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Autonomia (cooperação nascente): do diálogo à ação

5.2 AÇÕES NA UNICAMP

5.2.4 Autonomia (cooperação nascente): do diálogo à ação

Nesse tópico, abordaremos o diálogo e a captação de informações significativas na in- ternet que, de certa forma, anunciam a semente da relação de cooperação. Comentaremos as inte- rações realizadas em três ferramentas: Bate-Papo, Portfólio e Mural.

Fixada a própria imagem na tela, vê-se o outro, e o diálogo tem início. Pela primeira vez, os agentes participaram de um Bate-Papo on-line. Os três, na mesma plataforma de EAD, separa- dos por uma parede, teclavam-se e trocavam informações livremente. O diálogo informal predomi- nou no Bate-Papo. As expressões faciais não eram as mesmas quando preencheram os formulários de cadastro ou quando tiveram de ligar o “computador da Unicamp” pela primeira vez. Viam-se sorrisos e olhares atentos à tela. Já havia certo domínio visual do hiperespaço. O olhar já sabia o que procurar. O mouse já buscava os “ícones” desejados, denunciando a ação de alguns conceitos. O clima de “boa relação” existente na condição presencial, fora estendido para o TelEduc. Essa entidade, presente no ambiente de aprendizagem, encontrava a sua representação no mundo digital, contribuindo para o desenvolvimento da aprendizagem.

Podemos ver, no exemplo abaixo, durante uma sessão de bate-papo, um dos agentes conversando, de maneira bem humorada, com sua colega. O assunto é sobre a condução (van) que chegou para levá-los embora.

(17:48:47) Agente 02 fala para Todos: A combi chegou

(17:49:28) Agente 01 fala para Todos: eu já sei! apirua né minina

(17:49:47) Agente 02 fala para Todos: é uma pena que estamos indo embora (17:50:05) Agente 01 fala para Todos: é memo né

(17:50:07) Agente 02 fala para Todos: seu caipira (17:50:27) Agente 01 fala para Todos: tá bao so

O Agente 01 “transforma” suas palavras em uma linguagem cômica de caipira, o que, frente aos novos gêneros de linguagem vistos na internet, demonstra uma boa habilidade em lidar com diferentes níveis de linguagem e em estabelecer relações entre esses níveis. O bom humor, inversamente às normas de autoridade e de opiniões impostas, proporcionou uma reciprocidade na simpatia. Observamos que esse tipo de brincadeira, várias vezes no presencial, era agora re- presentado no TelEduc. Estavam tendo, no Bate-Papo, a mesma desenvoltura natural, diferente da postura intimidada e coagida no início das atividades. A transposição das identidades, das re- lações pessoais e dos gêneros de linguagem para dentro do computador já demonstravam, por si só, um enorme avanço na construção da autonomia. Os agentes estavam autonomizavam-se a passos largos.

O diálogo descontraído e “heterárquico”, sem a carga da arrogância e da coação, assim como o objetivo comum de conquista de autonomia, contribuíram significativamente para a rela- ção entre os agentes, para minimizar as manifestações individualistas e para otimizar a descentra- ção. Do estágio de heteronomia, para o diálogo com o outro – é a gênese da relação de coopera- ção.

Algumas questões de trabalho no posto de saúde também foram temas de conversa no Bate-Papo, iniciando o diálogo entre as entidades da interface computacional, do ambiente de aprendizagem e de promoção da saúde. Os agentes começavam o processo de colocar, mesmo sem grandes habilidades técnicas, a informática e a EAD a serviço da promoção da saúde.

Abaixo, uma agente informa seu colega sobre uma reunião, em contrapartida, ele atesta a sua possível presença.

(17:41:11) Agente 02 responde para Todos: Voce esta sabendo da reunião não? (17:41:26) Agente 01 fala para Agente 02: eu ainda não

(17:42:05) Agente 02 surpreende-se com Todos: a Ana Carolina não comentou com voce, ela falou comigo

(17:42:42) Agente 01 fala para Agente 02: eu nãvi a maria hoje!

