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Comentário linguístico

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 98-112)

4.1 Roma città aperta

4.1.3 Comentário linguístico

«De todos os filmes neorrealistas, talvez o menos conotado no sentido dialetal seja o próprio inaugural, o qual gozou, diria também por este motivo, de maior sucesso entre o público» 86 (ROSSI, 2006, p. 190). Com essas palavras, Fabio Rossi concorda também com Raffaelli (1992, p. 107) quando este afirma que a refinada modulação linguística de Roma città aperta parecia responder a intenções mais simbólicas do que realistas; e aqui reportamos mais uma vez a sua declaração a respeito: «o alemão como código de guerra; o italiano da consciência, o dialeto dos afetos» 87.

Ainda segundo Rossi (1999, p. 67), a língua de Roma tendeu muito mais para a formalidade, rica de «costui» ‗ele‘, «coloro» ‗eles‘, «il quale» ‗o qual‘ (don Pietro: «P er coloro che si sacrificano non è un sacrificio» ‗Para aqueles que se sacrificam não é um sacrifício‘); de particípios em concordância com o objeto (Marina: «Se tu m‟avessi veramente

amata m‟avresti cambiata» ‗Se você tivesse me amado de verdade, ter-me-ia mudado‘).

Levando em consideração tais pressupostos, iremos nos concentrar somente no emprego do dialeto, a fim de entender, a partir da transcrição dos diálogos em que há a presença do romanesco, qual a frequência dos fenômenos fonéticos nas diversas cenas que envolvem personagens romanos. Transcrevemos, como exemplo, as cenas iniciais do assalto ao forno, entre romanos, em que percebemos a presença do romanesco. Os diálogos, com exceção de alguns movimentos assíncronos dos lábios, têm todas as características de uma conversação ao vivo, como, por exemplo, a presença de sobreposições dialógicas, rumores e

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Tra tutti i film neorealisti, forse il meno fortemente connotato in senso dialettale è proprio quello inaugurale, il

quale ha goduto, direi anche per questo motivo, del maggior successo tra il grande pubblico.

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partes de turno pouco compreensíveis. Quanto aos traços fonéticos, estes serão sempre enfatizados em negrito e itálico para melhor identificação no texto:

(Personagens: *B: Brigadeiro, *A: Agostino, *P: Pina, *M1: mulher 1, *M2: mulher 2, *FF: funcionária forno, *H: homem)

1*B: Piano/ piano! calma// Calma!! Uffa! Non ne posso più! 2*A: Ma che succede?

3*B: E non lo vedete? Hanno assaltato il forno// 4*A: E voi che fate?

5*B: Eh/ Io purtroppo sono in divisa// (Gritam: Pane! Pane! Brigadiere Volemo er pane!) Ma che vonno? Io non posso far niente! Questo è furor di popolo! Calma// Io sono impotente// 6*A: Lo so/ lo so/ ma co cento grammi ar giorno....

7*M1: Brutta carogna/ pure li pasticcini ci aveva! Guardate qua! 8*B: Oh/ questo è grave!

9*M2: E poi diceva che non ci aveva farina// Ahó! 10*B: Boni! Però!

11*M1: Ahó Agostino/ perché non te li vai a pijà da te/ eh?

12*A: Io mica posso// io sò sagrestano// Poi vado a finì all‘inferno//

13*M1: Beh/ allora i pasticcini te li magnerai ‘n Paradiso!

14*P: E lasciate stà! Uffa!

15*B: Sora Pina/ ma è una pazzia nel vostro stato! 16*P: E che devo morì de fame?

17*FP: Brigadiere! Aiuto!

18*P: Ma va‘ a mmorì ammazzata va‘! 19*B: V‘accompagno io! ‗Spettate! 20*P: Ah!

