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– PósGraduação em Letras Neolatinas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CARTOGRAFIAS LÍQUIDAS DA NARRATIVA ARGENTINA:

Antologias de novos autores e a reestruturação do campo literário

LÍVIA SANTOS DE SOUZA

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CARTOGRAFIAS LÍQUIDAS DA NARRATIVA ARGENTINA:

Antologias de novos autores e a reestruturação do campo literário

Por

Lívia Santos de Souza

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Literários Neolatinos – Literaturas Hispânicas).

Orientador: Professor Doutor Ary Pimentel

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S586 Souza, Lívia Santos de

Cartografias líquidas da narrativa argentina: antologias de novos autores e

a reestruturação do campo literário / Lívia Santos de Souza. – Rio de Janeiro, 2014.

140 f. il. cor

Orientador: Prof. Dr. Ary Pimentel

Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós Graduação em Letras

Neolatinas , Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro / Rio de Janeiro, 2013.

Bibliografia: f. 132-138 Inclui anexos

1. Contos argentinos – História e Crítica. 2. Narrativa argentina. 3. Cidades na literatura I. Título. II. Pimentel, Ary

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Agradecimentos

Agradeço, primeiramente, ao professor Ary Pimentel, por toda a amabilidade e atenção dedicadas durante orientação do presente trabalho.

aos professores do setor de Literaturas Hispânicas, com quem aprendi muito nos últimos semestres;

aos meus familiares, pela compreensão apoio ao longo de toda a minha vida acadêmica;

aos companheiros de Mestrado, com quem compartilhei tanto ao longo dos últimos semestres.

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Resumo

SOUZA, Lívia Santos de. Cartografias líquidas da narrativa argentina: Antologias de novos autores e a reestruturação do campo literário. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2014. Dissertação de Mestrado em Literaturas Hispânicas.

A presente dissertação trata da reconfiguração do campo literário argentino na última década, a partir da análise das estratégias elaboradas por escritores em busca de consagração nesse espaço simbólico. Merece destaque, nesse sentido, o papel desempenhado por antologias de contos que reúnem autores com esse perfil. Essas publicações, assim como o surgimento de novas editoras identificadas com essa nova narrativa argentina, configuram a principal estratégia na busca de visibilidade e representam um estágio de transição entre as publicações em meio virtual e a concretização da elaboração de obras difundidas através de canais mais tradicionais e consolidados como as editoras de maior prestígio. A leitura das antologias em questão despertou atenção para o elemento que pode ser observado como condutor da análise dessa produção: a cidade. Assim, a temática urbana funciona como organizador do discurso literário e elemento indicativo de outras temáticas, também exploradas no presente trabalho, a relação com a diferença, representada especialmente pelo migrante, as transformações nas relações amorosas e a organização da vida política. Apoiado em trabalhos teóricos relacionados a diversas áreas do saber como a sociologia da literatura e da arte através de Pierre Bourdieu e Karl Mannheim, conceitos do urbanismo trabalhados por autores como Janoschka, em reflexões sobre narrativa e espaço urbano como a elaborada por Josefina Ludmer e no longo ensaio sobre narrativa argentina pós-ditatorial de Elsa Drucaroff, o trabalho pretende evidenciar a existência de um movimento de renovação nas letras argentinas e sua relação íntima com as questões próprias do urbano.

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Resumen

SOUZA, Lívia Santos de. Cartografias líquidas da narrativa argentina: Antologias de novos autores e a reestruturação do campo literário. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2014. Tesis de Maestría en Literaturas Hispánicas.

Esta tesis trata de la reconfiguración del campo literario argentino en la última década, a partir del análisis de las estrategias desarrolladas por los escritores en búsqueda de la consagración de ese espacio simbólico. Cabe destacar, en este sentido, el papel de las antologías de cuentos que reúnen a los autores con este perfil. Estas publicaciones, así como la aparición de nuevos editores identificados con esta nueva narrativa argentina, constituyen la principal estrategia en la búsqueda de visibilidad y son una etapa de transición entre las publicaciones en el entorno virtual y el logro del desarrollo de las obras difundidas a través de canales más tradicionales y consolidado como las editoriales más prestigiosas. La lectura de las antologías en cuestión despertó la atención sobre el elemento que puede ser visto como un conductor del análisis de esta producción: la ciudad. Por lo tanto, el tema urbano funciona como organizador del discurso literario y otro elemento temático indicativo también explorada en este trabajo, la relación con la diferencia, representada sobre todo por el migrante, los cambios en las relaciones emocionales y la organización de la vida política. Apoyado en estudios relacionados con diversas áreas de conocimiento como la sociología de la literatura y del arte de Pierre Bourdieu y Karl Mannheim, conceptos de urbanismo trabajadas por autores como Janoschka, reflexiones sobre la narrativa y el espacio urbano elaborado por Josefina Ludmer, y en el largo ensayo sobre narrativa Argentina post- dictatorial de Elsa Drucaroff , el trabajo pretende poner de manifiesto la existencia de un movimiento de renovación en las letras argentinas y su relación íntima con sus propios problemas de urbana.

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Abstract

SOUZA, Lívia Santos de. Cartografias líquidas da narrativa argentina: Antologias de novos autores e a reestruturação do campo literário. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2014. Master Tesis in Hispanic Literature.

This dissertation deals with the reconfiguration of the Argentinean literary field in the last decade, by the analysis of the strategies developed by writers in search of consecration on this symbolic. Noteworthy, in this sense, the role of anthologies of short stories that bring together authors with this same profile. These publications, as well as the emergence of new publishers identified with this new Argentinean narrative, constitute the main strategy in the search for visibility and they can be seen as a transition stage between the publications in the virtual environment and the achievement of the development of the works broadcast through more traditional channels and consolidated as the most prestigious publishers. The reading of anthologies in question aroused attention to the element that can be seen as a guideline of the analysis of this production : the city . Thus, the urban theme works as an organizer of literary discourse and other thematic element indicative also explored in this work, the relationship with the difference, represented especially by the migrant, the changes in emotional relations and the organization of political life. Supported in several related areas of knowledge such as sociology of literature and art by Pierre Bourdieu and Karl Mannheim , concepts of urbanism worked by authors like Janoschka, in reflections on narrative and urban space as the one elaborated by Josefina Ludmer and in the long essay on post- dictatorial Argentina narrative by Elsa Drucaroff, the work aims to highlight the existence of a renewal movement in Argentine letters and their intimate relationship with their own issues of urban.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 – livro El amor es mucho más que una novela de quinientas palabras, de

Santiago Vega/Washington

Cucurto...………….32

FIGURA 2 – Publicações da editora Clase Turista...33

FIGURA 3 – Capa da edição argentina da antologia La joven guardia...47

FIGURA 4 – Capa da edição espanhola da antologia La joven guardia...48

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Buenos Aires / Escala 1:1………BAE1:1

