UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Os discursos de Benito Mussolini: uma proposta de construção da identidade cultural italiana
RAFAEL MARIO IORIO FILHO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Os discursos de Benito Mussolini: uma proposta de construção da identidade cultural italiana
Por
RAFAEL MARIO IORIO FILHO
Tese apresentada no Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas - no Curso de Doutorado, área de concentração - Estudos Lingüísticos Neolatinos – Opção: Língua Italiana.
Orientação: Professora Doutora Flora de Paoli Faria.
Co-orientação: Professora Doutora Claudia Fátima Morais Martins.
Os discursos de Benito Mussolini: uma proposta de construção da identidade cultural italiana
Rafael Mario Iorio Filho
Orientadora: Professora Doutora Flora de Paoli Faria
Co-orientadora: Professora Doutora Cláudia Fátima Morais Martins
Tese apresentada no Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas - no Curso de Doutorado, área de concentração - Estudos Lingüísticos Neolatinos – Opção: Língua Italiana.
Examinada por:
_______________________________________________________________ Presidente, Profª. Doutora Flora de Paoli Faria – UFRJ- Titular PPG-LEN _______________________________________________________________ Prof. Doutor Mauro Porru – Titular UFBA
_______________________________________________________________ Profª. Doutora Flora Simonetti Coelho – Titular UERJ
_______________________________________________________________ Profª. Doutora Ângela Maria da Silva Corrêa – UFRJ – Titular PPG-LEN
_______________________________________________________________ Profª. Doutora Sônia Cristina Reis – UFRJ – Titular PPG-LEN
_______________________________________________________________ Prof. Doutor Pierre François George Guisan – UFRJ – Titular PPG-LEN (suplente).
_______________________________________________________________ Profª. Doutora Maria Lizete dos Santos – UFRJ – PPG-LEN (suplente).
FICHA CATALOGRÁFICA
RESUMO
Os verbos dicendi nas revistas italianas L’Espresso e Panorama: A subjetividade na introdução do discurso relatado
Christiane Nascimento Ferreira
Orientadora: Professora Doutora Claudia Fatima Morais Martins IORIO FILHO, Rafael Mario.
Os discursos de Benito Mussolini: uma proposta de construção da identidade cultural italiana. /
Rafael Mario Iorio Filho-Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2011. xiii, f.157:il, 31 cm.
Orientadora: Flora de Paoli Faria
Co-Orientadora: Cláudia Fátima Morais Martins
Tese (Doutorado). UFRJ/ FL/ Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas (Língua Italiana), 2011.
Referências Bibliográficas: f. 115.
AGRADECIMENTOS
Gostaria de registrar os meus agradecimentos a todos aqueles que colaboraram, ou melhor, verdadeiramente me carregaram no colo para que eu conseguisse realizar a minha pesquisa e concretizar esta tese.
Meu muito obrigado e carinho às pessoas mais importantes do mundo para mim: minha esposa Cristina, meus filhos Eduardo e Lucas, meus irmãos Juliana e Pedro, Mariana, você também é minha irmã, meus pais Rafael e Julia, por todo o amor e apoio dado em minhas investidas acadêmicas. Amo vocês!
Ao meu tio Fabio, pelas discussões e ensinamentos sobre Lacan, Marx, Althusser e estruturalismo, que me permitiu melhor compreensão das bases da Análise do Discurso Francesa.
Às minhas orientadoras Flora de Paoli Faria e Cláudia Fátima Morais Martins, pela paciência, carinho, respeito, autonomia e confiança que me concederam durante a realização deste trabalho.
Aos professores Flora Simonetti Coelho e Mauro Porru pela leitura atenta e pelas contribuições trazidas no exame de qualificação.
À professora Ângela Corrêa pelos ensinamentos acerca da Análise Semiolinguistica do Discurso, que permitiram a ousadia da interdisciplinariedade deste trabalho.
RESUMO
Os discursos de Benito Mussolini: uma proposta de construção da identidade cultural italiana
Rafael Mario Iorio Filho
Orientadora: Professora Doutora Flora de Paoli Faria
Co-orientadora: Professora Doutora Cláudia Fátima Morais Martins
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em Letras Neolatinas (Estudos Lingüísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana).
A presente tese tem o objetivo de explicitar, nas relações entre poder,
legitimidade, discurso político e construção da cidadania italiana, o papel do
dos discursos fascistas de Benito Mussolini e das suas categorias de
compreensão da realidade italiana do entre-guerras, através dos seus “ditos” e
dos seus “não-ditos”.
Para tanto, articulou-se a metodologia da Análise Semiolinguística do Discurso
Político em seus três lugares de compreensão do discurso, no intuito de se
vislumbrar as visadas discursivas de Mussolini.
Palavras-chaves: Análise do Discurso; Fascismo italiano; Benito Mussolini; Nação italiana.
RIASSUNTO
I discorsi di Benito Mussolini: una proposta di costruzione dell`identità culturale italiana
Rafael Mario Iorio Filho
Orientadora: Professora Doutora Flora de Paoli Faria
Co-orientadora: Professora Doutora Cláudia Fátima Morais Martins
Riassunto da Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Doutor em Letras Neolatinas (Estudos Lingüísticos Neolatinos).
Questa tesi è destinata a coprire, nei rapporti fra il potere, la legittimità, il
discorso politico e la costruzione della cittadinanza italiana, il ruolo dei discorsi
fascisti di Benito Mussolini e le loro categorie di comprensione della realtà
italiana tra le due guerre, attraverso i concetti del il "detto" e il “non-detto", della
teoria di Patrick Charaudeau.
A tal fine, abbiamo utilizzato la metodologia di Analisi Semiolinguistica del
Discorso Politico, dimostrato secondo Charaudeau, in tre luoghi di
compreensione (del discorso), che sono: la dottrina politica, gli elementi di
legitimazzione e la rettorica politica, con lo scopo di individuare le caratteristiche
intrinsiche dei discorsi di Benito Mussolini.
Parole-chiave: Analisi del Discorso; Fascismo italiano; Benito Mussolini; Nazione italiana.
ABSTRACT
Benito Mussolini`s speeches: a purpose of built italian`s culture identity
Rafael Mario Iorio Filho
Orientadora: Professora Doutora Flora de Paoli Faria
Co-orientadora: Professora Doutora Cláudia Fátima Morais Martins
Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em Letras Neolatinas (Estudos Lingüísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana).
This thesis aims to explain, in the relations between power, legitimacy, political
discourse and construction of the Italian citizenship, the role of the speeches of
Benito Mussolini's Fascists and their categories of understanding the reality of
Italy between the wars, through the "sayings" and the "non-sayings".
For so much, there was articulated the methodology of the Analysis
Semiolingüística of the Speech at his three places of understanding of the
speech, in the intention of were glimpsed the discursive looks of Mussolini.
