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Ambientes multimediaticos de aprendizagem : entidades mediando a autonomia

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Universidade Estadual de Campinas - Unicamp

Instituto de Artes

Mestrado em Multimeios

A

MBIENTES

M

ULTIMEDIÁTICOS DE

A

PRENDIZAGEM

:

E

NTIDADES

M

EDIANDO A

A

UTONOMIA

Flaminio de Oliveira Rangel

Campinas –SP 2004

(2)

Universidade Estadual de Campinas - Unicamp

Instituto de Artes

Mestrado em Multimeios

A

MBIENTES

M

ULTIMEDIÁTICOS DE

A

PRENDIZAGEM

:

E

NTIDADES

M

EDIANDO A

A

UTONOMIA

Flaminio de Oliveira Rangel

Dissertação apresentada ao Curso de Mes-trado em Multimeios do Instituto de Artes da Unicamp como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Multimeios sob a orientação do Prof. Dr. José Arman-do Valente.

Campinas – SP 2004

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FICHA CATALOGRÁFICA

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IA. - UNICAMP

R163a Rangel, Flaminio de Oliveira.

Ambientes multimediáticos de aprendizagem: entidades me-diando a autonomia. / Flaminio de Oliveira Rangel. – Campi-nas,SP: [s.n.], 2004.

Orientador: José Armando Valente.

Dissertação(mestrado) - Universidade Estadual de Campinas Instituto de Artes.

1. Educação a distância. 2. Autonomia. 3. Entidades. 4. Interface (Computador). I. Valente, José Armando.

II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

(4)

F

LAMINIO DE

O

LIVEIRA

R

ANGEL

A

MBIENTES MULTIMEDIÁTICOS DE APRENDIZAGEM

:

ENTIDADES MEDIANDO A AUTONOMIA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Multimeios do Instituto de Artes da Unicamp como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Multimeios.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. José Armando Valente Titulação: Doutor

Instituição a qual é filiado: Universidade Estadual de Campinas / Insti-tuto de Artes

Prof. Dr. Carlos Roberto Silveira Correa Titulação: Doutor

Instituição a qual é filiado: Universidade Estadual de Campinas / Fa-culdade de Ciências Médicas

Prof. Dr. Fernando José de Almeida Titulação: Pós Doutorado

Instituição a qual é filiado: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo / Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo

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À minha amada esposa, Tchelo, a meus queridos fi-lhos Cauê e Pedro, razões da minha existência e e-nergia que me move. Nas trilhas por onde andei, não estive só. Nas dificuldades por que passei, recebi a-poio. Nos momentos de desânimo, recebi incentivo. A vocês, o meu mais sincero e profundo amor num pe-dido de reparo do tempo que me isolei na frente do computador, produzindo este trabalho. Agora pode-remos passear novamente! Que tal uma viagem?

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AGRADECIMENTOS

Aos agentes comunitários de saúde dos centros de saúde São Marcos e Santa Mônica pela colabo-ração amiga, ativa, persistente e incansável. À coordenação do Projeto Comunidade Saudável – prof. Dr. Carlos Correa, prof. Dr. José Valente, prof. Dr. Humberto Rangel – pela oportunidade de desenvolver minhas pesquisas como parte de tão importante empreendimento e por acredita-rem que elas poderiam contribuir para a promoção da saúde na comunidade. Aos colegas Ivan Maia e Carla Rodrigues pela parceria solidária e pelos debates que tanto contribuíram para este trabalho. À minha irmã Olívia pelas revisões de texto e pela inestimável participação nas ativida-des de educação a distância. Ao meu irmão Egon, pelos debates e o apoio na área de linguagem e comunicação. A meus pais, Humberto e Celene, por tudo o que me proporcionaram na vida e pela eterna, calorosa e carinhosa acolhida. A meus sogros, José e Lucia por reavivarem em mim, a cada momento, o sentido das palavras amor, família, e saudade.

(7)

Se não morre aquele que escreve um livro ou planta uma árvore,

com mais razão não morre o educador,

que semeia a vida e escreve na alma. (Piaget)

(8)

RESUMO

RANGEL, Flaminio de Oliveira. Ambientes multimediáticos de aprendizagem: entidades mediando

a autonomia. Campinas, 2004. [Dissertação de mestrado]. Instituto de Artes, Unicamp.

Integrando um projeto maior, o Comunidade Saudável, o trabalho de que trata esta dissertação foi desenvolvido junto a agentes comunitários de saúde em São Marcos, região carente e periférica de Campinas. A pesquisa visava estudar o desenvolvimento da autonomia de um grupo de agen-tes de saúde frente ao desafio de usar os recursos telemáticos de Educação a Distância (EAD), assim como a tecnologia digital, como meios para promoção da saúde na comunidade. A idéia central era que os agentes, imersos nesses ambientes multimediáticos de aprendizagem, pudessem encontrar recursos para exercitar sua autonomia e incorporar estas novas tecnologias e os novos conhecimentos produzidos por intermédio dela na transformação de sua prática de trabalho, assim como avançar na construção de uma Comunidade Saudável.

Por meio de um processo de pesquisa-ação, de atividades presenciais e à distância, foi possível perceber que o desenvolvimento da autonomia no adulto, se dava por meio de um movimento relativo e contraditório, no qual foi possível detectar elementos dos estágios previstos por Piaget para crianças. No entanto, a combinação entre estes elementos não configurava estágios estáveis nem puros. Por outro lado, sua evolução prendeu-se a aspectos sócio-culturais, a interesses mais imediatos, ligados ao mundo do trabalho, assim como a representações mentais construídas ao longo da vida. Percebemos que o diálogo entre essas representações mentais, a que chamamos

entidades, era decisivo na manutenção e no desenvolvimento dos ambientes de aprendizagem,

assim como da autonomia.

Nossos resultados indicam que, em ambientes onde estas entidades estão bem definidas e sob contro-le dos participantes, os aprendizes se sentem mais à vontade. Nestas condições, a aprendizagem e a autonomia propostas se desenvolvem livremente, e é possível observá-las. Por outro lado, quando são menos definidas e fogem ao controle ou são muito caóticas, surgem novas entidades (desconfiança, insegurança, insatisfação) que podem levar à implosão do ambiente de aprendizagem e, conseqüen-temente, à não apropriação das tecnologias digitais.

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Para educadores e mediadores que pretendam atuar com redes telemáticas de EAD, coloca-se, então, a necessidade de entender este diálogo entre as entidades e desenvolver habilidades e competências para que se possa mediar adequadamente esta comunicação, respeitando e desenvolvendo a autono-mia do aprendiz.

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ABSTRACT

RANGEL, Flaminio de Oliveira. Multimedia learning ambiences: entities mediating autonomy.

Campinas, 2004. [Master Dissertation]. Instituto de Artes, Unicamp.

Present work that integrates a Healthy Community Program focus on a group of the Community Health Agents (CHA) from S. Marcos, a poor region of Campinas outskirts. It was devised to study the development of the autonomy of a group of CHA which were challenged to use the telematic resources of Distance Education (DE) and digital technology as tools for a Community Health Promotion Program. It was expected that CHA, immersed in these multimedia learning ambiences could find a way to exert their autonomy and incorporate new technologies and new knowledge to transform their praxis and improve efforts in direction of Healthy Community con-struction.

By means of a research-action process, including distance and presence learning activities, it could be seen that the development of autonomy in adults followed a conflicting movement in which elements from the child stages described by Piaget could be detected. However, enduring or pure stages did not result from the combination of these different elements. Its evolution was rather linked to social cultural aspects, personal interests, work ambience and mental represen-tations lifelong constructed. We observed that the dialogue between these mental represenrepresen-tations we label as entities, were determinants to maintain ambiences able to develop learning and autonomy.

Results obtained indicate that students feel more at easy in those ambiences where entities are well defined and controlled by participants. Under these conditions, proposed learning and autonomy de-velop freely and can be observed. Otherwise when entities are poorly defined, they are chaotic and escape control; new entities then appear (suspicion, insecurity, dissatisfaction) favoring implosion of the learning ambience and failure of empowerment of the digital technologies.

