ia lista s, q u e a id e n tifica m com le a ld a d e s p rim or d ia is (G e e r tz 1963; Ke ye s 1976; Be n tle y 1987). A im a g e m fig u ra tiva p or m im u tiliza d a te m , ju sta m e n te , com o fin a lid a d e su p e ra r e ssa p ola rid a d e , ta m b é m ob je -to d e re fle xã o d e C a rn e iro d a C u n h a (1987), m ostra n d o q u e a m b a s a s cor-re n te s a p on ta m p a ra d im e n sõe s con stitu tiva s, se m a s q u a is a e tn icid a d e n ã o p od e ria se r p e n sa d a . A e tn icid a d e su p õe , n e ce ssa ria m e n te , u m a tra -je tória (q u e é h istórica e d e te r m in a d a p or m ú ltip los fa tor e s) e u m a ori-g e m (q u e é u m a e xp e riê n cia p rim á ria , in d ivid u a l, m a s q u e ta m b é m e stá tra d u zid a e m sa b e r e s e n a rra tiva s a os q u a is ve m a se a cop la r). O q u e se ria p róp rio d a s id e n tid a d e s é tn ica s é q u e n e la s a a tu a liza çã o h istórica n ã o a n u la o se n tim e n to d e re fe rê n cia à orig e m , m a s a té m e sm o o re força . É d a re solu çã o sim b ólica e cole tiva d e ssa con tra d içã o q u e d e corre a força p olítica e e m ocion a l d a e tn icid a d e .

(19)

o-n e o-n te s m á g icos se u o-n e m e id e o-n tifica m com a p róp ria te rra , p a ssa o-n d o a in te g ra r u m d e stin o com u m . A r e la çã o e n tre a p e ssoa e o g ru p o é tn ico se ria m e d ia d a p e lo te rritório e a su a re p re se n ta çã o p od e ria re m e te r n ã o só a u m a re cu p e ra çã o m a is p rim á ria d a m e m ória , m a s ta m b é m à s im a -g e n s m a is e xp re ssiva s d a au tocton ia.

O ou tro p on to é a re la çã o e n tre e tn icid a d e e ca ra cte rística s física s. Ao d ize r q u e su a n a tu re za e stá “ g ra va d a ” n a p róp ria m ã o, o n a rra d or cria u m vín cu lo p rim á rio in e xtirp á ve l, tra n sm itid o b iolog ica m e n te , e n tre e le e a cole tivid a d e m a ior. Tra ta -se d e a lg o m u ito m a is forte d o q u e u m a le a l-d a l-d e , a q u a l re m e te ria a fe n ôm e n os sociocu ltu ra is e a con te xtos e op or-tu n id a d e s d e a or-tu a liza çã o h istórica (ou n ã o). In scrita e m se u p róp rio corp o e se m p re p re se n te (“ d e n tro e fora , a ssim com ig o” ), a re la çã o com a cole -tivid a d e d e orig e m re m e te a o d om ín io d a fa ta lid a d e , d o irre vog á ve l, q u e e sta b e le ce o n or te e os p a râ m e tr os d e u m a tra je tória socia l con cr e ta . En q u a n to o p e rcu rso d os a n trop ólog os foi o d e d e sm istifica r a n oçã o d e “ ra ça ” e d e scon stru ir a d e “ e tn ia ” , os m e m b ros d e u m g ru p o é tn ico e n ca -m in h a -m -se , fre q ü e n te -m e n te , n a d ire çã o op osta , re a fir-m a n d o a su a u n i-d a i-d e e situ a n i-d o a s con e xõe s com a orig e m e m p la n os q u e n ã o p oi-d e m se r a tra ve ssa d os ou a rb itra d os p e los d e fora . Sa b e m q u e e stã o m u ito d ista n te s d a s orig e n s e m te rm os d e org a n iza çã o p olítica , b e m com o n a d im e n -sã o cu ltu ra l e cog n itiva . A “ via g e m d a volta ” n ã o é u m e xe r cício n ostá l-g ico d e re torn o a o p a ssa d o e d e scon e cta d o d o p r e se n te (p or isso n ã o é u m a via g e m d e volta ).

