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Ênfase na cognição como processamento de informações: a marginalização de

0.3 Os problemas

0.3.3 Ênfase na cognição como processamento de informações: a marginalização de

Parte da problemática sobre a idealização e a abstração nas ciências da cognição e da linguagem tem a ver com a crença segundo a qual a aprendizagem envolve a captação de informações do meio e, geralmente, o despertar de conhecimentos inatos. Essa longa tradição

do pensamento sobre a cognição, em termos de processos racionais idealizados ou de um cérebro individual isolado, tem como conseqüência exilar a emoção e a história nas margens do que acontece nos processos cognitivos. Além disso, como já apontei, esta visão de cognição separa o indivíduo de seu meio abstraindo-o de tudo o que acontece na contingência de seu fluir histórico e, portanto, emocional e político, num meio interacional específico.

Nesta visão, os processos de aprendizagem são independentes de qualquer particularidade e peculiaridade contingencial dos aprendizes que os realizam. Assim, argumenta-se que a grande maioria dos aprendizes de línguas deve passar pela mesma seqüência de desenvolvimento, sem diferenças pessoais significativas. Uma vez que todos estão equipados com os mesmos mecanismos para o processamento e armazenamento das informações lingüísticas, postula-se que aprendem de maneira similar, e na mesma seqüência, através de um trajeto fixo universal. Note-se que, não raro, há uma busca do aprendiz universal, da agenda interna de aprendizagem e da proposta pedagógica e instrucional universal, uma espécie de “receita mundial” para o ensino e aprendizagem de uma língua (cf. Holliday, 1994). Não obstante, diferenças individuais podem existir em virtude de fatores como idade, sexo, inteligência, aptidão, personalidade e motivação. Encontramos uma descrição de algumas dessas diferenças em Ellis(1994: 464-467), por exemplo. Mas essas são pouco exploradas na área. Embora a literatura na área de diferenças individuais seja escassa comparando as a abordagens cognitivistas,como argumentam Sawyer e Ranta (2001), para um professor de língua estrangeira é perceptível que os aprendizes diferem em seus processos de aprendizagem, tanto em termos processuais, como em velocidade, efetividade e resultado final de uma situação de aprendizagem. Retomarei esta discussão no primeiro capítulo desta tese.

A meu ver, o racionalismo exacerbado da área de pesquisa sobre aquisição de segunda língua implica nos seguintes problemas conceituais: a) minimalismo teórico/metodológico constituído a partir de uma deliberada redução dos fenômenos aos quais se dirige, excluindo fatores não quantificáveis como a história, as particularidades individuais e as emoções em favor de uma abordagem universalista e idealizada; b) descontextualização e idealização como condições para a cientificidade; c) definição da mente como uma “caixa preta” racional dissociada tanto do domínio sociocultural, quanto do domínio das emoções; d) prevalência do inatismo lingüístico e cognitivo e seus correlatos, por exemplo, a noção de criatividade lingüística como um programa interno genético e universal que permite o desenvolvimento de regras sintáticas para manipulação de representações semânticas, compartimentadas em módulos, e transformação de sentenças; e) definição de conhecimento de língua como uma

competência gramatical ideal, assim como as próprias dicotomias competência x desempenho, aquisição x aprendizagem; f) configuração do ensino/aprendizagem de línguas como um fenômeno inconsciente, resultante causal-linear de disponibilização de input morfossintático a uma faculdade mental e/ou neurobiológica que processa e armazena o insumo internalizado; g) aprendizagem de língua estrangeira independente dos conhecimentos da língua materna; h) aprendizagem como aquisição mecânica e gradual de entidades conceituais atomísticas e combinatórias; j) aprendiz compreendido como uma entidade autônoma que converte mecanicamente inputs em outputs.

A definição da mente humana como uma máquina racional dissociada da complexidade dinâmica de fatores constitutivos de nossa vida sociocultural é demasiadamente reducionista. O racionalismo deixa de abarcar o desenvolvimento ontogênico dos seres humanos, perspectivados como seres vivos socioculturalmente situados em uma ampla possibilidade de interações sociohistóricas, emocionais e contingentes. A tentativa de se criar um ambiente idealizado de sala de aula de língua estrangeira, universalmente concebível, com um contexto dado, especificado e configurado a priori, no qual o fenômeno da aquisição ocorra de maneira natural, e a configuração da sala de aula como um laboratório experimental de pesquisa tem criado, a meu ver, um abismo crescente entre esta epistemologia de pesquisa e o que se experiencia e é vivenciado cotidianamente na prática de ensino e aprendizagem de uma língua por seus atores.

Nesta introdução, indiquei de que maneira minha experiência de estudante de inglês, tanto no meu país como em país de língua inglesa, e a experiência como professor de inglês em escolas brasileiras e pesquisador apontam para a importância de se considerar as emoções, as identidades e as histórias de vida dos alunos em sala de aula como meios de se atingir um ensino e uma aprendizagem mais produtivos. Em seguida, argumentei como a área da lingüística aplicada ao ensino e aprendizagem de língua estrangeira tem reclamado por reflexões epistemológicas e como pretendo contribuir nesta empreitada. Ao fazê-lo, convidei o leitor a participar desta jornada ao descrever como a Biologia do Conhecer oferece uma epistemologia consistente para responder às questões que sempre me instigaram na aprendizagem e no ensino da língua inglesa e como esta abordagem oferece um caminho alternativo às abordagens que marginalizam a compreensão situada do aluno. Ao introduzir conceitos fundamentais deste quadro epistemológico apresentei alguns problemas que nos impedem de observar e compreender o fenômeno de nosso interesse da maneira como proponho nesta pesquisa e apresentei autores que tem procurado maneiras alternativas de lidar com estes problemas.