Educators and instructors which intend to work with telematic webs of distant education should then be aware of the need to understand this dialogue between entities and acquire the required

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skills and competences to mediate this communication in order to permit the development of the student autonomy.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...19

2 AMBIENTES DE APRENDIZAGEM, INTERFACES E ENTIDADES ...31

2.1 O PROJETO COMUNIDADE SAUDÁVEL ... 31

2.2 O UNIVERSO COMUNICACIONAL... 35

2.3 O MUNDO DO TRABALHO E O ACESSO AO CONHECIMENTO... 36

2.4 VISUALIZANDO O PERFIL PEDAGÓGICO... 39

2.5 AMBIENTE DE APRENDIZAGEM E SOFTWARE DE APRENDIZAGEM ... 47

2.6 INTERFACES E AMBIENTES DE APRENDIZAGEM... 56

2.7 COMUNICAÇÃO ENTRE ENTIDADES... 61

2.8 A INTERAÇÃO EM EAD E O TELEDUC... 63

2.8.1 Modelos interação em EAD ...63

2.8.2 Definindo a Plataforma...66

2.8.3 O uso do TelEduc...69

3 AUTONOMIA: CONCEITOS E PROCESSOS...73

3.1 INDEPENDÊNCIA OU NÍVEIS DE GESTÃO NAS RELAÇÕES INTERDEPENDENTES?... 74

3.2 A AUTONOMIA E A LUTA DE CLASSES ... 76

3.3 AUTONOMIA E OS PROCESSOS EPISTEMOLÓGICOS ... 79

3.4 AUTONOMIA, PEDAGOGIA E ANDRAGOGIA ... 86

3.5 AUTONOMIA: SUBSTANTIVO OU VERBO? ... 89

3.6 AUTONOMIA E COOPERAÇÃO... 93

3.7 AUTONOMIA NO COMUNIDADE SAUDÁVEL ... 95

4 OBJETIVOS E QUESTÕES METODOLÓGICAS ...101

4.1 OBJETIVOS... 101

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4.2.1 O Sujeito da autonomia...103

4.2.2 O contexto...104

4.2.3 Duração das pesquisas ...106

4.2.4 Os mediadores...106

4.2.5 O objeto da autonomia...108

4.2.6 Atividades desenvolvidas ...109

4.2.7 A coleta de dados ...111

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ...113

5.1 RESULTADOS DOS PRIMEIROS CONTATOS ... 113

5.2 AÇÕES NA UNICAMP... 115

5.2.1 O contexto do ambiente de aprendizagem ...116

5.2.2 Anomia: o imaginário e o sensório-motor ...118

5.2.3 Heteronomia: procura-se um rosto...122

5.2.4 Autonomia (cooperação nascente): do diálogo à ação...126

5.2.5 Discussão e considerações ...131

5.3 AÇÕES NO ESPAÇO ESPERANÇA ... 133

5.3.1 O novo contexto ...134

5.3.2 O surgimento do marco regulatório ...135

5.3.3 O debate sobre “espaço público” ...136

5.3.4 As novas entidades e o TelEduc ...139

5.4 AÇÕES NOS CENTROS DE SAÚDE... 146

5.4.1 Do Espaço Esperança para os centros de saúde ...146

5.4.2 Descobertas posteriores...149

6 CONCLUSÕES FINAIS ...151

(14)

1 INTRODUÇÃO

Nesta introdução pretendo, de um lado, abordar o caminho percorrido na aproximação do tema deste trabalho e, por outro, explicitar como a questão-problema foi-se revelando.

Filho de professor universitário, convivi desde cedo com debates acadêmicos a respeito do impacto do desenvolvimento científico e tecnológico na sociedade. O significado da chegada do homem à Lua, as conseqüências sociais da guerra do Vietnã, a preocupação com a escalada nuclear no período da Guerra Fria, a necessidade de políticas públicas em medicina preventiva foram alguns dos temas em que estive imerso.

Sob a atmosfera do lançamento das sondas norte-americanas, Voyager e Apollo, cursei o ensino médio, e o bacharelado em Física na Unicamp. Desse período de corrida pelo domínio do cosmos e da microeletrônica herdei uma educação profissionalizante voltada ao desenvolvimento tecnológico. Durante oito anos, realizando atividades de iniciação científica e estágios na Uni-camp e USP, pude acompanhar os primórdios da pesquisa com fibra ótica e com supercondutivi-dade do Nióbio. Desde então o domínio do conhecimento e da tecnologia aparecia, para mim, como vinculada às relações políticas e sociais, orientando parte de minhas atenções para esse foco.

As reviravoltas sociais também influíram na minha formação profissional. Envolto no clima do forte movimento sindical emergente no final de 1970 e início de 1980, dos movimentos político-sociais das Diretas-Já e do Fora-Collor, me dediquei profissionalmente à educação de

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comunidades sindicais e populares, verdadeiras comunidades aprendentes1. Busquei, com essa atividade, contribuir para que esses setores elevassem o seu grau de conhecimento, autonomia e consciência. Nesse período, as propostas educacionais de cunho crítico-social canalizavam os questionamentos pedagógicos dessas comunidades. Entre as lideranças, era comum encontrarmos textos de Vigotsky, Freire e Saviani.

A partir do movimento sindical dos professores da rede pública, na década de 1990, a-companhei os debates que buscavam construir novos paradigmas educacionais. Interessava-me mais pelas propostas que alertavam para o mundo digital, que surgia como novidade potenciali-zando as novas posturas educacionais. Já se abordava a questão das diferenças econômico-sociais e seus reflexos na desigualdade de acesso ao conhecimento.

Intrigado com as relações entre comunicação, aprendizagem, conhecimento e tecnologia, voltei aos bancos acadêmicos para uma especialização em Filosofia na UFPR-PR. A partir de um referencial filosófico sócio-histórico e de concepções epistemológicas interacionistas, pude visua-lizar as mudanças de paradigma em curso na Educação e redirecionar minha atividade profissio-nal. Nas escolas públicas de Curitiba, onde ministrava aulas de Física e Informática, introduzi projetos pedagógicos com robótica e produção de sites. Paralelamente, iniciei estudos sobre o papel da tecnologia digital e seus multimeios na comunicação e na produção de ambientes de aprendizagem que favorecessem a construção do conhecimento e pudessem ser um contraponto às pressões sociais de exclusão do conhecimento.

Após uma ampla procura em faculdades de Educação, encontrei, no Departamento de Multimeios da Unicamp, um ambiente propício para o desenvolvimento de pesquisas sobre as questões de aprendizagem e tecnologia que me afligiam. Buscava, nesse momento, caminhos que, referenciados nos “paradigmas educacionais emergentes” propostos por Moraes (2000), con-tribuíssem para a construção de ambientes de aprendizagem capazes de utilizar as tecnologias digitais em benefício das camadas menos favorecidas da sociedade. Nesse contexto, a

1 Adaptação da expressão em inglês Learning Communities, também encontrada como Comunidades do

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tica da interface educação-tecnologia-comunicação-conhecimento surgia como um tema a ser pesquisado e desvelado, para que meus objetivos pudessem ser alcançáveis.

Concomitantemente fui atraído pelas propostas do Projeto de Política Pública Comuni-dade Saudável2, que se desenvolvia na região do São Marcos, com cerca de 35.000 moradores, localizada na periferia de Campinas.

O projeto pretende produzir um movimento social, educacional e cultural orientado pe-los referenciais de promoção da saúde e de uma Comunidade Saudável3. Para esse desafio, o pro-jeto conta com as parcerias entre a comunidade, a Unicamp, o Ipes4 e a prefeitura de Campinas. No entanto, o ponto central do projeto, sua

força motriz, está na a ação decisiva de 50 agentes comunitários de saúde e agentes sociais comunitários que moram e atuam na região. Durante a primeira e segunda fase de implantação do projeto, de 2001 a 2004, esses agentes realizaram atividades bastante significativas em termos de comunicação e multimeios. Podemos citar a produção um vídeo, a formação de um arquivo fotográfico

da região e a estruturação de um banco de dados. O vídeo, revelando as condições socioeconômi-cas da região, foi concebido, roteirizado e produzido por membros da comunidade. O arquivo fotográfico, com centenas de imagens retratando as condições de moradia da região, foi produzi-do a partir produzi-do trabalho de uma agente social comunitária que gostava de fotografia. O banco de dados tornou-se possível por meio de uma parceria mais integrada com os centros de saúde.