Key-words: Analysis of the Discourse; Italian`s Fascism; Benito Mussolini; Italian Nation.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...10
CAPÍTULO 1 - IDENTIDADE CULTURAL ITALIANA E SEU PERCURSO IDENTITÁRIO ...13
1.1.O Contexto Histórico Fascismo italiano ...13
1.2 Língua como delimitadora de identidades, nações e fronteiras ...22
1.2.1 Nação italiana ...22
1.2.2 A situação lingüística na Itália no período fascista ...34
1.2.3 As filosofias dominantes e as ideologias submersas do contexto fascista ...44
CAPÍTULO 2 - REFERENCIAIS TEÓRICOS ...52
2.1. As categorias teóricas de Pierre BOURDIEU ...52
2.2.Pressupostos teóricos da Análise do Discurso Político pela Semiolinguística de Patrick CHARAUDEAU ...60
2.3.O percurso metodológico construído ...68
CAPÍTULO 3 - A ANÁLISE DOS DISCURSOS E A GRAMÁTICA DISCURSIVA DE BENITO MUSSOLINI: ESTRUTURAS E ESTRATÉGIAS ...74
3.1. A análise dos discursos de Benito MUSSOLINI...74
3.2. As estruturas, as estratégias da retórica ou a gramática discursiva de Benito MUSSOLINI ...103
3.2.1. As escolhas ou regras formais nos discursos de MUSSOLINI ...107
3.2.2. As categorias ético-valorativas ou as escolhas de conteúdo dos discursos de MUSSOLINI ...111
CONCLUSÃO ...112
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...115
INTRODUÇÃO
A presente tese pretende examinar as mudanças culturais, sociais,
políticas e econômicas do contexto fascista na Itália, através das
manifestações de tentativa de adesão política realizadas pelo discurso político
fascista, como também, apreender como se deu a construção da legitimidade
deste discurso. Desta forma, abordaremos o tipo de identidade cultural italiana,
estabelecida a partir dos discursos de Benito Mussolini; examinaremos como
se deu a integração da ideologia fascista com os anseios de modernização e
adequação aos paradigmas presentes na sociedade da época; e,
principalmente, analisaremos qual foi a função da língua na construção da
identidade da nação italiana, partindo do princípio de que no contexto histórico
da Itália do entre guerras, a unificação era incipiente.
Estabelecemos as seguintes hipóteses no intuito de explicitar os
problemas acima colocados. A primeira traduz-se na legitimidade política do
discurso fascista que se contextualiza na apropriação dos valores da
expectativa social sustentando-se por um processo identitário nacional de
ressurgimento e consolidação. Há uma linha orgânica da história da península
itálica, com suas tradições institucionalizadas pelo Estado e pela Igreja e com a
valorização da formação étnica italiana. Nossa segunda hipótese parte do
pressuposto que o Estado forte, o intervencionismo estatal e a consolidação da
mídia são as novas vertentes do nacionalismo no contexto histórico entre
guerras e por isso estabelecem um novo efeito na dinâmica da comunicação
política e na forma de representação da retórica estatal com a
Finalmente, soma-se a estas duas visões, a noção de que a língua é o
símbolo de identidade e/ou alteridade que estrutura a representação do mundo
e permite reconhecer as diferenças entre os que são italianos e os que não são
italianos. O Estado fascista estabeleceu através de medidas legislativas a
obrigatoriedade do uso da língua italiana padrão oficial (standard), que se
efetivou pelo capital social da escolarização.
Para tanto, optou-se, como corpora, pelos discursos do líder político do
Fascismo, Benito Mussolini, que serão analisados com base metodológica na
Teoria da Análise do Discurso Político Semiolingüística de Patrick
CHARAUDEAU (2006a), com sua interdisciplinaridade. Este ponto de vista nos
possibilitou explicitar as estruturas e visadas discursivas, ou intenções, de cada
enunciador ou autor textual em seu jogo político, na disputa de poder e
legitimidade com seu auditório, a impor suas visões ou vontades.
Para investigar nossas hipóteses, o nosso discurso levará em
consideração os três lugares de produção de sentidos para a análise do
discurso político propostos por CHARAUDEAU (2006a), tais sejam: a doutrina
política, no presente caso, o Fascismo italiano; os elementos de justificação ou
legitimação suscitados por este discurso; e a retórica, ou seja, as estruturas e
as estratégias, adotadas com intuito de se buscar a adesão ou o
convencimento da sociedade italiana em seu momento de afirmação capitalista
e no jogo das nações européias no período entre-guerras.
Por isso, no intuito de se manter uma linha central que possibilite uma
unidade entre os capítulos do trabalho, organizamos nosso sumário articulando
O capítulo 1 apresenta o contexto do Fascismo italiano e suas
inter-relações com o problema lingüístico da Itália no primeiro quartel do séc. XX,
como também apresenta a doutrina política fascista com seus símbolos.
O capítulo 2 contextualiza as referências teóricas que adotamos para a
compreensão/problematização de nosso objeto como fenômeno
político-discursivo.
O capítulo 3 informa e analisa os temas e as categorias discursivas
presentes como elementos de legitimação ou justificação próprios dos
discursos políticos de Benito Mussolini. Como também, discute a sua retórica,
ou seja, as estruturas ou estratégias presentes em uma possível “gramática”
CAPÍTULO 1 - IDENTIDADE CULTURAL ITALIANA E SEU PERCURSO IDENTITÁRIO
1.1 O Contexto Histórico do Fascismo italiano
A história política e cultural da Europa na transição do século XIX para
o século XX caracteriza-se pela aceleração da modernidade e é marcada pelo
desenvolvimento e expansão de um capitalismo imperialista dos Estados, e
como tal da indústria e da técnica, através de uma massificação da sociedade
e do fantasma do operariado que acaba por culminar, sustentadas pelas
ideologias do imperialismo e do nacionalismo, em duas Guerras Mundiais.
No contexto específico da Itália vislumbra-se neste período a tentativa
de uma afirmação italiana no jogo das nações, impulsionada pelo crescimento
industrial do norte italiano.
A sociedade italiana, marcada por fortes diferenças culturais e sociais,
une-se socialmente no esforço da 1ª Guerra Mundial, mas, logo após, entra em
crise pelas dificuldades econômicas decorrentes do conflito. Surge então, em
1919, o maior controle do Estado nacional sobre os paese (províncias). A
organização do operariado para a luta política e a revolta dos católicos a favor
do Papado, também são fatores de destaque. Este é o contexto histórico do
surgimento do Fascismo italiano segundo Giulio FERRONI (1991:12).
A monarquia italiana é estremecida por revoltas e greves, que
testemunham a ascensão do movimento político liderado por Benito Mussolini
baseado numa coalizão de forças sociais que agregam as premissas das
transformações oriundas do progresso técnico. Somados a esse fato temos
revolucionárias socialistas e a necessidade de expansão imperialista da
burguesia industrial. Todos esses fatores distanciam a monarquia do resultado
desses eventos que é a grande marcha sobre Roma, ocorrida no dia 28 de
outubro de 1922, quando o partido fascista se aloja no poder (FERRONI,
1991:13).
Desta forma, estabelece-se o Fascismo, na Itália, como um movimento
político totalitário e totalizante, caracterizado por ser uma saída do capital
nacional ao crescimento das reivindicações comunistas, pela prática
econômica coorporativa, por uma afirmação de uma identidade nacional
italiana e pela expansão colonial.
Em relação ao conceito de Estado totalitário recorremos a explicação
elucidativa de Norberto BOBBIO (2000:166):
O Estado oniinclusivo, isto é, o Estado para o qual nenhuma esfera de atividade humana permanece estranha, é o Estado totalitário, e é, em sua natureza de caso-limite, a sublimação da política, a politização integral das relações sociais.
Este movimento ditatorial apresenta duas tendências ideológicas: uma
revolucionária, que possui traços da cultura e das estéticas do século XIX (de
D`Annunzio a Marinetti) e fundamenta-se sobre os mitos do progresso e do
desenvolvimento pela indústria e pela técnica. A outra conservadora, que
objetiva ser uma saída liberal autoritária para o restabelecimento da ordem
social fraturada e para a contenção das classes populares.
Neste contexto do surgimento do Fascismo na sociedade italiana é
necessário discutir a noção de nacionalismo como um princípio político.
Segundo Ernest GELLNER (1997), é o nacionalismo que amalgama a unidade
política e a nacional. A nação e o Estado devem ser congruentes, pois é o
forma através da qual as sociedades modernas se autodefiniam como
Estados-Nações.
