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CAPÍTULO I - EMOÇÕES NA SALA DE AULA DE LÍNGUA ESTRANGEIRA

1.1.1 Na filosofia

Porque o mundo ocidental tem relegado as emoções às margens do pensamento epistemológico? Esta foi uma idéia iniciada por Platão, há mais de dois mil e quinhentos anos e, hoje, amplamente difundida, compreende as emoções como algo primitivo, bestial que perverte, distorce e corrompe a razão, nos tornando seres mais próximos dos bárbaros e dos selvagens animais. Segundo Oatley e Jenkins (1996: 38), na cultura ocidental desconfia-se que há algo de errado com as emoções. Esta idéia está relacionada com o conceito de Platão de que as emoções devem ser desconsideradas porque surgem da parte mais inferior da mente e pervertem a razão. Esta desconfiança foi trazida à pesquisa moderna por Darwin que em sua obra A Expressão das Emoções nos Homens e nos Animais. Neste trabalho, Darwin afirmou que nos adultos a expressão das emoções é algo obsoleto, um mero vestígio evolutivo das bestas e da infância.

Na filosofia grega temos Aristóteles como referência central nos estudos sobre as emoções, já que seu professor, Platão, nem sequer as tratava, havendo expulsado os poetas de sua República. Para Aristóteles, as emoções estavam relacionadas à ação e à retórica - quando somos tomados pela raiva, inveja e vingança, por exemplo, somos levados a comportamentos desastrosos. Para o filósofo as emoções eram derivadas de nossas crenças e conceitos do mundo real. Dado seu apego para taxonomias e pensamento lógico e analítico, sua abordagem é denominada por seus estudiosos de abordagem conceitual das emoções (Solomon, 2000: 3-5; Oatley e Jenkins, 1996: 11-15). Aristóteles queria compreender como a persuasão funcionava na argumentação e como os afetos (as emoções) tinham o poder de afetar nossos julgamentos e avaliações dos eventos que vivenciamos na vida cotidiana. De fato, é hoje reconhecido que Aristóteles fundou o quem tem sido denominado da tradição cognitiva das emoções, segundo a qual: a) as emoções constituem avaliações, julgamentos, percepções dos eventos que experienciamos; b) as emoções podem ser agradáveis ou desagradáveis dependendo da maneira pela qual interpretamos um evento como positivo ou negativo; c) elas envolvem impulsos para as nossas ações.

Aristóteles concebia a emoção como uma droga que somente pervertia e deturpava a razão, e dado o interesse do filósofo pela questão da ética e da virtude na vida pública, as emoções mais discutidas por Aristóteles são a raiva e o desejo de vingança (Solomon, 2000: 3). Advém daí também a noção de catarse para esta figura tão cara à filosofia ocidental. Oatley e Jenkins (1996: 14) argumentam que a catarse sugere um esclarecimento ou uma clarificação. Este processo inclui a superação de obstáculos emocionais (que deturpam a razão) para se pensar claramente. Este era um dos objetivos principais da dramaturgia para Aristóteles: ao ver as emoções encenadas no palco, era possível ter uma reação de catarse em conseqüência do espetáculo. Daí se poderia refletir sobre elas - no sentido Aristotélico do termo – e nos livramos delas na catarse, tornando-nos mais puros, mais claros!

Desta maneira, de acordo com a tradição do pensamento ocidental, as emoções têm servido como um pano de fundo deturpador e ameaçador da razão. A emoção é compreendida como algo privado, inferior e negativo, que deve ser controlado e suprimido pelas faculdades racionais. Ser emocional tem comumente o sentido de ser irracional, fora de controle e infantil. Outra concepção arraigada na tradição do pensamento ocidental é a idéia da emoção como algo que é devidamente controlado racionalmente pelo universo masculino e freqüentemente expressado de forma descontrolada pelo universo feminino.