2 Projeto desenvolvido pela Unicamp em parceria com a Prefeitura de Campinas e financiamento da Fapesp.

3 Comunidade Saudável: expressão usada pela Organização Mundial da Saúde para designar comunidades ou

muni-cípios que vivem em um patamar de bem-estar social considerado saudável. Essa expressão é parte de um novo para-digma no qual a saúde é entendida não como tratamento da doença, mas como a busca do bem-estar social e cultural.

4 Ipes – Instituto de Pesquisas Especiais para a Sociedade – ONG fundada em 1997. Formada por professores

univer-sitários, objetiva levar o conhecimento científico para as comunidades carentes e formar parcerias que potencializem a promoção da saúde.

Figura 1. Painel apresentado no III Encontro comunidade Saudável – Unicamp, Junho, 2003

Interação Universidade Universidade,,

Organiza

Organizaçção da Sociedade Civilão da Sociedade Civil ee

Administra

Administraçção Pão Púúblicablica Programa

Programa

Comunidade Saud

Comunidade Saudáável

vel

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Interação

Universidade Universidade,, Organiza

Organizaçção da Sociedade Civilão da Sociedade Civil ee

Administra

Administraçção Pão Púúblicablica Programa

Programa

Comunidade Saud

Comunidade Saud

á

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vel

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lizando o Epi-Info5, os agentes de saúde efetuaram o cadastramento das informações socioeco-nômicas e biomédicas de mais 1300 famílias da comunidade.

A partir de 2002, o projeto iniciou a implantação de núcleos de educação a distância com o objetivo de desenvolver ambientes de aprendizagem com recursos digitais e de promover um processo de “educação continuada” e “contextualizada” nos moldes propostos por Valente (2001). Pretendia-se aprofundar o processo de aprendizagem digital iniciado anos antes com a produção de fotografias e vídeos pela comunidade. Esperava-se também produzir um desloca-mento, na consciência e ação das pessoas, do atual paradigma de saúde como tratamento da do-ença, para o novo paradigma de promoção da saúde6.

Nesse cenário, povoado por agentes de saúde e pesquisadores, iniciamos o desenvolvi-mento das pesquisas. Com relação ao aspecto educacional dos trabalhos de pesquisa, buscávamos entender, por um lado, como aquela situação real poderia contribuir para o entendimento da com-plexidade dos ambientes de aprendizagem e do desenvolvimento da autonomia e, por outro lado, como os ambientes de aprendizagem, com recursos digitais, poderiam contribuir na construção do co-nhecimento e no desenvolvimento da autonomia do grupo.

O Projeto Comunidade Saudável, no qual estávamos inseridos, foi aprovado pela Fapesp em dezembro de 2000 e continua se desenvolvendo numa das regiões mais carentes da periferia de Campinas, a região do São Marcos. Suas atividades iniciaram-se formalmente no início de 2001 com um curso de formação para os Agentes Comunitários de Saúde que integravam o Pro-jeto Paidéia, ligado ao Programa Saúde da Família, ambos administrados pela prefeitura de Cam-pinas. Nesse curso, realizado por meio de convênio entre o CETS7, o Ipes e o Serviço de Saúde Cândido Ferreira, iniciou-se um esforço conjunto para ampliar as concepções de saúde. Eram os primeiros passos na migração dos paradigmas de saúde como tratamento da doença para um novo paradigma de promoção da saúde.

5 Epi-Info: banco de dados da Organização Mundial da Saúde. É um software livre que roda em sistemas DOS. 6 Por “Promoção da Saúde” entende-se a “promoção do bem-estar social”, onde alimentação, moradia, saneamento,

ecologia, cultura, lazer, educação etc. sejam contempladas.

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Figura 2. Espaço Esperança. Aqui os agentes de saúde defi-niam seus objetivos na utilização dos ambientes de aprendi-zagem e dos recursos digitais

Desde então, buscou-se uma aproximação entre as concepções de promoção da saúde e de Comunidade Saudável, contidas nas orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). De acordo com o presidente do Ipes, o Prof. Dr. Humberto de Araújo Rangel,

Há momentos na vida de cada um de nós em que tomamos consciência da necessidade de mudar de rumos. Os velhos conceitos, os velhos hábitos, já não mais condizem com a realidade e precisamos então rever conceitos e introduzir novas práticas. Há também, na vida dos povos, períodos de crise, de mudança de paradigmas, em que a nação resolve mudar nos rumos do próprio destino.

Não há como negar que o Brasil, a partir de 1988, esteja realizando um enorme esforço visando a mudar conceitos e práticas para adequar a política pública de saúde às necessi-dades deste país de dimensões continentais. (Martins & Rangel, 2004, p. 139)

Integrando as áreas de saúde, educação e economia solidária, o Proje-to Comunidade Saudável tem como um de seus objetivos envolver os atuais agentes comunitários de saúde em uma formação alicerçada nos paradigmas sustentados pela OMS e pela Opas. Es-perse que, com essa formação, os a-gentes possam ampliar seu raio de ação e cumprir o papel de Agente Social Comunitário8, numa atuação intersetori-alizada junto à comunidade, em busca da

promoção da saúde. Para esse processo, o projeto prevê a constituição de ambientes de aprendi-zagem com uso de recursos digitais, redes telemáticas e softwares de Educação a Distância (E-AD).

A importância e centralidade do agente de saúde no interior do Projeto Comunidade Saudável deve-se basicamente a dois fatores.

8 Agente Social Comunitário: seria a junção das funções de agente comunitário de saúde (atualmente mantido pelas

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O primeiro é que, ao se constituírem como interface entre cada morador e o centro de saúde, conseguem obter informações detalhadas sobre saúde, condições sócio-econômicas, con-dições de moradia e de trabalho de cada membro da comunidade. Sem a figura desse agente seria quase impossível obter informações tão minuciosas que, uma vez coletadas e otimizadas pela tecnologia de banco de dados, podem facilmente apontar diagnósticos sociais, ambientais, epi-demiológicos e servir de base para políticas públicas em prevenção de doenças e promoção da saúde.

O segundo fator é que, ao serem um equipamento social estabelecido nacionalmente, podem se transformar, se capacitados e apoiados pelas tecnologias digitais, em agentes transfor-madores da saúde pública no país. Esse papel destacado do agente comunitário de saúde foi rea-firmado durante o III Encontro Comunidade Saudável, realizado na Unicamp em maio de 2003. Segundo a secretária municipal de saúde, Maria do Carmo Carpinteiro,

O agente comunitário de saúde representou um enorme salto de qualidade para o sistema de saúde. Como membro da própria comunidade, o agente levou o olhar externo para a equipe de saúde. Com o agente, o sistema passou a ter, então, um olhar mais atento para os riscos à saúde da população, que não se restringem aos fatores diretamente responsá-veis por doenças. Existem os riscos sociais, ambientais. Essa é uma enorme mudança de paradigma, pois significa a crítica à visão meramente biologista da saúde. O desafio é construir uma rede mais articulada, intersetorial, para responder à complexidade de uma realidade em área metropolitana como a de Campinas. (apud Martins & Rangel, 2004, p. 141)

Levando em consideração esses dois fatores, poderemos perceber a importância estraté-gica que assume a inclusão das tecnologias digitais de informação e comunicação na formação e na atividade profissional dos agentes comunitários de saúde.

Os agentes comunitários de saúde da região do São Marcos são moradores locais que en-traram para o serviço de saúde da prefeitura por meio de concurso realizado no início de 2001. Em sua maioria são mulheres, possuem nível médio e estão na faixa etária de 20 a 40 anos de idade. Foram contratados através de convênio com o Serviço de Saúde Cândido Ferreira nos

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moldes da CLT9, e não como funcionários públicos. Nesse sentido são terceirizados e não têm a estabilidade usufruída pelo funcionalismo.

Com o início dos trabalhos foi possível perceber que a simples presença do mundo aca-dêmico na região do São Marcos colocava em confronto duas culturas distintas, ao mesmo tempo em que apontava desafios comuns: de um lado o mundo acadêmico com seus alunos e professo-res, com sua metodologia e com seu conhecimento científico; do outro, a comunidade com seus moradores e agentes comunitários de saúde, com seu conhecimento popular e sua profunda des-confiança social, inclusive em relação ao trabalho que se iniciava. Partindo de linguagens, meto-dologias e conhecimentos diferentes, ambos os setores se propuseram a construir novas formas de comunicação e novos conhecimentos, e a atingir novos níveis de autonomia a partir das propostas do projeto e dos recursos que a tecnologia digital colocava à disposição.