Os estudos de Ernest GELLNER (1997) demonstraram que o
nacionalismo é, substancialmente, a imposição geral de uma cultura que se
oficializa como dominante a uma sociedade na qual, anteriormente, culturas de
diversas práticas e camadas sociais estavam presentes na vida da maioria.
Outro elemento de grande significância, no tocante a questão do
nacionalismo, é a difusão generalizada de uma língua, mediada pela escola e
controlada em nível acadêmico, codificada com fins de comunicações
tecnológicas e burocráticas, que no contexto italiano fascista, se deu pela
obrigatoriedade do ensino da língua italiana, padrão oficial (standard) e o
banimento, por via legal, dos estrangeirismos.
O nacionalismo italiano opera, para as suas conquistas, em nome de
uma cultura popular que teria existido no passado – a tradição romana e o
modelo florentino de Dante ALIGHIERI e elimina a cultura local de seu tempo.
Ao contrário, nos diz GELLNER (1997:65-66), o Fascismo na imposição de um
nacionalismo italiano, reaviva ou inventa um padrão cultural próprio da versão
literária transmitida por especialistas intelectuais.
Como exemplo desta visão transmitida por intelectuais do sistema
fascista, digno de nota são as palavras de Ardengo SOFFICI (1994:172-173):
nostro popolo trae giusto orgoglio, coscienza della propria civiltà e insieme profito eterno; l’opera insomma di tutti i nostri artisti sublimi, per il Fascismo non può essere indifferente. Né indifferente può essere quindi che trionfi un genere o un altro di poesia e d’arte.
Na Europa Ocidental imperialista, as estratégias de imposição e de
conquista realizadas pelo corpo político nacional trazem uma grande
contradição. A conquista interna, traduzida em um movimento de afirmação
nacional, leva à emergência da consciência nacional, e concomitantemente
assiste à rebelião contra os valores da conquista externa nas áreas coloniais.
Não é sem razão que o Imperialismo se caracteriza por permitir que as
instituições nacionais permaneçam separadas da administração colonial, pois
assim não há risco de um conflito direto (ARENDT, 1979).
Nação e nacionalismo surgem com o capitalismo, que implicou, no
entender de Luiz Carlos Bresser PEREIRA (2000:39-55), a definição de um
sistema monetário próprio e um mercado interno com regras homogêneas para
a circulação de mercadorias. A partir desse momento, a legitimidade dos
governos deixou gradativamente de ser divina para apoiar-se no contrato
social, e antigas monarquias dinásticas que tinham um centro claro, o rei, mas
não tinham fronteiras precisas e súditos bem definidos, deram lugar ao
Estado-Nação.
Sobre este contexto histórico, Gilberto BERCOVICI (2007:146) nos diz:
O nacionalismo, como fenômeno associado ao surgimento das
sociedades industrializadas, seria compreendido como um corolário inevitável
de alguns aspectos específicos da modernização. Isso porque se esperava que
os governos, nas relações com os demais países, defendessem o trabalho e o
capital.
Segundo Ernest GELLNER (1997) e Benedict ANDERSON (1993) a
nacionalidade e o nacionalismo são produtos criados próximo ao fim do século
XVIII. Todavia, conforme Montserrat GUIBERNAU (1997:58),
as teorias que defendem a modernidade da nação e do nacionalismo ignoram raízes históricas das comunidades étnicas que se transformaram em nações e mais tarde puderam ou não converter-se em estados nacionais.
Para se compreender o nacionalismo e as nações é necessário,
completa GUIBERNAU (1997:58), “contrastá-las com formas preexistentes de
lealdade e identidade de grupo”. Apesar de sua homogeneidade, há
Estados-Nações, como França, Itália e outros, que não têm unidade étnica e cultural,
que um conceito restrito de nação pressupunha.
Para Stuart HALL (1997:55):
As culturas nacionais ao produzir sentidos sobre a nação, sentidos com os quais podemos nos identificar constroem identidades, esses sentidos estão contidos nas histórias sobre a nação, memórias que conectam seu presente com o seu passado e imagens que dela são construídas.
Um dos fatores responsáveis no contexto totalitarista europeu, e
italiano em especial, para a padronização e unificação cultural foi, no primeiro
importância junto com a propaganda, na forma persuasiva de transformar os
símbolos nacionais em parte da vida dos indivíduos. Essa ação midiática
possibilitou o rompimento das divisões tradicionais entre a esfera privada e
local (regionais) para a esfera pública e nacional. Esse lugar de transição entre
um e outro passa a ser preenchido por várias atividades que têm como objetivo
criar uma comunidade imaginada (ANDERSON,1993), a partir da união de
pessoas em torno de algum objeto.
Para melhor ilustrar nosso ponto de vista, vale lembrar que durante as
duas Grandes Guerras, o esporte, por exemplo, como espetáculo de massa, foi
transformado em contenda dos Estados-Nações. As partidas eram organizadas
como num campo de batalha, com o objetivo interno de integrar em
componentes nacionais dos Estados multiétnicos simbolizando a unidade
dessas nações, ao passo que a rivalidade travada entre elas (objetivo externo)
servia para fortalecer o sentimento de pertencimento, entendido como conjunto
de sentimentos e emoções experimentados pelos participantes de um grupo
(Max WEBER:1987).
Para melhor entendermos a relação entre o espetáculo e a sociedade
moderna interessante é a seguinte passagem de DEBORD (1997:37):
O espetáculo como a sociedade moderna está ao mesmo tempo unido e dividido. Como a sociedade ele constrói sua unidade sobre o esfacelamento. Mas a contradição, quando emerge no espetáculo é por sua vez desmentida por uma inversão de seu sentido de modo que a divisão é mostrada unitária ao passo que a unidade é mostrada dividida.
É importante aqui distinguir o nacionalismo como forma de sentimento
de identificação nacional e exclusivo dos estados ou movimentos políticos
política e social, baseada na xenofobia e na exclusão. Se não houvesse essa
distinção, como se explicaria, por exemplo, indaga Eric HOBSBAWM (1987:
173), “o sucesso das esquerdas nos países não-fascistas em resgatarem os
sentimentos nacionais e patrióticos durante o período antifascista?”
No caso da Itália dos anos 1920-1930, a unidade nacional, baseada na
criação do Estado Fascista, um Estado patriarcal, absorveu a nação em uma
unidade empírica cuja base era o Estado centralizado. Curiosa ambiguidade da
formação identitária nacional que teve no Estado a sua legitimação, mas na
figura materna da nação a sua continuação. O Estado é convocado para fundar
e legitimar a nação, garantindo uma ligação materna com a tradição.
O imaginário italiano assume a autonomia soberana do lugar simbólico
patriarcal do Estado, mas cria modelos e valores maternos da nação que o
alimentem. Isso se torna evidente com a supremacia do Estado ético de
MUSSOLINI, ou melhor, de um Estado que assenta a sua fundamentação em
valores. A esse respeito vale considerar a opinião Renan AGUIAR (2009:110),
que nos afirma que o Estado Ético baseia-se num dever-ser, quando se
sustenta em valores sem justificá-los a priori:
justificando-o sem opor explicação e justificação, mas considerando o Estado passível tanto de explicação como justificação”, que escolhe a figura da “donna fatricce” (mulher produtora/autora) para reconstrução da nação (FONTES, 2003:60).
A criação da imagem da mulher “autêntica” foi a solução encontrada
pelo regime para a construção nacional. Consistia numa nova figura, oposta
àquela pálida, esquelética, transparente, assexuada, andrógina e socialmente
inútil proveniente da cultura parisiense, das páginas dannunzianas ou das
mulher “em crise”, que segundo o regime era espelhada na figura de Salomé,
uma criatura, considerada contraproducente para o Fascismo (FONTES, 2003).
A mulher assume um papel preponderante, durante o período fascista.
