• Nenhum resultado encontrado

5.3 AÇÕES NO ESPAÇO ESPERANÇA

5.3.4 As novas entidades e o TelEduc

No que toca ao uso dos recursos de EAD, centramos nossas análises nas atividades reali- zadas com a utilização do “Fórum de Debates”. Apesar da euforia geral com a rede de computa- dores e com a internet, de todos os participantes do Espaço Esperança, estudantes, funcionários e militantes, apenas doze se dispuseram a participar das atividades planejadas. A presença de obje- tivos e metodologias pedagógicas apareceu para alguns como algo coercitivo, e preferiram parti- cipar apenas das atividades livres e sem compromisso. Por trás dessas posturas estavam as repre- sentações de espaço público e de comunidade, relatadas anteriormente.

Essa postura entrava em contradição com a anterior, quando a proposta era fazer cursos na Unicamp. Percebemos que, enquanto valoração, havia diferença entre fazer um “curso” na Unicamp e fazer o mesmo “curso” na comunidade. A representação mental da autoridade do co- nhecimento era associada, para uns, à instituição como um todo. Para outros, aparecia associada ao professor ou até mesmo aos projetos e processos de aprendizagem, como era o caso de boa parte dos agentes. Uns compreendiam que o conhecimento advém de um processo, outros o en- tendiam como um objeto que deveria ser entregue pelas pessoas ou instituições com autoridade para fazê-lo. Essa foi uma outra entidade que surgiu no transcorrer dos trabalhos e que se mes- clou às entidades da interface, no exemplo da agente de saúde que, frente à pergunta sobre o que lhe parecia o TelEduc, respondeu categoricamente:

– O TelEduc é a Universidade dentro do computador.

Com as doze pessoas que se dispuseram a participar do TelEduc, tivemos cerca de qua- tro encontros para capacitação básica no manuseio dos computadores, acesso à internet e cadas- tramento de e-mail. Nessa fase inicial, observamos que, embora sem experiência anterior, os a- gentes tinham grande disposição e desenvoltura ao navegar pelo ambiente, clicando nos elemen- tos gráficos da tela. Esse desempenho inicial, em relação aos computadores e às entidades da in- terface semiótica, devia-se, por um lado, ao comportamento autônomo e de liderança deles em relação à comunidade e, por outro, à cooperação dos agentes que já haviam feito a capacitação na Unicamp. Ao serem lideranças sociais na comunidade, tinham um comportamento diferenciado, já com certa autonomia, em suas relações e na busca por novos conhecimentos. Essa atitude dife- renciada, caracterizava-se fundamentalmente por tomarem iniciativas e por assumirem a respon- sabilidade sobre essas ações. Assim, a autonomia em lidar com o computador e com os recursos de EAD era fortemente auxiliada pela autonomia já conquistada por serem lideranças comunitá- rias.

Posteriormente, já à distância, disponibilizamos na ferramenta “Fórum de debates” do TelEduc duas perguntas para que eles respondessem. Foram perguntas de cunho técnico, indire- tas, relacionadas aos procedimentos adotados por eles para executar suas atividades. Buscávamos verificar que representações de autonomia surgiam frente à tarefa de lidar com o computador e com a interface. Não tivemos a pretensão de perguntar diretamente sobre o conceito, para evitar

que entrassem em uma discussão abstrata que não representasse a realidade do trabalho efetivado por eles. Para sinalizar o debate que pretendíamos fazer, denominamos os fóruns abertos como:

Ganhar o peixe ou aprender a pescar? e Iniciativa para aprender? Essa forma metafórica das

perguntas surgiu a partir das falas dos agentes nos debates. O conteúdo técnico-operacional de- veu-se ao nível dos debates que ainda era restrito ao manuseio das máquinas e dos programas. As respostas mais significativas foram transcritas abaixo, tal como apresentadas, sem nenhuma alte- ração ou correção.

Pergunta 1: Para conhecer e usar o TelEduc nas suas atividades, você prefere primeiro

que alguém lhe explique sobre as ferramentas ou prefere dar os primeiros passos por conta própria?

Na pergunta formulada, procuramos focar a relação sujeito-objeto da autonomia como sendo a relação agente-TelEduc, e o contexto, como sendo o ambiente de aprendizagem com EAD que estávamos vivendo. Procurávamos perceber como era entendida a potência do aprendi- zado: se a relação sujeito-objeto, potencializada por mediadores, ou se um elemento externo a essa relação.

2. Re: Sexta, 08/11/2002 14:49:47

M. N. C. : se tratando da historia do homem mesmo, quando pequeno, recebe toda a assistência de seus pais e quando cresce sente que tem que procurar uma família e um meio de sustenta-la, da mes- ma forma no Teleduc precisamos de um apoio para aprender a pescar, a usar as ferramentas e pro- gramas para sairmos usando e assim continuar a pescar .

