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1.2 A relação da língua com o cinema italiano

1.2.2 Língua italiana e dialeto no cinema italiano do pós-guerra

1.2.2.4 Os últimos anos

Para Fabio Rossi, (2006, p. 392-93), o período do cinema italiano que vai de meados dos anos 1980 até a primeira década do novo milênio é muito difícil de se analisar devido à impossibilidade de observar com distanciamento uma fase não concluída, em virtude da variedade dos resultados e da escassez de estudos. Mas o autor ressalta dois aspectos relevantes desse período, que tiveram consequências linguísticas: em primeiro lugar, o retorno da gravação ao vivo e a criação da identidade ―voz-rosto‖, reivindicação feita pelos próprios atores em que um intérprete italiano não pode ser dublado por outra pessoa sem a sua prévia autorização. Em segundo, o uso sempre mais frequente de dialetos não estereotipados, com momentos de integralismo dialetal, que convém às temáticas sociais de muitos filmes denominados pela crítica da época como neoneorrealistas.

De acordo com Rossi (2007, p. 109), somente um público totalmente italófono e que tivesse superado o complexo de inferioridade quanto ao modo de se exprimir seria capaz de apreciar uma produção dialetal, não mais parcialmente italianizada por pudor ou por censura. Nesse sentido, o dialeto assume novas funções, não sendo visto somente como estigma das classes desfavorecidas, mas como uma marca de adesão a um grupo, com uso de gírias, por exemplo, no caso dos adolescentes que falam em dialeto, representados pelos cineastas Francesca Archibugi e Paolo Virzì (ROSSI, 2006, p. 393, 2007, p. 109).

Alguns atores-cineastas (os ―novos cômicos‖, segundo a crítica), como Roberto Benigni, Francesco Nuti, Carlo Verdone, Massimo Troisi, Nanni Morettie e Maurizio Nichetti, revitalizaram as inserções dialetais, reduzindo a mecanicidade e atenuando os tons ridículos. Rossi (2006, p. 395-96) afirma que sobretudo Troisi alcançou níveis expressivos de importância, colocando em cena não somente o napolitano, mas todas as incertezas e impurezas da língua falada, os tics linguísticos, bem como as dificuldades de integração sociocultural de uma pessoa pura de espírito em contato com as contradições da civilização do

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progresso. O napolitano de Troisi é, ao contrário do napolitano de Eduardo e Totò, tão distante do italiano que o seu sucesso de público foi surpreendente. Apesar da progressiva italianização, Troisi conseguiu mostrar a arte da incomunicabilidade com leveza, através de fragmentos de palavras, repetições, balbucios e sons inarticulados; para o autor, nunca como nos filmes de Troisi a fala da insegurança, da timidez e da espontaneidade foi representada com tanto verismo poético, com tanto esforço para dar voz ao não dito e ao indizível.

Ainda para Rossi (2007, p. 118), a característica de maior importância dos filmes dos últimos anos foi a redescoberta dos dialetos distantes de qualquer tipo de italianização, hibridismo e estereotipia. Trata-se de filmes gravados ao vivo, caracterizados por um forte realismo e por temáticas quase sempre ―engajadas‖ que vão da análise sociológica ao aprofundamento psicológico. São exemplos: Immacolata e Concetta, l‟altra gelosia (1980)e Le occasioni di Rosa (1981), ambos de Salvatore Piscicelli, em um napolitano do subproletariado; Libera (1993) e I buchi neri (1995), ambos de Pappi Corsicato; L‟amore molesto (1995), de Mario Martone, em um napolitano arcaico; e, mais recentemente, Certi bambini (2004), de Andrea e Antonio Frazzi.

O dialeto siciliano também foi representado, e como exemplo podem ser citados: os fimes de denúncia Mery per sempre (1989) e Ragazzi fuori (1990), ambos de Marco Risi; Buttane (1994), de Aurelio Grimaldi; o filme crítico-lúdico Tano da morire (1997), de Roberta Torre; o filme psicológico-expressionista Respiro (2002); e o legendado Nuovomondo (2006), de Emanuele Crialese.

Os novos diretores recorreram também a variedades pouco usadas na cinematografia italiana, como o dialeto barese ―críptico‖ do primeiro filme de Alessandro Piva, Lacapagira (2000), rico em palavras dialetais e gírias. Mais próximo do italiano é o posterior Mio cognato (2003), no qual o protagonista fala em barese enquanto os outros personagens adotam o italiano. Nesse sentido, Rossi (2006, p. 398) observa que a lógica se inverte com relação à corrente da comédia à italiana, que quase sempre recorria ao dialeto somente para os personagens secundários.