Ela é fundamental para a manutenção da família, da economia agrícola,
industrial e do Estado. Se, de um lado, o Fascismo condenava todas as
práticas sociais ligadas à emancipação da mulher, tais como o voto, o trabalho
extra-doméstico, o controle da natalidade, procurando extirpar os movimentos
que propalavam a igualdade e a autonomia das mulheres; de outro, na
tentativa de promover o crescimento econômico da nação e mobilizar cada
recurso disponível, o Fascismo acabou por promover, exatamente, as
mudanças que tentara até então impedir. Ao mesmo tempo em que restaurava
valores de maternidade, paternidade, feminilidade e masculinidade, promovia
também outras formas de envolvimentos sociais que, de certo modo,
escapavam aos objetivos iniciais e produziam alguma coisa nova.
O uso da mídia pelo Estado fascista antecipa os recursos técnicos
típicos da cultura de massa, como pretendemos demonstrar nas análises dos
discursos políticos de Benito Mussolini, que serão examinados mais adiante.
Guy DEBORD (1997:75) entende o “Fascismo como um arcaísmo
tecnicamente equipado”.
O mesmo autor relaciona a sociedade do século XX com o processo
hegemônico cultural da mídia, que relaciona o princípio mercantil da
informação1 com a espetacularização2 da cultura enquanto mercadoria
primordial do capitalismo vigente. Este fenômeno já se apresentava no
contexto das Grandes Guerras pela estetização do Estado/Política, nos
exemplos do Fascismo italiano, do Nazismo alemão e do Comunismo soviético.
A estetização da política pelo Fascismo deve ser compreendida pela
apropriação dos meios de reprodução técnica da arte, de forma incipiente e na
tentativa de implementar uma política centrada nos símbolos do campeão, do
astro e do ditador. Este culto ao personalismo desfoca as alternativas de
mudanças desencadeadas pela destruição da aura. Além disso, os fascistas
fazem uma apologia a uma estética da guerra como meio de expansão do
mercado.
Em poucas palavras, a estetização compreende um fenômeno de se
utilizar os meios midiáticos/técnicos mais modernos, que à época do Fascismo
eram o rádio e o cinema.
A utilização recorrente dos meios midiáticos servia para viabilizar
mensagens e símbolos que desencadeassem nas massas proletárias uma
alienação estética, que os fizesse esquecer a sua consciência de classe, e
pudessem, portanto, engrossar as fileiras dos interesses políticos e
econômicos do sistema. Como nos diz BENJAMIN (1993:195): “Nos grandes
desfiles, nos comícios gigantescos, nos espetáculos esportivos e guerreiros,
1 Importante ver quanto a esta passagem o conceito de indústria cultural, na obra “Dialética do
Esclarecimento” de ADORNO e HOKHEIMER (1986).
2 Quanto à espetacularização da cultura interessante ver também a obra “Discurso e Mídia: a
todos captados pelos aparelhos de filmagens e gravação, a massa vê o seu
próprio rosto.”
A estética da política fascista e, portanto, dos próprios discursos de
Benito Mussolini transcorreram em um cenário em que o uso dos meios
técnicos fizeram uma reprodução em massa para se reproduzir as massas.
Este teatro político traduz-se em um esforço de controle da política pelo
estético, que acaba por controlar não só a arte, mas como a vida em
sociedade. Por isso, podemos chegar a conclusão de que as estetização da
política pelo Fascismo nada mais é do que um uso teatral e retórico do culto a
personalidade do Duce.
1.2 Língua como delimitadora de identidades, nações e fronteiras 1.2.1 Nação italiana
Diante de todas as questões apresentadas acima, acerca do panorama
histórico do Fascismo, resta-nos examinar o papel da língua italiana, no projeto
fascista, como delimitadora de uma italianidade específica, de um conjunto de
sentimentos, símbolos e valores compartilhados por um grupo de pessoas. Em
poucas palavras, devemos analisar o que vem a ser a nação italiana.
Este é um conceito próprio das ciências sociais, e possui claros
recortes políticos, uma vez que traz à discussão as seguintes questões: quais
são as relações entre as categorias nação italiana e Estado fascista? Em que
bases se dava a dominação na sociedade italiana no período entre aas duas
Grandes Guerras? Que papel o projeto linguístico-cultural e os discursos de
Benito Mussolini tiveram para a sociedade italiana, no cenário de uma
Para que possamos responder a tais perguntas, utilizaremos as teorias
de Max Weber e de Pierre Bourdieu, pois a discussão trazida por esses autores
acerca do fenômeno político, e como tal do poder e suas interrelações de
trocas simbólicas e dominação sobre a política, nos possibilitarão explicitar em
que fundamentos simbólicos e legítimos se construíam as relações sociais na
Itália de Benito Mussolini.
Max WEBER (2002:55) em seu clássico texto “A Política como
Vocação”, pergunta para logo em seguida responder:
O que entendemos por política? O conceito é extremamente amplo e compreende qualquer tipo de liderança independente em ação. Fala-se da política financeira dos bancos, da política de descontos do Reichsbank, da política grevista de um sindicato; pode-se falar da política educacional de uma municipalidade, da política do presidente de uma associação voluntária e, finalmente, até mesmo da política de uma esposa prudente que busca orientar o marido. Hoje, nossas reflexões não se baseiam de certo num conceito tão amplo. Queremos compreender como política apenas a liderança, ou a influência sobre a liderança, de uma associação política, e, daí hoje, de um Estado.
Conforme se observa na definição de Weber fica claro o conceito de
política que nos interessa, ou seja, aquele que nos remete a noção de Estado.
Uma vez entendido que a política é indissociável do fenômeno do poder,
passemos a examinar uma concepção weberiana de poder, que talvez em sua
complexidade indique possíveis caminhos que nos conduzam a questão da
legitimidade.
freqüentemente, a luta pelo poder também é condicionada pelas honras sociais que lhe acarreta. Nem todo poder, porém, traz honras sociais: o chefe político americano típico, bem como o grande especulador típico, abrem mão deliberadamente dessa honraria. Geralmente, o poder meramente econômico, em especial o poder financeiro puro e simples, não é de forma alguma reconhecido como base de honras sociais. Nem é o poder a única base de tal honra. Na verdade, ela, ou o prestígio, podem ser mesmo a base do poder político ou econômico, e isso ocorreu muito freqüentemente. O poder, bem como as honras, podem ser assegurados pela honra jurídica, mas, pelo menos normalmente, não é sua fonte primordial. A ordem jurídica constitui antes um fator adicional que aumenta a possibilidade de poder ou honras; mas nem sempre podem assegurá-los. (WEBER, 1982: 126).
A proposição de uma categoria poder político, que se distingue do
poder econômico e do poder jurídico envolve questões de prestígio, articulada
à distinção entre a legalidade e legitimidade apresentada por Max WEBER
(1964, 2002, 1991 e 1977) e Pierre BOURDIEU (1989, 1992, 2004, 1968 e
2010) despertou-nos a urgência de conhecer as bases em que se construíram
as relações de dominação entre o Estado e a sociedade na Itália fascista.
No objetivo de melhor entender os esclarecimentos de Weber para o
assunto da legalidade e da legitimidade recorremos a explicação de RAPOSO
(2009: 353) para essas questões:
sociais e suas formas de dominação política. Hoje em dia, com o acelerado processo de globalização, as ciências sociais, em um movimento paradoxal, se especializam ao mesmo tempo que quebram suas rígidas fronteiras. Tal movimento talvez nos permita, de novo, contar com uma interdisciplinaridade mais compatível com o mundo atual, mais interdependente e mais desconhecido. Weber foi pensador que mais nos deixou uma reflexão sistemática e específica sobre o exercício do poder. Neste campo situam-se seus trabalhos sobre Estado, autoridade, dominação política, legitimidade e organização, que se tornaram referências indispensáveis para a compreensão das instituições políticas das sociedades modernas.