Es lo que hay………..ELQH

La joven guardia………LJG

Los días que vivimos en peligro……….LDQV

Uno a uno……….UAU

En celo……….………EC

El amor y otros cuentos……….. EAYOC

La erótica del relato………...LEDR

De puntín………DP

Hablar de mí………HDM

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 13

I – REESTRUTURAÇÃO DO CAMPO LITERÁRIO ARGENTINO... 19

1.1 – Reestruturação do mercado editorial na Argentina recente... 28

1.2 – Antologias de conto como dispositivos geracionais... 34

1.3 – Relatos de mercado ... 49

II – A CIDADE NARRADA: ESTRATÉGIAS DE REPRESENTAÇÃO DO ESPAÇO URBANO NA NOVA NARRATIVA ARGENTINA... 60

2.1 – Relatos de espaço: Mapas e tours da narrativa argentina... 66

2.2 –Os Limites da cidade... 70

III – ESTRANHOS NA CIDADE... 81

3.1 – A imigração limítrofe: Paraguaios e Bolivianos em Buenos Aires... 83

3.2 – A alteridade extrema: representação da imigração oriental... 87

3.3 – A construção do bárbaro: discriminação e formação de identidades... 91

3.4 – O outro sou eu: narrativas urbanas de escritores migrantes ... 94

IV – A SEXUALIDADE EM MOVIMENTO... 97

4.1 – Relacionamentos de bolso... 99

4.2 – Representações do corpo... 104

4.3 – Identidades sexuais e território... 108

V – CIDADE, POLÍTICA E MEMÓRIA ... 112

5.1 – Relatos do trauma: Ditadura e Novos Narradores... 113

5.2 – Relatos pós-crise: ecos de uma década longa... 121

CONCLUSÕES ... 128

REFERÊNCIAS ... 132

ANEXOS ANEXO I... 139

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INTRODUÇÃO

Narrativas líquidas para tempos líquidos

Embora afirmar novidade seja sempre um risco grave quando se trata de literatura, é possível observar uma série de transformações no campo literário argentino nos últimos anos. Essas mudanças podem ser compreendidas através da própria dinamicidade desse espaço da produção simbólica. Contudo, para entendê-las mais profundamente é necessário levar em consideração aspectos de origens diversas. A crise econômica pela qual passou a Argentina, cujo ápice motivou os panelaços e manifestações de 20 e 21 de dezembro de 2001, pode ser observada como um desses fatores decisivos. O momento de retração financeira, consequência da aplicação agressiva das políticas neoliberais na década anterior, favoreceu a internacionalização do mercado editorial argentino, para citar apenas a mais palpável de suas consequências.

Das muitas implicações diretas que as mudanças no mercado editorial trouxeram para o mundo literário argentino, merece destaque para o presente trabalho o fato de que esse deslocamento tornou ainda mais complexo o já difícil processo de inserção de novos atores no campo. Se publicar narrativa nacional já era considerada uma atividade de risco para as editoras em momentos anteriores, em um cenário de forte recessão abrir espaço para nomes ainda sem o respaldo da crítica ou reconhecimento do público consumidor se tornou impensável.

Nesse mesmo período, a popularização da internet possibilita a fundação de novos espaços para a divulgação de textos literários. Diversos nomes, escritores nascidos a partir da década de 70, geralmente moradores dos grandes centros urbanos argentinos, oriundos da classe média escolarizada, e profissionalmente vinculados ao universo cultural local, passam a utilizar recursos como blogs e revistas virtuais para dar visibilidade a sua produção.

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Dentre as várias estratégias desenvolvidas por esses escritores para conquistar espaços de publicação, e consequentemente estar em condições de integrar o campo, como a organização de eventos, leituras públicas, revistas virtuais, blogs coletivos e individuais, merece destaque como dispositivo geracional a elaboração antologias de contos. O primeiro volume com esse perfil dedicado exclusivamente à narrativa argentina recente, La joven guardia, foi editado pela primeira vez em 2005 e é o responsável pela fundação do termo largamente utilizado pela crítica para fazer menção aos autores nela compilados: Nueva Narrativa Argentina [NNA].

Alguns outros termos foram utilizados para tentar dar conta do mesmo grupo geracional aqui analisado, Drucaroff utiliza também Narrativas post-ditatoriales com o objetivo de destacar a importância que esse período teria para a formação dos escritores aos quais se refere. Já Josefina Ludmer utiliza Narrativa Argentina Reciente para denominá-los. É possível encontrar referências também ao emprego de Literatura del Bicentenário. Todos os termos, como qualquer outro eventualmente elaborado com o propósito de agrupar autores com propostas tão díspares, apresentam limitações em maior ou menor medida, no entanto, sua utilização é inegavelmente funcional e metodologicamente fundamental para o presente trabalho, portanto, optamos por empregar mais constantemente Nueva Narrativa Argentina, termo mais empregado com esse objetivo.

Favorecidas nesse primeiro momento pelo barateamento dos custos de impressão e pela existência de um público interessado, mas que não possuiria condições de consumir um grande volume de obras individuais, as antologias de contos se tornaram uma alternativa fundamental para gerar reconhecimento para esses autores. Nos anos que seguiram à publicação de La joven guardia, uma série de outros títulos do mesmo gênero, com diversas propostas e recortes temáticos, vieram a público (VANOLI e VECINO, 2010, p. 263).

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As compilações de textos de jovens autores, entretanto, não mapeiam apenas o campo literário, nota-se também, nesses títulos, uma frequente opção pelo trabalho com o espaço urbano. Como afirma Ludmer, (2010, p. 122) território é uma noção fundamental para compreender o mundo contemporâneo e um gerador de discursos. Nesse sentido, a cidade representa o ponto central a partir do qual se desenvolvem as narrativas elaboradas pelos autores identificados com a narrativa argentina recente e norteia a leitura de suas obras efetuada no presente trabalho.

Assim, além de mapa do campo literário, as antologias podem ser compreendidas como mapas do espaço urbano e das tensões que ele encerra. Tanto La joven guardia quanto os outros títulos com esse mesmo perfil apresentam como característica básica o significativo peso da narrativa urbana. Nesse sentido, a cidade se revela não só como palco ou cenário, mas se torna ela própria a protagonista e o motor das narrativas.

O interesse pelo tema abordado na presente dissertação teve início ainda na graduação, durante os dois anos em que estive vinculada ao grupo de iniciação científica dirigido pelo professor Ary Pimentel. Nesse período foram objetos de estudo, já sob uma perspectiva interdisciplinar e que levava em consideração temas como as transformações do espaço urbano e a representação da violência de estado durante o período ditatorial, os escritores argentinos Sergio Olguín e Fogwill, cujas trajetórias literárias tiveram início em décadas anteriores à que serviu como ponto de partida para os autores aqui trabalhados. Estudar autores mais jovens pareceu ser a continuidade ideal à pesquisa, acrescentando originalidade ao projeto e possibilitando a exploração de um universo narrativo que me é muito caro.

Assim, os objetivos desse trabalho podem ser descritos como, em uma perspectiva mais ampla, a contribuição para a ainda relativamente escassa fortuna crítica dedicada à narrativa argentina recente através da análise de um objeto também trabalhado com relativamente limitada frequência: a antologia de conto.

De forma mais específica, pretende-se a elaboração de uma leitura da inserção dessas obras no campo literário e sua consequente reconfiguração, tendo a cidade como eixo para a compreensão dessas narrativas.

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teórica, procurando explorar o referencial que serve como base aos quatro capítulos seguintes, mais fortemente caracterizados pela presença da análise de contos.

Nesse extenso trecho inicial, dessa forma, elaboro uma apresentação do corpus estudado, explorando a contextualização das obras e de seus autores. Para iluminar essa trajetória são utilizados conceitos de Pierre Bourdieu e análises elaboradas por autores que pensaram a mesma franja geracional, como Elsa Drucaroff em Los prisioneros de la torre (2011). Estão presentes também nesse capítulo algumas das colocações de duas das mais significativas críticas literárias argentinas da atualidade sobre os narradores de que trata o trabalho: Josefina Ludmer, com Aquí América Latina (2010), e Beatriz Sarlo, com Ficciones argentinas (2012).

Nesse capítulo também procuro justificar a utilização de termos complexos como geração e debater a validade de outros não muito mais simples, como jovem e novo, quando

relacionados à literatura.

