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CAPÍTULO III – SÃO AS HISTÓRIAS QUE NOS DIZEM MAIS

3.4. Instrumentos e procedimentos da pesquisa de campo

Na pesquisa de campo utilizei os seguintes instrumentos de observação que me permitiam refletir sobre a complexidade da inter-relação entre emoção, açao e reflexão no processo de ensino e aprendizagem de inglês em sala de aula; a) narrativa autobiográfica; b) colagem descritiva; c) diários; d) questionário de avaliação final, feitos pelos alunos mediante orientação dada no primeiro dia de aula; e) filmagens das aulas e sessões de visionamento com os participantes; f) entrevistas semi-estruturadas; f) conversas informais; g) notas de campo. Além destes, utilizei roteiros fornecidos aos alunos para orientá-los quanto às tarefas de pesquisa. Os instrumentos tinham dois objetivos: por um lado serviam como documentação do que estava ocorrendo, e por outro lado era um material que subsidiava minha reflexão, expressa nas narrativas de contato com cada estudante e discutida no capítulo final.

De todos esses instrumentos de pesquisa, a colagem descritiva, as conversas informais e as narrativas que escrevi do meu encontro com os participantes da pesquisa são as menos comuns de encontrarmos em pesquisas da área. São poucos os exemplos deste tipo de pesquisa na literatura da área, embora estudos tenham me servido de inspiração e orientação (cf. Miccoli, 1997; Swain e Miccoli, 1994). As colagens foram propostas como meio de expressão emocional e identitária. Sentimentos, emoções e identidades são difíceis de serem descritos em nossa cultura. A utilização de imagens para ilustrar emoções vividas na aprendizagem poderia ser produtiva e facilitadora da expressão à maneira de seu uso em psicoterapias. De fato, as colagens foram iluminadoras quanto a fenômeno de interesse, além de terem permitido a expansão e revisão dos temas centrais sobre os quais conversamos ao longo do semestre. Com a colagem em mãos, realizamos nossa última entrevista. Foi um fechamento profícuo da atividade.

Após a primeira entrevista, procurei conversar sempre com alunos em situações informais nos corredores da faculdade. Muitas vezes essas conversas aconteciam quando descíamos as escadas do quarto andar da faculdade para a cantina, ou às vezes até no estacionamento. Eram conversas corridas e apressadas, mas também bastante esclarecedoras. Essas conversas informais contribuíram para estreitar relações com os alunos minimizando possíveis desconfianças. Além disso, tinha algumas semelhanças que me aproximavam dos alunos. Compartia com eles uma idade semelhante, maneira de vestir e falar, opiniões sobre temas e assuntos comuns. Acreditava que poderia ter maior acesso ao domínio emocional e sociocultural da sala de aula se eles me tivessem mais como um par que como um pesquisador. Durante a observação participante realizava atividades e tarefas em conjunto

com os alunos. Até mesmo realizei a prova do meio do curso e os testes durante o semestre. Embora soubessem que estávamos envolvidos numa pesquisa formal, queria que me tomassem como um aluno e queria participar do mundo vivido por eles realizando atividades que realizavam. Assim comentávamos sobre as atividades e os testes que realizávamos. Estes elementos reforçaram e auxiliaram na produção de uma observação participante e numa descrição densa da inter-relação entre emoções, ações e reflexões daqueles participantes. 3.4.1. As filmagens

As gravações das aulas em vídeo têm uma dupla função. Por um lado, são usadas para preparar as entrevistas com os participantes, cruzando as observações nas notas de campo com as gravações, com enfoque nas situações de interesse exploratório da pesquisa. Por outro lado, as filmagens servem como uma ferramenta de auto-imagem que objetiva promover uma reflexão com os participantes, de modo que possam refletir sobre suas ações/emoções configuradas em momentos específicos na sala de aula. Usei uma pequena câmera digital que além, de ser menos intimidadora que câmeras VHS por seu pequeno porte, permitia que as imagens fossem facilmente transferidas para o computador. Assim, poderiam ser manuseadas e editadas, se fosse do meu interesse. Entretanto, a transferência e a edição das imagens no computador provaram ser bem mais trabalhosas do que imaginava, e demandaram recursos de que não dispúnhamos.

Passei a gravar as aulas e transferir os filmes para uma fita VHS. Em pouco tempo a câmera digital estragou e não a utilizei mais. Passei a utilizar uma câmera VHS que, aliada ao tripé, teve um impacto maior na sala, pois os alunos sentiram-se “filmados”, observados, o que não ocorria antes. Até o final de outubro, quando utilizei a câmera digital, coloquei-a por cima de uma caixa de metal que guarda a TV e o vídeo da sala de aula, de forma a focar o maior número possível de participantes. Um dia focava um grupo de quatro a seis participantes, outro dia focava outro grupo. Apenas no segundo dia de filmagem tentei ir à câmera para trocar o foco, mas fui estranhado pela turma. Quando passei a utilizar a câmera VHS obtive maior ângulo de filmagem e conseguia captar um número maior de participantes, o que representava um ganho, portanto.

