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Dialetalidade estereotipada – Neorrealismo rosa (1952-1962)

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 45-49)

1.2 A relação da língua com o cinema italiano

1.2.2 Língua italiana e dialeto no cinema italiano do pós-guerra

1.2.2.2 Dialetalidade estereotipada – Neorrealismo rosa (1952-1962)

A união entre a comunicação verbal cotidiana e a fala fílmica, que o Neorrealismo havia instaurado em suas obras-primas, começou a se enfraquecer depois de 1948, pelos motivos já exemplificados anteriormente. Como consequência disso, a língua fílmica iniciou uma fase de pesquisa linguística que durou até os anos 1960. A transformação profunda da realidade italiana e, portanto, também da língua como, por exemplo, a contração e diluição dos dialetos, expansão compensadora de um italiano marcado por traços locais, aumento do contato com estrangeiros, provocou reflexos brandos e alterações superficiais na fala fílmica daqueles anos. A depressão industrial e criativa do cinema nacional obrigou os produtores e cineastas, por óbvios motivos de mercado, a escolher uma produção mais leve e convencional, moldando o código originário de acordo com as exigências da compreensão e da atratividade (RAFFAELLI, 1996, p. 320-21).

Nesta fase, que Raffaelli (1992, p. 118) denomina ―dialetalidade estereotipada‖, ou ―Neorrealismo rosa‖, temos a presença generalizada de uma «língua falada formal, construída no pleno respeito das regras sintáticas, morfológicas e fonológicas» 41 (BRUNETTA, 1982), que continuou a prevalecer na produção nacional, seja de alto nível (em Giulietta e Romeo, 1954, de Castellani), seja popular (em Arrivano i dollari!, 1957, de Costa), e foi rigorosamente adotada em toda a produção estrangeira dublada. Este italiano, com o apoio da rádio e, a partir de 1954, também da televisão, incidiu na formação linguística dos italianos; mas foram os filmes dialetais a darem o maior impulso à evolução linguística daqueles anos. Raffaelli observa que tanto Menarini (1955, p. 174) como Migliorini (1990, p. 117) haviam notado que muitos destes filmes de menor valor exerciam grande influência, e cita De Mauro (1995, p. 123-24), que afirma que tal influência favoreceu a criação de uma «variedade

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era accettata dal pubblico perché improvisamente il personaggio popolare, povero, vestendo un italiano

impeccabile, ricco di lessico e strutture sintatiche, privo di regionalismi, diveniva immagine proiettiva per giovani italiani del dopoguerra, che si muovevano tra miseria ed ignoranza, alla ricerca di un ricatto sociale,

anche attraverso una figura di ragazza unole ma linguisticamente ―vincente. 41

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popular unitária de italiano» 42 e a difusão da «consciência do caráter regional dos dialetos» 43

.

Em sua análise diacrônica, Raffaelli (1996, p. 323) nos faz perceber, na filmografia italiana da década de 1950, a presença complementar dos dialetos, que muitas vezes se cruzavam como reflexo da formação de centros urbanos pluridialetais. Isso pode ser observado não só nos filmes de atualidade (com atores dialetais como o lombardo Scotti, o romano Fabrizi, o napolitano Taranto), mas também em filmes dramáticos e históricos, como Senso, 1954, de Luchino Visconti, com inserções vênetas: «la senta, siora»/‖escute-a, senhora‖. Contudo, segundo afirma o autor (RAFFAELLI, 1992, p. 119), até os anos 1960 as manifestações dialetais não foram capazes de fornecer aos telespectadores novas competências ativas, como também não ajudaram na compreensão dos dialetos desconhecidos. A contribuição maior ao processo de transformação linguística continuou sendo indireta, instaurando-se uma familiaridade com as realizações verbais anômalas e compostas. Todavia, o autor relata que, na metade dos anos 1950, houve uma variação relevante: a redução dos filmes pluridialetais e o aumento do uso do romanesco, com um retorno dos dialetos de várias proveniências, juntamente com a corrente napolitana, já no final da mesma década.