Outra característica da língua dos filmes italianos dos últimos anos verificada por Rossi (2006, p. 400) é a relação osmótica com a televisão. Isso ocorreu devido à transmigração de ―artistas‖ de um meio para o outro, a exemplo de Benigni e Troisi e dos casos mais recentes: Albanese, Littizzetto, Greggio e Panariello. A televisão, aliás, em alguns filmes é mostrada como a responsável por elevar a valores a futilidade, a ignorância e a imprecisão também linguísticas. Nesse sentido, Verdone e Moretti são os primeiros a esboçar figuras que se exprimem de modo ridículo, sobretudo no que diz respeito ao abuso de anglicismos mal pronunciados e ao uso irreflexo de estereótipos, imitando personagens

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conhecidos. É o caso da jornalista de Palombella rossa (1989), de Moretti, que fala uma língua cheia de frases feitas e vazias e de estrangeirismos (tensione morale, matrimonio a pezzi, Kitsch tensão moral, casamento arruinado, brega). Como exemplo mais recente, pode- se recordar um dos muitos personagens interpretados por Verdone, o jornalista-músico de

Maledetto il giorno che t‟ho incontrato (1992), que usa o romanesco de forma menos

estereotipada do que o habitual (apesar da influência de Sordi) e procura adotar, inicialmente, a fala dos jovens para, sucessivamente, sair da Roma geográfica e linguística.

Rossi (2006, p. 401) ainda observa que muitos filmes utilizaram a linguagem dos jovens, quase sempre um ―italiano desfeito‖ de Roma: Mignon è partita (1988) e Il grande Cocomero (1993), de Archibugi; Evelina e i suoi figli (1990), de Livia Giampalmo; Come te nessuno mai (1999), de Gabriele Muccino; Dillo con parole mie (2003), de Daniele Luchetti; e Che ne sarà di noi (2004), de Giovanni Veronesi. Foi utilizada também a língua dos adultos em crise, em: Piccoli equivoci (1989), de Gabriele Salvatores; e L‟ultimo bacio (2001) e Baciami ancora (2010), de Muccino. Para o estudioso, de maior originalidade e identidade italiana foram os filmes Io sono um autarchico (1977) e Ecce Bombo (1978), de Moretti; e Un sacco bello (1980) e Bianco rosso e Verdone (1981), de Verdone.

Além dos citados anteriormente, Ciccotti (2001, p. 285) nos apresenta mais comentários e exemplos de filmes em romanesco: Amore tossico (1983), de Caligari, filme em que a língua simboliza a crueza da trama, sobre a toxicodependência e a deterioração da periferia; Storia d‟amore (1986), de Maselli; Mignon è partita (1988), de Archibugi, que traz expressões romanescas e neogírias; além de alguns filmes de Verdone e Moretti. Destes filmes, Ciccotti (2001, p. 286) nos chama a atenção para os dois primeiros: ambos recorrem ao neorromanesco ―duro‖ e ―integral‖ de periferia, com conotações documentárias.

Segundo o mesmo autor, sobretudo Amore tossico, em que se utiliza a técnica do pedinamento (ato de seguir alguém de perto), permanece um documento do romanesco e das gírias dos toxicodependentes, já demonstrados em estudos como o de M. Trifone (1993), intitulado Aspetti linguistici della marginalità nella periferia romana.

Portanto, com o final dos anos 1980 e início dos 1990, o romanesco cinematográfico «sai da normatização que tinha sido obrigado desde os anos 1950 (com exceção de alguns filmes de autor antes comentados), retomando vigor principalmente graças àquele que chamamos de ―Neoneorrealismo‖»56, tendência cultural dos anos 1990, que vai reunir muitos filmes de caráter realista e documentário e que compartilha algumas características próprias

56esce dalla normalizzazione cui era stato costretto sin dai Cinquanta (tranne le eccezioni d‘autore di cui si

parlato) riprendendo vigore soprattutto grazie a quello che qui chiamiamo il ―neo-neorealismo‖(CICCOTTI, 2001, p. 286) .

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do Neorrealismo, como por exemplo, o ator e o coro, o pedinamento, o estrangeiro, os temas sociais e, enfim, a língua (CICCOTTI, 2001, p. 289-90).