Essa contribuição associou o conceito de autonomia ao processo histórico de crescimen- to de um indivíduo, à semelhança da relação sujeito-objeto descrita por Piaget, em um contexto de passagem da infância para a fase adulta. Nesse processo, esse agente localiza-se ainda na fase infantil ou heterônoma. Como a analogia é feita com um processo muito longo, a potência do aprendizado migra dos “pais”, os facilitadores, para os agentes, em um processo onde o tempo e a aprendizagem atuam como mediadores.

3. Re: Re: Sexta,08/11/2002, 15:17:58

D. S. : M., concordo com você, porem acho que neste caso,ou melhor, no ambiente do teleduc a explo- ração e mais importante do que receber tudo já mastigado.

Para D. S., seu estado de autoconfiança permite uma relação de maior distanciamento em relação aos “pais” assinalados por M. N. C.

4. Re: Re: Re: Sexta,08/11/2002, 15:33:28

M. N. C. : Acho que não consegui escrever o que pensei, quis dizer que não podemos receber uma pro- posta de um curso com um programa que não conhecemos sem antes aprender a usar este programa.

M. N. C. prevê “fases” na aprendizagem. Antes de usar um programa em um curso é preciso aprender a usá-lo. Para esse agente, os processos não podem ser simultâneos: uso- aprendizagem. Isso representa uma concepção de aprendizagem ou uma matriz pedagógica base- ada na concepção de prerrequisitos. Nessa participação, assim como nas outras, também se revela parte da consciência que o agente de saúde tem sobre seu processo de aprendizagem ou seu pen- sar sobre a ação (Prado & Valente, 2001) que realiza.

5. Re: Re: Sexta, 08/11/2002, 16:05:10

M. N. C. : muito sábia sua resposta, e acrescento ainda que a cada encontro estamos crescendo e logo estaremos aptos e seremos independente [desmamados] e isso vai muito legal.

As respostas 3, 4 e 5 denotam a tensão entre romper ou não com velhos paradigmas e adotar ou não novas posturas que nos tornem agentes do nosso próprio conhecimento. Revela-se, aqui, que a busca da autonomia na aprendizagem se dá por meio das matrizes pedagógicas apon- tadas por Furlaneto (2003). Por outro lado, durante o movimento de anomia - heteronomia como também no processo contextualização, descontextualização e recontextualização surgiram diver- sas entidades no ambiente de aprendizagem que assumiram um papel de modelador da autonomia e da aprendizagem.

6. Sexta, 08/11/2002, 16:52:37

N.G. A.: PENSO AUTONOMIA COMO PROCESSO,ASSIM COMO ENGATINHAR, FICAR DE PE, E CAMINHAR...E NESTE PROCESSO DE APRENDIZAGEM ESTOU ENGATINHANDO.

Para N. G. A., a relação sujeito-objeto é colocada como a relação entre o agente e a tare- fa de aprendizagem, e não mais como os pais nem como o ambiente TelEduc. A tarefa de “ficar

de pé” já pode ser interpretada como uma representação das expectativas da sociedade, da família e do próprio indivíduo. O contexto já não é mais tornar-se adulto, mas de incapaz tornar-se parci- almente capaz e, finalmente, totalmente capaz para uma atividade. É um processo com níveis de desenvolvimento e graus diferentes de resolução.

9. Re: Sexta, 08/11/2002, 15:08:03

D. S.: Responder por conta própria e melhor ,pois desta forma não vou mais esquecer o que aprendi sozinha. Geralmente,quando as pessoas me explicam algo,posso ate esquecer,mas quando aprendo por conta própria dificilmente esqueço.

10. Re: Re: Sexta, 08/11/2002, 15:37:57

M. R. : Que bom que você guarda com mais facilidade quando você aprende sozinha mais nem todos são iguais.

D. S. e M. R. apontam que a construção de significados depende das opções ou do estilo de aprendizagem de cada um: aprender sozinho ou com alguém. Mostram também que a relação sujeito-objeto é vista e entendida com graus de potência diferentes. Quem consegue enxergar maior grau de potência nela, obtém maior grau de independência do elemento externo ou um maior grau de autonomia.

12. Re: Sexta, 08/11/2002, 15:09:18

R. A. O. : por se tratar de um modelo novo[para nós agentes] de aprendizado achamos razoável que pelo menos algumas dicas das ferramentas fosse nos passadas, etapa já cumprida pelos formadores, doravan- te queremos descobrir o máximo que pudermos deste ambiente ou seja vamos, aprender a pescar.