N a m in h a e scolh a d a im a g e m d e “ via g e m d a volta ” ta m b é m e ste ve p re se n te u m a ou tra ra zã o, q u a se , d iria , d e fid e lid a d e e tn og rá fica . De sd e V. Tu rn e r (1974), os a n trop ólog os sa b e m q u e a s p e re g rin a çõe s p od e m se r im p orta n te s m e ios p a ra a con stru çã o d e u m a u n id a d e sociocu ltu ra l e n tre p e ssoa s com in te r e sse s e p a d rõe s com p or ta m e n ta is va ria d os. N ã o sã o p ou cos n e m in e xp re ssivos os a u tore s q u e con sid e ra m a s via g e n s com o fa tor im p orta n te n a p róp ria con stitu içã o d a s socie d a d e s (Fa b ia n 1983; An d e rson 1983; Pra tt 1992 e , m a is re ce n te m e n te , C lifford 1997).

(20)

d isp e rsos e fize ra m n a sce r u m a u n id a d e p olítica a n te s in e xiste n te . É p re -ciso p e rce b e r q u e e ssa s via g e n s só a ssu m ira m ta l sig n ifica çã o p or q u e os líd e re s ta m b é m a tu a ra m e m u m a ou tra d im e n sã o, re a liza n d o ou tra s via g e n s, q u e fora m p e re g rin a çõe s n o se n tid o re lig ioso, volta d a s p a ra a re a -firm a çã o d e va lore s m ora is e d e cre n ça s fu n d a m e n ta is q u e forn e ce m a s b a se s d e p ossib ilid a d e d e u m a e xistê n cia cole tiva .

Acilon C iria co d a Lu z foi o p rim e iro “ ch e fe d a a ld e ia ” — con form e re la to fe ito q u a se cin q ü e n ta a n os d e p ois p or su a filh a à p e sq u isa d ora M é rcia Ba p tista — p or q u e foi e le q u e m via jou n o te m p o e n o e sp a ço e ch e g ou a té a a n tig a “ a ld e ia ” on d e se u s a n te p a ssa d os (“ ín d ios p u r os” ) lh e e n sin a ra m coisa s m u ito im p or ta n te s e ú te is, q u e se u s p a is já h a via m d e sa p re n d id o. C on ta ra m -lh e o ve r d a d e iro, m a s e sq u e cid o n om e d a a ld e ia , m ostra ra m lh e os lim ite s q u e e la d e ve ria te r e m a n d a ra m “ le va n -tá -la ou tra ve z” , e n sin a n d o a o “ se u p e ssoa l” com o d e ve ria m vive r. Essa via g e m — fe ita p or u m h om e m m a rca d o d e sd e a in fâ n cia p e la p a ra li-sia — criou o g ru p o é tn ico Tu rk á (Ba p tista 1992).

Da í a a firm a çã o d e q u e o su rg im e n to d e u m a n ova socie d a d e in d íg e n a n ã o é a p e n a s o a to d e ou toríg a d e te rritório, d e “ e tn ifica çã o” p u ra -m e n te a d -m in istra tiva , d e su b -m issõe s, -m a n d a tos p olíticos e i-m p osiçõe s cu ltu ra is, é ta m b é m a q u e le d a com u n h ã o d e se n tid os e va lore s, d o b a tis-m o d e ca d a u tis-m d e se u s tis-m e tis-m b ros, d a ob e d iê n cia a u tis-m a a u torid a d e sitis-m u l-ta n e a m e n te re lig iosa e p olítica . Só a e la b ora çã o d e u top ia s (re lig iosa s/ m ora is/ p olítica s) p e rm ite a su p e ra çã o d a con tra d içã o e n tre os ob je tivos h istóricos e o se n tim e n to d e le a ld a d e à s orig e n s, tra n sform a n d o a id e n ti-d a ti-d e é tn ica e m u m a p rá tica socia l e fe tiva , cu lm in a ti-d a p e lo p roce sso ti-d e te rritoria liza çã o.

Uma et nologia dos “índios mist urados”?

(21)

a re g iã o p la tin a ), q u e d e ra m orig e m a p op u la çõe s forte m e n te h e te rog ê -n e a s, com “ cu ltu ra s h íb rid a s” (C a -n cli-n i 1995) e í-n d ios m istu rad os, a os q u a is os e tn ólog os e e tn óg ra fos n ã o d e d ica ra m m a ior in te re sse .