A idéia de legitimidade que dá suporte ao nosso trabalho analítico
articula o conjunto de procedimentos simbolicamente combinados pelos
detentores da dominação política em fazer crer aos dominados que sua
imposição não é arbitrária. Adequa-se, assim, ao atendimento de um ideal de
coletividade de que aqueles que estão ordenando podem efetivamente fazê-lo.
Com o objetivo de reforçar o nosso ponto de vista sobre o conceito de
legitimidade encaminhamos nossa reflexão para a obra de MADEU e MACIEL
(2009: 141-142), que apresentam a seguinte definição de legitimidade:
A legitimidade, em sua essência, pode ser definida como um atributo do Estado, consubstanciado na presença de uma parcela significativa da população, com um grau de consenso que assegure a obediência sem o uso necessário da força. Por esse motivo, todo poder busca o consenso, para ser reconhecido como legítimo. O poder transforma a obediência em adesão, pelo processo de legitimação, que, desencadeado pelo comportamento dos indivíduos e grupos, se forma e se desenvolve quando é percebida a compatibilidade entre os fundamentos e os fins do poder, em conformidade com o sistema de crenças e orientado para a manutenção dos aspectos básicos da vida política.
Examinada a questão da legitimidade vemo-nos obrigados a delimitar a
noção de legalidade, que também se origina no poder. Ambas representam o
de consenso e apóia-se em critérios normativos impostos, independente de sua
associação com a legitimidade, sendo efetivo e até em certos casos ilegítimo.
Tal distinção pode ser estabelecida ainda com o auxílio de MADEU e
MACIEL (2009:141), que apresentam didaticamente a definição do que vem a
ser legalidade:
A legalidade expressa basicamente o princípio dogmático da observância das leis, que impõe à autoridade obrigação de agir de acordo com o direito estabelecido. Não se confunde a legalidade com a legitimidade. Legitimidade, como veremos no próximo tópico, é a qualidade legal do poder, com base no consenso obtido a partir de um procedimento jurídico instituído. A legalidade está adstrita ao de ação, isto é, ao exercício do poder. Pode-se dizer que a legitimidade importa uma decisão política no âmbito do consenso, obtido a partir de um contexto comunicativo, em que interagem vários fatores, que influenciam a sua obtenção. Já a legalidade é instituída a partir do poder legitimado e é conferida desde que o ato praticado encontre justificativa no Ordenamento Jurídico. A ação para revestir-se de legalidade deve ser perfeitamente adequada à Ordem Jurídica.
A compreensão das formas de dominação legítimas deriva da
sociologia weberiana, que aponta para três tipos específicos: o domínio legal,
que é de caráter racional e fundamenta-se na crença da lei; o domínio
tradicional, que se baseia na crença da tradição e costumes; e o domínio
carismático, que está no bojo de um movimento messiânico. (WEBER,
1964:170-246).
A dominação carismática ocorre quando há o reconhecimento e
confiança, por parte dos súditos, na liderança e nas qualidades sobrenaturais e
excepcionais do senhor, que se prontifica a usá-las para cumprir uma missão
A dominação tradicional está ligada à “autoridade do ontem eterno, isto
é, dos mores santificados pelo conhecimento inimaginavelmente antigo e da
orientação habitual para o conformismo. É o domínio exercido pelo patriarca e
pelo príncipe patrimonial de outrora.” (WEBER, 2002: 56).
Finalmente, há o domínio em virtude da legalidade, em virtude da fé, na
validade do estatuto legal e da competência funcional, baseada em regras
racionalmente criadas. Nesse caso, espera-se obediência no cumprimento das
obrigações estatutárias. É o domínio exercido pelo moderno servidor do Estado
e por todos os portadores do poder que, sob esse aspecto, a ele se
assemelham. (WEBER, 2002: 56).
Existe dominação legal quando um sistema de regras, que é aplicado
judicial e administrativamente de acordo com princípios verificáveis, é válido
para todos os membros do grupo associado.
Dentro do contexto da Itália fascista e da construção simbólica de uma
italianidade, vislumbramos através dos discursos de Benito Mussolini, que o
líder desse movimento político opera com as três formas de dominação
legítima da seguinte forma. Em primeiro lugar, Mussolini constrói para si a
imagem de um líder carismático, que salvará a Itália das mazelas políticas e
econômicas provenientes do processo de unificação, da expropriação
capitalista e da 1ª Guerra Mundial.
Em segundo lugar, o líder do Fascismo italiano articula uma dominação
tradicional que busca uma linha de continuidade histórica, do apogeu do
Império Romano à Itália fascista. E, finalmente, o terceiro item, a dominação
que pretende estabelecer, pelo menos aparentemente, um moderno Estado
burocrático, que disfarça o autoritarismo embutido nas ações do regime.
Para Max Weber as funções de mando são essencialmente políticas e
baseadas na legitimidade. No Estado moderno o poder político fundamenta-se
na legitimação legal relacionando ordenamentos jurídicos e definição do
governante. As bases de legitimidade, que pontuam efetivas ações
governamentais, servem de categorias para promover a concordância da
sociedade ao poder político instaurado, assim, por exemplo, os modelos
democráticos baseiam-se na legitimidade por sufrágio universal e do livre
consentimento da maioria.
A reflexão weberiana obrigatoriamente nos leva ao conceito de Estado.
O que é um estado? Sociologicamente, o estado não pode ser definido em termos de seus fins. Dificilmente haverá qualquer tarefa que uma associação política não tenha tomado em suas mãos, e não há tarefa que não se possa dizer que tenha sido sempre, exclusivamente e peculiarmente, das associações designadas como políticas. Hoje o estado, ou, historicamente, as associações que foram predecessoras do estado moderno. Em última análise, só podemos definir o estado moderno sociologicamente em termos dos meios específicos peculiares a ele, como peculiares a toda associação política, ou seja, o uso da força física. (...) o estado é uma comunidade humana que pretende com êxito, o monopólio do uso legítimo da força física dentro de um determinado território. (WEBER, 2002:55-56).
O Estado como detentor da soberania visa operar pelo monopólio do
poder coercitivo, dependendo sua legitimidade do reconhecimento coletivo.
Concretiza-se a partir do império da lei, onde as ações de governo estão
subordinadas a uma Lei Maior e Suprema, a Constituição.
Ainda no sentido de definir o conceito de Estado que vai dar lugar a
FONTES (2003:36-37) para tentar delimitar o nosso campo de análise fundado
na leitura crítica dos discursos políticos de Mussolini.
O Estado pode ser definido, segundo as concepções de Weber, como uma comunidade humana que exige o monopólio do uso legitimo da força física dentro de um dado território delimitado, e que tem o papel de moralizar e organizar a vida social, através de instituições reguladoras. Existem os Estados ‘legítimos’ e os ‘ilegítimos’. O primeiro refere-se a uma situação em que Estado se harmoniza com nação, ambos são equivalentes. O segundo diz respeito a um Estado que inclui em seu território diferentes nações ou parte de outras nações e passa a impor uma cultura comum e um programa de homogeneização ente cidadãos. Diferentemente do Estado, a nação inclui em sua definição cinco dimensões: psicológica, cultural, territorial, política e histórica, sendo portanto definida como um grupo humano consciente de formar uma comunidade e de partilhar uma cultura comum, ligado a um território demarcado, tendo um passado e um projeto comum e a exigência do direito de se governar.