Para o autor (CICCOTTI, p. 287), vários filmes realizados entre Mery per sempre (1989) e Cuore cattivo (1995) podem ser definidos como ―realistas‖ ou talvez ―neoneorrealistas‖: Mery per sempre (1989), Ragazzi fuori (1990), Muro di gomma (1991) e Il branco (1994), todos de Marco Risi; Ultrà (1991), de Ricky Tognazzi; La stazione (1990), de Sergio Rubini; Verso sud (1992), de Pasquale Pozzessere; Teste rasate (1993), de Claudio Fragasso; La scuola (1995), de Daniele Luchetti; Senza pelle (1994), de Alessandro D'Alatri; Sud (1993), de Gabriele Salvatores; Chiedi la luna (1991), de Giuseppe Piccioni; Ladro di bambini (1992), de Gianni Amelio; Pummarò (1990), de Michele Placido; Romanzo di un giovane povero (1995), de Ettore Scola; e Cuore cattivo (1995), de Umberto Marino.

Quanto à primeira característica, o ator e o coro, conta-se com a presença de atores achados na rua (Mery per sempre, Ragazzi fuori, Ladro di bambini, Il branco); atores com instrução média, mas não provenientes de escolas de recitação (Ultrà, Verso sud); atores que se afirmaram a partir das suas imagens ―culturais e populares‖ (Ghini, Amendola, Orlando no considerado ―tipo de função‖). O pedinamento, ato de seguir o personagem, já mencionado antes, se verifica em filmes como Ragazzi fuori, Verso sud, Ultrà, Senza pelle, Il branco e Cuore cattivo.

No que diz respeito à presença do estrangeiro no cinema neorrealista, esta é quase sempre militar, sendo ele ―o que ocupa‖ ou ―o que liberta‖ – o indígena está quase sempre em posição subalterna (como se pode ver nos primeiros três episódios de Paisà), e mesmo quando há compreensão entre culturas diferentes, como em Roma città aperta, a situação histórica beneficia o estrangeiro na escala de valores. Já no cinema neoneorrealista, a situação do estrangeiro é outra: ele vive a mesma sujeição econômico-psicológica-linguística do ―indígena‖. O estrangeiro é o imigrado do terceiro mundo e do leste europeu; socialmente, tomou o lugar dos refugiados políticos gregos ou sul-americanos do pós-1968, presentes em Pummarò, Teste rasate. Enquanto que o estrangeiro militar impõe a sua língua, o imigrado tenta aprender a língua do país hospedeiro. Como consequência, este desenvolve o bilinguismo, enquanto que o militar tende a impor um monolinguismo que reflete as relações de poder.

Finalmente, tanto nos filmes neorrealistas como nos neoneorrealistas, há a forte presença dos dialetos, da língua dos jovens e das gírias de algumas faixas da sociedade (romanesco conservador, romanesco normatizado e neorromanesco).

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O Neoneorrealismo dos anos 1990 finaliza o projeto do romanesco (ou de outros dialetos) como específico autêntico, preso nos anos 1950, que brilhou com Pasolini, marginalizado com Citti e Scola, Caligari e Maselli, mas somente na última década do século legitimado como ―espelho‖ das importantes mudanças sociais. 57

Isso porque, segundo o mesmo estudioso, tanto a democratização da sociedade como também o interesse da indústria cultural, sobretudo audiovisual, deixaram de lado o obstáculo que o dialeto encontrou com os produtores com o fim do Neorrealismo.

A seguir, explicitaremos alguns filmes em que há a presença do romanesco nos anos 1990, apoiados nos comentários de Ciccotti (2001, p. 293-315), para concluirmos com Viaggi di nozze (1995), terceiro e último filme pertencente ao nosso corpus.

Os anos 1990 serviram de palco para muitos filmes com um romanesco duro, recheado de novas gírias que representavam a degradada periferia da capital (CICCOTTI, 2001, p. 293). Em Ultrà (1991), de M. Risi, os dois antagonistas, Er Principe e Red, falam um romanesco de variedade baixa, aberto a neologismos. A única vez em que Er Principe utiliza o italiano é na prisão, em função imitativa, quando faz o comentário do jogo de futebol (Le squadre sono un po‟ più guardinghe/ le squadre cercano di impostare le azioni d‟attacco/ [...] ‗Os times estão mais cautelosos/ os times estão tentando definir as ações de ataque [...]‘). Mas, minutos depois, quando vem a saber de sua liberação, volta rapidamente ao dialeto, como confirmação de sua ―potência‖ readquirida (Te o finisci te er campeonato/ e pallette però me e porto via ‗Você vai acabar o campeonato/ mas as bolas eu vou levar comigo‘ ). O único personagem que utilizará um italiano neostandard (um standard com mais aberturas fonológicas regionais) será Fabio, um menino de onze anos que, para Ciccotti (2001, p. 295), em contraste com os outros personagens, representa a inocência.