Em u m volu m e e sp e cia l d a re vista L’H om m e , com e m ora tivo d os q u i-n h e i-n tos a i-n os d o d e scob rim e i-n to d a Am é rica , Be r i-n a i-n d e G ru zii-n sk i (1992:21) in d ica m a lg u m a s la cu n a s sig n ifica tiva s n a in ve stig a çã o e tn oló-g ica . Se oló-g u n d o e le s, os m e stiços con stitu iria m o la d o ve r d a d e ira m e n te e sq u e cid o d a a n tr op olog ia a m e rica n ista , cu jo m a ior d e fe ito se ria o d e op e ra r a s su a s p e sq u isa s com o se e xistisse u m a “ cliva g e m e p iste m ológ ica e n tre Ín d ios d e u m la d o e n ã o a u tócton e s d o ou tro” (Be rn a n d e G ru -zin sk i 1992:9).

Ta l cita çã o d e ixa -m e e m p osiçã o m a is con fortá ve l p a ra fa ze r u m com e n tá rio. A a n trop olog ia b ra sile ira re g istrou n a s d é ca d a s d e 50 e 60 p re ocu p a çõe s in ova d ora s e re fle xõe s b a sta n te orig in a is d ia n te d e p rob le -m á tica s e p a d rõe s d e tra b a lh o cie n tífico coloca d os e -m p rá tica n a q u e le m om e n to n os ce n tros m e trop olita n os d e p rod u çã o e con sa g ra çã o d a d isci-p lin a . De n tre ou tra s, e u in d ica ria trê s q u e m e re ce m se r re e xa m in a d a s e re vista s: a crítica a os e stu d os d e a cu ltu ra çã o e a o con ce ito d e a ssim ila çã o; a ê n fa se n o e stu d o d a situ a çã o colon ia l e su a s re p e rcu ssõe s sob re os d a d os e in te rp re ta çõe s; e a d im e n sã o é tico-va lora tiva d o e xe rcício d a ciê n cia .

As su g e stõe s con tid a s n a m e tá fora d a a stron om ia p rop icia ra m im p or-ta n te s a va n ços e m m u itos d om ín ios d a e tn olog ia , m a s or-ta m b é m in ib ira m (ou te n d e ra m a coloca r com o in visíve is e se cu n d á rios) a p e sq u isa e a re fle xã o sob re fe n ôm e n os sociocu ltu ra is q u e n ã o se e n q u a d ra va m e xa ta m e n te e m su a ótica . Em u m m ovim e n to d e d ista n cia m e n to d os p re ssu -p ostos d o a m e rica n ism o, e u in d ica ria e sq u e m a tica m e n te q u a tro -p on tos d e ru p tu ra .

(22)

O s p ovos in d íg e n a s h oje e stã o tã o d ista n te s d e cu ltu ra s n e olítica s p ré -colom b ia n a s q u a n to os b ra sile iros a tu a is d a socie d a d e p ortu g u e sa d o sé cu lo XV, a in d a q u e p ossa m e xistir, n os d ois ca sos, p on tos d e con tin u id a id e q u e p re cisa ria m se r m e lh or e xa m in a id os e id ife re n cia lm e n te a va lia -d os. As socie -d a -d e s in -d íg e n a s sã o e fe tiva m e n te con te m p orâ n e a s à q u e la d o e tn óg ra fo (La ra ia 1995), d a q u a l p a rticip a m m e d ia n te in te ra çõe s socio-cu ltu ra is q u e p re cisa m se r d e scrita s e a n a lisa d a s, p ois con stitu e m u m a d im e n sã o e sse n cia l à com p re e n sã o d os d a d os g e ra d os.

Se g u n d o, n ã o é p ossíve l d e scre ve r os fa tos e a con te cim e n tos d e n tro d e u m a cu ltu ra a p a rtir d e u m a te m p ora lid a d e ú n ica e h om og e n e iza d ora (a lon g a d u ra çã o). C a so os re g istros e tn og rá ficos e ste ja m circu n scritos a u m a só te m p ora lid a d e , a te n d ê n cia se rá , n e ce ssa ria m e n te , d istor ce r, m in im iza r ou m e sm o om itir os fe n ôm e n os q u e n ã o se a ju sta m a u m ta l ritm o, p rod u zin d o a n á lise s p a rcia is, e sq u e m á tica s e p ou co e xp lica tiva s. En tra e m ce n a , e n tã o, u m a h istória d a con tin g ê n cia e d o a cid e n ta l, e n ã o u m a h istória con stitu tiva , q u e in te g re a s d ife re n te s te m p ora lid a d e s e p e r-m ita cor-m p re e n d e r os fa tos e a s u n id a d e s ob se rva d a s (vid e Th or-m a s 1989; 1994; Be n sa 1996).

