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Dialetalidade imitativa – Neorrealismo (1945-1952)

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 35-45)

1.2 A relação da língua com o cinema italiano

1.2.2 Língua italiana e dialeto no cinema italiano do pós-guerra

1.2.2.1 Dialetalidade imitativa – Neorrealismo (1945-1952)

Antes de iniciarmos a apresentação dos filmes pertencentes à corrente cultural Neorrealista, é intenção discutir algumas definições, à luz dos estudiosos do tema.

Sobre as origens do termo Neorrealismo, Stefania Parigi (2014, p. 19-20) afirma que tal termo entra no debate sobre o cinema italiano somente nos primeiros meses de 1948, quando muitas obras do pós-guerra já tinham sido realizadas. Todavia, a autora aponta o estudioso Sadoul (1947), o qual afirmava que tal palavra seria de origem francesa e teria sido usada já nos anos 1930. De fato, o uso do termo no cinema precede o pós-guerra italiano e está relacionado às obras dos autores do realismo poético: Jean Renoir, Marcel Carné, Julien Duvivier.

Para a reconstrução do uso do termo Neorrealismo na Itália, Parigi (2014, p. 21) cita os estudos de Gian Piero Brunetta (1993), que observa que o vocábulo é oficializado no campo literário em 1928, por Ettore Lo Gatto. Este intitula de ―Dal futurismo al neorealismo‖ o primeiro capítulo do seu livro Letteratura soviettista.

Apesar de o uso da palavra ter tido início na literatura, boa parte dos intelectuais reconheceu o cinema, devido a seu sucesso internacional, como primeiro detentor e centro irradiador deste termo, conforme atesta Gianfranco Contini (1968) em Letteratura dell‟Italia unita: «a etiqueta de Neorrealismo se atribui, antes mesmo que à narrativa, ao cinematógrafo

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do pós-guerra» 30. Mas, ainda conforme Parigi (2014, p. 24), passariam muito anos antes que os próprios diretores se reconhecessem sob uma etiqueta que julgavam limitada e constritiva.

No que concerne às origens do Neorrealismo, não podemos deixar de considerar os movimentos literários que anteciparam e foram a base para o desenvolvimento dessa corrente, como o naturalismo.

Roncoroni (1989, p. 239-40) relata que o naturalismo nasce na França na metade do século XIX e tem como protagonistas escritores como Flaubert, Maupassant, Balzac e Zola, sendo este último o fundador e maior teórico do movimento. Através da observação direta da sociedade, Émile Zola determinou os princípios dessa corrente estética na teoria do Romance experimental, que se contrapunha à literatura construída artificialmente de até então. Segundo Zola, o escritor não deveria escrever da sua mesa de trabalho, mas deveria estar no meio das pessoas, vivendo as situações nos lugares onde seriam inseridos os personagens de seu romance; deveria anotar todas as suas impressões e, em casa, transcrever de modo imparcial e distante, como um cientista relata o seu experimento. Nesse sentido, os naturalistas se concentravam nos personagens que até então a literatura havia esquecido, especialmente a plebe parisiense, os deserdados que viviam à margem da sociedade, os minadores e o proletariado em geral, todos analisados em direta relação com o ambiente que os circundava.

Na Itália, em 1870, essa tendência ao real nasce com o nome de verismo, movimento que se apropria das principais características do naturalismo, tais quais: o escritor-cientista que reproduz a realidade vivida; a realidade social analisada e estudada cientificamente, tendo como leis a hereditariedade e o condicionamento ambiental; e a escrita refletindo a realidade como um documento objetivo, sem deixar transparecer a opinião do autor. Tendo em vista a peculiar história italiana, no que tange à ―questão social‖ os veristas da época acrescentam a ―questão meridional‖, caracterizada pela divisão do país entre Norte e Sul em um atrasado processo de industrialização, tendo como argumento principal as duras condições dos seus lugares de origem, uma vez que a maioria dos escritores vinha do Sul da Itália. Sendo assim, Roncoroni (1989, p. 240) afirma que o verismo adquiriu um ―caráter regionalista‖, já que a realidade italiana mudava conforme a região.