Uma vez que adoto como objetivo a compreensão do campo literário, nesse capítulo ainda estabeleço considerações sobre o mercado editorial argentino, fundamentais para a análise do conjunto de relações que compõem esse espaço simbólico. O surgimento de uma série de editoras independentes comprometidas com a narrativa argentina recente é um dos principais indícios de renovação nesse âmbito, e, portanto, da própria reestruturação do campo ao longo dos últimos dez anos.

Encerrando o primeiro capítulo adoto alguns dos próprios textos ficcionais como matéria para aprofundar a análise do campo. Utilizando o conceito de relato de mercado, inspirado também nas ideias de Bourdieu, analiso de que forma discursos literários que têm o próprio mercado como objeto ajudam a evidenciar a posição ocupada por narradores jovens e deixam entrever as disputas que ocorrem no campo.

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De Certeau é um nome central para esse capítulo, o conceito relato de espaço, desdobrado em duas variedades: o tour e o mapa, funciona como método de análise das narrativas estudadas. Dessa forma, a partir dessa ideia observamos como se desenha a cidade nos contos.

Outra ideia central para esse capítulo é a de ilha, conforme trabalhada por Josefina Ludmer em Aquí América Latina. A partir desse conceito é possível abordar por outro viés o procedimento de construção narrativa de enclaves urbanos específicos, regidos por regras próprias e que se situam ao mesmo tempo dentro e fora da cidade.

Nesse contexto de fragmentação sócio-espacial e segregação induzida ganha destaque outro elemento central para a análise do urbano na NNA, a representação da periferia. As villas miseria, os bairros afastados da região central da cidade e os municípios do conurbano

bonaerense são os principais exemplos nesse sentido. Representados como espaços marcados pela precariedade mas também pela riqueza que uma leitura totalizadora não permite abarcar, observa-se nos textos literários que os têm como referência uma preocupação que não se limita a denunciar carências e uma realidade violenta, mas sim o de questionar, muitas vezes de forma irônica, os imaginários preconceituosos que se constroem em relação a esses territórios.

No capítulo seguinte, debato a capacidade que a narrativa sobre o espaço urbano apresenta para encenar as tensões do contato com a diferença. Merece destaque nesse sentido a figura do imigrante. Assim como nas narrativas que se constroem nas periferias, os relatos que põe em cena a figura do estrangeiro têm o cuidado de desconstruir clichês: com frequência seus narradores atuam como mediadores entre as múltiplas realidades que a cidade aglutina.

Depois de pensar a relação com o estranho, o quarto capítulo vai se dedicar a outro tipo de relação de alteridade, a amorosa. Sexualidade e questões de gênero conformam temas fundamentais para a compreensão da cidade nos tempos de liquidez.

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Nesse contexto, pode-se observar também que a cidade líquida tem vários de seus fragmentos identificados a características de gênero. Assim, na segunda parte do capítulo analisamos como essas associações se constroem e são representadas na narrativa argentina contemporânea.

A política é o tema que norteia o percurso do último capítulo. Nesse trecho será analisada a forma como a cidade funciona como um memorial do passado político recente da argentina. Da ditadura aos panelaços de 2001, os muros e os trajetos da cidade narrada guardam interessantes chaves de leitura da maneira como os jovens autores enxergam questões dessa natureza.

O regime ditatorial argentino, de fato, foi o grande tema da narrativa da geração imediatamente anterior à NNA. Um olhar apressado poderia sugerir que o tema foi superado. No entanto, ao observar um pouco mais de perto essa produção, fica claro que na verdade o que houve foi um deslocamento de sentido. Sem ter vivenciado diretamente o período, somente a esses atores é possível dessacralizar a geração de militância. Fundam-se, dessa forma, novos locais de fala sobre o assunto, surge espaço para a voz do filho de desaparecidos, da filha da militante saudosista e não resta nenhum para a utopia política.

Outro momento político recorrente na narrativa e marcante como experiência histórica compartilhada pelos jovens narradores argentinos foram os acontecimentos de 2001. Os panelaços e manifestações também aparecem com frequência como matéria literária, mas aqui tampouco a posição é de militância. E a memória desses acontecimentos passa automaticamente pela rua.

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CAPÍTULO 1

A reestruturação do campo literário argentino no século XXI

Pese a todos los libros de cartón mal armados; mal pegados; pese a todas las palabras y los pensamientos tilingos, sobreviviremos.

Mail tras mail y puño por puño, sobreviviremos.

Construiremos otra ciudad, otro barrio de Once, otra estación ferroviaria, otra plaza, si estamos juntos, solo juntos, compañera de todo; pese a la bronca y la violencia construiremos un mundo nos levantaremos con ganas, como me decís en tus mensajes: ¡qué ganas de verte; cómo te extraño!

Librito tras librito, construiremos todo de la nada, ¡El barrio estará orgulloso!

Washington Cucurto, in “La Ciudad”.1

Compreender é primeiro compreender o campo com o qual e contra o qual cada um se faz.

Pierre Bourdieu, in Esboço de autoanálise.

Para Bourdieu (1990, p. 10) “a obra de arte é um objeto que só existe como tal pela crença (coletiva) que o conhece e reconhece como obra de arte”, assim, mais do que algum

valor intrínseco às obras, para o sociólogo francês é o mundo social o grande responsável pela determinação do estatuto artístico. Esse processo de reconhecimento, no entanto, não se dá necessariamente de forma pacífica. A definição de arte de Bourdieu circunscreve a que talvez seja a disputa mais básica do campo artístico, e, especificamente, literário: a que se dá pela

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inserção, conquista de posições e pelo estabelecimento de instâncias de legitimação nesse espaço simbólico.

Para uma compreensão do literário calcada nas ideias de Bourdieu, dessa forma, torna-se necessária a obtorna-servação não só dos aspectos implícitos às obras, mas também a análitorna-se do conjunto de relações que essas obras e seus autores estabelecem com outras obras e autores, além dos vínculos estabelecidos com editores, críticos literários, jornalistas culturais (2011, p. 173), ou seja, o próprio processo de formação do campo. A esse conjunto de relações, responsáveis por tentar explicitar as mediações que se interpõem entre obra literária e leitor, denominou-se campo literário (1990, p. 03).

A noção de campo literário se torna ainda mais produtiva se acompanhada de outros dois conceitos também fundamentais para a compreensão do pensamento de Bourdieu; capital e habitus. Uma metáfora2 mencionada pelo próprio autor para trabalhar essas três ideias e frequentemente recuperada por pesquisadores que as incorporam aos seus trabalhos, é a que estabelece um paralelo entre o mundo social e um jogo. Nesse sentido, o campo é o espaço em que se desenvolvem as ações, em que são desenhadas as trajetórias dos atores.

Todo jogo pressupõe uma disputa. Nesse caso, a que motiva as jogadas é a que se leva a cabo em busca da apropriação dos variados capitais trabalhados por Bourdieu. O autor amplia o conceito de capital e o desdobra em pelo menos quatro variedades: capital simbólico, capital cultural, capital social e capital econômico. Esses diferentes capitais transitam nos complexos circuitos que se formam dentro dos campos e entre eles. A tensão entre capital simbólico e capital econômico, por exemplo, é um dos principais pontos para a compreensão do campo literário, uma vez que nesse espaço a lógica do capital econômico é frequentemente subvertida.

A crença no valor dessas moedas alternativas é o que mantém o jogo acontecendo e, simultaneamente, o seu produto. Esse efeito, a llusio, é também o responsável em última

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A metáfora do jogo é apenas uma das várias empregadas por Bourdieu em referência à noção de campo. Em As

regras da arte esse conceito é comparado à dança: “um balé bem ordenado no qual os indivíduos e os grupos

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instância pelo “princípio do poder de consagração que permite aos artistas consagrados constituir certos produtos, pelo milagre da assinatura em objetos sagrados” (BOURDIEU,

1992, p. 260).