Te rce iro, os re la tos e tn og rá ficos e vid e n cia m q u e a s socie d a d e s in d í-g e n a s sã o com p le xa s e su a s cu ltu ra s h e te roí-g ê n e a s e d ive rsifica d a s. Até p a ra com p re e n d e r a s e xp re ssõe s m a is e m ocion a is e re ite ra d a s d e u n id a d e e h a rm on ia , é p re ciso re sg a ta r a p olifon ia re a l (Ra m os 1988). As a çõe s e os con te ú d os sim b ólicos q u e tra ze m n ã o corre sp on d e m u n ica m e n te a u m a p roje çã o d e m od e los a te m p ora is e in con scie n te s, m a s re p re se n ta m u m a solu çã o a p rob le m a s (in clu sive com u m a d im e n sã o é tico-va lora tiva ) su rg i-d os n o cu rso i-d a s in te ra çõe s socia is (vii-d e Be lla h 1983; Ve lh o 1995). Se ria e xtre m a m e n te e m p ob re ce d or d e sp oja r a s in te rve n çõe s ve rb a is d os n a ti-vos d e u m a d im e n sã o crítica e e xp lica tiva , q u e e ste ja a ssocia d a à con sti-tu içã o d e “ com u n id a d e s d e a rg u m e n ta çã o” (vid e C a rd oso d e O live ira 1996) q u e p od e m op e ra r e m d ife re n te s p la n os e com ob je tivos d ive rsos.

(23)

210-211). Pa ra e sca p a r d e ssa a rm a d ilh a , a lg u n s a u tore s (Ba rth 1984; 1988; H a n n e rz 1992; 1997) su g e re m a b a n d on a r im a g e n s a rq u ite tôn ica s d e sis-te m a s fe ch a d os e se p a ssa r a tra b a lh a r com p roce ssos d e circu la çã o d e sig n ifica d os, e n fa tiza n d o q u e o ca rá te r n ã o e stru tu ra l, d in â m ico e virtu a l é con stitu tivo d a cu ltu ra .

Ta l a lte rn a tiva d e con stru çã o te órica p a re ce -m e m a is p rofícu a e u n i-ve rsa l, p e rm itin d o u m a b a se m a is a m p la d e com p a ra çõe s, se m e xig ir a a ce ita çã o d e p re ssu p osiçõe s q u a n to a o isola m e n to, a o d ista n cia m e n to e à ob je tivid a d e . N e sse se n tid o, con sid e ro q u e a s p e sq u isa s e in te rp re ta çõe s sob re os “ ín d ios m istu ra d os” tive ra m o m é rito d e tra ze r p a ra o d e b a te e n tre os e tn ólog os a lg u n s d os d e sa fios p re se n te s n a d iscip lin a a n trop olog ia .