Na realidade italiana, além de todas as características acima citadas, havia a questão da língua, que, segundo o movimento, deveria aderir aos fatos e, portanto, abandonar as formas retóricas e românticas; a língua devia ser «a expressão substancialmente objetiva do mundo representado» 31 e compreender elementos dialetais como documentos da realidade. O

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l‘etichetta di neorealismo si applica, ancor prima che alla narrativa, al cinematografo dell‘immediato dopoguerra.

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maior representante do verismo foi Giovanni Verga (1840-1922), o qual representou objetivamente nos seus romances as pessoas humildes e oprimidas da sua Sicília, mas mostrou também que a impessoalidade e a objetividade absolutas eram inalcançáveis e que o papel do escritor era fundamental na descrição direta da realidade (RONCORONI, 1989, p. 241).

Parigi (2014, p. 32) observa que os críticos cinematográficos Alicata e De Santis propõem que a obra de Verga é fonte de inspiração para um cinema que procure representar a realidade das pessoas humildes e oprimidas, tornando-se o modelo de uma arte revolucionária. Mas, além da influência verista, são de muita importância para os cineastas e realizadores da época os ensinamentos de Umberto Barbaro, que, juntamente com Luigi Chiarini, representa a voz de referência para a geração de jovens que se formaram no Centro Sperimentale di Cinematografia em pleno regime fascista. Barbaro apresenta não somente os clássicos soviéticos, as teorias de Pudovkin, Ejzenštejn, Balázs, Arnheim, mas elabora uma ideia de cinema militante, baseada na contraposição com o cinema cômico-sentimental (telefones brancos), propondo como alternativa um realismo de caráter nacional impregnado da tradição meridionalista.

Seguindo as afirmativas de Parigi (2014, p. 33-35), a paixão verguiana de Alicata e De Santis é compartilhada por Visconti: é desse período o seu primeiro projeto não realizado, uma adaptação de L‟amante di Gramigna, censurada; além disso, havia a ideia de levar às telas a Sicília de I Malavoglia, que se concretizará somente muitos anos depois com La terra trema (1948). Mas a obra-manifesto do Neorrealismo, segundo a estudiosa, será Ossessione (1943), que rompe com o cinema fascista e recebe influências da literatura americana e do cinema realista francês de Carné e Renoir.

Nesta obra, Visconti revoluciona a concepção do personagem, que não corresponde mais à artificialidade da comédia dos telefones brancos, mas encarna um homem vivo, que tem a faculdade de criar o ambiente através das próprias paixões e de dar um sentido às coisas que estão ao seu redor (PARIGI, 2014, p. 36).

A propósito dessa afirmação, Parigi (2014, p. 37-38) enfatiza que havia controvérsias sobre a relação de Ossessione com o Neorrealismo, pois a crítica italiana considerava a obra viscontiana um forte gesto de ruptura com o período pré-guerra e lhe dava o papel de ponte entre o velho e o novo, enquanto que no exterior o filme acabou sendo englobado no corpo neorrealista. De qualquer maneira, a autora observa que a estética de Visconti, muito diferente da estética de De Sica e de Rossellini, apresenta em Ossessione algumas características que se

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repetirão em La terra trema: permanece a descrição da vida de pessoas comuns, em ambientações que até então não eram consideradas pelo cinema, e a descrição de situações da vida cotidiana. Devido a esses fatores, o filme, acompanhado de outros filmes dos anos 1940, mostrou sinais de mudanças, sendo considerado pela crítica um dos precursores do Neorrealismo italiano.