Para se analisar o jogo completamente, entretanto, é fundamental observar não só o que está em disputa, mas também as estratégias empregadas pelos jogadores para alcançar seus objetivos. Torna-se necessário enxergar não só o para que se joga, mas o como se joga. Nesse sentido, o conceito de habitus se torna extremamente produtivo.

Habitus pode ser compreendido como um conceito funcional para a análise do

comportamento de indivíduos e grupos, que leva em consideração tanto as influências sociais

ditas “externas” quanto elementos individuais tidos como “internos” (GRENFELL, 2012, p.

49). Assim, o habitus é uma estrutura ao mesmo tempo “estruturada e estruturante” (BOURDIEU apud GRENFELL, 2012, p. 36), ou seja, coaduna as circunstâncias passadas e presentes a que estiveram submetidos os atores sociais ao mesmo tempo em que desempenha um papel fundamental em práticas futuras. Habitus é, dessa forma, a ligação entre objetivo e subjetivo, entre social e individual.

Cabe considerar, ainda, que a noção de habitus também se caracteriza como mediadora entre uma série de elementos que em outras concepções aparecem de forma excludente. O conceito funciona ainda como exemplo do próprio pensamento Bourdieusiano

que tende a dar mais valor ao “entre”, ou seja, às relações que são construídas entre diferentes

elementos do que ao “ou”. Através da noção de habitus Bourdieu busca transcender dicotomias que para ele apenas reduzem o potencial de análise do mundo social. (GRENFELL, 2012, p. 54).

A leitura de Bourdieu, portanto, desconsidera dicotomias improdutivas como a que se

dá entre leituras ‘internas’ do texto literário, que se propõe a compreender a literatura única e exclusivamente através do texto e ‘externas’ que buscam causalidades em outras esferas. Sua

proposta é a de que a ciência que se debruça sobre o literário deve ter como objeto de estudo

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producción de las obras y la estructura del espacio de las tomas de posición, es decir, de las obras mismas. (BOURDIEU, 1990, p. 14).3

Para Bourdieu esses dois espaços devem ser compreendidos como “traducciones de la misma frase” (BOURDIEU, 1990, p. 14).

As vantagens desse método são várias, ele afirma que ao buscar inter-relações, questões estilísticas, por exemplo, podem ser enxergadas sob outra luz. Ao mesmo tempo, uma relação estilística pode dar início a uma investigação sobre o autor que modifique a forma como é lida a obra. Além disso, as perguntas geradas em um polo podem ser respondidas no outro, assim o trânsito é absolutamente necessário (BOURDIEU, 1990, p. 14).

Em última análise, essa é a luta pela definição do que é ser escritor. Bourdieu afirma que a resposta para essa pergunta sempre está determinada pelo estado da luta no campo. Essa disputa, assim como a própria concepção de campo literário, sistema de relações em que se elaboram as posições relativas ao mundo artístico, faz parte de um conjunto de categorias que, embora pensadas por Bourdieu em relação a um momento específico da literatura europeia, se adequam com alguma comodidade a outros recortes temporais e espaciais, funcionando aqui como suporte para a leitura da cena da narrativa argentina da última década.

Ludmer em um texto fundamental para pensar o estado do campo literário argentino

hoje, “Literaturas postautónomas”, afirma que “se desdibujan los campos relativamente autónomos” 4

(2010, p. 153) ou seja, decreta a superação não só da ideia de autonomia, mas dos campos em si. Para a autora, as lutas e disputas que estruturam o campo, já que marcam as posições e dão a esse espaço sua forma, desaparecem à medida que as próprias identidades literárias se desconstroem (Cf. 2010, p. 153).

De fato, as configurações desse espaço simbólico se mostram bastante alteradas em relação a períodos anteriores. Entretanto, a própria noção de campo como trabalhada por Bourdieu comporta a mudança. Assim, mais prudente do que decretar o fim do campo, parece ser assumir que ele entrou em um novo estágio, ou mesmo que diferentes configurações de campo convivem na atualidade. Essa postura cautelosa se justifica uma vez que várias das propriedades básicas dos campos permanecem. Posições, tomadas de posição e disputas

3A relação entre duas estruturas, a estrutura do espaço das relações objetivas entre as posições responsáveis pela produção das obras e a estrutura do espaço das tomadas de decisão, isto é, das próprias obras (Tradução nossa).

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seguem vigentes, ainda que não se possa mais com a mesma facilidade separar a “arte pura”

da “arte burguesa” ou determinar com a mesma precisão os limites entre realidade e ficção,

para citar dois pontos centrais de mudança identificados por Ludmer.

E mesmo passando por intensas transformações, ainda se pode observar no meio literário argentino a sobrevivência de certas dicotomias aparentemente superadas, um exemplo bastante representativo nesse sentido é a existência de escritores que ainda são menosprezados pela crítica especializada detentora de uma posição de domínio no campo com base em seu sucesso comercial.

O caso da escritora Claudia Piñeiro pode ser analisado sob essa ótica. Dotadas de considerável êxito econômico, as obras dessa autora são frequentemente descritas como comerciais, e seriam facilmente localizáveis em um dos clássicos gráficos representativos do movimento de autonomização do campo literário elaborados por Bourdieu. Posicionados no quadrante que representa a combinação + capital econômico/ - capital simbólico, os romances em questão têm suas estratégias de composição analisadas à luz do sucesso de vendas. Drucaroff (2011, p. 265) evidencia esse fato questionando a leitura de um dos romances da escritora, para Beatriz Sarlo, autora de uma nota crítica sobre o texto:

Ni demasiado sencillo ni demasiado difícil, Elena sabe puede dar la impresión de que se está leyendo buena literatura, tan llena de méritos como las ideas que defiende. Sin embargo, fue imprudente poner los dos epígrafes de Thomas Bernhard, porque la novela se inmola en este homenaje a una literatura diferente. Bernhard o Saer pueden llevar a la conclusión falsa de que un escritor, si pone muchas comas y reitera algunas acciones, está escribiendo en un más allá de la comunicación directa. En todo caso, esa conclusión falsa se podría corregir si se leen las frases breves y veloces de Hemingway, que no podrían confundirse con las de un best seller, aunque se haya cansado de vender (SARLO, Beatriz. “Literatura bienpensante”, 20075)

Mesmo afirmando, no trecho final da citação, que não é por vender muito que a obra de Piñeiro não alcança o que se propõe, o texto não apresenta nenhuma outra justificativa nesse

5 Texto disponível em: http://www.perfil.com/columnistas/-20071125-0018.html

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sentido. A argumentação se concretiza unicamente com base no fato de que existem diferenças essenciais entre bestsellers e buena literatura.

O exemplo da trajetória de Claudia Piñeiro aponta ainda para a manutenção de uma das uma das propriedades mais básicas do campo literário, ajudando a desmentir, portanto, a sua superação: a relação entre capital simbólico e capital econômico. Inicialmente, é importante observar que os jovens escritores que constituem o corpus do presente trabalho (assim como outros nomes em posições distintas no campo) buscam a consagração econômica (tema que será debatido mais a fundo no fim do primeiro capítulo) e não parecem dispostos a produzir exclusivamente para seus pares (o que eventualmente pode ocorrer, De modo involuntário) ainda assim, sua produção não é condicionada exclusivamente por fatores econômicos, o que realmente comprometeria a autonomia relativa do campo.