Assim a nação distingue-se do Estado. Este último é um fenômeno
moderno, caracterizado pelo nascimento de uma categoria que procura unir um
conjunto de pessoas (povo) submetido a uma soberania por meio de uma
homogeneização simbólica, cultural e valorativa, conforme procuraremos
demonstrar em nosso corpora analítica.
A distinção entre Estado e Nação e as relações povo e nação podem ser
melhor examinadas por meio dos pressupostos de Paulo BONAVIDES
(1998:78):
organização de Estado, mas ao mesmo tempo colocado numa dimensão histórica que liga o passado ao futuro e assim transcende o momento da contemporaneidade de sua existência concreta. O povo nesse sentido é a nação, e ainda debaixo desse aspecto pode tomar uma concepção tão lata que para sobreviver basta conservar acesa a chama da consciência nacional.
Ainda na opinião de Maria Aparecida Rodrigues FONTES (2003:38-39)
ao estudar a nação italiana ficamos sabendo que:
Na prática, existiam três critérios para um povo ser classificado como uma nação. O primeiro seria dado pela sua associação histórica com um Estado existente ou com algum outro Estado de passado recente e de duração razoável, isto é, uma relação que veicula o epos. O segundo seria dado pela criação de uma elite cultural estabelecida durante um longo período e que possuísse um vernáculo administrativo e literário escrito. Esta era a base da exigência italiana e alemã para a criação de nações, mesmo que estas não tivessem um Estado único com o qual pudessem se identificar. Tanto para a Alemanha quanto para a Itália a identificação nacional deveria passar por todos esses fatores, sobretudo os lingüísticos, ou seja, pelo ethos e pelo logos. O terceiro critério seria dado, conforme Eric Hobsbawm, ‘por uma provada capacidade para a conquista. Não há nada como um povo imperial para tornar uma população consciente de sua existência coletiva como povo’. Portanto, um relação que perpassava os valores estabelecidos pelo topos.
Esta autora ainda completa o referido raciocínio apresentando a
categoria princípio de nacionalidade3, responsável pela mudança ocorrida no
mapa da Europa entre 1830 a 1878 que compreende o período da chamada
unificação italiana, refletida na famosa frase de Massimo d’Azeglio “‘Nós
fizemos a Itália, agora temos que fazer italianos.”
3 O direito à nacionalidade caracteriza-se como vínculo jurídico-político de uma pessoa com o
O Estado nacional tornou-se reconhecido como unidade de poder
político somente a partir do século XIX. No caso da Itália, após 1871, primeiro
criou-se o Estado, a partir de um modelo ideal da nação, e somente depois se
procurou fazê-lo coincidir com os ideais de nação. Esse programa representou
uma heteroconstrução da identidade italiana que, portanto, existiu e existe
enquanto identidade histórica e política, mas não enquanto uma etnicidade que
se representa4, como exemplo, basta citarmos que geralmente se perguntado a
um italiano qual é a sua nacionalidade, ele responderá romana, siciliana,
milanesa etc, mas nos discursos fascistas de Benito MUSSOLINI é combatido
com a categoria “estirpe ariana mediterrânea”.
A questão da unificação lingüística também ganhou relevância e atingiu
um novo significado e um novo valor como indicador da especificidade
nacional, sobretudo por parte dos literatos nos movimentos de libertação
nacional, o que contribuiu para a criação de um padrão de alfabetização e
homogeneização cultural. Neste sentindo, interessante passagem de
SERIANNI (2002:171-172):
Scarso rilievo teórico hanno gli interventi di política lingüística operati dal Fascismo. Il purismo propagato dal regime si indirizzò, seppur in fasi diverse, in tre grandi direzioni: contro i dialetti; contro le minoranze alloglotte (soprattuto altoatesine e giuliane); contro i forestierismi. Nei primi due casi, anche per intervento diretto di MUSSOLINI, la lotta avvenne sopratutto nella scuola, in cui si emarginò completamente il dialetto e si contrastò vivacemente lo studio delle lingue minoritarie. Nel caso dei forestierismi, la reazione coinvolse tutte le manifestazioni pubbliche della lingua e culminò in una legge del 1940 che dava incarico all`Accademia d`Italia – organo ufficiale della cultura di regime – di fornire delle alternative italiane alle parole straniere.
Temas como as glórias militares, testemunhos, nomes de grandes
chefes militares, de batalhas, de vitórias, são com este fim celebrados nos
textos literários e nos monumentos. Ao lado desses temas, recriaram-se as
contribuições oferecidas pelas nações para o progresso da civilização nas artes
e nas ciências.
O avanço do nacionalismo dá-se da associação entre identidade
nacional, cultural e política. Assim, a nação passa a ser vista como um contexto
sócio-histórico dentro do qual a cultura se encaixa, e isso acontece, sobretudo,
através de um investimento emocional dos indivíduos nos elementos de sua
cultura, criando uma identidade comum entre os membros do grupo e
ligando-os à consciência nacional. A carga emocional que cada indivíduo investida em
sua terra, língua e símbolo, facilitava a difusão do nacionalismo. A face dupla
do nacionalismo resultava na maneira pela qual essas emoções eram
transformadas num movimento pacífico e democrático, em busca do
reconhecimento de uma nação acima das outras e erradicar as diferenças.
A idéia de uma italianidade datava de 1861, sobretudo porque “l'Unità
dell'Italia” era algo recente. O termo Itália servia para designar um espaço geográfico, uma península, um território homogêneo, mas somente do ponto de
vista religioso, pois, politicamente, não era uma nação. O patriotismo dos
italianos era análogo ao dos gregos, isto é, tinham amor por uma única cidade,
ou um único lugarejo. Era um sentimento “tribal”, “local” e não nacional. Havia
uma certa consciência nacional que se manifestava através da literatura de
Dante ou de Maquiavel, por exemplo. Cada cidade gozava de um regime de
autonomia e de dinastias estrangeiras, até que em 1861 todas essas cidades e
só Estado. A esse fato deu-se o nome de l'Unità Italiana. Roma, que passou a
ser capital da nação, foi a última cidade a ser incorporada ao Estado nacional,
em 1870, quando o poder da Igreja finalmente foi parcialmente dissolvido
(FONTES, 2003). Aquilo que era, nas palavras de Ettore FINAZZI-AGRÒ
(2001:2), “apenas um território baldio, ou melhor, um cúmulo de ruínas, se
torna, então, chão livre onde erguer o edifício da Nação.
A unidade política italiana viria acompanhada também da unidade
lingüística. A língua, antes dos movimentos protonacionalistas, era apenas um
modo de distinguir comunidades culturais e não necessariamente algo
fundamental. Contudo, tornou-se, posteriormente, central à definição moderna
de nacionalidade. Ela criou, como demonstrou ANDERSON (1993), uma
comunidade elitizada intercomunicante que se transformou em um modelo ou
projeto piloto para as nações que ainda não haviam se formado. Isso explica
por que uma língua comum, quando não é naturalmente gerada, mas
construída, sobretudo pela imprensa, adquire uma fixidez que faz dela algo
permanente e, portanto, mais “eterna” do que realmente é.
A princípio, a única base para a unificação italiana era realmente a
língua, que uniria a elite instruída da península, constituída por escritores,
leitores, intelectuais, o clero, ao resto da população. Esse povo heterogêneo
não falava o mesmo idioma. Em lugar de uma língua única, havia uma
variedade infinita de dialetos. Nem mesmo a literatura demonstrava este poder
unificador buscado pela nação italiana. Ao contrário, a própria literatura
segundo FINAZZI-AGRÒ (2001:3) “tinha mais aparência de uma colcha
multicolor de estilos, gêneros, temas diferentes, tratados segundo perspectivas
As tentativas de constituição de uma nação italiana foram
empreendidas por distintos intelectuais, tais como Francesco DE SANCTIS
(1990) que em sua História da Literatura Italiana, escrita entre 1870-1871, tinha
como objetivo político inventar uma nação, de reintegrar a legitimidade da
Pátria, a partir da literatura e da língua.