Durante a guerra, os críticos veem no cinema de propaganda dos primeiros anos 1940 alguns elementos propulsores de uma nova orientação realista, como é o caso da trilogia de guerra de Rossellini: La nave bianca (1941), sobre a marinha; Un pilota ritorna (1942), sobre a aviação; e L‟uomo dalla croce (1943), sobre o exército. As características principais desses filmes são a ausência de atores famosos e a presença de atores não profissionais; há também o desejo de documentar, de modo que as gravações são ao aberto, as histórias são relacionadas à atualidade e os personagens não são heróis de romance, mas homens comuns. Parigi (2014, p. 40-41) observa que a crítica da época denominou essas obras como «documentário romanceado», indicando-as como filmes de propaganda «veristas», com intenções patrióticas e antirretóricas: em vez da exaltação da guerra fascista, tem-se um olhar piedoso na direção do sofrimento e das feridas dos indivíduos.

Assim como Roma città aperta e Paisà, os filmes de propaganda rossellinianos já contavam com a presença do coro e do encontro/desencontro de culturas, etnias, ideologias e classes sociais. Além desses fatores, Parigi (2014, p. 42) sublinha o filme Un pilota ritorna, que introduz o plurilinguismo de Paisà.

Para Raffaelli (1992, p. 107), a principal contribuição do Neorrealismo foi ter dado ―dignidade‖ ao dialeto: «pela primeira vez na história da cinematografia italiana, o dialeto encontrava-se ao lado do italiano e também das línguas estrangeiras, em uma posição de total igualdade» 32.

O dialeto exibe a própria ―dignidade‖ já em Roma città aperta, filme que, segundo Raffaelli (1992, p. 107), oferece uma representação linguística verossímil da Roma de 1943- 1944. Temos, de um lado, o alemão dos militares ocupantes e, de outro, o romanesco do povo e o italiano dos pequenos burgueses e dos não romanos: é o alemão como código da guerra, o italiano da razão, o ―dialeto dos afetos‖; o romanesco e o italiano, dependendo da situação, podem revezar-se ou mudar o grau de formalização, características que comentaremos na análise do nosso corpus, no quarto capítulo.

Com relação ao uso do dialeto, Raffaelli (1996, p. 590) afirma que em Roma città aperta o romanesco foi usado para criar uma relação de entendimento e sintonia emotiva

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per la prima volta nella storia della cinematografia italiana, il dialetto si trovava accanto l‘italiano e anche

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entre os romanos: «O dialeto, usado para criar laços exclusivos de entendimento e de sintonia emotiva entre romanos, moveu-se ao longo de uma escala de variações que ia da espontaneidade à ênfase vigiada». 33 Como exemplo, temos Pina com o filho e seu desabafo- confissão a don Pietro (os traços fonéticos em romanesco são destacados em negrito):

(P: Pina)

*P: T‘ho detto tante vorte che nun ce devi stà su da Romoletto... Je devi dì che devi venì subbito. Sbrighete. Nun te pèrde pe strada, eh!

*P: E la vita diventa sempre peggio... Ma chi ce la farà dimenticà tutte „ste sofferenze, tutte

„ste ansie, ‗ste paure...

Raffaelli (1992, p. 107) observa que o italiano também apresentou oscilações no filme. Por exemplo, na conversa de Francesco com Pina, com a passagem gradual do momento de afeto em forma dialetal («Piagni? Viè un po‘ de là») para afirmações universais (ausência de dialeto):

(Personagem: *F: Francesco)

*F: Noi lottiamo per una cosa che deve venire. Forse la strada sarà un po‘ lunga e difficile... ma arriveremo, e lo vedremo, un mondo migliore! E soprattutto lo vedranno i nostri figli.