Ao con clu ir, g osta ria d e e xp licita r com a m á xim a cla r e za p ossíve l q u e a m in h a in te n çã o n ã o é p rop or u m a e tn olog ia d os “ ín d ios d o N ord e s-te ” , ou m e sm o u m a e tn olog ia d os “ín d ios m istu rad os”, q u e fu n cion a sse com o u m con tra p on to a o m od e lo d os a m e rica n ista s. C om o le m b ra Fa r -d on (1990), a re g ion a liza çã o -d a a n trop olog ia le va à h om og e n e i-d a -d e -d e m é tod os e p rob le m á tica s, à cria çã o d e u m a re d e d e in te rd e p e n d ê n cia s a ca d ê m ica s e in stitu cion a is q u e torn a d ifícil p e n sa r a re n ova çã o te órica com o u m m ovim e n to in te rn o a e ssa s virtu a is su b d iscip lin a s. Em b ora e xis-ta m sin a is d e in sa tisfa çã o, e m fa ce d os p re ssu p ostos a cim a critica d os, e m e xp re ssivos a u tore s a m e rica n ista s (com o Ta ylor 1984:231-232; Tu rn e r 1991; O ve rin g 1994), a p re ocu p a çã o e m re a firm a r u m a con tin u id a d e in te -rior, b e m com o a te n d ê n cia a e vita r a b rir d iá log os m a is a m p los, lim ita m , a m e u ve r, e ssa s in icia tiva s. Em vir tu d e d os m e sm os a r g u m e n tos n ã o p od e ria , d e m od o a lg u m , p ostu la r a a u ton om iza çã o d e e n foq u e s ou p r o-b le m á tica s v is-à-v is os d e o-b a te s e d ile m a s q u e a fe ta m a d iscip lin a com o u m tod o. Se , p or m e ra n e ce ssid a d e d e com u n ica çã o tive sse d e a g r e g a r a lg u m a d je tivo a o e xe rcício d e in ve stig a çã o e re fle xã o q u e p e sq u isa d o-re s d ive rsos r e a liza ra m n o N or d e ste , m a s ta m b é m n a Am a zôn ia e e m ou tra s re g iõe s d o m u n d o, ta lve z fosse op ortu n o d e sta ca r a p re ocu p a çã o d e b u sca r ca m in h os p a ra u m a p ossíve l “ a n trop olog ia h istórica ” .

Re ce b id o e m 19 d e n ove m b ro d e 1997

Ap rova d o e m 6 d e ja n e iro d e 1998

(24)

Not as

1 O s d e Este vã o Pin to, e d ita d os e m 1935 e 1938 n a C ole çã o Bra silia n a , e

H oh e n th a l, p u b lica d o n a Re v ista d o M u se u Pau lista e m 1960.

2 Fora m q u a tro d isse rta çõe s n a Pós-G ra d u a çã o e m C iê n cia s Socia is d a

UFBA, d u a s d isse rta çõe s e u m a te se d e d ou tora d o n o PPG AS, e u m a d isse rta çã o d e m e stra d o n a Un B.

3 Q u e iria d o litora l d a Pa ra íb a a o su l d a Ba h ia , a b ra n g e n d o ta m b é m o se r

-tã o d e Pe rn a m b u co, Ala g oa s, Ba h ia e M in a s G e ra is.

4 Se o te rm o m e scla g e m n os p a re ce e stra n h o, u m a con su lta a o d icion á rio

p od e se r e scla re ce d ora : a lé m d e sig n ifica d os g e ra is, com o “ m istu ra r, con fu n d ir” e ou tros m a is e sp e cíficos, in te rca la r, e n tre m e a r, in corp ora r (ta m b é m b a sta n te ca b í-ve is), é re g istra d o e xp licita m e n te “ m istu ra r (o sa n g u e ) p e lo ca sa m e n to d e p e s-soa s d e ra ça s d ive rsa s” (H ola n d a 1975:915).

5 Por u m la d o, Lé vi-Stra u ss ch a m a a a te n çã o p a ra a e sca la d e te m p o e m q u e

o e tn ólog o d e ve p roce d e r a os se u s re g istros e in te rp re ta çõe s: é a “ lon g a d u ra çã o” , on d e a s d isp osiçõe s q u a n to a o te m p o, com o e m Bra u d e l, re m e te m a os p a râ m e tros com q u e op e ra a g e olog ia ; p or ou tr o, e tn olog ia e h istória , p a r tilh a n d o o m e sm o ob je to e m é tod o, d istin g u e m -se p or p e rsp e ctiva s com p le m e n ta re s, org a n iza n d o se u s d a d os e m re la çã o “ à s con d içõe s in con scie n te s d a vid a socia l” ou , re sp e ctiva -m e n te , “ à s e xp re ssõe s con scie n te s” (Lé vi-Stra u ss 1967:34). A n oçã o d e cu ltu ra é e q u ip a ra d a à d e “ isola d o” e m d e m og ra fia , se n d o d o m e sm o tip o e p ossu in d o o m e sm o va lor h e u rístico. Ain d a q u e a su a a m p litu d e p ossa va ria r e m “ fu n çã o d o tip o d e p e sq u isa con sid e ra d o” , n ã o d e ixa ria ja m a is, con tu d o, d e “ corre sp on d e r a u m a re a lid a d e ob je tiva ” (Lé vi-Stra u ss 1967:335). Se g u ir ta is r e g ra s d e m é tod o p e rm itiria d e fin ir o lu g a r d a a n trop olog ia e n tre a s d e m a is ciê n cia s socia is, com o se n d o “ h oje a ú n ica d iscip lin a d o d ista n cia m e n to socia l” (Lé vi-Stra u ss 1967:423).