Ettore FINAZZI-AGRÒ (2001:3) relaciona a história da literatura, língua
e elaboração da cultura nacional de forma esclarecedora quando assinala que
DE SANCTIS tinha a possibilidade de
(re)criar um coerência temporal, de 'edificar' uma história, assentada numa comunidade presumida, baseando-se na existência de uma noção em volta da qual reinventar, em retrospecto, um passado comum – a comunidade da Pátria, da Língua, da Cultura e, sobretudo, no tempo nacional em que tudo isso se passa.
A maior parte dos estudiosos da cultura italiana dessa época é
unânime em reconhecer que apesar de todos os discursos de construção de
um imaginário coletivo unificado pela italianidade, com promessas e objetivos a
serem atingidos pela nova nação italiana recém criada, não aconteceu.
A prática política que estabeleceu um projeto que reúne esses valores
culturais e alianças das forças sociais para a formação de um Estado nacional
homogêneo e integrado veio do movimento político fascista, a partir de 1919.
1.2.2. A situação linguística na Itália no período fascista
O exame do período fascista no qual foram construídos e proferidos os
discursos políticos de Mussolini requer obrigatoriamente, ainda que de forma
XIII até o século XVIII, pois a problemática enfrentada pela cultura\língua nos
dois séculos consequentes já se situa na discussão do projeto linguístico
fascista a ser analisado.
O italiano é uma língua neolatina, portanto, proveniente dos dialetos da
península itálica e resultante da dinâmica social, geográfica e econômica pelo
qual passou o latim vulgar para o chamado italiano volgare.
O primeiro testemunho escrito que há do surgimento desta língua data
do ano 960 em um documento jurídico, que adotava o latim como língua oficial,
em que se transcreveu o depoimento de uma pessoa denominada Rudelgrino
em uma lide com o Monastério de Montecassino, assim transcrito:
Sao ko kelle terre pe kelle fini que ki contene trent qa anni le possette parte Sancti Benedicti (So che quelle terre con quei confini che qui - nella carta - si contengono, le possedette per trenta anni la parte - il convento - di San Benedetto).
Entretanto, somente no século XIII, com o nascimento de uma cultura
mais citadina e literária, “che si manifesta, in Italia, anzitutto presso la corte
sveva di Frederico II, re di Scilia, terra ricca di fervore letterario.” (COELHO,
1995:13), esta língua vai se firmando.
Por volta da metade do século XIII, a atividade cultural literária na
península itálica se direciona a Itália central, particularmente em Florença,
“dove il volgare subisce un ulteriore affinamento soprattutto nella Scuola del
dolce stil nuovo.” (COELHO, 1995:14).
Contextualizando este período, nos diz Flora Simonetti COELHO
Sono inoltre tutt’altro che da trascure i centri letterariamente vivi dell’Italia settentrionale e queli che hanno come riferimento i movimenti religiosi umbri, specie di San Francesco e di Jacopone da Todi: ché se la lingua usata è alquanto rozza e aspra, è tuttavia ricca di parole nuove, nate dallo sforzo di mettere nello scritto le parole dialettali del luogo, sia pure nobilitate.
Nonostante l’incertezza di parecchie forme e la grafia ancora molto escilante, si può dire che nel Duecento la lingua letteraria italiana è ormai nata, sia pure frammista di parole latine, di latinismi, di francesismi e provenzalismi (la lingua francese e quella provezale si erano sviluppate rapidamente dalle rispettive lingue neolatine; già dai secoli IX e X avevano avuto delle composizioni letterarie di un certo interesse artistico, e si erano quindi, propagate in diverse zone, tra cui la Sicilia e altre zone d’Italia), e quasi formata, nelle forme poetiche; in Toscana, discendente diretta dal’Etruria etrusca, il volgare italiano si sviluppa rapidamente e si perfeziona, mentre nel resto d’Italia il procedere è faticoso e incerto.
A época de Dante, por exemplo em sua Vita Nova, a língua italiana já
vem se apresentando com um vocabulário mais específico e estruturas
gramaticais mais organizadas. Entretanto
sia nella Commedia, poderoso poema storico-filosofico-teologico-morale-scientifico-letterario e, specialmente, poetico, il volgare toscano e in particolare il fiorentino spazia in ogni campo e si arricchisce di vocaboli nuovi” (COELHO, 1995:15). No período do Quattrocento há para a literatura e a cultura em geral um
ressurgimento do Humanismo (Umanesimo), ou seja, este tempo considerava
gli antichi scrittori depositari dei problemi umani, dei suoi valori, delle sue facoltà spirituali; e quindi, il leggere le opere di quegli scrittori significava conoscer le loro esperienze, esaminare i loro problemi, la lora concezione della vita e, quindi, penetrare più addentro alle facoltà spirituali dell’uomo significava intendere, alla luce della loro lezione, i propri problemi, le proprie possibilità verso una conoscenza più ricca della propria personalità e del valore, in genere, della persona umana. (COELHO, 1995:15-16).
O Cinquecento apresenta-se como o período de afirmação do italiano
entre o italiano do norte e o italiano do sul. É neste século, mais precisamente
em 1516, que temos a primeira gramática da língua italiana.
Assim nos diz Flora Simonetti COELHO (1995:17):
Ed ecco Gian Francesco Fortunio pubblicare nel 1516, in Ancona, le Regole Grammaticale dela volgar lingua. Dopo aver elogiato il volgare italiano per le sue capacità espressive, il Bembo sostiene che la lingua italiana non può essere se non il fiorentino, lingua che “senza contesa” è “di tutte le altre volgari di gran lunga primiera” sia per il suono sia per “copia e ampiezza di vocaboli”, ma non il fiorentino parlato o bensi quello che è stato fissato in forme perfette dalla tradizione scritta e in particolare modo dal Petrarca nella poesia e dal Boccaccio nella prosa.
A observação do percurso histórico linguístico da Itália, nos permite
verificar que no Seicento há profundas transformações, tal como nos descreve
COELHO (1995:19-20):
Negli ultimi anni del Seicento gli studiosi italiani acquistano coscienza del decadimento culturale-letterario in cui erano caduti e tra l’ultimo decennio del Seicento e i primissimi anni del Settecento si ha un intenso fervore di opere e di studi nuovi che tende a rialzare la cultura e a ridare dignità alle lettere. [...] tutto questo bagaglio culturale, tutto questo movimento di rinnovamento che, gradualmente crescendo, coinvolge tutto il secolo, ha infuso notevole anche sulla lingua italiana e dà nuovo vigore alla “questione della lingua” che si era assopita tra l’ultimo Cinquecento e il Seicento.
Negli ultimi del ‘700 le posizioni mutano: il problema della lingua subisce una interpretazione nuova nel volumetto di Mechiorre Cesarotti, Saggio sulla filosofia della lingua.
O prosseguimento dessa nossa viagem de reconhecimento do
percurso histórico-linguístico da Itália nos conduz ao Settecento, ou melhor, ao
século XVIII. Este período é caracterizado por uma bipolaridade ideológica do
papel da língua, traduzida por um lado pelos “puristas”, como Antonio Cesari; e
por outro, pelos “defensores da língua como fenômeno vivo”, tal como Monti,
Para os primeiros nos diz COELHO (1995:22) que se deve “disinfettare
l’italiano da ogni imbarbarimento”. Já os segundos dizem que se deve
compreender a língua como “un organismo vivente che si trasforma col tempo
ed essa dev’essere italiana e non fiorentina e conforme all’uso vivo.”