À medida que fui me integrando à cultura daquela sala de aula e criando uma intimidade com os alunos passei a ficar com a câmera numa cadeira ao meu lado, ou mesmo no meu colo. Fiz isso em três dias alternados ao longo dos meses de novembro e dezembro. Ficar com a câmera nas mãos possibilitou um enfoque e um ângulo de percepção distintos. Procurei focalizar interações entre pequenos grupos formados em sala quando estavam

conversando, rindo, fazendo comentários, caretas, ou mesmo olhando para a câmera e percebendo que estavam sendo filmados. Fiz gravações do primeiro dia de aula em setembro até o dia 14 dezembro. Não filmei nos dias de avaliação e nos últimos dias de dezembro, antes do Natal. Também decidi interromper as filmagens no mês de janeiro. Esta decisão foi tomada com base nos seguintes argumentos: a) durante o mês de janeiro os alunos realizaram as apresentações orais finais e a prova final. Havia enfocado anteriormente a questão das apresentações orais e, para evitar a produção de mais ansiedade e estresse, não levei a câmera; b) o mês de janeiro foi um mês idiossincrático para os alunos da UFMG, que não estavam de férias, por motivo da greve de professores, e frequentemente resistiam a comparecer às aulas. Dessa maneira, os alunos presentes, no geral, eram os que faziam apresentação; c) como não iria ser mais possível utilizar as filmagens nas seções de reflexão, decidi interrompê-las definitivamente. Ao todo, foram dezenove filmagens ao longo das trinta aulas do curso. As filmagens serviram de fontes documentadas para triangulação de minhas notas de campo, entrevistas, colagens e narrativas. Serviram também de instrumento para reflexão durante a segunda entrevista, na qual fizemos uma sessão de visionamento. Ainda, forneceu-me elementos para elaborar as entrevistas semi-estruturadas direcionadas a cada um dos participantes.

3.4.2. Notas de campo

Procurei tomar nota de tudo o que me chamava atenção com relação à emoção e ação nas aulas, nas conversas informais e após as entrevistas. Na sala procurei anotar o desenvolvimento das atividades e o modo de participação dos alunos. Anotava quem detinha o turno, que tipo de interação ocorria, com quem interagiam, como os alunos se colocavam na interação, sua linguagem, sua expressão emocional e suas ações. Ficava de olho atento para expressões corporais como risos, expressões faciais, gestos, bocejos, direcionamentos da face. Estava à procura de pistas corporais e comportamentais que pudessem me indicar uma possível emoção que instaurasse um domínio de ações ali como, por exemplo, quando se debruçavam sobre a cadeira indicando tédio ou desinteresse, ou quando desviavam os olhos do contato visual com a professora, o que poderia sugerir vergonha, timidez ou uma tentativa de evadir-se de alguma pergunta possível.

Como eram muitos participantes, aqueles que não estavam no foco da câmera naquele dia eu procurava acompanhar mais de perto. Também, como me assentava entre eles, às vezes participava das interações de um grupo específico do qual participavam também estudantes envolvidos na pesquisa. É claro que não era possível tomar nota o tempo inteiro, nem de tudo

e de todos ao mesmo tempo. Estava sempre atento para alguma interação que pudesse ser explorada posteriormente numa conversa formal ou informal. As notas de campo me serviam como uma bússola e um mapa em alto mar. Foram necessárias para a orientação e documentação da trajetória no campo e ferramentas úteis para tomar nota de reflexões inusitadas e inesperadas que, se não fossem registradas, se tornarim fumaça no ar. Além disto, associadas ao material gravado em vídeo ou produzido pelos alunos, permitiram-me maior objetividade nas entrevistas.

3.4.3. As entrevistas semi-estruturadas

Os participantes foram todos entrevistados individualmente numa sala de aula da FALE, em português. As entrevistas foram realizadas na própria sala de aula do curso, com algumas exceções. Queria que se sentissem confortáveis com o contexto de nossas interações. Fizemos ao todo três entrevistas com cada participante, exceto com Cheguevara, que abandonou o curso antes da última entrevista. Tenho cerca de duas horas e trinta minutos de entrevista com cada participante da pesquisa. Na primeira entrevista, realizada no início de outubro, explorei a narrativa autobiográfica dos alunos e alguns dias do diário que escreviam para mim, apoiados por minhas observações em sala de aula e as filmagens das aulas. Procurei aprofundar temas tratados pelos alunos nas narrativas e indagá-los acerca de questões presentes no roteiro de orientação para sua elaboração que não foram abordadas por eles na narrativa autobiográfica. O principal objetivo da primeira entrevista foi traçar um perfil histórico de sua carreira de ensino/aprendizagem de inglês, suas crenças, estilos de aprendizagem, motivações, expectativas e desafios frente ao curso e à pesquisa.