Para concluir esse breve panorama do cinema italiano, reportamos alguns comentários dos vários estudiosos a respeito do terceiro filme selecionado para o nosso corpus, Viaggi di Nozze (1995), do romano Carlo Verdone. É nesta fase que temos o retorno da gravação ao vivo e, portanto, o abandono da dublagem.

Ressaltamos que, apesar da influência de Sordi, nota-se que Carlo Verdone utiliza o romanesco como a ―fala dos jovens‖ em alguns filmes, a exemplo de Un sacco bello (1980) e Bianco, Rosso e Verdone (1981). Depois, no entanto, se distancia dessa variedade em

Maledetto il giorno che t‟ho incontrato (1992), «na direção de uma fala juvenil sócio-

linguisticamente mais verossímil e depois saindo totalmente da Roma geográfica e

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Il neo-neorealismo degli Novanta porta a compimento il progetto del romanesco (o di altri dialetti) come specifico autentico, bloccato nei Cinquanta, riesploso con Pasolini, emarginato con Citti e Scola, Caligari e Maselli, ma solo nell‘ultimo decennio del secolo, ―specchio‖ legittimato dei notevoli mutamenti sociali.

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linguística» (COVERI, 1994, p. 82) 58. De fato, quando Verdone faz uma declaração sobre o

Maledetto il giorno che t‟ho incontrato, esclarece: «Eu o ambientei em Milão e em

Cornovaglia porque queria ter a certeza de que os personagens secundários não tivessem diálogos como ―anvedi‖, ―li mortacci tua‖, ―te possino‖».59

É com Viaggi di Nozze (1995) que se percebe o retorno do romanesco dos arrogantes da periferia. O filme segue a estrutura on the road de Bianco, Rosso e Verdone, no qual o mesmo ator interpreta três personagens. De fato, em Viaggi di Nozze Verdone representa novamente três personagens: Raniero Cotti Borroni, Ivano e Giovannino, que fazem uma viagem de lua de mel com as respectivas esposas. Em alguns diálogos entre Ivano e Jessica, podemos constatar o retorno do uso do romanesco fílmico:

Ivano: O famo strano?

Jessica referindo-se a Florença: Ammazza quant‘ vecchia 'sta città! Quando fala ao telefone com os amigos:

Ivano: A stronzi! 'Ndo state? Che fate? 'Nd'annate? Mo taa do. (Passa o telefone a Jessica): Mirko e Mara.

Jessica: A stronzi! 'Ndo state? Che fate? 'Nd'annate? [...] A Ivà ce semo mai stati ar Prognosi Riservata?

Ivano: Negativo, se pò fà!

Segundo Ciccotti (2001, p. 312), os dois personagens falam uma mistura de romanesco e gírias que coincide com o modo de eles fazerem amor, podendo-se notar o uso de palavras e expressões fora do comum: o famo strano ‗vamos fazer diferente‘. Como observa o estudioso, Ivano e Jessica procuram continuamente novas realidades, outros tipos sociais, o que os leva a situações fictícias que requerem uma nova relação com o código linguístico. Um exemplo disso é quando, comunicando-se por escrito, simulam pertencer a uma classe social mais elevada:

Ivano: La trovo molto stupenda. La posso invitare al mio tavolo?

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nella direzione di un parlato giovanile anche sociolinguisticamente pi credibile e poi uscendo decisamente

dalla Roma geografica e linguistica.

59L‘ho ambientato a Milano e in Cornovaglia perché volevo essere sicuro che non ci fossero nei personaggi di contorno battute come ―anvedi‖, ―li mortacci tua‖, ―te possino‖.

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Jessica: Grazie ma lei core un po‘ troppo.

Em seguida, Ivano vai até a mesa de Jessica e se apresenta tentando usar ainda um italiano neostandard, típico de uma pessoa ―fina‖ e ―importante‖:

Ivano: Io comunque mi chiamo Ivano. Jessica: Piacere, Jessica.