Voltando às características do Neorrealismo, Rossi (2006, p. 189-90) aponta outro aspecto inovador importante do movimento: o fato de ter dado voz central aos personagens que antes eram apenas figurantes, abrindo caminho para a língua falada em dialeto. Para o estudioso, isso tudo aconteceu em um momento em que a Itália estava finalmente conquistando uma língua falada unitária e, portanto, podia reavaliar e pôr em cena, sem ter vergonha, o plurilinguismo dialetal. O autor afirma que não foi por acaso que o aumento da dialetalidade nos filmes subiu com o aumento da competência linguística dos italianos: de fato, ele observa que os filmes neorrealistas registraram um sucesso de ―elite‖ (críticos e intelectuais), enquanto que em nível popular foram preferidos filmes como Catene, de 1950, de Raffaello Matarazzo, cujos protagonistas (um mecânico e uma dona de casa) não falavam o napolitano de 1949, mas um italiano standard. A partir do Neorrealismo, portanto, o cinema deixa de exercer a função de escola de língua (de 1954 até os anos 1970-1980, deixará à televisão tal incumbência) para assumir o papel de «espelho das línguas» (SIMONE, 1987).

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Il dialetto, usato per creare legami esclusivi d‘intesa e di sintonia emotiva fra romani, si mosse lungo una scala

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Mas será sempre um espelho simplificador, devido à estereotipia presente no cinema ou às deformantes soluções expressionistas.

Contudo, como argumenta Raffaelli (1992, p. 103), a expansão do dialeto não foi imediata e imponente, tanto é que a maior parte da produção italiana continuou a ser integralmente italófona, dando-se preferência muitas vezes ao italiano standard, como nos filmes: Miserabili, 1947, de Riccardo Freda; Cuore, 1948, de Duilio Coletti; Fabiola, 1948, de Blasetti; In nome della legge, 1949, de Pietro Germi, além dos filmes melodramáticos, como Catene, já mencionado anteriormente. Apesar disso, o estudioso evidencia que começou a difundir-se uma corrente produtiva muito heterogênea, que desenvolveu uma tendência existente já em plena guerra, aceitando inserções dialetais em um contexto italófono. Tal uso novo do dialeto – novo nos objetivos, nas modalidades, nos resultados – foi de grande importância histórica a partir de Roma città aperta, 1945, de Roberto Rossellini, filme que marca o início da fase da ―dialetalidade imitativa‖.

Uma vez que o presente estudo é centrado no componente linguístico dos filmes, combinando o estilo dos diálogos com as outras características típicas do Neorrealismo (as intenções ideológicas, gravações ao aberto, atores não profissionais, sujeitos não literários, presença do coro etc.), acreditamos ser necessário esclarecer o critério utilizado por Fabio Rossi (2006), que chama de neorrealistas somente os seguintes oito filmes: Roma città aperta, 1945, de Roberto Rossellini (roteiro de Rossellini, Sergio Amidei, Federico Fellini); Paisà, 1946, de Rossellini (roteiro de Rossellini, Fellini, Amidei, Klaus Mann); Il sole sorge ancora, 1946, de Aldo Vergano (roteiro de Vergano, Guido Aristarco, Giuseppe De Santis, Carlo Lizzani); Sciuscià, 1946, de Vittorio De Sica (roteiro de De Sica, Cesare Zavattini, Amidei, Adolfo Franci, Cesare Giulio Viola); Ladri di biciclette, 1948, de De Sica (roteiro de De Sica, Zavattini, Oreste Biancoli, Suso Cecchi D‘Amico, Franci, Gherardo Gherardi, Gerardo Guerrieri); La terra trema, 1948, de Visconti (roteiro de Visconti e Franco Zeffirelli, além dos habitantes de Aci Trezza e atores não profissionais do filme); Il cammino della speranza, 1950, de Pietro Germi (roteiro de Germi, Fellini, Tullio Pinelli); e Umberto D., 1952, de De Sica (roteiro de Zavattini) (ROSSI, 2006, p. 102).