Na segunda entrevista, realizada do meio de novembro ao início de dezembro, dei continuidade à primeira acompanhando o desenvolvimento dos alunos na sala e a maneira com que estavam lidando com seus desafios, dificuldades e conflitos. Além disso, discutimos: a) uma apresentação oral realizada pelos alunos em sala; b) algumas rotinas de sala de aula e ações recorrentes naquela disciplina; c) determinadas posturas corporais dos estudantes. Iniciava a entrevista sempre com uma conversa que servisse como porta de entrada para nosso tema central. Num primeiro momento enfoquei a apresentação oral, utilizando cenas de filmagens da aula e procurando produzir reflexões sobre as ações e as emoções na apresentação. As perguntas usadas foram: Como foi sua apresentação? Como você se saiu? O que acredita que influenciou o jeito com que se apresentou? Qual foi a emoção predominante? O que marcou mais a sua apresentação? Foi interessante observar a percepção dos alunos antes da sessão de visionamento. Todos mudavam de opinião sobre seu desempenho à medida

que conversávamos e assistíamos às filmagens da sala de aula. Num segundo momento, abordei algumas rotinas da sala de aula e também utilizei filmagens, abordando questões como: competição na sala, ansiedade, participação oral, desigualdade de poder, medo de ser criticado, receio de fazer perguntas, isolamento e agrupamento emocional e interacional na sala de aula, participação em grupos de maior ou menos afinidade, seguindo procedimentos e observações feitas na pesquisa de Miccoli (1997). Queria compreender como estavam lidando com os desafios apontados na primeira entrevista. Como último tópico desta entrevista, procurei abordar as emoções que predominavam na sala e como nossas reflexões estavam auxiliando no seu processo de aprendizagem. Encorajei-os, nesta etapa, a refletir sobre as origens de emoções negativas que pareciam bloquear o desenvolvimento de habilidades como a conversação.

Na última entrevista, um mês após a segunda, nossa conversa girou em torno da colagem descritiva realizada pelos participantes (ver Anexo A) e enfatizei seu modo de ver o impacto do processo de reflexão em sua aprendizagem. Além das entrevistas com os alunos, também realizei uma entrevista com a professora entre a segunda e terceira entrevista dos alunos. A entrevista teve como enfoque a história profissional da professora, sua relação com o ensino/aprendizagem de inglês, algumas de suas crenças e estilo de ensinar, e sua percepção da turma. A entrevista com a professora foi bastante elucidativa. Com ela foi possível compreender suas emoções/ações na sala de aula. No jogo sistêmico da sala de aula é impossível deixar o professor de fora. Dessa maneira, embora o enfoque desta pesquisa tenha sido o aluno, a professora é atriz fundamental na dinâmica das redes de conversações e interações que se formam em sala e resultam no aprendizado dos alunos.

3.4.4. As narrativas autobiográficas

A narrativa autobiográfica foi a primeira atividade realizada por eles em língua portuguesa e entregue a mim no início do curso. As orientações e os temas que deveriam ser abordados na escrita das narrativas se encontram no Anexo A em “Um Convite à Reflexão”. As narrativas autobiográficas escritas pelos participantes da pesquisa serviram como porta de entrada para suas histórias pessoais e sua relação com o ensino/aprendizagem de inglês. Foi a partir dessas narrativas autobiográficas que pude iniciar uma interlocução com os alunos. A partir dela estruturei as perguntas que pautariam a primeira entrevista semi-estruturada.

3.4.5. Os diários

Os diários não foram produzidos de maneira sistemática pelos alunos. Enfatizei que não desejava que descrevessem o que teria acontecido em sala, e sim que procurassem refletir sobre o ocorrido, anotando seus sentimentos e percepções. Apenas Arwen, Júlia e Sollylove mantiveram um diário, embora de maneira inconsistente. As anotações entregues a mim por estas alunas serviram para esclarecer e expandir o que observava em sala e conversava com eles nas entrevistas e conversas informais. Além disso, serviram de ponte para compreender o que estava ocorrendo em suas reflexões entre as entrevistas formais. Assim, decidi utilizá-las na escrita das narrativas de minhas observações destas participantes na pesquisa. Os demais participantes escreveram apenas algumas notas descritivas nos primeiros dias e depois o abandonaram por completo argumentando não ter tempo para fazê-lo (Anexo A).

3.4.6. As conversas informais

Procurei ao longo de toda pesquisa conversar informalmente com os alunos, principalmente depois de nossas entrevistas, quando nos encontrávamos pelos corredores da faculdade e saímos das aulas em direção a cantina. Essas conversas contribuíram para estreitar relações com os alunos e expandir temas levantados nas entrevistas e observações feitas durante as aulas. De fato, as conversas geraram insights produtivos dos quais tomava nota rapidamente no meu caderno de campo. Desta maneira, as conversas servirarm para fortalecer a observação-participante de maneira engenhosa.

3.4.7. O questionário final

O questionário final, com questões abertas, teve como objetivo obter uma avaliação da participação dos alunos do seu processo de reflexão e do efeito da reflexão nos processos individuais de aprendizagem. Os questionários foram uma forma de complementar o material documental da pesquisa e me permitiram investigar a participação dos estudantes no processo de reflexão e sua apreciação do mesmo (cf. Miccoli, 1997). Distribui o questionário no final do curso e os recolhi na terceira e útlima entrevista. Os questionários e as respostas dos participantes da pesquisa encontram-se no Anexo B.