(17:43:21) Agente 02 surpreende-se com Agente 01: Então, eu aho que sera a semana que vem (17:44:03) Agente 01 fala para Agente 02: tomara que seja porque assim posso participar

Temos um processo de negociação, se a reunião (de planejamento de ações de promoção da saúde) fosse adiada para outra semana, o agente relatou que poderia participar, manifestando senso de responsabilidade grupal. No próximo exemplo, existe uma preocupação da mesma agen- te sobre a organização do local de trabalho. De uma forma indireta, ainda inconsciente, os agen- tes iniciavam um processo de representação do ambiente de trabalho no TelEduc. Nesse momen- to, o TelEduc assumia simultaneamente três funções: ser o ambiente de convício e negociação entre os agentes; funcionar como ferramenta de criação dessas representações e ser a ferramenta de registro desse processo. No TelEduc, e na cabeça dos agentes, começavam a ser forjadas no- vas ferramentas, novas representações, novos conhecimentos que contribuiriam para o objetivo geral de promoção da saúde e da Comunidade Saudável.

(17:45:04) Agente 02 pergunta para Agente 01: Precisamos arrumar aqueles armários das pas- tas cadastradas, por que estamos com pouco espaço segunda ou terça temos que arruma

A agente, autonomamente, sugere um possível trabalho conjunto, visando resolver a questão de falta de espaço nos armários, que contém os arquivos da população atendida no posto de saúde. Solicita a participação do outro, seja na reunião ou para organizar os armários.

Nos dois exemplos, o diálogo diz respeito aos assuntos do trabalho formal. Não há um diálogo de idéias que o transcenda e que busque conscientemente a promoção da saúde. Por isso, os agentes se enquadram na equipe lato senso (Perrenoud, 2000), na qual a ação predominante é a comunicação. Os agentes apresentaram idéias (como agendamento de reuniões e organização dos armários), mas não houve decisões tomadas.

Conforme os agentes foram interagindo com as ferramentas do TelEduc, novas possibi- lidades de relacionamento cooperativo começaram a aparecer. Vejamos o caso a seguir.

Propusemos aos agentes o desafio de buscar, na internet, informações de interesse pes- soal e disponibilizá-las na ferramenta Portfólio. Depois, deveriam acessar o Portfólio do colega e comentar o conteúdo encontrado e as dificuldades da atividade. Nessa tarefa, nos mantivemos afastados, atendendo apenas quando solicitados. Os agentes entraram na internet, foram ao site de busca e escolheram o assunto livremente.

Os temas e os links anexados nos Portfólios foram: doenças contagiosas, ginástica chi- nesa e trabalho infantil. Por um lado, os temas foram pertinentes à realidade social da região, por outro, expressavam, junto com as preocupações anteriores, que a questão da promoção da saúde estava presente enquanto entidade do ambiente de aprendizagem. Os três temas têm relação direta com a promoção da saúde. Dois temas têm relações mais direta com a profissão, já que eles estão presentes na região: doenças contagiosas e trabalho infantil. Os agentes, quando visitavam as famílias, deparavam-se com esses problemas rotineiramente. Porém, vamos destacar o exemplo da ginástica chinesa. A agente que buscou esse tema participa voluntariamente – como professora de Lian Gong – de um projeto desenvolvido por uma equipe que oferece gratuitamente essa gi- nástica para a população dos Amarais. A agente utilizou a ferramenta Portfólio como meio de divulgação da ginástica Lian Gong para quem fosse acessar o TelEduc, e armazenou as informa- ções que, segundo ela, tinha interesse de reproduzir os textos para serem utilizados nas aulas. Abaixo, podemos visualizar como a agente disponibilizou as informações no Portfólio.