Assim, as antologias e pequenas editoras, edições independentes, blogs e sites literários visam também à obtenção de algum lucro econômico, mas não o fazem de modo exclusivo porque nesse caso há uma série de outros nichos literários para os quais a rentabilidade econômica é mais certa. Como afirma Bourdieu, a longo prazo o capital simbólico tende a se converter em capital econômico, e é precisamente nesse processo que os atores aqui estudados buscam se inserir. Tornar-se um escritor que vive exclusivamente da atividade literária é um objetivo que conjuga a acumulação de capital tanto econômico quanto simbólico. (1996, p. 245)

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A construção dessa leitura se torna ainda mais complexa porque os autores escolhidos como objeto do presente trabalho estão ainda em processo de inserção no campo, ou se situam em sua esfera dominada, o que lhes outorga uma posição de relativa invisibilidade.

Invisibilidade essa que se justifica a partir da fluidez e da dinamicidade do campo literário e das posições nele existentes. Essa característica deixa subentendida a inexistência de uma definição universal de escritor para Bourdieu. De fato, se tanto a literatura em si como os atores do campo literário ocupam posições dinâmicas, que variam de acordo com o local de observação escolhido, existe sempre a possibilidade de se negar a relevância de determinados atores em certos contextos. Assim, os jovens narradores de que trata esse trabalho e suas obras, ainda constantemente situados em pontos considerados cegos pelos que dominam as instâncias de consagração do campo, não têm sua produção vista como literatura de fato e precisam, dessa forma, reposicionar a figura do escritor dentro desse espaço, fundando locais que os tornem visíveis.

Torna-se claro, nesse contexto, que as lutas no campo literário se dão muitas vezes pela defesa das fronteiras desse espaço, principalmente porque é através da chegada dos

“novos” que irrompem as maiores mudanças. Bourdieu descreve a dialética da distinção como

a principal regra específica de mudança no campo:

esta destina as instituições, as escolas, as obras e os artistas que “marcaram época” a cair no passado, a tornar-se clássicos, ou desclassificados, a ver-se lançados fora da história ou a passar para a história, no eterno presente da cultura consagrada em que as tendências ou escolas mais incompatíveis durante a sua vida, podem coexistir pacificamente, porque canonizadas, academizadas, neutralizadas. (1992, p. 180)

Outras causas para além da instabilidade da situação de inserção podem ser relacionadas a essa invisibilidade relativa, o próprio questionamento da validade do conceito de geração pode ser apontado, nesse sentido. De fato, o emprego do termo pode apresentar problemas quando é utilizado como um método de análise. Essa leitura se dá especialmente quando influenciada pela teoria geracional elaborada por Ortega y Gasset, amplamente aplicada aos estudos literários realizados na própria argentina das décadas de 50 e 60 (MEDIN, 1994, p. 259).

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década produzida por jovens autores, como o ensaio de Elsa Drucaroff (2011), Los prisioneros de la torre política, relatos y jóvenes en la postdictadura, apresenta bastante mais afinidade com as ideias de Karl Mannheim sobre o tema. Dessa forma, a ideia de geração aqui não funciona como categoria absoluta capaz de justificar o artístico, mas sim, como estratégia de recorte, que viabiliza a leitura de pontos comuns em um grupo heterogêneo de obras e autores.

Bourdieu também faz referência a esse conceito sem considerá-lo necessariamente como marca de rupturas extremas. Sua ideia de geração parte das diferenças entre os graus de consagração dos atores no campo, ou seja, adota como referencial as posições no campo e não exclusivamente características internas às obras:

a oposição entre os paladinos e os pretendentes institui no interior mesmo do campo a tensão entre aqueles que, como em uma corrida, esforçam-se para ultrapassar seus concorrentes e aqueles que querem evitar ser ultrapassados. (1996, pp. 147-148)

Paladinos e pretendentes, portanto, se diferenciam não só por questões de estilo, mas também pelo lugar que ocupam na corrida pela legitimação.

Além disso, falar em novas gerações parece problemático não só pelas questões geradas pelo segundo termo, mas também pela suposição de novidade. De fato, usar o

qualificativo “novo”, em referência ao literário suscita uma série de questionamentos. Dessa

forma, embora o termo continue sendo empregado na literatura especializada, é bastante comum que o mesmo venha acompanhado de uma pequena contextualização sobre seu uso:

“En la oferta de la ficción argentina escrita por nuevos escritores (con «nuevos» quiero decir

solo esto: que publicaron un o dos libros)6” (SARLO, 2012, p. 105).

Entretanto, se tal termo é rejeitado ou pelo menos utilizado com certo cuidado no âmbito acadêmico, outras esferas também significativas no campo literário ainda recorrem a

ele com alguma frequência. Na Argentina do século XXI, a denominação “Nova Narrativa Argentina” (NNA) começou a ganhar força com a publicação em 2005 de uma antologia de contos, La joven guardia, que trazia tal expressão como subtítulo. A compilação, considerada um marco na trajetória dos escritores que reúne, funcionará como um dos principais objetos de estudo do presente trabalho.

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Drucaroff, em seu longo ensaio Los prisioneros de la torre (2011, pp. 38-47), fornece contribuições importantes para situar a polêmica sobre o uso da expressão Nova Narrativa Argentina (comumente abreviada como NNA). Para autora o termo é muitas vezes apontado pela crítica como problemático porque pressupõe uma descontinuidade da produção narrativa que não é facilmente observada nas obras em questão.

Sobre essa polêmica, cabe observar que o nome “Nova Narrativa Argentina” mais do que de fato traduzir ou sintetizar características das obras dos escritores que por ele são identificados, funciona como uma marca distintiva. Como afirma Bourdieu, esse tipo de nomeação produz existência, torna-se um instrumento prático de classificação (1996, pp. 181-182).

Além da resistência contemporânea a nomeações desse tipo, o termo NNA também enfrenta questionamentos por trazer em si a ideia de novidade. De fato, trabalhar com a ideia de algo novo no campo artístico é um tarefa que sempre implica um risco de anacronismo prematuro, como afirma Tabarovsky (2004, p. 62) no ensaio que abre Literatura de izquierda, entretanto, afirmar a novidade não necessariamente implica afirmar uma ruptura radical com o que vem antes. O uso do termo NNA, mais do que propor uma originalidade absoluta em relação ao que vinha sendo (e ainda está sendo) produzido por autores mais velhos e já consagrados, tenta dar conta de alguns pequenos traços característicos da produção de autores que compartilham experiência histórica semelhante. Um dos aspectos observáveis nesse sentido é apontado por Klinger (2008, p. 07):

Parece-me que os escritores do presente encontraram a forma de livrar-se do peso da grande tradição latino-americana, daquela forte tradição da densidade / identidade, trocando a mitologia identitária (nacional ou latino-americana), que de fato parece cada vez menos verossímil, pela criação de uma mitologia pessoal e, com ela, fazendo uma “transvaloração de todos os valores” literários.

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Dessa forma, para a crítica que construiu sua abordagem ao acompanhar as primeiras publicações destes narradores, os jovens autores argentinos não só se livraram do imenso peso da grande tradição latino-americana a exemplo do que já haviam feito Fogwill, Aira, Saer ou Piglia, como o fazem de uma maneira distinta, levando-se e levando os próprios elementos dessa tradição ainda menos a sério.

Outro elemento que merece destaque na caracterização dos jovens autores reunidos sob o título NNA é a busca por espaço no mercado editorial argentino. Dessa forma, uma análise desse aspecto pode acrescentar interessantes informações para a construção da cartografia da situação atual campo literário argentino.