Levando em consideração os alertas destacados por Garcia (1980, p. 89) sobre as postu-ras pedantes e o “intelectualismo”, buscamos referenciais que nos permitissem observar a realida-de sob uma ótica que revelasse os problemas reais e não nossas próprias imagens. Partimos, apoia-dos nas considerações de O pensamento selvagem (Lévi-Strauss, 1970), do pressuposto de que essa diferença de conhecimento não imputava nenhuma condição de superioridade ou inferioridade em relação à capacidade intelectual e de que ambas as formas de pensar teriam estruturas semelhan-tes, embora partissem de percepções diferentes e usassem diferentes recursos. Não se tratava da relação entre uma cultura ágrafa e outra baseada na escrita, como na obra citada, mas de uma cultura popular e outra científica, ambas com domínio da oralidade e da escrita, e também ambas em processo de letramento digital.

O ponto de contato entre as duas culturas era o objetivo comum de se criar as condições para a promoção da saúde em direção à construção de uma Comunidade Saudável. Tornava-se necessário, então, partirmos da compreensão desse objetivo geral e, a partir dele, localizarmos os problemas e objetivos específicos de que trataremos nesta dissertação. Ou seja, já sabíamos que o objetivo geral era avançar na promoção da saúde, que um dos meios para isso seriam os ambien-tes multimediáticos de aprendizagem e que, dentre as habilidades e competências desenvolvidas,

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a autonomia seria nosso objeto de estudo. Sendo assim, para estabelecer a questão-problema a ser investigada pelo presente estudo, dois novos conceitos precisavam ser esclarecidos: promoção da

saúde e Comunidade Saudável.

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS)10

A healthy city is one that is continually creating and improving those physical and social environments and expanding those community resources which enable people to mutu-ally support each other in performing all the functions of life and in developing to their maximum potential. (WHO, 1998, p. 359)

No interior do projeto esse conceito assume sua concretude nas palavras do Prof. Dr. Humberto Rangel na abertura do III Encontro Comunidade Saudável:

As condições e requisitos para a saúde são: a paz, a educação, a moradia, a alimentação, a renda, um ecossistema estável, justiça social e equidade. (Martins & Rangel, 2004, p. 140)

Por promoção da saúde, a Organização Pan-Americana de Saúde entende

O nome dado ao processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo. Para atingir um estado de completo bem-estar físico, mental e social, os indivíduos e grupos devem saber identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar favora-velmente o meio ambiente. A saúde deve ser vista como um recurso para a vida, e não como objetivo de viver. Nesse sentido, a saúde é um conceito positivo, que enfatiza os recursos sociais e pessoais, bem como as capacidades físicas. Assim, a promoção da sa-úde não é responsabilidade exclusiva do setor sasa-úde, e vai para além de um estilo de vida saudável, na direção de um bem-estar global. (Opas, 2003, p. 1)

No entanto, apesar dessa referência conceitual alicerçada na OMS e na Opas, adotada pela coordenação do projeto, circulava entre os agentes comunitários de saúde uma outra inter-pretação desses conceitos. Essa outra concepção partia de uma crítica frontal às concepções da OMS e alinhava-se ao lado dos setores menos favorecidos da sociedade.

A definição internacional diz que a saúde seria esse estado de conforto, de bem-estar fí-sico, mental e social.... Gostaríamos de tecer uma crítica a essa definição.

Em nosso entender, há duas razões para essa crítica: a primeira é que esse estado de bem-estar e de conforto, se nos aprofundarmos um pouco mais, é impossível de definir. […]

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E a segunda crítica a fazer é que, no fundo, esse perfeito e completo estado de bem-estar... não existe! (Dejours11, 1986, p. 8)

Considerando o homem como um ser social em constante transformação e desenvolvi-mento, e a saúde como movimento e não como um estado estável, Dejours incorpora em seu con-ceito de saúde os recentes resultados dos estudos em fisiologia humana, em psicossomática e em psicopatologia do trabalho. Considerando as condições de trabalho, as condições psicológicas e sociais em seu conceito de saúde, propõe:

Se tentarmos, então, agora, uma definição, buscando salvar o que sugere a antiga defini-ção de saúde, diríamos que a saúde para cada homem, mulher ou criança é ter meios

de traçar um caminho pessoal e original, em direção ao bem-estar físico, psíquico e social.

A saúde, portanto, é possuir esses meios.

O que significa possuir esses meios e o que é esse bem-estar?

Creio que para o bem-estar físico é preciso a liberdade de regular as variações que apare-cem no estado do organismo; temos o direito de ter um corpo que tem vontade de dormir, temos o direito de ter um corpo que está cansado (o que não é forçosamente anormal) e que tem vontade de repousar.

A saúde é a liberdade de dar a esse corpo a possibilidade de repousar, é a liberdade de lhe dar de comer quando ele tem fome, de fazê-lo dormir quando ele tem sono, de forne-cer-lhe açúcar quando baixa a glicemia. É, portanto, a liberdade de adaptação. Não é a-normal estar cansado, estar com sono. Não é, talvez, aa-normal ter uma gripe, e aí vê-se que isso vai longe. Pode ser até que seja normal ter algumas doenças. O que não é nor-mal é não poder cuidar dessa doença, não poder ir para a cama, deixar-se levar pela do-ença, deixar que as coisas sejam feitas por outro durante algum tempo, parar de trabalhar durante a gripe e depois voltar.

Bem-estar psíquico, em nosso entender, é, simplesmente, a liberdade que é deixada ao

desejo de cada um na organização de sua vida.

E por bem-estar social, cremos que aí também se deve entender a liberdade, e é essa li-berdade de se agir individual e coletivamente sobre a organização do trabalho, ou seja, sobre o conteúdo do trabalho, a divisão de tarefas, a divisão dos homens e as relações que mantém entre si. (Dejours, 1986, p. 11, grifo do autor)

O fato de essas duas visões coexistirem no interior do projeto mostra a riqueza e a com-plexidade de um debate vivo, assim como a necessidade de estabelecermos, desde o início dos trabalhos, um referencial teórico claro, no que toca à saúde, para abordarmos o desenvolvimento da autonomia e dos ambientes de aprendizagem inseridos nesse contexto.

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Diante dessas duas concepções, consideramos que, se pretendíamos focar a construção de ambientes de aprendizagem e a autonomia dos agentes de saúde, seria correto que adotásse-mos a perspectiva social do próprio agente enquanto trabalhador assalariado. Consideraadotásse-mos, por-tanto, que o conceito interpretado por Dejours (1986) adequava-se mais à nossa pesquisa por re-fletir as reais condições de trabalho do agente de saúde. Submetidos a estressantes jornadas, pres-sionados pelo medo da demissão, os agentes deveriam criar as condições locais para que a pro-moção da saúde não fosse apenas uma bandeira abstrata, mas que, com pequenos passos e atitu-des, começasse a se concretizar no próprio processo de aprendizagem.

A partir daí, emergiram os primeiros problemas ligados à interface aprendizagem-tecnologia: Que características dos ambientes de aprendizagem seriam mais significativas para dar conta de tamanho desafio? Que papel os recursos de EAD, parte destes ambientes, cumpriri-am na produção dos novos modos de pensar a saúde e desenvolver nos agentes de saúde níveis mais elevados de autonomia?

A hipótese inicial dos trabalhos é a de que estávamos inseridos em um embrião de co-munidade aprendente12, na qual se fundia uma nova “ecologia cognitiva” (Levy, 1994). Nessa comunidade forjavam-se diversos ambientes multimediáticos de aprendizagem, que incorpora-vam, além dos novos paradigmas em saúde e educação, as novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) e os recursos de Educação a Distância (EAD). As questões referentes à mo-delagem desses ambientes de aprendizagem, e de desenvolvimento da autonomia dos agentes de saúde, emergiam como questões candentes para os pesquisadores da área pedagógica. Desvendar os caminhos da aprendizagem nesses ambientes poderia potencializar os projetos de expansão nacio-nal e de transformação da saúde pública no país.

Nesse sentido, a presente dissertação pretende colaborar para tornar possível, num futuro próximo, a construção de propostas educacionais transformadoras na saúde.

12 Comunidades aprendentes: expressão usada para designar comunidades que se utilizam dos processos de educação

continuada para se readaptarem às mudanças econômico-sociais, tecnológicas, comunicacionais e de conhecimento, produzidas a partir da década de 1980 e dos fenômenos da globalização.