Título Data Compartilhamento Ginástica Chinesa 21/06/2002 18:05:00 Totalmente Compartilhado

Texto

Essa ginástica é realmente ótima, se você quiser acessar e conferir o endereço é Endereços da internet (Links)

Ginástica Chinesa (www.campinas.sp.gov.br) Ginástica Chinesa (www.lianggong)

A agente transcende, nesse caso, a busca de informações para o trabalho formal, ela visa uma temática que diz respeito à atividade solidária, na direção da promoção da saúde. Nesse ca- so, houve uma conscientização inicial da utilidade do TelEduc para fomentar os projetos sociais, tanto da agente, quanto de todos. Esta agente já havia comentado que, se as regiões tivessem la- boratórios montados, haveria uma rede de comunicação e de informações sobre os projetos que estariam sendo desenvolvidos nos locais. A partir desses relatos, podemos traçar uma possível espiral, que contemple o processo de contextualização, descontextualização e recontextualização.

Contextualização Descontextualização Recontextualização

Atividades físicas desenvolvi-

das na comunidade. - Busca e aquisição de novas informações sobre ginástica chinesa.

- Conscientização de como o TelEduc poderia auxiliá-los na construção de uma rede de cooperação, com troca de idéias e experiências entre as regiões do Amarais.

Idéia de aplicar as informa- ções, sobre ginástica chinesa, captadas da internet no con- texto da sua realidade.

Figura 11. Representação gráfica das etapas da espiral da construção do conhecimento

De uma prática com a qual a agente já trabalhava no São Marcos, ela buscou informa- ções por meio da internet, disponibilizou-as no Portfólio e despertou para a utilização dos textos nas aulas de ginástica da região. Um fato relevante é que os agentes, a partir desse exemplo, ma- nifestaram uma conscientização sobre o uso da tecnologia, em especial do TelEduc, para capta- ção de informações, que poderiam ser trocadas em rede.

Os agentes também utilizaram o Mural para disponibilizar informações que poderiam ser de interesse da comunidade. As mensagens que foram postadas eram referentes, principal- mente, à campanha contra a dengue, reuniões de trabalhos e atividades sociais nas quais os agen- tes estavam envolvidos. Um dos agentes utiliza a ferramenta Mural para apoiar a colega na di- vulgação das aulas de ginástica.

ginastica Agente 01 31/08/2002 02:47:54

Anotação

olá pessoal quem tiver afim de dar uma relaxada legal é só contratar a Agente 02 para uma aula de LIANG GONG essa ginastica é o máximo, e mais é GRATUITO!!!!!

O anúncio não deixou de ser um apoio afetivo, em conseqüência, incentivou-a a reforçar o convite das aulas de Lian Gong para os usuários do TelEduc, e para todos que futuramente po- deriam acessá-lo.

Convite: Lian Gong Agente 02 22/11/2002 13:59:47 Anotação

Convido a todos que puderem fazer aulas de lian Gong, ou a divulgação para as pessoas que queiram aprender é toda segunda e quarta à partir das 8:30 no espaço Esperança. Conto com sua presença e colaboração.Desde já agradeço.

Apesar da conscientização dos agentes em utilizar a tecnologia para favorecer as aulas de ginástica ou qualquer outra atividade, suas ações se configurariam como uma legítima relação de cooperação, caso houvesse envolvimento mútuo, de trocas sócio-cognitivas que promovesse novas atitudes na região (recontextualização).

Ficou mais visível na terceira fase uma tendência da equipe ao stricto sensu (Perrenoud, 2000), pois se percebe que o uso do TelEduc estava atrelado aos textos captados da internet e que contemplaria a realidade externa. Nessa fase, o trabalho intelectual visava atender ao exterior, que exigiria, dos agentes, doações e responsabilidades conjuntas. Aqui, esboçou-se com mais veemência o processo de conscientização, formada com a estruturação interna dos agentes com o social, anunciando uma cooperação nascente.