Sobre o uso do romanesco fílmico, Ciccotti (2001, p. 277-79) nos dá outros testemunhos da cinematografia italiana daqueles anos: Bellissima (1951), de Visconti, com o uso de um romanesco clássico: «A Ni‟ come li tenevi l‟occhi, aperti?» ‗Ni‘, você estava com os olhos abertos?‘; no mesmo ano, Europa ‟51, de Rossellini, onde o autor observa, na cena das prostitutas, que o contexto neorrealista é reforçado pelo romanesco conservador: «[...]

T‟abbotto er grugno!»‗Vou te encher de tapa na cara!‘ / [...] / [...] «Va‟ a morì ammazzato!»

‗Quero que você morra!‘. Outros filmes são: Roma ore 11 (1952), de De Sanctis, história dramática de mulheres romanas; e Le ragazze di Piazza di Spagna (1952), de Emmer, sobre as desventuras/aventuras de três garotas plebeias. Ciccotti (2001, p. 277) observa que, nos dois filmes, o romanesco aparece muito próximo do italiano, que se reveza com o italiano popular.

O romanesco fílmico se impôs, portanto, na metade dos anos 1950, competindo com a língua nacional, em uma relação de recíproca influência, mas permanecendo inadequado como solução linguística alternativa ao italiano na comunicação cotidiana dentro da própria

42 varietà popolare unitaria di italiano. 43

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Roma. É um romanesco cativante, simpático, mas que não existe: é construído pelos roteiristas e produtores, denominado por Rafaelli (1992, p. 122) romanesco di maniera‖.

Entre 1953 e 1956, como observou Raffaelli anteriormente, veremos o uso desse romanesco ―di maniera‖ com a intenção apenas de ―colorir‖, como no filme Anni facili (1953), de Zampa, apontado por Ciccotti (2001, p. 277). Isso porque os produtores achavam que o romanesco tivesse cansado o público, além do fato de que a crítica queria ouvir um italiano standard. Outros filmes desse período elencados pelo autor são: Racconti romani (1955), de Franciolini (baseado no livro de Moravia); e I pappagalli (1955), de Paolinelli, com o romanesco conservador de Aldo Fabrizi e o romanesco conservador-italianizado, típico de A. Sordi.

Mas, segundo Ciccotti (2001, p. 279), é com o filme popular Poveri ma belli (1956), de Risi, que se consuma o ―homicídio‖ do romanesco conservador, «responsável por mostrar à plateia cansada os restos neorrealistas» 44. Nele, os protagonistas falam um italiano quase standard, improvável na boca de pessoas do povo da época, refletindo a ideologia consoladora do filme; segundo Rossi (1999, p. 451), «desaparecem os traços mais populares do romanesco, para dar espaço a um código misto bem mais artificial que o italiano regional médio efetivamente falado em Roma» 45. Ciccotti (2001, p. 280) exemplifica o romanesco “di

maniera” com o filme de Risi, que se configura sob dois aspectos principais – nos níveis

lexical e frasal:

a) romanesco “di maniera” lexical: quando uma ou duas formas lexicais são inseridas

no contexto do ―italiano médio-standard‖ com o objetivo de ―coloração linguística local‖: «Ah ma allora quella ci provoca, ci stuzzica, quell‟impunita, burina, analfabeta. Domani appena la vedo sai che le dico? Le dico [...] ‗Ah, mas então ela nos provoca, aquela impune, caipira, analfabeta. Amanhã assim que a vir, sabe o que lhe digo? Vou lhe dizer [...]‘;

b) romanesco “di maniera” frasal: quando aparecem algumas expressões famosas: «A

Romolo quanno t‟acchiappo te faccio (s)sta a (l)letto „na settimana» ‗Romolo, quando eu te

pegar, te faço ficar na cama uma semana‘; «Ahó sai che (t)tu‟ sorella s‟è (f)fatta carina? Tra due anni è (b)bona pure subbito!» ‗Ehi, sabe que a sua irmã ficou bonita? Daqui a dois anos será linda, já é agora!‘.