Assim, Embora frequentemente aspectos sobre o mundo editorial sejam ignorados em estudos que têm o literário como matéria por estarem excessivamente atrelados a noções tidas

como “econômicas” ou “de mercado”, assumindo a perspectiva da sociologia literária proposta por Bourdieu, essa cisão não se justifica, uma vez que o campo literário/artístico está submetido, em parte, ao campo de poder. Ignorar a atuação dos agentes que o autor descreve como suspeitos ou ambíguos (editores, agentes literários, curadores) é também ignorar uma parcela significativa do campo, elementos que de muitas formas influenciam a produção das obras em si (BOURDIEU, 2011, p. 173)

1.1 Reestruturação do mercado editorial na Argentina recente

Muito se discute acerca do mercado editorial e de sua relação com a produção de bens literários. Entretanto, como aponta Vanoli (2009, p. 161), poucos dos trabalhos que se dedicam a compreender a organização de sistemas literários levam em consideração aspectos relativos a essa esfera na sua elaboração.

No entanto, se levarmos em conta a afirmação de Bourdieu que define o livro como

“objeto de doble faz, económica y simbólica, es a la vez mercancía y significación” (BOURDIEU 1999, p. 242)7. E que parte significativa da mediação entre essas duas esferas

fica a cargo do editor, esse também dúbio personagem que “debe saber conciliar el arte y el

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dinero, el amor a la literatura y la búsqueda de beneficio”8 (BOURDIEU, 1999, p.242). Fica claro que é necessário dar maior atenção a esses elementos para assim chegar a uma compreensão mais ampla do campo literário.

No caso argentino, durante a década de 1990, período de consolidação do modelo neoliberal levado a cabo por Carlos Menem (1989-1999) e de gestação da dura recessão econômica que levaria aos acontecimentos de dezembro de 2001, o país observou um intenso processo de transferência de grupos editoriais locais, tradicionalmente identificados com o universo intelectual argentino, para as mãos de grandes grupos internacionais. Ao mesmo tempo pode-se observar no período uma retração no consumo de livros, se comparados os números com os de décadas anteriores. Tal processo tornou ainda mais complexa a inserção de nomes locais ainda não consagrados nos circuitos tradicionais de publicação, uma vez que os investimentos internacionais no campo editorial argentino fortaleceram as tendências internacionais de concentração em torno de títulos cuja absorção pelo marcado é tida como mais garantida (BOTTO, 2011; SZPILBARG, 2010).

Paralela e contraditoriamente, logo após o ápice da recessão econômica, em 2001, surgiram várias pequenas editoras descritas como independentes. Embora seja bastante simplificador determinar um mesmo objetivo para todos os projetos surgidos nesse momento, é possível apontar algumas propostas partilhadas por vários desses grupos editoriais. Nesse sentido, pode-se observar a intenção de promover a literatura nacional recente, produzida, sobretudo, por jovens autores ainda em busca de reconhecimento.

Ao lado do compromisso literário, marcado pelo que Vanoli (2009, p. 177) descreve

como “vocación de participar, intervenir y mostrar los productos editoriales en una

multiplicidad de espacios y situaciones que cuenta con la creatividad, el ímpetu cultural y el amor por la cultura literaria”9, entretanto, é importante observar que surgimento desse tipo de editora, nos casos específicos de nomes como Entropía e Interzona, também parece seguir uma tendência de mercado relacionada à distribuição de bens culturais especialmente forte nas primeiras décadas do século XXI: o investimento em nichos específicos visando a formação de um público consumidor reduzido porém fiel.

8 Deve saber conciliar a arte e o dinheiro, o amor à literatura e a busca por lucro (Tradução nossa).

9

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Nota-se, por exemplo, a incorporação de estratégias de divulgação identificadas com práticas recentes de grandes editoras, como a elaboração de Book Trailers. Vídeos como os elaborados pelo grupo editorial Fiordo, por exemplo, funcionam como chamariz para as obras, ao mesmo tempo em que demonstram afinidade com a linguagem da videoarte e acrescentam ao produto que representam um aspecto distintivo, representativo da criatividade que caracteriza esses projetos.

Como afirma Bourdieu sobre pequenos editores, as estratégias empregadas por esse

tipo de agente, em relação à produção e à difusão das obras, por exemplo, se adequam “às

exigências da região mais autônoma do campo” (1996, p. 168). Essa afirmação permite

entrever nesse tipo de empreendimento, em alguma medida, a manutenção da autonomia relativa. As pequenas editoras vocacionais tem o lucro como parte de seus objetivos, mas parecem tentar conquistá-lo buscando um público leitor para as obras que veiculam e não oferecendo o que tem retorno comercial garantido. Como observa Vanoli (2009, p. 162),

nessas editoras “el factor comercial queda subordinado a las intervenciones en el campo

literario”10

. Justamente por não estarem em uma posição de domínio, têm menos capital acumulado a perder e investem o que possuem em obras que seriam vistas pelas grandes editoras como arriscadas.

Algumas dessas editoras dão um passo à frente do independente e assumem para si algo de experimental. O caso mais representativo, nesse sentido, é o das chamadas cartoneras, editoras responsáveis pela produção de livros artesanais argentina nas últimas décadas, com capas elaboradas com papelão comprado diretamente de catadores de papel, figura que se tornou símbolo do processo de pauperização pelo qual passou parte da população (ver Figura 1). Eloísa Cartonera, a primeira delas, instalada no bairro portenho de La Boca, se tornou modelo para várias outras editoras com o mesmo perfil na Argentina e em outros países latino-americanos como Uruguai e Brasil.

Sobre os textos literários publicados pela Eloísa Cartonera deve-se ainda observar que tais produtos culturais se inserem no campo literário de maneira diferenciada. Se toda obra é construída tanto pelo autor quanto pelo campo em que é concebida, as que se veiculam dessa maneira agregam ao valor que ela já traz consigo, e ao prestígio do autor, o capital específico de integrar um projeto que ganha visibilidade como provocação ao mercado editorial tradicional.

10

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Figura 1:livro El amor es mucho más que una novela de quinientas palabras, de Santiago Vega / Washington Cucurto, publicado por Eloísa Cartonera

Existem, no entanto, outras experiências nesse sentido, como a autodenominada editora indie Clase Turista, cujo conciso catálogo é composto por obras que utilizam materiais pouco convencionais para a confecção de livros como pele sintética e flores de plástico (ver Figura 2), majoritariamente coletivas e relacionadas a manifestações artísticas de outra natureza. Ou a editora Funesiana, que também produz livros encadernados artesanalmente e

tem o “Do it yourself” como lema principal, incentivando a criação de editoras com perfil

semelhante ao seu em outras cidades argentinas.

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figuras ambíguas, comprometidas com valores de economias que se regem a partir de lógicas distintas, os responsáveis por esses projetos editoriais fundam uma posição ainda mais complexa, militante de uma intervenção no mundo editorial tradicional.

Além disso, é possível enxergar essas iniciativas editoriais pós-crise como tentativas de criação de novos espaços de legitimidade, como afirma Szpilbarg (2010, s/n). Lucas Funes Oliveira, o idealizador e principal editor da Funesiana, declara que seu maior objetivo enquanto editor é o de “romper al mercado”11. Essa afirmação, aparentemente pretensiosa em excesso, resguarda, no entanto, a ideia de criação de possibilidades alternativas que permitam ao escritor tornado invisível pela lógica do mercado editorial tradicional.