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Nosso trabalho, então, apresenta em seu segundo capítulo um estudo sobre esses ambi-entes de aprendizagem multimediáticos, buscando estabelecer os aspectos mais relevantes da experiência que estávamos vivenciando na comunidade e que seriam comuns à realidade nacio-nal. No terceiro capítulo, procuramos estabelecer o campo conceitual no qual tratamos a questão da autonomia. Já no quarto capítulo, mesclamos ambientes de aprendizagem e autonomia, em um esforço para significar e contextualizar ambos os processos. Em seguida, no quinto capítulo, a-bordamos as questões metodológicas referentes à pesquisa e também referentes às atividades de-senvolvidas. Os resultados e discussões aparecem no sexto capítulo.

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2 AMBIENTES DE APRENDIZAGEM, INTERFACES E ENTIDADES

Neste capítulo, pretendemos apresentar os principais elementos que compõem o cenário no qual analisamos o desenvolvimento da autonomia. Julgamos que os aspectos aqui analisados são significativos o suficiente no sentido de produzir, no pensamento de cada um dos agentes de saúde, representações mentais que interagem de forma relevante no processo de aprendizagem. No primeiro tópico apresentaremos de forma sucinta o Projeto Comunidade Saudável no interior do qual desenvolvemos nossas pesquisas. Seguindo, apresentaremos as preocupações dos agentes quanto ao mundo do trabalho e aos modelos de aprendizagem. Na seqüência buscaremos concei-tuar ambiente de aprendizagem e, dentro dele, destacar o papel das interfaces gráficas bem como das representações mentais construídas pelos agentes. Por fim, no contexto dos modelos de inte-ração em Educação a Distância (EAD), localizaremos nossa proposta de trabalho assim como a plataforma utilizada.

2.1 O PROJETO COMUNIDADE SAUDÁVEL

O Projeto Comunidade Saudável tem como um de seus objetivos construir um novo mo-delo de política pública na área de saúde, por meio de um processo de pesquisa-ação dos agentes comunitários de saúde. Referenciado no paradigma de promoção da saúde, o projeto pretende constituir ambientes de aprendizagem, com recursos digitais e de Educação a Distância (EAD), que possibilitem levar a comunidade a novos níveis de conhecimento e autonomia. Embora exis-tam outras experiências na mesma direção, a particularidade desse empreendimento reside no estabelecimento de parcerias entre o poder administrativo das prefeituras, o conhecimento

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cientí-fico articulado das universidades, a mobilidade de uma ONG na sociedade civil e a ação dos a-gentes comunitários de saúde, o que permite uma grande capilaridade na comunidade.

Ao desenvolver-se em uma situação viva e contraditória da realidade social local, embo-ra referenciado numa conceituação geembo-ral, o projeto trouxe paembo-ra dentro de si um debate teórico sobre as necessidades da comunidade e do próprio projeto. Um primeiro exemplo, como mencio-nado anteriormente, configurou-se na própria interpretação e conceituação de Comunidade Sau-dável: OMS e trabalhadores terceirizados – os agentes comunitários de saúde – podiam ter opini-ões diferentes!

Havia, então, a possibilidade de escolhermos dois caminhos distintos para a construção do roteiro teórico deste trabalho. Ou seguíamos um roteiro centrado nas necessidades teóricas ou centrado nas necessidades da comunidade. No primeiro caso, teríamos um estudo mais verticali-zado, buscando respostas teóricas e, no segundo, uma abordagem mais horizontal, buscando en-tender o equilíbrio entre diversos fatores presentes na realidade. Optamos pela segunda hipótese. Construímos o roteiro teórico para abordagem dos ambientes de aprendizagem e da autonomia a partir de fatos relevantes que foram surgindo durante o desenrolar do projeto.

Sabíamos de antemão que os agentes comunitários de saúde, por sua função profissional, navegavam em três ambientes físicos distintos nos quais se estabeleciam relações de comunica-ção e também de aprendizagem. O primeiro se constituía na visita casa a casa na comunidade. Contando com planilhas a serem preenchidas, com a orientação dada nos centros de saúde e com seus próprios recursos intelectuais, os agentes orientavam os membros da comunidade desde co-mo fazer para evitar epidemias até coco-mo enfrentar problemas de violência doméstica. A qualida-de da informação obtida por meio das planilhas, ou mesmo oralmente, qualida-dependia da qualidaqualida-de da relação e da interação criada com cada família. Em contrapartida, a qualidade do atendimento dependia da qualidade dos recursos informacionais e intelectuais armazenados pelo agente. Neste primeiro ambiente primavam aí as relações de cooperação e solidariedade. O segundo ambiente físico era composto pelo próprio centro de saúde onde eram discutidas e decididas as campanhas de saúde. Neste local os agentes eram submetidos às orientações da secretaria de saúde, a uma hierarquia rígida do posto, a uma sobrecarga de tarefas. Predominavam as relações coercitivas e estressantes de um ambiente de trabalho com poucos recursos para atendimento de uma

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comuni-dade bastante carente. O terceiro ambiente físico era o ambiente multimediático de aprendizagem que estávamos propondo, no qual, além dos agentes, participavam professores da Unicamp, alu-nos de pós, especialistas e membros da comunidade. Neste ambiente, diferente dos anteriores, o agente de saúde participava voluntariamente e lhe era oferecido a possibilidade de utilizar as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) para procurar soluções para os problemas que afligem a comunidade.

Outro aspecto importante na composição desse roteiro foi que, apesar de a proposta estar centrada no trabalho com os agentes comunitários de saúde, não era possível isolá-los dos centros de saúde, do centro comunitário Espaço Esperança e da comunidade em geral. As composições mistas das reuniões e encontros foram, então, inevitáveis. Os três ambientes mencionados anteri-ormente também sofreram uma certa mescla, na medida em que o agente participava e transfor-mava cada um deles pela sua ação.

Por outro lado, nossa presença na comunidade não era, e não poderia ser, apenas para pesquisa. Deveríamos ser parte propulsora do projeto e dos trabalhos junto à comunidade. Vivía-mos então em um contínuo movimento de ação-pesquisa-ação onde deveríaVivía-mos, nós e os agentes comunitários de saúde, fazermos “a reflexão na ação, a reflexão sobre a ação e a reflexão sobre a reflexão na ação” (Prado & Valente, 2002, p. 38) pedagógica que desenvolvíamos.

Nosso esforço inicial de pesquisa concentrou-se em levantar os aspectos relevantes que comporiam o cenário dos ambientes de aprendizagem e do desenvolvimento da autonomia. Após uma primeira fase de contatos e de um conjunto de reuniões – envolvendo a coordenação do pro-jeto, os agentes comunitários de saúde, os representantes da comunidade do São Marcos e os de-mais parceiros – nas quais foram explicitadas as propostas de trabalho e solicitado a todos os par-ceiros envolvidos que expusessem suas expectativas, surgiram as primeiras questões. A comuni-dade foi taxativa em suas colocações. Além das desconfianças claras em relação à Unicamp rei-vindicaram cursos de informática, curso supletivo e pré-vestibular para que toda a comunidade fosse beneficiada e não somente os agentes de saúde. Devido à dificuldade de transporte reivindi-caram que os cursos e trabalhos fossem realizados em locais da própria comunidade e seguindo os horários propostos por eles.

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Eram questões concretas que, direta ou indiretamente, interfeririam na configuração dos ambientes de aprendizagem, na utilização dos recursos digitais e de EAD pela comunidade, assim como nas características e limites da autonomia. Por isso precisavam ser investigadas. A partir dessas colocações fomos buscar um primeiro enquadramento teórico para o trabalho que estáva-mos iniciando. E percebeestáva-mos que a busca de referências teóricas se estenderia ao longo de toda pesquisa, à medida que novas problemáticas emergissem da ação.

Embora a grande maioria dos agentes de saúde e dos membros da comunidade declaras-se não possuir computador em casa, ter pouca ou nenhuma experiência com computador ou inter-net, foi possível perceber que possuíam uma opinião a respeito do assunto. Mais que uma opini-ão, havia uma reivindicação clara e uma enorme disposição de aprendizagem. Mesmo bastante inexperientes no uso específico dos recursos digitais, a vivência comunitária e o nível de infor-mação a que tinham acesso lhes permitia conquistar certo grau de letramento digital, autonomia e consciência. Tratava-se, pois, de ampliar esses limites com a introdução de novos recursos.