A cultura fascista italiana é um fenômeno que se insere entre o
irracionalismo totalitário do entre Guerras e a necessidade da imposição de
uma ordem. Ela pode ser interpretada pelas exigências de uma nação
agressiva, vitalista e frenética imposta pela 1ª Guerra Mundial e ao mesmo
tempo pela demanda de um controle social.
Através de um aparato estatal fortemente estruturado em uma
ideologia que abarca diversas vertentes culturais do momento italiano, acaba
por obter um consenso entre intelectuais de diversas tendências. Essa cultura
tem um plano de apoio social suportado por uma retórica de romanidade, por
uma tradição heróica clássica e ao mesmo tempo lança-se à busca de uma
modernidade moralista católica da burguesia industrial, que fez com que o
sistema pudesse congregar um maior número de pessoas em um projeto de
afirmação nacional, e como tal de Povo italiano.
A cultura fascista, obra do recém constituído povo-italiano, permite
esquematizar as seguintes vertentes: um conservadorismo laico burguês,
através do intelectual Gentile, que concebia o sistema como uma continuidade
da tradição nacional italiana. O noventismo, que concebia o Fascismo como
movimento capaz de levar a Itália à modernidade por uma vigorosa
industrialização de massa. O populismo antiburguês, que crê em um espírito
popular ligado às tradições radicadas a terra e ao trabalho agrícola. O
comunismo, pois traça um programa de controle das forças produtivas de
trabalho em que concebe mais autonomia às classes em disputa (burgueses e
proletariado). A esquerdização proletária, que se enquadra nos
comportamentos antiburgueses e não conformistas da origem do movimento
fascista pós 1ª Guerra Mundial e; por último, a cultura católica, que buscava
firmar dentro do Fascismo um projeto católico, ao mesmo tempo reacionário e
aberto à realidade laica dominante na modernidade.
As relações do Fascismo italiano com a língua padrão oficial
(standard) em um projeto de afirmação nacional linguístico, que devia se impor sobre a grande variação dialetal5 que divide a Itália linguisticamente até hoje,
se estruturou por quatro correntes diversas, tais sejam: o projeto de
escolarização italiana; meios de comunicação de massa, obrigatoriedade do
uso do italiano padrão oficial (standard) interna e externamente e a xenofobia
purista.
A questão da escolarização em uma civilização capitalista industrial do
início do século XX, na Itália, demonstra que a exigência de emprego de
grande massa de homens e a sua integração nos processos de consumo e
produtivos, na máquina midiática da guerra e na espetacularização dos ritos
coletivos6, é uma necessidade. Requerendo, então,
un livello di cultura minimo e omogeneo che renda possibile il contatto e la collaborazione tra i singoli individui: non è um caso quindi se, nelle aree industriali e urbane, l’alfabetizzazione tende ormai a raggiungere un livello di massa, anche in paesi como l’Italia che piú avevano faticato a liberarsi dall’eredità di um secolare abbandono. Lo stesso facismo cercò in vari modi favorire un’educazione popolare di livello mínimo, che contribuí notevolmente a ridurre
5 Sobre a variação dialetal na Itália, interessante ver DARDANO e TRIFONE (2007:31-49).
l’analfabetismo, ma abbandonò a se stesse molte aree contadine e gran parte delle popolazioni povere del Sud. (FERRONI, 1991:29).
Como é muito bem apontado por BOURDIEU (1992), nas sociedades
ocidentais complexas a escola é a instituição social responsável, graças ao
direito liberal universalista da educação fundamental gratuita, por fornecer todo
o capital simbólico e social, estruturador do habitus, e como tal da linguagem
para os atores sociais.
Os sistemas simbólicos (ideológicos) são o resultado do monopólio
dos agentes sociais em criar estruturas de comportamento e pensamento de
dominação (poder simbólico), encaradas como arcabouço legítimo, na luta
frente a outros agentes na manutenção e distinção de seu campo social. Esta
definição faz com que se constate que a produção- dos discursos, ideologias e
fundamentos- é apropriada com exclusividade por um grupo ou corpo de
especialistas, o qual estabelece os limites da produção e circulação dos
discursos relativos aos valores de seu campo (BOURDIEU, 1992). Constrói-se
na realidade social uma divisão de funções entre aqueles que serão os
produtores e monopolizadores legítimos das ideologias e aqueles que dessa
não participaram. Existe, quando da análise dos sistemas simbólicos, uma
dupla perspectiva de abordagem. A primeira diz respeito aos papéis e às
funções dos especialistas na construção de suas categorias pretensamente
capazes de explicar a realidade no aspecto interno do campo social. Deles
para eles mesmos.
Já a segunda refere-se à necessária aceitação das construções
internas do campo social por aqueles que não pertencem a esse campo, a fim
ou em outras palavras, a imposição não arbitrária da vontade de um campo
social por estruturas discursivas de dominação.
Habitus é uma categoria criada por Pierre Bourdieu para definir a estruturação de um raciocínio próprio da relação e prática dos agentes sociais
e seus campos, de forma a legitimar e criar o campo sobre o qual agem. Esse
modo de pensar específico dos agentes de um campo de poder é
historicamente construído, evoluindo em novas formas de adaptação e reforço
de suas convicções, sem contudo serem atingidos seus princípios essenciais.
Ele procura ser maleável aos anseios dos agentes impedidos de adentrar ao
campo a fim de que possam se manter as relações de poder como legítimas.
Desta forma, o projeto de educação fascista contribuiu, a universalizar
o ensino e diminuir o analfabetismo, por estabelecer a ideia de uma língua
comum escrita e de comunicação diferente da materna dialetal na
implementação dos valores nacionais, ou melhor, de um língua nacional.
Con l’expressione língua nazionale s’intende il sistema linguistico (o la varietà di un sistema linguistico) adottato da una comunità, constituente una nazione, come contrassegno del proprio carattere etnico e come strumento dell’amministrazione, della scuola, degli usi ufficiali e scritti. DARDANO e TRIFONE (2007:32)
Neste sentido, buscamos o auxílio de Serianni para melhor ilustrar a
questão fascista relacionada a língua e a escolarização:
Um mecanismo muito importante para a difusão da cultura de massa
fascista, e como tal da língua italiana, foram os meios de comunicação que no
início do século XX já haviam alcançado uma perfeição técnica que podia
reproduzir imagens e sons para um grande número de pessoas. O cinema, o
rádio, os discos e os panfletos, em escala nacional, e controlados pelo aparato
estatal, criaram novas formas culturais de efeitos rápidos e espetaculares que
rompem com a sacralidade da tradição artística e do conhecimento e, se
espraiam pelos diversos espaços da vida social, universalizando uma língua
comum e ao mesmo tempo a cultura do sistema político que se estabelecia.
Como nos diz BOSWORTH (2006:413) as técnicas de difusão cultural
do Fascismo italiano se organizavam da seguinte forma:
O âmago da questão é: o advento das massas na vida política ocasionam as mesmas necessidades e demandas, as mesmas técnica de propaganda, do mundo dos negócios e do mundo financeiro. Um líder conseguia se impor através do gestual, do vocabulário, uma vez após outra, através da fotografia, do filme e da fotografia novamente. A repetição deve acontecer uma, duas e mais vezes, novamente. Assim como na propaganda comercial. Qualquer ideia política que vislumbre se difundir através do livro, do artigo de jornal, da conferência, através da cultura, com muito dever-de-casa, está se iludindo.
Sendo assim, não havia pessoa no território italiano que não
recebesse o forte capital simbólico do regime em língua comum.
“Fuori il barbaro!” Este era o espírito do trato linguístico totalitário do
Fascismo ao exigir a modificação de terminologias e nomenclaturas
estrangeiras na língua italiana. Este sistema político chega mesmo a