No primeiro capítulo, intitulado Emoções na Sala de Aula de Língua Estrangeira, apresento uma revisão da bibliografia que trata de emoções em diversas áreas do conhecimento, a saber, a Filosofia, a Neurofisiologia, os Estudos Lingüísticos e a Aquisição de Segunda Língua. Tomando como base as reflexões desenvolvidas na introdução, meu intuito aqui é mostrar como a problemática apresentada anteriormente tem repercussões na maneira como as diversas disciplinas têm tratado o tema das emoções. Mostro como estas disciplinas definem o termo e discutem a temática. Discuto impasses conceituais presentes nos modelos dessas disciplinas e suas relação com algumas pesquisas que tratam do ensino e da aprendizagem de línguas. Em seguida, analiso como o campo da aquisição de segunda língua tem trabalhado o tema das emoções. Vou abordar suas principais frentes de trabalho agrupando-os em: a) diferenças individuais; b) motivação e fatores afetivos correlatos; c) ansiedade e fatores afetivos correlatos. Argumento que a insistência no tratamento das emoções em sala de aula como características individuais internas ao aluno obscurece a compreensão histórica, dinâmica e situada do fenômeno. Ao final do capítulo apresento frentes de pesquisa alternativas, as quais busco fortalecer e expandir com as observações e discussões feitas nesta pesquisa.

No Segundo Capítulo, intitulado Um Exercício Sistêmico para a Compreensão da Sala de Aula de Língua Estrangeira, exploro o conjunto de idéias de Humberto Maturana, a Biologia do Conhecer, com o intuito de enriquecer áreas de pesquisa no ensino e na aprendizagem de línguas que trabalham com eixos temáticos como as práticas identitárias na linguagem e inter-relações entre cognição, reflexão, crenças e estilos de ensino e aprendizagem. Demonstro como a abordagem do autor apresenta um quadro teórico robusto e bastante útil para tratar das questões aqui colocadas ao introduzir conceitos fundamentais deste quadro epistemológico para o campo de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras. Logo após a fundamentação teórica da Biologia do Conhecer, apresento como linhas de pesquisa que tratam da complexidade da formação de professores e da reflexão como ferramenta para o desenvolvimento efetivo de alunos têm também procurado elaborar um exercício sistêmico para a compreensão de sua prática. Em seguida, argumento em favor da pesquisa etnográfica e a pesquisa narrativa como metodologias adequadas para uma reflexão fundamentada na Biologia do Conhecer.

No terceiro capítulo, institulado São as Histórias que nos Dizem Mais, descrevo o raciocínio metodológico da pesquisa de campo apontando desde a seleção dos participantes aos instrumentos usados na coleta de documentos de pesquisa e no processo de análise e escrita das narrativas construídas a partir de minhas observações do fluir histórico, cognitivo e

emocional dos participantes durante a pesquisa. Em seguida, apresento as narrativas dos participantes da pesquisa de campo realizada na UFMG, a saber: Arwen, Sollylove, Júlia, Carlos, Nathy, Faily e Cheguevara.

No quarto capítulo, ao discutir as observações da pesquisa, indico como esta tese traz contribuições para campos de pesquisa na lingüística aplicada ao ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras que tem tomado a prática reflexiva e a experiência de sala de aula como temáticas centrais de pesquisa. A perspectiva das emoções e o exercício de compreensão sistêmica do ensino/aprendizagem trazem significativas contribuições para a integração da prática reflexiva no desenvolvimento de estudantes e professores de línguas e para pesquisas sobre crenças, conflitos de estilo de ensino e aprendizagem, motivação, ansiedade, identidade e desenvolvimento da expressão oral em sala de aula. Dependendo do fluir das emoções envolvidas em um processo formal de reflexão este pode se ver bloqueado, limitado, estimulado ou expandido. A reflexão é um processo complexo que envolve inúmeros aspectos. Além disso, o processo de mudança na conduta envolve aspectos que vão além da reflexão. Exploro aqui o processo de reflexão com os participantes. Argumento que ao narrarem suas histórias eles passam por um processo no qual se dão conta dos múltiplos aspectos que influenciam sua conduta como alunos. O valor da reflexão está na possibilidade do estudante assumir sua responsabilidade pelo curso de sua própria trajetória. Ao recorrer a conceitos da Biologia do Conhecer, proponho discussões que fortalecem e oferecem contribuições para estudos anteriores que têm buscado compreender a complexidade do sistema que compõe as experiências de sala de aula de língua estrangeira.

Nas considerações finais, demonstro uma possível implementação de ações pedagógicas efetivas em sala de aula de acordo com as diretrizes exploradas nesta tese. Assim termino o estudo como o iniciei, provocando a minha experiência e pensando a teoria e a prática em conjunto. Em seguida à conclusão, no pósfácio, reflito sobre a experiência de pesquisador, aponto limitações do estudo, descrevo possibilidades de pesquisa futura e termino com uma mensagem seguindo a epistemologia proposta neste estudo.