Outra observação significativa dessas primeiras reuniões foi a constatação de que havi-am canais diferentes de comunicação. Nas reuniões, enquanto professores da Unichavi-amp ou repre-sentantes da comunidade falavam do desenvolvimento do projeto ou trocavam documentos a res-peito – olhares, suspiros, piscadas, trejeitos, ausências, silêncios reticentes anunciavam que havia uma outra freqüência comunicacional que precisava ser decodificada e assimilada por todos. As-sim como os membros da comunidade tinham dificuldade em entender a linguagem, a maneira de pensar e algumas expressões do mundo acadêmico, este tinha as mesmas dificuldades em relação à comunidade. O aumento dos níveis de autonomia pretendido, era, portanto, tarefa a ser perse-guida e conquistada por todos os parceiros.

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2.2 O UNIVERSO COMUNICACIONAL

As diferentes culturas e, conseqüentemente, os diferentes modos de comunicação, nos levaram a buscar modelos que pudessem representar as situações que estávamos observando na comunidade. Encontramos em A nova comunicação (Winkin, 1998) uma descrição da evolução do conceito de comunicação.

Inicialmente “considerada como transmissão intencional de mensagens entre um emissor e um receptor” (Winkin, 1998, p. 13), evoluiu para um conceito bem mais amplo onde “O ator social participa dela não só com suas palavras, mas também com seus gestos, seus olhares, seus silêncios... A comunicação torna-se assim a performance permanente da cultura” (Winkin, 1998, p. 14).

No primeiro, chamado modelo “telegráfico”, o emissor decide enviar uma informação ao receptor. A comunicação é, nesse caso, algo intencional que parte de um emissor e chega a um receptor linearmente.

No segundo caso, conhecido como modelo “orquestral”, a comunicação é percebida não como um ato individual, mas como uma instituição social. “Em sua qualidade de membro de de-terminada cultura, o ator social faz parte da comunicação, assim como os músicos fazem parte da orquestra. Mas, nessa vasta orquestra cultural, cada um toca adaptando-se ao outro” (Winkin, 1998, p. 14)

Sendo assim, a fórmula relembrada por Winkin (1998, p. 14) “Não nos comunicamos, participamos da comunicação” substitui o caráter individual e intencional pelo caráter sociocultu-ral e involuntário da comunicação.

Em termos de educação, Freire (1987, p. 69) assinalava que “já agora ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo”.

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Não tivemos a pretensão de aprofundar os aspectos antropológicos da comunicação, uma vez que nossa preocupação central residia em estudar o papel dos multimeios na construção do pensamento e da autonomia. Porém, acreditamos que o modelo orquestral de comunicação, além de ser o que mais se aproximava da realidade em que estávamos inseridos, seria uma ferramenta muito poderosa para abordarmos as comunicações e a educação nos ambientes de aprendizagem.

Desde então, percebemos que não se tratava de a Unicamp decidir transmitir informa-ções científicas à comunidade, nem tampouco de a comunidade transmitir suas necessidades para o mundo acadêmico. Muito pelo contrário, em termos de comunicação e de aprendizagem, tratava-se de todos os parceiros – Unicamp, prefeitura, Ipes (ONG) e comunidade – afinarem tratava-seus instrumen-tos para, juninstrumen-tos, executarem a partitura da promoção da saúde. A construção desse “novo” dependia de todos e, portanto, a construção de conhecimentos e o desenvolvimento da autonomia também de-veria se dar entre todos os parceiros.

2.3 O MUNDO DO TRABALHO E O ACESSO AO CONHECIMENTO

Logo nas primeiras reuniões foi possível detectar o desemprego como um elemento que perturbava a comunidade e os agentes de saúde. Entre os desempregados, surgia a solicitação para que os capacitássemos em informática para melhor disputarem o mercado; entre os agentes, refletia-se em não se arriscarem a nada que pudesse ameaçar aquele emprego recentemente con-seguido. Aparecia, assim, um dos primeiros fatores que iria desenhar o contorno dos relaciona-mentos e da autonomia no projeto: o computador e a tecnologia eram vistos, pela comunidade, sob a ótica da empregabilidade, enquanto a academia propunha a ótica da construção do conhe-cimento. Tínhamos então de incorporar essas preocupações.

Encontramos em Ricardo Antunes um breve panorama das transformações ocorridas no mundo do trabalho nas últimas décadas. Para ele,

O mais brutal resultado dessas transformações é a expansão, sem precedentes na era mo-derna, do desemprego estrutural, que atinge o mundo em escala global. Pode-se dizer, de maneira sintética, que há uma processualidade contraditória que, de um lado, reduz o operariado industrial e fabril; de outro, aumenta o subproletariado, o trabalho precário e o assalariamento no setor de serviços. Incorpora o trabalho feminino e exclui os mais

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jo-vens e os mais velhos. Há, portanto, um processo de maior heterogeneização, fragmen-tação e complexificação da classe trabalhadora. (Antunes, 1995, p. 41, grifo do autor)

Foi relativamente fácil perceber que a situação na qual nos encontrávamos poderia ser descrita, em linhas gerais, como uma expressão regional, particular, das transformações assinala-das acima. A terceirização dos agentes comunitários de saúde, sua composição majoritária de mulheres, a faixa etária, o desemprego estrutural na região, vários jovens do bairro envolvidos com o narcotráfico, a violência, os altos índices de gravidez na adolescência (apontado como um dos graves problemas da região), as más condições de moradia e saneamento eram as expressões locais desse movimento mais geral.

Sabíamos que essas mudanças no mundo do trabalho “implicam profundas alterações em praticamente todos os segmentos de nossa sociedade, afetando a maneira como atuamos e pen-samos” (Valente, 1999, p. 29).

O debate dos primeiros encontros apontou, como uma das conseqüências dessas mudan-ças e da realidade vivida pela comunidade, o aumento das dificuldades no acesso aos recursos tecnológicos e ao conhecimento. Queixavam-se do distanciamento social da Unicamp, apesar da proximidade física. Frente a esse problema propunham a educação (cursos de informática, suple-tivo e cursinho) como um dos meios de superar essa defasagem.

Estávamos frente a dois novos problemas: entender as raízes desse aumento das desi-gualdades no acesso ao conhecimento e propor medidas realmente eficazes capazes de diminuir essa distância, já que esse era um dos objetivos gerais do projeto.

Encontramos uma observação de Duarte (2001) apontando a mesma tendência. Segundo o autor, o relatório da Comissão Internacional Sobre Educação para o Século XXI, da Unesco, publicado pelo Ministério da Educação (MEC) em 1998, reconhece que as desigualdades no a-cesso ao conhecimento não só existem, mas estão aumentando nas últimas décadas. A partir des-sa constatação, detecta um elemento de polêmica entre as concepções do relatório da Unesco, também compartilhadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), e as concepções da pe-dagogia histórico-crítica: Se é verdade que as desigualdades no acesso ao conhecimento têm au-mentado nas últimas décadas, a que se deve esse aumento e quais as estratégias para diminuí-las?

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[…] o texto do relatório revela, em outros momentos, que a inexistência de tal igualdade [de oportunidades e acesso ao conhecimento] não é desconhecida da comissão e também não o é o fato de as desigualdades estarem acentuando-se. As desigualdades econômico-sociais refletem-se na desigualdade de acesso ao conhecimento. Mas tal desigualdade é vista pela comissão como decorrência da tensão entre o crescimento do conhecimento e a limitada capacidade de sua absorção pelos indivíduos. A idéia passa a ser a de atribuir à es-cola a tarefa de preparar os indivíduos para estarem sempre aptos a aprender aquilo que for necessário em determinado contexto de sua vida. A saída é o “aprender a aprender”. (Duarte, 2001, p. 49)

Sem pretender mergulhar nesse debate, concordaremos com o autor, que o lema apren-der a aprenapren-der focado no indivíduo isolado, interpretado pela ótica dos setores dominantes da sociedade e contextualizado pela ausência de políticas públicas concretas, é teórica e tecnicamen-te impotecnicamen-tentecnicamen-te para equacionar e propor soluções para essa defasagem. Tentaremos, pois, encarar essa defasagem sob a ótica dos setores menos favorecidos da sociedade, a exemplo dos morado-res do São Marcos. Sob esse prisma, aprender a aprender ou conquistar graus mais elevados de autonomia, significa levar o ser humano, ao constituir-se enquanto tal nas relações sociais, a do-minar recursos tecnológicos, a apropriar-se dos meios de produção do conhecimento e dos meios de comunicação. O conhecimento humano não é uma abstração – concretiza-se em instituições, recursos tecnológicos, comunicacionais, financeiros; em relações humanas. Colocar a educação co-mo uma ponte sobre as desigualdades de acesso ao conhecimento implicará despertar da consciência para as necessidades de mudanças nas estruturas da sociedade e nas suas relações de poder.

