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No campo da pedagogia, como não poderia deixar de ser, o sujeito da autonomia passa a ser o aluno, que agora se vê imerso em um contexto de aprendizagem e atividades pedagógicas. Tendo os ambientes de aprendizagem como mediadores, o aluno deverá conquistar autonomia em relação aos conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos pela humanidade, que apare- cem enquanto objetos coercitivos.

Encontramos, como referência pedagógica nacional, o enfoque dado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais. Para esse documento

Autonomia moral e intelectual é uma capacidade a ser desenvolvida pelos alunos, e seu desenvolvimento se dá em função de uma prática exercida coerentemente com essa fina- lidade.

O desenvolvimento da autonomia como princípio educativo considera a atuação do alu- no, valoriza suas experiências prévias, buscando essencialmente a passagem progressiva de situações em que o aluno é dirigido por outras pessoas, a situações dirigidas pelo pró- prio aluno.

A autonomia refere-se à capacidade de saber fazer escolhas e de posicionar-se, elaborar projetos pessoais e participar enunciativa e cooperativamente de projetos coletivos, ter discernimento, organizar-se em função de metas eleitas, governar-se, participar da gestão de ações coletivas, estabelecer critérios e eleger princípios éticos etc. Isto é, a autonomia fala de uma relação emancipada, íntegra com as diferentes dimensões da vida, o que en- volve aspectos intelectuais, morais, afetivos e sociopolíticos. (Brasil, 1998, p. 89)

Na pedagogia, em particular para os PCN, a autonomia é entendida enquanto um processo que só se desenvolve com o exercício da prática. Mais que um prêmio conquistado, a autonomia sur- ge como um exercício que precisa ser praticado sistematicamente. Sendo assim, o ambiente de apren- dizagem, enquanto mediador da aprendizagem e da autonomia, deverá comportar e incentivar tais práticas. Por outro lado, tendo o aluno como centro das preocupações, dá-se o enfoque para autono- mia a partir dos múltiplos aspectos desse ser humano.

Os trabalhos de Piaget referem-se ao processo de desenvolvimento da criança até a sua fa- se adulta, fase análoga estudada nos PCN. No entanto, a aprendizagem estende-se ao longo da vida, assumindo características diferentes na fase adulta. Essas diferenças estão marcadas nos trabalhos de alfabetização de adultos realizados por Freire e nos estudos da andragogia.

Para Paulo Freire, o processo de aprendizagem é enfocado sob a ótica do conceito de homem e do conceito de mundo. Para ele, o homem é um ser do mundo e com o mundo, um ser capaz transcendê-lo e torná-lo objetivo por meio de sua consciência. Do ponto de vista ontológi- co, o homem é um ser da práxis, um ser que opera e transforma o mundo.

Entendendo essa radicalidade do ser humano como sua inconclusão, como sua inserção num permanente movimento de procura, a autonomia assume contornos éticos quando se refere à ação do educador. Este deixa de ser imparcial e se vê perante o dever de respeitar e posicionar-se frente a essa característica fundamental do ser humano. Para não deixar dúvidas, Freire fixa o respeito à autonomia e à dignidade de cada um como um imperativo ético:

O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros. Precisamente porque éticos po- demos desrespeitar a rigorosidade da ética e resvalar para sua negação, por isso é imprescindível deixar claro que a possibilidade do desvio ético não pode receber ou- tra designação senão a de transgressão. O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamen- te, a sua sintaxe e sua prosódia; o professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que “ele se ponha em seu lugar” ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima, tanto quanto o professor que se exime do cumprimento de seu dever de propor limi- tes à liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os princípios fundamen- talmente éticos de nossa existência. É nesse sentido que o professor autoritário, que por isso mesmo afoga a liberdade do educando, amesquinhando o seu direito de estar sendo curioso e inquieto, tanto quanto o professor licencioso, rompe com a radicali- dade do ser humano – a de sua inconclusão assumida em que se enraíza a eticidade. (Freire, 1999, p. 66)

A autonomia aparece então como um imperativo ético da relação de aprendizagem e, portanto, dos ambientes de aprendizagem. Nesse contexto, o imperativo ético da autonomia trans- forma-se numa entidade central do ambiente de aprendizagem que busca a promoção da saúde.

