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Língua italiana e dialetos antes do Neorrealismo

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 31-35)

1.2 A relação da língua com o cinema italiano

1.2.1 Língua italiana e dialetos antes do Neorrealismo

Segundo Raffaelli (Enciclopedia del cinema, 2003) 28, o cinema sonoro (1930) impôs aos produtores a elaboração de soluções linguísticas que fossem adequadas tanto às situações

27 il «romanesco» del Novecento, quello che resta del vecchio dialetto di Roma, fortemente venato di

meridionalismi, è stato ed è sempre più largamente adoperato dal cinema per dare forma linguistica a contenuti popolari o popolareggianti.

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comunicativas do filme quanto à capacidade receptiva dos espectadores. A Itália, ao contrário dos outros países da Europa, possuía uma língua nacional elaborada e transmitida através da escritura, sendo falada por poucos; ou seja, era uma língua privada de fluida coloquialidade, fundamental na interação entre personagens fílmicos, o que acabou tornando obrigatória a criação de uma linguagem fílmica adequada a essa necessidade.

Rossi (2006, p. 161) afirma que, na Itália, a língua escrita e a língua falada no filme refletiam a real fragmentação geográfica e sociolinguística do país e, por outro lado, respondiam à dupla natureza do cinema como meio de comunicação de massa: espelho e escola de língua (SIMONE, 1987). Portanto, a tendência à normatização linguística de tipo literário e a exigência de alcançar todo o público nacional contrapunham-se ao desejo de despertar a identificação do público local através da adoção de expressões populares e dialetais. Tal cruzamento de variedades linguísticas (dialeto, italiano standard, italiano regional, italiano literário, italiano popular, italiano médio) acompanhará a fala fílmica durante toda a sua história.

Além disso, Rossi (2006, p. 162-63) esclarece que, quando se fala de dialeto cinematográfico, na verdade se trata ora de italiano regional, ora de uma língua híbrida (criada pelo cinema e para o cinema), que combina, geralmente num mesmo diálogo, fenômenos regionais com traços de italiano standard. Para o estudioso, são poucos os filmes em dialeto puro e, quando é utilizado, tem como principal função ―colorir‖ o filme: é mais falado por figurantes ou, no máximo, por personagens secundários; é mais falado por homens do que por mulheres; mais por idosos do que por jovens; mais por pobres do que por ricos.

Voltando à cronologia delineada por Raffaelli (1992, p. 80), temos: de 1930 a 1945, a fase dos ―anos da Cines‖ (de 1929 a 1934, com traços fonéticos regionais nos primeiros filmes), a fase dos ―anos de Freddi‖ (de 1935 a 1939, rigorosamente dialetófobos) e a fase dos ―anos de guerra‖ (com um uso mais consistente dos dialetos, da caricatura ao realismo).

A seguir, para melhor compreensão desses diferentes momentos, comentaremos brevemente sobre os anos que antecederam o Neorrealismo, principalmente a partir dos ―anos de Freddi‖ (de 1935 a 1940), marcados pelo fascismo, levando à proibição do uso do dialeto fílmico.

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1.2.1.1 Os anos de “Freddi”

Segundo Raffaelli (1992, p. 91), em 1935 a política linguística do regime estendeu-se também ao cinema, até 1939, influenciando as escolhas linguísticas, contrárias às manifestações regionalistas e estrangeiras e favoráveis a um monolinguismo de tipo literário. O termo usado por Raffaelli para designar essa fase deve-se ao dialetofobo Luigi Freddi, que comandava a Direção Geral para a Cinematografia de 1934 a 1939, permanecendo moderador influente da política cinematográfica do regime até 1943.

Raffaelli (1983, p. 125-26) observa que a língua dos meios de comunicação nesses anos, inclusive a cinematográfica, é submetida a uma ―normatização linguística‖ em que vigora o controle sobre as ―palavras proibidas‖, ou porque estrangeiras ou, se italianas, porque dissonantes do caráter ―romano‖ e ―imperial‖ da Itália.

Na mesma direção de Raffaelli, Rossi (2006, p. 168-69) constata que foram raros os testemunhos dialetais desses anos. Alguns cômicos, como Totò, limitavam a dialetalidade a variações regionais fonéticas do italiano. O dialeto era tolerado, todavia, nos personagens secundários, como nos filmes do período do ―telefone branco‖, e em outros gêneros, cujo uso servia mais para caracterizar personagens secundários e figurantes no sentido étnico e social do que reproduzir fielmente a realidade linguística italiana.