Definida a ótica geral, abordaremos a questão do acesso ao conhecimento a partir do que propuseram os próprios agentes comunitários de saúde, de uma forma bastante concreta: que a Unicamp alocasse recursos tecnológicos e pedagógicos para que a comunidade não só aprendes-se, mas usasse esses recursos para construir novas formas de conhecimento da realidade local (banco de dados clínicos e sociais da região), para se apropriar dos recursos digitais (redes tele-máticas e ambientes de EAD) e desse novo saber.

Partimos da hipótese de que o desenvolvimento desse empoderamento13 e autonomia, na área do conhecimento, implicariam mudanças no interior dos ambientes de aprendizagem, assim como nas relações sociais de trabalho e de poder – o que tentaremos demonstrar no

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mento deste trabalho. Apesar disso, faremos esforços para não desviar o foco da área de aprendi-zagem.

2.4 VISUALIZANDO O PERFIL PEDAGÓGICO

Um segundo grande problema, revelado nessa primeira rodada de conversas, foi o con-torno pedagógico que daríamos aos trabalhos. Se pretendíamos estudar a questão da autonomia, não poderíamos impor um modelo. Muito pelo contrário, deveríamos detectar quais as “matrizes pedagógicas” (Furlaneto, 2003) e ambientes de aprendizagem existentes e colocarmos nossas propostas para debate. Formação de alunos, formação de professores, educação popular, comuni-dade aprendente ou EAD? Quais seriam as tendências existentes na comunicomuni-dade?

A solicitação formulada pela comunidade, de que a Unicamp criasse de cursos de infor-mática para todos, supletivos e pré-vestibulares, indicava a presença de uma matriz pedagógica alicerçada numa concepção de educação formal, escolar, de linhagem tradicional baseada na con-cepção de educação como transmissão de informação. Além dos estudantes secundaristas, que traziam essa experiência das escolas da região para o convívio com os agentes de saúde, essa ma-triz aparecia nas aulas particulares de história, ministradas por um professor da comunidade para os alunos que pretendiam disputar o vestibular. As aulas de informática, ministradas pelo CDI (Comitê de Democratização da Informática), guiavam-se por apostilas tutoriais, e os cursos reali-zados pelos agentes na Secretaria da Saúde, parte da formação profissional, não eram muito dife-rentes.

Como parceira no empreendimento, a Unicamp poderia contribuir com a larga experiên-cia em formação de professores da rede pública, já acumulada pelo mundo acadêmico. São diver-sas experiências construídas a partir de matrizes pedagógicas interacionistas que incorporam as novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) e as mais recentes teorias do conheci-mento. Com sua infra-estrutura tecnológica e seu potencial teórico, a Unicamp teria de ser capaz de estabelecer relações com o universo comunicacional da comunidade que, apesar da enorme diferença em relação ao acesso ao conhecimento e do seu peso institucional, não se impusessem como relações coercitivas para a construção do conhecimento. A Unicamp poderia, então,

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contri-buir com uma matriz pedagógica onde a educação é concebida como construção do conhecimen-to.

Contrastando com essas duas matrizes pedagógicas, havia uma terceira, com caracterís-ticas de educação popular, materializada nos cursos de dança, capoeira, corte e costura, fuxico, que se realizavam há anos no centro comunitário da comunidade, o Espaço Esperança. Essas ex-periências de ensino-aprendizagem da comunidade apontavam traços claros de desconfiança em relação à educação oficial e institucional. Eram um elemento importante do processo de aprendi-zagem que, de uma forma ou de outra e apesar dos limites, apontava para um movimento da co-munidade, o de colocar-se como agente de seu próprio conhecimento e, autonomamente, consti-tuir processos de “educação continuada” (Valente, 2001). Havia, então, apesar dos limites, um processo de “comunidade aprendente” (Fernandes & Pascale, 2003).

Estampavse claramente a necessidade de precisarmos o contorno pedagógico das a-ções que começavam a ser desenvolvidas, incluindo a configuração do grupo de agentes comuni-tários que iríamos observar.

O primeiro passo foi descartar a possibilidade de criação de cursos supletivos e pré-vestibulares, pois esse não era o objetivo do projeto nem da Unicamp. Por outro lado, sabíamos que não se tratava da constituição de uma escola formal, com salas de aula, coordenadores peda-gógicos, professores, crianças e adolescentes etc. O público alvo era formado por adultos entre 20 e 40 anos de idade, assalariados dos centros de saúde, segundo grau completo, cuja função profis-sional constituía, de certa forma, na orientação e educação dos moradores da comunidade. Ti-nham, então, funções semelhantes à dos professores, embora não houvesse a formalidade das escolas nem do conteúdo a ser abordado. Por outro lado, o conteúdo da aprendizagem profissio-nal pretendida mostrava-se profundamente multidisciplinar. Incorporava conteúdos da área médi-ca (curativa, preventiva e social), da sociologia (condições econômico-sociais da comunidade), da educação (concepções de aprendizagem e educação), da psicologia (condicionantes psicológi-cos da relação agente-morador e agente posto de saúde) e de informática (uso do computador no serviço diário, banco de dados, Educação à Distância, cadastro eletrônico).

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Fomos, então, buscar as referências teóricas para as características pedagógicas que es-távamos detectando. Encontramos em Almeida (2001) o relato de uma experiência em formação de professores da rede pública de ensino, do qual participaram alunos, professores e pesquisado-res da PUC-SP. Mais que um relato, encontramos uma concepção de educação e um guia para a ação pedagógica que estávamos empreendendo.

No projeto NAVE, aconteceu um redesenho da função do professor na construção desses ambientes de aprendizagem. O que ficou muito claro para os pesquisadores do Projeto NAVE, foi que o projeto de construir educação é algo que supõe trazer toda a carga das histórias individuais, deixá-las disponível para o grupo, abrir-se aos demais, refletir con-tinuamente sobre o que é aprender, dominar conteúdos e técnicas, ter clara noção de que sociedade se quer viver, para assim poder gerar e criar ambientes inovadores para novos aprendizes. A isso chama-se aqui ensinar. (Almeida, 2001, p. 9)

Com o modelo orquestral de comunicação, as contribuições de Freire (1987) e as de Al-meida (2001), começavam a surgir os contornos pedagógicos mais gerais do movimento no qual nos encontrávamos inseridos. Estávamos buscando construir ambientes de aprendizagem, com recursos digitais e de EAD, no interior dos quais pudéssemos refletir continuamente sobre o que é aprender, dominar conteúdos e técnicas, ter clara noção de que sociedade se quer viver. Esperá-vamos, dessa forma, contribuir com condições para que a comunidade elevasse o seu grau de conhecimento e autonomia. No entanto, diferente da experiência vivida no Nave, a relação social não se dava entre professores da rede pública e alunos professores e pesquisadores, nem no inte-rior das escolas. No Projeto Comunidade Saudável, a relação se dava entre agentes comunitários de saúde; alunos professores e médicos; representantes da comunidade e de ONG que atuavam na região e demais trabalhadores dos postos de saúde. Da mesma forma, o local dos encontros, de-pendendo da atividade, variava entre a Unicamp, o centro comunitário (Espaço Esperança) e os centros de saúde. Outra diferença marcante é que não tínhamos a educação como única atividade comum a todos. A educação, a medicina e a ação dos agentes mesclavam-se à militância comuni-tária. Sendo assim, dependendo dos temas, da composição e local onde eram realizadas as reuni-ões, suas configurações assemelhavam-se a situações escolares, a formação de professores, a e-ducação popular ou reunião comunitária.

Já tínhamos algumas referências de experiências com formação de professores, o que nos ajudava a entender melhor tanto a ação dos agentes na comunidade quanto o processo de

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formação que pretendíamos. Ainda ficavam sem parâmetros os elementos de formação popular que havíamos detectado.