Figura 2: Publicações da editora Clase Turista

Assim, os projetos editorias representados por nomes como Clase Turista ou Eloísa Cartonera têm por característica principal o desenvolvimento de uma posição militante no

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campo literário a partir da experimentação que propõem. Nesses casos, essa subversão se construiu de maneira dupla, tanto através da publicação de textos originalmente sem espaço nos grandes grupos editoriais, quanto a partir de suas propostas estéticas e apresentação gráfica inovadoras. O livro se converte, dessa forma, em um objeto ainda mais complexo, que acrescenta valor em si mesmo.

Tais projetos editoriais também subvertem, em um momento inicial, a lógica de distribuição do livro. Embora os títulos de Eloísa Cartonera estejam disponíveis hoje em grandes redes de livrarias em todo o país, inicialmente eles eram vendidos exclusivamente em sua sede, em La Boca. Clase Turista e Editora Funesiana se tornaram especialistas em vendas sob encomenda pela internet e em eventos organizados com a participação dos autores ou em feiras como a Feria del Libro Independiente y Alternativo.

O reconhecimento da importância do surgimento de pequenas editoras como alternativa para o campo literário argentino se dá inclusive por parte de autores já consagrados e que detém espaço nos grandes grupos editoriais. Liliane Heker, nos debates ocorridos em razão do Bicentenário da Independência argentina, apontou esse fenômeno como um dos grandes pontos positivos do mundo literário argentino atual (PEDROSO, 2007, p. 103).

Boa parte dessas editoras, como assinalou Vanoli (2009, p. 162) foram criadas e são conduzidas por escritores. Dessa forma, ocorre um deslocamento, por exemplo, da figura do editor, tradicionalmente visto como um personagem comprometido exclusivamente com as demandas do mercado para um circuito por onde circulam os jovens autores. O que se observa é uma tentativa de retorno a um momento de produção mais voltado para o autor. Por essa razão alguns escritores já com algum reconhecimento também vão optar por publicar livros nesse tipo de editora.

Dessa forma, as editoras ditas vocacionais, sejam elas experimentais ou não, podem fornecer interessantes informações sobre o atual estado do campo literário argentino, como afirma Vanoli:

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despliegan sus esquirlas para redefinir la arquitectura de lo literario en la imaginación pública. (2009, p. 164)12

De forma análoga, as antologias de contos identificadas com novos autores também se apresentam possibilidades de leitura que estão para além de seu conteúdo. Formam, em conjunto, um panorama do que está sendo produzido por autores ainda em busca da consolidação de suas carreiras como escritores e, dessa forma, nos permitem observar as direções pelas quais segue a literatura argentina atual.

1.2 Antologias de conto como dispositivos geracionais

Andrés Neuman, um dos nomes mais reconhecidos da narrativa argentina recente, em um texto publicado em 2009, El manual del antólogo pésimo y El manual del antologado insufrible13, apresenta com certa ironia algumas das tensões características da elaboração desse tipo de obra; o antólogo de Neuman deve estar tão ou mais preocupado com o sucesso comercial e de crítica do livro que organiza do que com a qualidade dos textos que seleciona. Já o antologado deve citar toda e qualquer experiência prévia com o objetivo de não parecer amador:

Citaré en mis biografías literarias todas las antologías, desde las nacionales a las barriales, desde las universitarias a las profesionales, pasando por las municipales y las escolares, en las que haya sido incluido desde la fecha de mi nacimiento hasta la actualidad. Haré constar el título completo de las mismas, su fecha de edición y el autor de la selección, en caso de no ser yo mismo. (2009, s/n)14

De fato, a dinâmica de elaboração da antologia faz dela um laboratório bastante qualificado para se observar determinadas relações dentro do campo literário. Estão

12

As pequenas editoras literárias se apresentam como cenários privilegiados para ler todo um diagrama de relações existentes entre a produção de bens culturais, a evolução da estrutura interna da literatura como disciplina artística, a apropriação social das novas tecnologias e as junções entre indústria do entretenimento, as ações do governo e suas definições de cultura, e formas de sociabilidade que exibem as suas fichas para redefinir a arquitetura da literatura na imaginação do público. (Tradução nossa).

13 Disponível em: http://www.andresneuman.com/hemeroteca/revistaenie_detalle.php?recordID=9

14

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envolvidos em sua composição diversos atores importantes para a configuração do campo literário. Trata-se de um tipo de obra composta por múltiplos autores, escritores unidos por características diversas, que vão desde a afinidade temática ou geracional até a relação em comum com uma determinada editora. O responsável pela organização da antologia é outra figura significativa nesse sentido, e sua posição pode oscilar dentro do campo, uma vez que pode ele próprio ser também um escritor ou alguém mais comprometido com tarefas de edição. Além dessas duas figuras, podem existir também eventuais responsáveis por prólogos/prefácios/posfácios/epílogos, muitas vezes nomes selecionados entre críticos ou narradores que ocupam uma posição de prestígio no campo, para trazer legitimidade à antologia.

A crítica elaborada por Neuman evidencia o fato de que as antologias de forma geral, e no caso específico das antologias de conto compostas por autores ainda não consagrados, têm um papel bastante interessante para a compreensão de certos aspectos na composição do campo literário. Obras com essa característica são vistas pelos atores desse campo como um estágio para a consolidação de um espaço no mercado editorial e para a busca de visibilidade junto à crítica. Lilia Lardone no prólogo à antologia Es lo que hay, afirma que: “las antologias se configuram, dentro de un mercado mezquino en oportunidades, como una forma honesta y válida, y tal vez como ocasión adecuada para los que empiezan su recorrido15 (2009, p. 14) e acrescenta que em décadas anteriores esse tipo de publicação já serviu como ponte para o surgimento de escritores hoje canônicos. Diego Trelles Paz (2009), na introdução de El futuro no es nuestro, também reafirma a importância das antologias para a construção ou reformulação do cânone, citando o exemplo da famosa antologia organizada por Seymour Menton, Del cuento hispanoamericano. Antología crítico-histórica (1964).

Assim, de maneira análoga ao que ocorre com a exposição coletiva de uma obra de artes plásticas em um museu, essas publicações representam uma vitrine para os autores que a compõem. Esse tipo de obra atua de fato como instância de consagração, para seguir com a terminologia de Bourdieu, ainda que representem uma legitimidade ainda vacilante para alguns dos detentores de maior prestígio no campo.

A antologia configura, portanto, como afirma Serrani:

15As antologias se configuram, dentro de um mercado mesquinho em oportunidades, como uma forma honesta e

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Um gênero discursivo que oferece muita informação sobre o modo em que se escreve e lê literatura e sobre seu papel em uma cultura e época dadas e, como se sabe, o gênero contribui diretamente para formar e transformar cânones, confirmar reputações literárias e estabelecer ou interferir em práticas letradas de gerações de leitores (2008, p. 270).

Se levado em consideração todo o potencial informativo da antologia, esse tipo de obra acaba por configurar uma ferramenta bastante interessante para a construção de uma reflexão sobre a estruturação ou reestruturação de um sistema literário.

A figura do antologista se mostra fundamental nesse sentido. É ele o responsável pela construção do texto global que a antologia representa. E, ainda que suas opções não se revelem determinantes sobre os rumos tomados pelo campo literário, é inegável que, no caso das antologias de maior influência, suas considerações e critérios podem funcionar como indicadores da configuração que irá assumir esse campo em um determinado momento. Sua posição no campo literário se configura de maneira bastante ambígua, uma vez que seus interesses estão relacionados a vários outros atores no campo. Como bem observa Neuman em seu texto sobre a figura do antologista, em muitos casos são eles também escritores e enxergam nesse tipo de atividade elementos que podem, de alguma forma, influenciar em sua trajetória ou processo de inserção no campo literário a partir do estabelecimento de relações mais íntimas com editores ou nomes influentes em grupos editoriais significativos.