6 C om o o M u se u d e Arq u e olog ia e Etn olog ia e o C u rso d e Pós-G ra d u a çã o

e m C iê n cia s Socia is d a UFBA, os C u rsos d e Pós-G ra d u a çã o e m H istória e Arq u e o-log ia d a UFPE, o M u se u C â m a ra C a scu d o e a cu r ta e xp e riê n cia d e u m M e stra d o e m C iê n cia s Socia is e m N a ta l, e o M u se u Th é o Bra n d ã o e m M a ce ió.

7 C om o o fize ra m , re sp e ctiva m e n te , Fre d e rico Ed e lw e iss, q u e se d e d icou a o

(25)

8 En q u a n to n a Am a zôn ia a m a ioria d a s á r e a s u ltra p a ssa os 50.000 h a e a s

te rra s in d íg e n a s re p re se n ta m d e 10% a 40% d a su p e rfície d os e sta d os, n o ca so d o N ord e ste , a s e xte n sõe s d e te rra s p le ite a d a s sã o p e q u e n a s (e m g e ra l in fe riore s a 2.000 h a ), corre sp on d e n d o a fa ze n d a s d e p orte m é d io e ja m a is re p re se n ta n d o m a is d e 0,7% d a s te rra s d o e sta d o.

9 Se n a Am a zôn ia a p rop orçã o e n tre te rra / h om e m é d e m a is d e m il h a p or

ín d io, n o N ord e ste , on d e a p op u la çã o in d íg e n a é n u m e rosa (p orq u e já a tra ve ssou e m g e ra çõe s p a ssa d a s os d e se q u ilíb rios d e m og rá ficos vivid os n a s p rim e ira s fa se s d o con ta to), e ssa re la çã o corre sp on d e a 7,2 h a p a ra ca d a ín d io.

10Em su a m a ioria sã o d isse rta çõe s d e m e stra d o (d e fe n d id a s p rin cip a lm e n te

n o PPG AS e n a UFBA, m a s a in d a n a UFPE e n a Un B), m a s ta m b e m in clu e m im p or-ta n te s la u d os p e ricia is, re la tórios d e id e n tifica çã o e or-ta m b é m p roje tos d e p e sq u isa (n otoria m e n te Sa m p a io 1986).

11C a b e ria ch a m a r a a te n çã o p a ra a d ife re n ça e n tre te rritorializ ação (u m p

ro-ce sso socia l d e fla g ra d o p e la in stâ n cia p olítica ) e “ te rritoria lid a d e ” (u m e sta d o ou q u a lid a d e in e re n te a ca d a cu ltu ra ). Esta ú ltim a é u m a n oçã o u tiliza d a p or g e óg ra fos fra n ce se s (Ra ffe stin , Ba re l) q u e d e sta ca , n a tu ra liza e coloca e m te rm os a te m -p ora is a re la çã o e n tre cu ltu ra e m e io a m b ie n te (vid e crítica con d u zid a e m O live i-ra 1994).

12N ã o e n con tre i e xp lica çã o p a ra o te rm o “ b ra ia d o” . Tra ta n d o-se d e u m a

re g iã o d e cria tório, ta lve z p ossa h a ve r a lg u m a a ssocia çã o com o te rm o “ b ra g a d o” (a p lica d o a b ois e ca va los “ cu ja s p e rn a s tê m cor d ife re n te d o re sto d o corp o” ) (H ola n d a 1975:224).

13N ã o se tra ta d e u m a a p lica çã o n ova e m fa ce d a s p op u la çõe s in d íg e n a s d a

Referências

Documentos relacionados

Le Nombre et la Raison: La Révolut ion Française et les Élect ions (pref ácio de François Furet).. de l’École des Hautes Études en

In: Illum inations... Floria n óp

[r]

Palav ras

Voice s of.

Pow er Struggle and the Development of Habitus in the Nineteenth and Tw entieth Centuries.. New York: Columbia Uni-

[r]

Et hnonat ionalist Conf lict s and Collective Violence in South Asia.. Berkeley: University of