Encontramos em Brandão (1980), descrições de períodos da história brasileira onde a educação popular teve um grande destaque. Referindo-se ao início da década de 1960, o autor coloca que

Aquele foi o começo do tempo da transformação da idéia e da prática de uma Educação de Adultos inocente, vinculada a programas de Desenvolvimento Comunitário aparente-mente despolitizados, logo a serviço oficial da política oficial de dominância, numa E-ducação Popular cuja teoria, desde Paulo Freire, faz a denúncia dos usos políticos da educação opressora e cuja prática converte o trabalho pedagógico do educador em favor do trabalho político dos subalternos, vinculado aos movimentos populares e às práticas de classe.

A memória, portanto, do que se escreve aqui vem do tempo em que se começou a criar um espaço de prática política popular através da educação. Foram experiências que bus-caram realizar a dimensão negada nas promessas oficiais de “educação e desenvolvimen-to” [...]

A produção do Método Paulo Freire dentro do Serviço de Extensão Cultural da Univer-sidade Federal de Pernambuco; as experiências duradouras de uma “educação conscien-tizadora” entre lavradores de Minas Gerais para cima e para o oeste, através do Movi-mento de Educação de Base; a multiplicação de trabalhos culturais e pedagógicos feita pelos movimentos de cultura popular (MCPs) e pelos centros populares de cultura (CPCs), promovidos pela UNE e outras entidades regionais e locais do estudantado bra-sileiro; a montagem do Programa Nacional de Alfabetização, pelo Ministério da Educa-ção e Cultura. (Brandão, 1980, p. 11, grifo do autor)

Embora fossem contextos internacionais e nacionais bastante diferentes no que toca à geopolítica e à economia, num breve estudo desse período poderemos encontrar vários elementos de semelhança com o atual cenário nacional e regional, onde desenvolvemos o projeto. O proces-so de mudança de paradigmas nas áreas de educação e saúde, expresproces-so nos PCN e nas reproces-soluções da Organização Mundial de Saúde, assim como as parcerias das Pró-reitorias de Extensão com setores da sociedade civil e com ONGs, são alguns elementos da realidade atual que nos permi-tem identificar traços da educação popular na proposta educacional em curso no projeto. Por ou-tro lado, a existência de ONGs na comunidade, atuando diretamente com a educação popular, nos leva a crer que as matrizes pedagógicas da educação popular não só estão presentes na comuni-dade como têm um peso importante na ação de seus membros.

Garcia (1980), analisando esse rico período da educação popular no país, destaca os pe-rigos da postura pedante do intelectual quando trabalha com comunidades.

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[...] um dos riscos do intelectualismo é o de que o intelectual acredita-se, em princípio, detentor de uma ciência, de um saber, sobre o qual funda a sua autoridade. As formas caudilhescas de liderança política não são muito diferentes disto, as raízes são semelhan-tes e ambas são autoritárias [...]

Ainda que os intelectuais do Brasil de hoje, implicitamente ou até por intenção própria, representem o povo nas suas críticas, eles estão longe do povo. A vida da cultura e a vida popular correm por faixas muito diferentes. O fato é que esse país é extremamente elitis-ta do ponto de viselitis-ta cultural. A vida dos intelectuais, desde os estudantes até o mais alto hierarca da cultura brasileira, tem muito pouco a ver com a vida popular. Exceto alguns movimento educacionais que fogem um pouco a essa regra. (Weffort apud Garcia,1980, p. 89)

Após esses alertas, bastante pertinentes para a situação atual, o autor sugere que deverão ser essas camadas que decidam seus próprios interesses. Ou seja, o fundamental deve ser “a auto-nomia popular no fazer e no dizer” (Garcia, 1980, p. 91).

Embora os alertas aportados da educação popular fossem muito ricos, importantes e per-tinentes para nosso trabalho, tínhamos de admitir que a realidade era ainda mais rica. No Espaço Esperança ocorriam, há anos, cursos que agrupavam crianças, jovens e senhoras da terceira idade. A integração desse centro comunitário com as escolas e centros de saúde da região apontavam para um trabalho integrado e mais amplo. Havia, então, um processo embrionário de “aprendiza-gem continuada ao longo da vida” (Valente, 2001).

De acordo com Fernandes e Pascale (2003), em palestra proferida em São Paulo, a partir de 1980 o termo Comunidades do Aprendizado (para nós, comunidade aprendente) surgiu em resposta a três mudanças inter-relacionadas: a globalização da economia, a Economia do Conhe-cimento e o desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Desde então, esse termo refere-se a comunidades que se utilizam dos processos de educação continuada para se readaptarem a essas mudanças. Realidade esta que estávamos presenciando no São Marcos.

Segundo as autoras esse conceito vem sendo forjado como sendo “um bairro, uma co-munidade, uma cidade ou região onde o conceito de educação continuada (ao logo da vida) é ex-plicitamente usado como um princípio organizador e um objetivo social” (Fernandes & Pascale,

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2003). As características mais marcantes desses processos de aprendizado comunitário, observa-das ao longo observa-das últimas décaobserva-das, foram assinaobserva-das como sendo14:

¾ Cada recurso de aprendizagem presente na comunidade é mobilizado para promover:

• O conhecimento

• As habilidades

• As atitudes

• Os valores

¾ Baseiam-se em relacionamentos sociais de aprendizagem dentro da própria comuni-dade ou de outras comunicomuni-dades interessadas em compartilhar melhores práticas, problemas e so-luções.

¾ Abordam a educação formal e a informal de forma integrada, reconhecendo, valori-zando e celebrando a aprendizagem em todas as suas formas, por toda a vida do indivíduo e sob todas as perspectivas – no ambiente familiar, profissional e na convivência social.

¾ Reconhecem a influência substancial da educação informal na construção dos alicer-ces para o sualicer-cesso obtido no sistema educacional formal.

Nas conclusões da palestra, e nos materiais digitais distribuídos, as autoras marcam o papel central da educação:

• Mudanças sustentáveis, tanto nos indivíduos quanto nas comunidades, só são possíveis se a aprendizagem ocorre.

• A aquisição de novos conhecimentos, habilidades, atitudes e valores é a única garantia de que os velhos e disfuncionais hábitos sejam substituídos por novas maneiras de res-ponder e gerenciar a mudança. (Fernandes & Pascale, 2003)

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Além desses aspectos levantados pelas autoras, preocupações dos agentes de saúde a respeito da continuidade e manutenção do processo de aprendizagem revelaram outros possíveis critérios:

¾ Como as comunidades não vivem de forma isolada do mundo, as mudanças só serão sustentáveis se a comunidade assimilar os mecanismos de aprender e educar que a capacitem a construir conhecimentos para si e a cooperar com outras comunidades para que façam o mesmo. Ou seja, ela precisará ser aprendente e educante15 simultaneamente.

¾ O empoderamento e a autonomia no domínio da tecnologia e da EAD são, então, bens imprescindíveis para o desenvolvimento sustentado de uma comunidade aprendente.

Vários outros processos de aprendizagem se conformavam no interior do projeto: cursos presenciais; seminários; os diversos cursos populares no Espaço Esperança, o I, II e III Encontro Comunidade Saudável; as dinâmicas e reuniões nos centros de saúde; as caravanas para o II e III Fórum Social Mundial; os núcleos de EAD nos centros de saúde. Todo esse movimento, de uma forma ou de outra, poderia ser representado em opiniões e debates escritos nas ferramentas do TelEduc16, que passaria a ter um papel importante na descrição do problema a ser enfrentado, no planejamento da ação, na reflexão dos resultados, na depuração das soluções e novamente numa nova descrição.

Faltava trazer para esse cadinho de aprendizagem, as contribuições mediáticas introdu-zidas pelo próprio projeto: a rede de computadores na comunidade, a conexão dela com a inter-net, a máquina fotográfica digital, a filmadora digital, o escâner, gravador de DVD e CD, os ser-vidores, o suporte técnico da Unicamp e o TelEduc. Com a presença desses recursos, a comuni-dade teve à sua disposição novas ferramentas de comunicação e construção do conhecimento: o e-mail, os sites, os ambientes de EAD, o hipertexto, os fóruns de debate, os chats, o redimensio-namento do espaço e do tempo etc. Enfim, ao embrionário processo de aprendizagem continuada

15 Expressão usada para designar a atividade, realizada por uma comunidade, de educar-se a si própria e a outras

comunidades.

Referências

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