Nesta mesma direção, Raffaelli (1992, p. 109-110) observa que os filmes do Neorrealismo e do pós-guerra foram numericamente poucos e inevitavelmente alterados pelo processo de elaboração fílmica, sendo, para ele, confiáveis apenas os primeiros filmes neorrealistas, como: Roma città aperta e Sciuscià, em que predomina o romanesco «‘Sto morto de fame!»34 em contraposição psicológica e social ao italiano dos adultos; e Paisà,

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1946, de Roberto Rossellini, filme de guerra que se desenvolve em seis etapas – da Sicília (julho de 1943) ao Delta padano (abril de 1945), impõe-se como perfil de uma Itália linguística, sobretudo dialetófona, em contato brutal com a língua estrangeira: (uma mulher) «Ricuzzo! Madonna mia, cu è? Che volete, chi siete!?» ‗Ricuzzo! Minha Nossa Senhora, quem é? O que querem, quem são?‘; (um soldado americano) «What can I do?» ‗O que posso fazer?‘. A seguir, apresentaremos algumas reflexões feitas pelos estudiosos sobre os filmes considerados neorrealistas.

Em Il sole sorge ancora, de Aldo Vergano, Rossi (2006, p. 196) verifica que houve a utilização do dialeto lombardo, com exceção do protagonista, dublado, e das protagonistas. O estudioso observa a discrepância entre o italiano dos personagens principais e o dialeto das figuras secundárias do filme de Vergano, o que estaria de acordo com filmes dos anos 1930; por outro lado, mostraria vários pontos em comum com Roma città aperta, sobretudo no uso simbólico do plurilinguismo: além do italiano e do dialeto (com função ora ideológica, ora afetiva), tem-se o alemão dos soldados ocupantes, o italiano dos alemães e o latim presente na reza de don Camillo. Outro detalhe importante apontado pelo autor é que esse filme foi financiado pela Associazione Nazionale Partigiani d‟Italia, tornando-o mais ideológico- didático que mimético-documentário e, talvez por essa razão, tenha sido visto como fora do grupo de filmes neorrealistas por alguns críticos.

Rossi (2006, p. 196) concorda com a afirmação de Raffaelli no que diz respeito à língua realista de Sciuscià, de De Sica, filme que representou quase sem censura o mundo linguístico dos adolescentes marginais, recorrendo muitas vezes ao uso de palavrões – a fijo

de „na mignotta! ‗filho da puta!‘ – e a formas de dialeto arcaicas dichi/dici ‗diz‘. Tendo em

vista que em todos os filmes da época a língua das crianças era sempre artificial e muito mais italianizada que a dos adultos, esse filme teve um forte impacto sobre o público. Já a partir do título Sciuscià (deformação dialetal do inglês shoe-shine – em português, engraxate), percebe- se o desejo de se distanciar do italiano standard.

Mas é, segundo Rossi (2006, p. 199-205), Ladri di biciclette, também de De Sica, o filme que melhor representa o Neorrealismo, pois sintetiza as características de documentário do contexto histórico com uma estrutura narrativa e visual de grande efeito que não afeta a fluidez natural da história. Para o estudioso, quase todo o mérito do filme se deve aos diálogos, que perdem as características retóricas e moralistas da fonte 35 apesar da pós- sincronização – presente em todos os filmes aqui comentados, com exceção de La terra trema. Os dialogistas do filme optaram por um romanesco de nível médio-baixo para os

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protagonistas e para os personagens secundários, em contraposição com o italiano formal da burguesia. Como exemplo, temos a cena da missa beneficente organizada por um grupo de pessoas ricas e religiosas, mas ao mesmo tempo insensíveis ao drama de Antonio; o italiano standard e o latim tornam-se códigos da frieza, da hipocrisia e da indiferença da igreja, quando se relaciona às pessoas pobres, todas dialetófonas.