Por outro lado, considerando o processo de formação da personalidade estudado por Piaget, sob a óptica da radicalidade do ser humano, ou seja, da inconclusão do ser humano, se torna possível conceber a construção da personalidade como um movimento contínuo, con- textualizado, dialético, relativo, que passa por distintas etapas, atravessa a determinação de diferentes ambientes de aprendizagem, experimenta diferentes níveis nas normas de recipro- cidade e de universalidade e que se prolonga por toda a vida. Dessa forma, a aquisição da

linguagem digital, no momento histórico em que vivemos, passa a ocupar um lugar de desta- que na aprendizagem e na constituição do homem contemporâneo.

O imperativo ético de respeito à autonomia, ao estar alicerçado numa concepção de ho- mem e de mundo, exige uma constante readaptação dessas concepções frente às mudanças que se processam na realidade ou até mesmo frente a novas elaborações teóricas. Sendo assim, torna-se um imperativo ético, ao se trabalhar com pessoas adultas e com comunidades, diferenciar e res- peitar as variadas formas de construção do conhecimento.

Levando em consideração o respeito ético à autonomia do aprendiz, é preciso saber que, na andragogia, de acordo com Cavalcanti (2004) em seu material publicado na internet,

O indivíduo acumula experiências de vida, aprende com os próprios erros, apercebe-se daquilo que não sabe e o quanto este conhecimento faz-lhe falta. Escolhe uma namorada ou esposa, escolhe uma profissão e analisa criticamente cada informação que recebe, classificando-a como útil ou inútil. [...]

Comparando o aprendizado de crianças (pedagogia) e de adultos (andragogia), se desta- cam as seguintes diferenças:

Quadro 2. Comparação entre pedagogia e andragogia (Cavalcanti, 2004)

Características da

Aprendizagem Pedagogia Andragogia

Relação Profes- sor/Aluno

Professor é o centro das a- ções, decide o que ensinar, como ensinar e avalia a a- prendizagem.

A aprendizagem adquire uma característica mais centrada no aluno, na independência e na auto-gestão da aprendiza- gem.

Razões da A- prendizagem

Crianças (ou adultos) devem aprender o que a sociedade espera que saibam (seguindo um currículo padronizado).

Pessoas aprendem o que realmente precisam saber (aprendizagem para a aplica- ção prática na vida diária).

Experiência do Aluno

O ensino é didático, padroni- zado e a experiência do aluno tem pouco valor.

A experiência é rica fonte de aprendizagem, através da discussão e da solução de problemas em grupo.

Orientação da Aprendizagem

Aprendizagem por assunto ou matéria.

Aprendizagem baseada em problemas, exigindo ampla gama de conhecimentos para se chegar a solução.

Fundamentado nessas diferenças básicas, o autor ainda nos fornece uma série de infor- mações decisivas no que tange à formação de ambientes de aprendizagem que respeitem o impe- rativo ético da autonomia do aluno.

Os adultos têm experiências de vida mais numerosas e mais diversificadas que as crianças. Isto significa que, quando formam grupos, estes são mais heterogêneos em conhecimentos. Necessidades, interesses e objetivos. Por outro lado, uma rica fonte de consulta estará presente no somatório das experiências dos participantes. [...] Adultos sentem a necessidade de serem vistos como independentes e se ressentem quando obrigados a aceder ao desejo ou às ordens de outrem. Por outro lado, devido a toda uma cultura de ensino onde o professor é o centro do processo de ensino- aprendizagem, muitos ainda precisam de um professor para lhes dizer o que fazer. [...] Algumas limitações são impostas a alguns grupos de adultos, o que impede que venham a aprender ou aderir a programas de aprendizagem. O tempo disponível, o acesso a bi- bliotecas, a serviços, a laboratórios, a internet são alguns desses fatores limitantes. A disponibilização desses fatores aos estudantes sem dúvida contribui de modo significati- vo para o resultado final de todo o processo. [...]

Adultos não gostam de ficar embaraçados frente a outras pessoas. Assim, adotarão uma postura reservada nas atividades de grupo até se sentirem seguras de que não serão ridi- cularizadas. Pessoas tímidas levarão mais tempo para se sentirem à vontade e não gos- tam de falar em discussões de grupo. (Cavalcanti, 2004)

Com o desenvolvimento das TIC e, em particular das redes telemáticas, a linguagem, as- sim como o mundo das representações mentais, está perante a tarefa de incorporar os novos sím- bolos e signos produzidos pelas ferramentas digitais. Nesse sentido, o letramento digital de co- munidades de adultos, necessidade premente no mundo globalizado, deve levar em consideração os novos estudos da epistemologia.