Quanto a esta questão, Oatley e Jenkins (1996: 59) argumentam que na cultura ocidental a emoção é desconsiderada em comparação a razão, mas ao mesmo tempo é

valorizada como a base da autenticidade humana. Se comparada com muitas outras culturas no mundo, a cultura ocidental moderna é consideravelmente diferente com sua ênfase na autonomia do indivíduo, na vida privada e seus direitos individuais. Por outro lado, muitas outras sociedades, incluindo a Japonesa, tomam o grupo social como sua base identitária. Eles definem a si mesmos em termos de suas obrigações, e de uma perspectiva de “nós” ao invés de “eu”, e algumas emoções são enfatizadas pelo seu caráter coletivo. Muitas culturas enfatizam o modo como as emoções inter-mediam as relações. Provavelmente os ocidentais acreditam nisto também, mas a nossa ênfase na individualidade nos leva a crer que as emoções constituem estados individuais.

Solomon (2000: 4-5) argumenta que a metáfora correlacionada a esta compreensão e amplamente utilizada na filosofia, assim como em outras disciplinas, é a da razão como um mestre e a emoção como um escravo. É possível constatar, analisando-se o tratamento dado às emoções em diferentes áreas, que a filosofia grega serviu de base para e tem moldado em sua esmagadora maioria a concepção epistemológica ocidental sobre a emoção. Acredito que após Aristóteles o cenário não tenha mudado muito, embora alguns poucos adendos às postulações gregas tenham sido feitos, até o século XIX, com a publicação das idéias de Charles Darwin, a tentativa de definição do termo por Williams James e a publicação do caso de lesão cerebral de Phineas Gage pelo médico John Harlow.

Portanto, creio que tal quadro epistemológico implica em compreender as emoções como: a) algo inferior, tempestivo, negativo, bestial que ameaça a razão que, portanto, precisa ser controlado e/ou reprimido pela própria razão, sendo este último o que nos caracteriza como seres superiores às demais espécies, e; b) um termo antagônico à razão, estando presente em outros pares de conceitos como afeto/cognição, privado/público, feminino/masculino, psicológico/social, interno/externo, dentre outros; c) uma entidade localizável em algum espaço – mente, indivíduo, cérebro; d) em conseqüência, uma entidade individualizada, estática, interna e privada, o que gera uma cegueira quanto a sua dinâmica dialógica, relacional e sistêmica e sua reciprocidade gerativa entre os domínios da fisiologia e do comportamento.

Solomon (2000: 5) argumenta que, dada a natureza racional e lógica da filosofia, seu foco de análise acerca das emoções tem se concentrado nos aspectos conceituais e cognitivos do termo em detrimento de seus correlatos fisiológicos, comportamentais e sociais. O termo emoção tem variado ao longo da história da filosofia ocidental, sendo substituído com freqüência por paixão, sentimento, desejo, atitude, humor, temperamento, reação, ética, preferência e afeto. Durante a Idade Média, um dos considerados fundadores da filosofia

moderna, René Descartes (1649), escreveu um tratado filosófico intitulado Sobre as Paixões da Alma. Neste livro, Descartes argumenta que a união da alma com o corpo se daria através da glândula pineal, um minúscula glândula localizada na base central do cérebro (Solomon, 2000: 6-7). Atualmente, essa mesma glândula foi resgatada pelo autor responsável pela divulgação em massa da Inteligência Emocional, Daniel Goleman (1995).

Desta maneira, tal tratado filosófico inspirou estudos fisiológicos subseqüentes. De acordo com a lógica cartesiana de pensamento, esta glândula permite a entrada no corpo de agitações sanguíneas e espíritos animalescos que são também afetados pela alma. Descartes definia as paixões como percepções e sentimentos que competem com a alma. Elas causavam a permanência de movimentos animais no corpo e eram responsáveis por confundir e obscurecer o pensamento racional. Assim, deviam ser devidamente controladas pelas meditações – por um pensamento introspectivo inteiramente lógico e racionalista. Para Oatley e Jenkins (1996: 15-16), o tratado de Descartes enfatiza a natureza das emoções como ocorrem na mente, na alma. E, que ao mesmo tempo, estas “agitações” estão conectadas com nosso corpo a partir da glândula pineal, através da percepção de taquicardia no medo, de rubor na vergonha e de lágrimas na tristeza. Com a palavra paixão, Descartes queria opor algo que ocorre perturbando nosso interior mental, a algo que causamos no exterior (Solomon, 2000).