La terra trema, de Luchino Visconti, é, para Rossi (2006, p. 208), um dos poucos filmes nos quais o dialeto foi integralmente reproduzido, já que todos os personagens - não atores, mas habitantes do lugar -, recitam utilizando a variedade catanese de Aci Trezza. O filme é inspirado na obra verista I Malavoglia, de Verga, mas a moral do romance é derrubada: em vez da fatalista aceitação do próprio status, Visconti apresenta a luta social e a tentativa de emancipação por parte dos pescadores. Mas Rossi observa que, quanto à escolha linguística, este filme demonstra uma artificialidade do ponto de vista pragmático e sociolinguístico: os diálogos viscontianos foram, de fato, escritos em italiano e depois traduzidos pelos próprios atores, com a ajuda de Franco Zefirelli e Francesco Rosi; tal processo de tradução tornou os diálogos se tornassem longos e articulados, não combinando com o ambiente social, perdendo, assim, a sua espontaneidade popular.

Comentando sobre o filme Il cammino della speranza, de Pietro Germi, Raffaelli (1992, p. 111-12) observa que a maioria dos personagens se exprime em um italiano quase sem sotaque, com exceção de alguns personagens secundários nos quais se verifica presença de sicilianismo fonético nos mafiosos menores, embora a intenção de denúncia pudesse pedir a adoção do dialeto. Mas, ao mesmo tempo, o filme apresenta-se como um diário coral de uma transmigração de sicilianos à procura de trabalho no exterior, através da Península e das suas diversidades linguísticas, participando, desse modo, do clima neorrealista.

Concluindo os comentários sobre os filmes neorrealistas, Raffaelli (1993a, p. 31-32) observa que em Umberto D., 1952, de De Sica, diferentemente dos filmes precedentes, a trama dá espaço a um protagonista único: o ator-professor Carlo Battisti 36. O filme mostra o seu engajamento social, dedicado ao problema das aposentadorias muito baixas e da depressão dos idosos. De um ponto de vista linguístico, o texto de Umberto D. «propõe uma representação verdadeira e artisticamente funcional do vasto repertório dos recursos comunicativos verbais de uma Roma etnicamente e socialmente heterogênea» 37. De fato, temos o italiano formal e sem sotaque: «Vorrei tenerlo ancora un po‟ qui, per fargli la cura completa» ‗Gostaria que o senhor ficasse mais para lhe fazer o tratamento completo‘; o

36 Sobre a figura de Carlo Battisti, professor e ator, e a sua relação com o cinema neorrealista BANFI (1993). 37 propone uno spaccato veritiero, oltre che artisticamente funzionale, del composito repertorio delle risorse comunicative verbali d‘una Roma etnicamente e socialmente eterogenea (RAFFAELLI 1993a, p. 31).

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italiano de uso médio: «Al trenta le butto fuori la valigia; riceverà lo sfratto!» ‗No dia trinta vou mandá-lo embora com a mala; será despejado‘; o italiano standard com sotaque setentrional do protagonista: «Siédi, cara; prendi lo sgabello» ‗Sente-se, cara, pegue o banquinho‘; os dialetos centro-meridionais: «Poss‟assette cche» ‗Posso sentar-me aqui‘.

Raffaelli (1992, p. 112) faz uma relação do cinema neorrealista com o público, afirmando que tais filmes não tiveram muito sucesso de bilheteria: Roma città aperta ficou em primeiro lugar na temporada 1945-1946, com 162 milhões de liras; Paisà ficou em nono na temporada seguinte, com 100 milhões (em primeiro, ficou Rigoletto, de Gallone, com 224 milhões); Ladri di biciclette colocou-se em décimo primeiro na temporada 1948-1949, com 252 milhões (em primeiro, veio Fabiola, de Blasetti, com 572 milhões). Foram desastres comerciais Sciuscià e, sobretudo, La terra trema, com custo de 120 milhões de liras, e 35 de entrada. Portanto, o estudioso deduz que estes célebres filmes não foram capazes de fornecer

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 35-45)