Os filmes italianos do período do ―telefone branco‖, de 1930 a 1943, eram caracterizados por ambientes burgueses, com decoração ostentosamente moderna e elegante, onde aparecem telefones brancos à vista, símbolos de ascendência social. Parte da crítica define este gênero como ―comédia húngara‖: são filmes ambientados principalmente na Hungria e, muitas vezes, dirigidos por diretores húngaros ou inspirados em comédias húngaras, em voga na Itália nos anos 1930 e 1940. A ambientação húngara servia para prevenir a intervenção da censura, pois eram argumentos recorrentes o divórcio (na época ilegal na Itália) ou então o adultério (ROSSI, 2007, p. 31).

Mas, apesar das leis do período fascista, que iam desde a aversão aos dialetos e línguas estrangeiras à proibição do pronome pessoal de cortesia ―Lei‖, Rossi (2007, p. 36-37) afirma que o cinema gozava de uma liberdade maior do que outros meios de comunicação e expressão artística. Essa liberdade pouco vigiada devia-se à distração dos legisladores e governantes, os quais preferiam confiar a outros meios de comunicação, como os jornais e os documentários, as mensagens propagandistas. No cinema dos anos 1930 e 1940, portanto,

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dialetos, gírias, variedades baixas e termos estrangeiros podiam circular bem mais que em outras formas de comunicação.

1.2.1.2 Os anos de guerra

Nos anos de guerra (1939-1945), o uso fílmico do dialeto adquiriu mais vivacidade e expressividade, apesar do período de repressão pelo qual ainda passava. Mas, como observa Rossi (2006, p. 174), o regime fascista possuía uma alma dupla: por um lado, queria passar uma imagem moderna e eficiente, principalmente no exterior, de uma única e ilustre língua para uma nação compacta e forte, o que não condizia com a ruralidade e fragmentação dialetal próprias da realidade do país; por outro, não queria renunciar a atitudes populistas, ligadas às origens populares e dialetais dos italianos.

Raffaelli (1992, p. 99) afirma que, durante a guerra, a dimensão dialetal afirmou-se também na produção dramática, mas nem sequer nessa fase as inserções – mesmo que amplas e frequentes – conseguem ter mais que função simbólica, como a identificação étnico- geográfica, social e psicológica dos personagens ou a exaltação da Itália ―humilde‖.

Rossi (2006, p. 179) salienta que muitos atores provenientes do teatro dialetal trouxeram uma substancial bagagem dialetal ao cinema: depois de Petrolini, Viviani e Dina Galli, chegam outros atores dialetais célebres nos anos 1930, como o catanês Angelo Musco, o veneziano Cesco Baseggio, Erminio Macario, os irmãos De Filippo, Anna Magnani e Totò, e, em 1942, debutam também no cinema o ator genovês Gilberto Govi e o romano Aldo Fabrizi.

Com relação ao último ator, Rossi (2006, p. 181) afirma que os três filmes estrelados por ele (Avanti c‟è posto..., 1942, e Campo de‟ Fiori, 1943, ambos de Mario Bonnard; e

L‟ultima carrozzella, 1943, de Mattoli, sendo os dois últimos com Anna Magnani) inauguram

um romanesco realista das pessoas pobres, que, graças a Roma città aperta (com Fabrizi e Anna Magnani), abrirá o caminho para o Neorrealismo. Em Avanti c‟è posto, Fabrizi personifica totalmente o romanesco, e, de acordo com Raffaelli (1992, p. 99-100), certas expressões usadas por ele, como «Che me ne frega», «Mo‟ questo viè», «Basta che se magna»29, entram em sintonia com uma Roma documentária, em pleno clima de guerra.

Segundo Rossi (2006, p. 185-86), os três filmes acima comentados confirmam a tendência do romanesco de tornar-se predominante na cinematografia italiana, sobretudo pelo fato de Roma ser a capital do cinema, onde as histórias eram contadas e ambientadas. Além

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disso, tais filmes foram responsáveis por introduzir gradualmente as temáticas da guerra e pobreza, típicas do Neorrealismo.

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