R. A. O. coloca a relação “sujeito-objeto” como sendo a relação “grupo de agentes- TelEduc” e, apesar de nova, é uma relação potente a ponto de levá-los a aprender a pescar. Os formadores são colocados como facilitadores e não como “pais”, e um “modelo novo [para nós, agentes] de aprendizado” é detectado. O pensar-na-ação e o pensar-sobre-a-ação (Prado & Va- lente, 2001) estão mais desenvolvidos nesse agente.

17. Re: Re: Sexta, 08/11/2002, 15:27:40

D. S.: meu bem,não se preocupe pois ninguém nasceu sabendo e tudo e uma questão de pratica.

Nos aportes de R. A. O e de D. S., a autonomia é vista como um processo associado à prática e à consciência que se tem sobre a própria aprendizagem. Surge, a partir daí, uma postura, uma intenção de busca e de respeito à autonomia. Esse é um dever do educador, como pontua Freire, mas é, também, um caminho para o aprendiz. Mostra, ainda, que nem todos são iguais ou quem nem todos optam pelo caminho da autonomia.

18. Re: Sexta, 08/11/2002, 15:34:14

R. S.: Eu quero que alguém me explique sobres as ferramentas do TelEduc

R. S. só vê a si próprio, não percebendo nem o potencial de sua ação nem as novas pro- postas de aprendizagem. Tudo o que quer é alguém que explique, em uma forma bastante heterô- noma. A relação sujeito-objeto, “eu-TelEduc”, é totalmente desprovida de potência e de desejo exploratório. É necessário que alguém externo a essa relação explique a ele.

Como a autonomia expressa-se marcadamente nas ações, propusemos aos agentes uma segunda pergunta, que buscava investigar que atitudes pretendiam tomar para responder ao desa- fio de introduzir os recursos telemáticos em suas atividades.

Pergunta 2: Você pretende tomar alguma iniciativa para aprender mais sobre o Teleduc

e poder participar mais ativamente da preparação do 3o Encontro Comunidade Saudável e do 3 o Fórum Social Mundial? Se sim, quais seriam essas iniciativas?

23. Re: Sexta, 08/11/2002, 14:55:48

M. N. C.: Eu ainda estou me sentindo um pouco desinformada para poder colaborar com alguma coisa, não sei se por ter chegado no segundo dia do curso posso ter perdido alguma informação im- portante ou essencial.

M. N. C levanta a importância da informação na tomada de iniciativas. Tanto na cons- trução do conhecimento como da autonomia, a informação tem um papel de destaque, embora não seja confundida com eles.

24. Re: Re: Sexta, 08/11/2002, 15:23:06

D. S.: querida,fique tranqüila porque todos estamos no mesmo barco,pois ate eu que trabalho no es- paço esperança não conheço a fundo este fórum,mas poderemos pesquisar e conhecermos juntas estes e outros projetos.

D.S.toma uma iniciativa e, além de acalentar M. N. C, aponta o caminho para buscar in- formações: “poderemos pesquisar e conhecer juntas esse e outros projetos”. A parceria de ambos era potente o suficiente para responder não só ao desafio presente, mas também a outros.

29. Re: Sexta, 08/11/2002, 15:28:28

R. O. : com certeza, a primeira iniciativa seria deixar nossos companheiros ao mesmo nível de conhe- cimento do ambiente para juntos conhecermos mais sobre a organização dos eventos mencionados.

R.O.retoma a questão do grupo, dotando-o de companheirismo de potência de aprendi- zagem, de conhecimento, tanto em relação aos colegas quanto em relação aos desafios externos ao grupo.

32. Re: Sexta, 08/11/2002, 16:23:08

A. A. : sim, vindo aos nossos encontros semanais e tentando aprender ao maximo que eu puder.

A.A.recoloca a importância da postura, da iniciativa do aprendiz no processo de apren- dizagem e de construção da autonomia.

Embora partindo de patamares e matrizes diferentes, pudemos notar, nessa fase, que ha- via se estabelecido, no interior do TelEduc, uma verdadeira comunicação entre as diversas enti- dades semióticas e do ambiente de aprendizagem. As representações de tecnologia, aprendizagem e identidade comunicavam-se entre si apontando níveis de desenvolvimento diferenciados no processo de construção da autonomia. As representações a respeito do papel da informação, da

postura pessoal, da presença do outro e da consciência, na construção do conhecimento, dialoga- ram entre si, uma modificando a outra. Esse diálogo entre as entidades, realizado por intermédio das ferramentas do TelEduc, referia-se à utilização e à aprendizagem daquilo que eles já estavam fazendo: usar a informática como mediadora da comunicação e do pensamento. Entidades semió- ticas e do ambiente de aprendizagem mesclavam-se num único processo.

Detectar e dialogar com essas entidades revelou-se de fundamental importância para a evolução do processo de aprendizagem. Por outro lado, esta capacidade em detectar e dialogar também revela o grau de consciência sobre o que é ser autônomo.