Portanto, Ciccotti (2001, p. 281) concorda com Raffaelli quando este afirma que, com exceção de alguns diálogos, o romanesco de Poveri ma belli é artificial e está mais nas

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responsabile di mostrare alle stanche platee gli stracci neorealisti. 45

scompaiono i tracci più popolari del romanesco, per lasciar spazio a un codice misto ben più innaturale dell‘italiano regionale medio effettivamente parlato a Roma.

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falas dos personagens secundários, enquanto que os protagonistas, mesmo que pouco escolarizados e humildes, falam quase sempre um italiano standard.

Para Ciccotti (2001, p. 281), é somente com Le notti di Cabiria (1957), de Fellini, com a consultoria de Pasolini, que «o romanesco ―clássico‖ reencontra o seu ―papel‖ cinematográfico» 46. Conclui esta década La notte brava (1959), de Bolognini, com roteiro de Pasolini, que «anuncia, dentro do romanesco ―duro‖, a união pasoliniana de romanesco conservador e de segunda fase (de variedade médio-baixa)» 47.

Os anos 1960 serão fundamentais para o romanesco de Pasolini, que, a partir de uma visão pessoal do proletariado e de sua linguagem, repropôs o romanesco ―especial‖ dos marginalizados das favelas da periferia romana com Accattone (1961), Mamma Roma (1962) e La ricota (1963). A proposta dialetal pasoliniana, mimética e expressiva de uma linguagem viva, produziu reações no mundo do cinema e fez as manifestações dialetais genuínas voltarem a ser vistas com respeito; mas, de acordo com Raffaelli (1992, p. 123), «exerceu pouca incidência sobre o público, que, depois de anos de estereotipia, se mostrou relutante e não preparado para receber tais obras» 48. Entretanto, como ressalta Ciccotti (2001, p. 281), esta década será inaugurada ainda por um romanesco conservador: no filme Era notte a Roma (1960), de Rossellini: «Ma non ponno stà (q)qui! E lasseme pèrde! M‟avete fregato!» ‗Mas não podem estar aqui! Me deixem em paz! Vocês me enganaram‘.

No fim dos anos 1950 e início dos 1960, com a ajuda da televisão e de uma produção local menos evasiva, houve o aumento de soluções linguísticas mais verossímeis. Apareceu um italiano simples e marcado por traços regionais e dialetais autênticos: em 1958, em Venezia la luna e tu, de Dino Risi, em que Alberto Sordi e Nino Manfredi fazem o papel de gondoleiros venezianos; e em 1959, em La grande guerra, de Mario Monicelli, que mistura variedades regionais e dialetos. Outro filme importante desta fase, segundo Raffaelli (1992, p. 124-25) foi Rocco e i suoi fratelli (1960), de Visconti, com o seu italiano modulado em vários registros e com diálogos em dialeto lucano e milanês. E de grande relevo linguístico foram os filmes de Ermanno Olmi: Il posto (1961), que traz um italiano do formal ao marginalizado, passando pelo italiano regional multiforme – de cidade, do operário, do funcionário, do aposentado, dos jovens – e pelo dialeto regional; e Il tempo si è fermato (1959), em que havia

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il romanesco ritrova il suo ―ruolo‖ cinematografico. 47

annuncia all‘interno del romanesco ―duro‖, la commistione pasoliniana di conservativo e romanesco di

seconda fase (di varietà medio-bassa).

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esercitò poca incidenza sul pubblico, che dopo anni di stereotipia si mostrarono rilutanti e non preparati a

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a contraposição de registros nos diálogos de um montanhês idoso e de um estudante- trabalhador da cidade.

Assim finalizamos os comentários sobre esse período do Neorrealismo Rosa, com a apresentação, a seguir, de outros exemplos e comentários de filmes que marcaram o cinema italiano dos anos 1960 até meados dos 1980.

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