De acordo com Ciccotti (2001, p. 313), os arrogantes de C. Verdone, apesar de certo exagero no tom recitativo, testemunham a existência de outro mundo marginal (como o dos filmes comentados anteriormente: Ultrà, Teste rasate, Cuore cattivo), que está situado em uma rede sociolinguística tendencialmente fechada.

Ciccotti (2001, p. 314) exemplifica essa realidade sociolinguística fechada com a nasalização ―da moda‖ do início dos anos 1980. Iniciada como traço de distinção snob de alguns bairros pequeno-burgueses (de P. Mazzini a Trionfale), depois se propaga para áreas mais populares (Portonaccio, S. Giovanni) até as periferias (Giardinetti). Atualmente, os jovens de cultura média não nasalizam mais, e se Carlo Verdone faz com que Jessica nasalize, é, segundo o pensamento de Ciccotti, para evidenciar um comportamento fonético superado por uma classe, mas não pela classe menos culta, que o mantém vivo como sinal de ―elevação‖ social. Mas, e assim finaliza o autor, se uma classe (popular) cristaliza algumas formas consideradas ultrapassadas por outra (culta), é também verdade o fenômeno contrário: por exemplo, a periferia, fonte inesgotável de renovação linguística, cria neoformas com forte base romanesca que foram absorvidas não só pelas variedades do neoromanesco, mas também pelo italiano neostandard trucido ‗sujo‘ aparece pela primeira vez em Ecce bombo (1978), e sòla ‗engano‘, nas falas de M. Costanzo e T. Solenghi.

Finalizamos aqui este breve estudo cronológico e sociolinguístico da relação da língua italiana/dialeto com o cinema, a partir de alguns exemplos de filmes e pequenos diálogos para um maior entendimento das várias fases linguísticas da cinematografia, aqui em questão.

Como o foco da nossa pesquisa é a observação do uso do romanesco nas falas fílmicas dos filmes selecionados, propomos, sucessivamente, um panorama da evolução desta variedade, desde as origens até os dias atuais, partindo das reflexões dos principais teóricos do tema.

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2 O ROMANESCO E SUA EVOLUÇÃO

O presente capítulo procurará identificar os pontos principais da história linguística de Roma, tendo como foco os acontecimentos que contribuíram para a evolução do romanesco, com base nos trabalhos de Tullio De Mauro (1995, 1989), Pietro Trifone (1992, 2008), Paolo D‘Achille (2012), entre outros estudiosos do tema.

No item 2.1, que trata da origem do romanesco até o século XIV, apresentaremos alguns exemplos de documentos escritos, como o grafito das catacumbas de Commodilla, e obras-primas, como a Cronica, que tiveram importância para o estudo do romanesco; esta última, devido a sua forte dialetalidade, serviu como ponto de referência para o conhecimento do romanesco antigo ou de primeira fase, caracterizado por uma clara fisionomia centro- meridional, mas com algumas convergências com o toscano, segundo especialistas.

Já no item 2.2.1, trataremos da importante toscanização da língua escrita e do uso médio-alto, que prepara a passagem do romanesco de primeira fase para o de segunda fase dos séculos XV e XVI. Fatores internos, como o retorno do papa a Roma, causaram fortes mudanças na cidade, a ponto de acelerar a crise do romanesco de primeira fase.

O período pré-unitário, comentado nos itens de 2.3 a 2.3.3, trata da presença da Igreja na sociedade romana, além da censura sobre o dialeto. A literatura dialetal reflexa será, portanto, a fonte documentária mais importante para reconstruir a evolução do romanesco até chegarmos à obra-prima de Belli, com os Sonetti.

Os itens de 2.4 a 2.4.3 serão dedicados ao estabelecimento da relação língua-dialeto após a unificação política, que abrirá uma nova fase na história política italiana, também sob o aspecto linguístico. O romanesco será o dialeto mais presente no cinema, no rádio, na propaganda, fazendo com que algumas vozes de origem romana entrem também na linguagem juvenil, na política e no esporte, devido à centralização de Roma, como também à proximidade do romanesco com o italiano (D‘ACHILLE, 2012, p. 9).

Outro aspecto importante que será abordado tem relação com a extensão e o domínio da italofonia da classe média emergente e com a imigração pós-unitária. Mais um ponto a ser discutido é a falta de contraposição entre língua italiana e dialeto romanesco, como também a pequena distância entre os vários níveis do repertório linguístico. Para concluir, comentaremos a influência da neodialetalidade juvenil no quadro linguístico contemporâneo romano.

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No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 54-62)