Sobre as Paixões da Alma, de Descartes, servia, portanto, como um conjunto de orientações racionalistas sobre nosso ser e estar em relação ao mundo real, embora admitindo que as paixões não poderiam ser inteiramente controladas por nossa alma, dada a sua natureza animal, instintiva e primitiva. Desta maneira, Descartes sugere como as paixões podem tanto ser colocadas a serviço da alma, quanto deturpá-la e subordiná-la. Note-se que, assim como seus predecessores, Platão e Aristóteles, Descartes defende uma compreensão racionalista das emoções como algo que envolve nossa avaliação dos eventos. Além disso, o tratado de Descartes é completamente impregnado da metáfora do mestre-escravo, como apontado anteriormente.

Baruch Spinoza, assim como seu contemporâneo Descartes, é considerado como um dos grandes filósofos racionalistas. Em seu mais importante trabalho, Ética (1675), Spinoza expressa uma visão do universo como um enorme sistema interconectado, sendo que nossa consciência e nossas emoções fazem parte desse todo universal e de deus. Assim como a teoria de seus antecessores sobre as emoções, a de Spinoza envolve maneiras de pensar e avaliar as experiências que em sua grande maioria têm a tendência de deturpar o estado real do mundo racional. Para o filósofo, o universo é a expressão da mente de deus, da qual somos parte. Se aceitarmos este fato, Spinoza indica que expressamos uma emoção ativa, neste caso,

amor pelo que o mundo é e o que somos nele (Oatley e Jenkins, 1996: 16, Oatley, 2004: 43). Podemos apresentar também o que Spinoza denomina de emoções passivas, baseadas em idéias confusas como ressentimento, raiva e inveja, que confundem e distorcem nossa compreensão do mundo como ele é, nos tornando seres frustrados e miseráveis (Solomon, 2001: 7, 1977: 46). Neste caso: “quando o homem se torna presa de suas paixões, ele não é seu próprio mestre, ficando a mercê de seu próprio destino (Oatley, citando Spinoza, 1675: 187)”. Embora o pensamento de Spinoza mantenha a metáfora do mestre-escravo e suas conseqüências epistemológicas, o filósofo sugere que a consciência da fonte que inspira nossos desejos que não satisfazemos e como conseqüência ficamos frustrados tem resultados libertadores. Esta perspectiva pode ser tomada como um pouco similar à postura da filosofia estóica, concorrente com a de Aristóteles. Vou me dirigir a ela novamente na seção sobre psicologia, ao mencionar a obra de Sigmund Freud.

Finalmente, David Hume, defensor do iluminismo e do empiricismo, tentou colocar o sistema racionalista em cheque ao defender a idéia de que o que nos motiva a realizar ações ruins ou más são as paixões, e que dessa maneira nosso eu racional passa por uma transformação constante. Com esta concepção empírica da emoção como algo que motiva a ação humana, Hume inaugura uma tradição da psicologia que enfatiza a funcionalidade das emoções e função explicativa da razão sobre as emoções (Salovey et al, 2000). Em seu Um tratado sobre a Natureza Humana, Hume desafiou a posição inferiorizada da paixão na filosofia e questionou o papel e a importância única da razão nas ações humanas. Assim como seus predecessores, Hume defendia que a emoção se constituía como uma sensação, uma impressão interiorizada de espíritos animalescos e agitações no sangue. Estas impressões podem ser prazerosas ou desconfortáveis, dependendo das avaliações que realizamos acerca das situações. Acredito que, ao circunscrever a emoção no domínio das avaliações e julgamentos como Aristóteles, Hume teve como resultado o contrário do que desejava: manteve a emoção em seu status corrente, qual seja, de ser controlada pela razão, pelos julgamentos. Entretanto, há de fato um avanço com a posição de Hume que acena, por um lado, na direção de Williams James, e por outro na de Darwin. Tratarei ambos na seção sobre psicologia.