No caso específico das antologias de novos autores essa função se torna ainda mais complexa, já que por um lado há a intenção de apresentar novos nomes ao público leitor, e criar um apelo através dessa marca distintiva, mas, por outro essa mesma característica desperta desconfiança entre um grupo do qual também é desejável obter aprovação: o dos críticos e acadêmicos que detém maior poder de legitimação. Essa resistência em relação à afirmação do novo, já abordada no presente capítulo, pode se justificar também se relacionada à falta de institucionalidade do campo literário, responsável pela geração de uma significativamente maior oscilação das posições de legitimidade em comparação a outros campos, o que por sua vez torna ainda mais acirradas as disputas pelas posições hegemônicas, o que também pode atuar como fator para rejeição de qualquer tipo de literatura que se pretenda nova.

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consolidada no campo. Isso agrega a essas compilações o próprio tom instável, tateante, pouco pretensioso e irônico da NNA. Juan Terranova, escritor e responsável pelas antologias Buenos Aires 1:1 e Hablar de mí, afirma que a atividade de antologista é como

organizar una fiesta en tu casa. Invitás a gente que no aparece, buenos amigos que nunca llegan porque encontraron algo mejor que hacer, y también caen conocidos o amigos de amigos que vos jamás habías visto en tu vida. Un tipo se revela como un genio de las relaciones sociales y se va con la mejor chica, alguien vomita en la escalera y vos te quedás hablando con dos pensadores de derecha hasta las cinco de la mañana. Cuando la fiesta termina, todo está sucio. Te llaman los que no fueron invitados para recriminarte tu falta de consideración, y te llaman los que fueron invitados y se aburrieron. Alguien también te llama para decirte que la pasó bien. Alguien te llama para agradecerte y señalar que faltó música. Los vecinos te avisan que la próxima te denuncian a la policía. (2010, s/n).1617

A declaração evidencia a consciência em relação à condição líquida deste tipo de projeto editorial que se funda e promove uma rede de relações que são estabelecidas aleatoriamente ao longo da elaboração da compilação. Terranova também se mostra consciente dos conflitos que inevitavelmente dela derivam.

Dessa forma, para melhor compreender o papel desempenhado pela antologia no campo literário argentino do início do século XXI torna-se necessário analisar o contexto de produção desse tipo de obra. A leitura das fontes secundárias oferecidas por cada uma essas publicações pode funcionar como uma interessante estratégia nesse sentido.

Luis Gusmán (2010, p. 09), no prefácio da antologia Os outros, publicada no Brasil em 2010 compara a estrutura de uma antologia à de romances policiais: suspeitos são apresentados e excluídos até que o verdadeiro culpado surja, para o autor, o antologista. De fato, o papel dessa figura na composição da antologia é geralmente cercado de certa culpa. Sua responsabilidade pela presença de determinados nomes e ausência de outros é constantemente trazida à tona.

16

Disponível em: https://sites.google.com/site/revistaotrocielo/home/entrevistas/terranova

17 organizar uma festa em sua casa. Você convida pessoas, bons amigos que nunca vêm porque encontraram algo

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O texto de abertura de Luis Gusmán também chama a atenção para uma comparação razoavelmente recorrente, a que estabelece relação entre antologias e mapas. Para ele a antologia oferece um caminho que pode ser percorrido de distintas formas. De fato, trata-se de um tipo de livro que apresenta possibilidades de leitura mais flexíveis, fornecendo ao leitor a experiência de escolher seu próprio percurso de leitura, de acordo com critérios individuais:

um “modelo para armar” no qual sempre ficará faltando peças.

As antologias de que trata esse trabalho, entretanto representam um tipo ainda mais curioso de mapa. O trânsito na antologia de Gusmán, composta por autores consagrados nos anos 80/90, não segue nenhum tipo de linearidade, mas ainda assim se estabelece no âmbito geográfico. Como o próprio antologista observa, as narrativas obedecem ao ritmo da globalização. Nas antologias da última década, os deslocamentos se dão por espaços ainda mais difusos, líquidos, para utilizar a terminologia de Bauman. Esta constatação, longe de anunciar uma ruptura evidencia uma continuidade dos caminhos já trilhados na literatura argentina.

Ao longo dos últimos anos foram publicados diversos títulos vinculados à ideia de narrativa jovem na Argentina. Com base na análise das obras mais reconhecidas com esse perfil, é possível apontar algumas de suas principais características. Inicialmente, é relevante observar que a maior parte dos títulos reúne textos veiculados apenas via internet, em blogs ou revistas virtuais, e, portanto, inéditos em publicação em papel, ou, em casos mais raros, publicados em volumes de tiragem bastante reduzida. Este fato evidencia não só o papel da antologia como um instrumento propício para que novos autores construam e afirmem sua inserção no campo literário como também a importância desse tipo de publicação na transição entre os diferentes meios de publicação (físico e virtual).

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possibilidade de se travar conhecimento simultaneamente com vários nomes e estilos distintos entre si, os quais, ao contrário da grande oferta da internet, já teriam passado pelo menos pelo crivo de um leitor qualificado que, de alguma forma, os respalda, o antologista.

Dessa maneira, fica estabelecida uma diferença clara em relação às coletâneas que reúnem nomes consagrados sobre as quais reflete Serrani (2008, p.270); as antologias argentinas de novos autores são compilações de textos cuja contextualização não levanta dúvidas, uma vez que seu maior propósito é o de apresentar e reforçar a existência de uma

“geração” de escritores que apresentariam determinadas características comuns.

Além disso, é pertinente observar que o fenômeno não é exclusivamente argentino, pode-se identificar a existência de obras com o mesmo perfil em todo o continente (Chile; Voces -30, Paraguai; Los chongos de Roa Bastos, Peru; Los disidentes, Puerto Rico; En el ojo

del huracán, República Dominicana; Los replicantes; Brasil, Geração zero zero). Além de

antologias que reúnem nomes de todo o continente e que apresentam a mesma proposta, como a Nuevas rutas (2011) e Región (2011), esta apresentando a política como tema eu norteia a seleção, e o volume da revista Granta (2010) dedicado aos melhores jovens narradores em espanhol.

No entanto, o título mais significativo no âmbito latino-americano parece ser , El futuro no es nuestro (2009). Organizada por Diego Trelles Paz e publicada inicialmente na internet, mas também disponível em versões reduzidas (o original apresenta mais de 60 contos e a publicação em papel, cerca de 25) em diversos países (Argentina, Chile, México, Bolívia, Hungria, Peru e Estados Unidos) essa antologia brinca com a própria aparente fugacidade do corpo das narrativas que veicula ao incorporar e excluir novos textos em cada uma das versões. A estratégia se radicaliza de modo quase performático na versão impressa pela editora argentina Eterna Cadencia que tem sua impressão apagada após algum tempo de uso. Dessa forma, a antologia convida o leitor a consumi-la com uma urgência própria do que se pretende novo (SASTRE, 2012, p. 5).

Fica claro, portanto, que essas obras exploram o potencial da antologia para apresentar o se pretende novo tanto no sistema literário latino-americano quanto em escala etária. La joven guardia, antologia publicada em 2005 que inaugurou essa tendência na Argentina atual,

Imagem

Figura 1: livro  El amor es mucho más que una novela de quinientas palabras , de Santiago  Vega / Washington Cucurto, publicado por Eloísa Cartonera
Figura 2: Publicações da editora Clase Turista
Figura 3: Capa da edição argentina da antologia  La joven guardia  (2005)
Figura 4: Capa da edição espanhola da antologia  La joven guardia  (2009)
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Referências

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