21*B: Eccoci arrivati// 22*P: Grazie tanto//

23*B: Dovere.... volete che ve la porti fino a su? 24*P: No//

25*B: È pesante//

26*P: ... faccio io// Ecco/ così pesa meno// (dá um pouco de pão ao Brigadiere)

27*B: Veramente non dovrei... ma c‘ho una fame arretrata! Sora Pì/ ma che dite voi/ esisteranno veramente questi americani?

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29*B: Già!

30*H: A sora Pì/ le volete l’ova a sedici? 31*P: Ma piantala/ va‘!

32*B: Ma come vi permettete/ in mia presenza! Questa è borsa nera! 33*P: Ahahah/ a brigadié/ lasciate pèrdech‘ mejo// Arrivederci...

Dentre as razões que levaram ao uso da forma dialetal por Rossellini, Amidei, Fellini e os outros autores, havia o desejo de «―surpreender‖ e representar acontecimentos autênticos e atuais», sendo assim obrigatório «assumir uma fisionomia linguística composta e mutável, às vezes pluridialetal e plurilíngue» 88 (RAFFAELLI, 1992, p. 106), como foi o caso de Roma città aperta.

De fato, percebemos que o romanesco, colocado em uma posição de ―igualdade‖ com relação a outras línguas, vai estar presente tanto nas falas dos personagens secundários como nas dos protagonistas, como pudemos perceber na cena anterior. Desse modo, de um ponto de vista fonético, podemos afirmar que todos os personagens envolvidos na cena, com exceção do Brigadeiro (que utiliza somente a expressão boni ‗calmos‘ e parece não ser romano, mas, sim, napolitano), falam um romanesco verossímil, apesar de todas as oscilações próprias de Roma, devido à pouca distância entre dialeto, italiano regional e italiano standard. Vejamos os fenômenos fonéticos identificados (lembramos que, na escala de variedades, mostraremos sempre os exemplos partindo do romanesco, seguido da barra /, depois o italiano, seguido da tradução em português entre uma aspa „‟):

a) 1 caso de rotacismo de l pré-consonântica no artigo indefinido er/ il ‗o‘ (er pane ‗o pão‘), e 1 na preposição articulada ar/al ‗ao‘ (ar giorno ‗por dia‘);

b) o artigo definido masculino plural li/i ‗os‘ (li pasticini) se reveza com i ‗os‘ (i pasticini ‗os doces‘);

c) a e protônica permanece no lugar do i toscano na preposição de/di ‗de‘ (e che devo

morì de fame? ‗tenho que morrer de fome‘ e pare de sì ‗parece que sim‘);

d) os verbos no infinitivo são todos com apócope (finì/finire ‗acabar‘, morì/morire ‗morrer‘, stà/stare ‗estar‘, pèrde/perdere ‗perder‘), enquanto que a apócope silábica se faz presente na primeira pessoa do verbo essere ‗ser‘ (sò sagrestano „sou sacristão‘); e) os nomes próprios usados na função alocutiva são quase sempre apocopados (1 sora

Pì contra 1 sora Pina ‗senhora Pina‘ ; brigadié/brigadiere ‗brigadeiro‘);

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―sorprendere‖ e rappresentare vicende autentiche [...] e attuali [...] non poteva non assumere una fisionomia

linguistica composta e mutevole, a volte pluridialetal e plurilingue.

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f) a lateral palatal é realizada sempre como semiconsoante palatal intensa (pijà/pigliare ‗pegar‘, mejo/meglio ‗melhor‘), e há a passagem de ng a gn em magnerai/mangerai ‗comerá‘ (te li magnerai);

g) 1 caso de monotongação em ova/uova ‗ovos‘ (le volete l‟ova‗quer ovos‘).

Na cena imediatamente sucessiva, em que Pina conhece Giorgio, amigo de seu futuro marido, Francesco, percebemos que há uma tentativa de elevação da variedade mais baixa para a médio-alta, em uma situação formal com estranhos, sendo utilizadas expressões do tipo: mi dica/ che desidera? ‗diga-me o que deseja?‘; le apro subito/ prendo la chiave eh! ‗abro logo, vou pegar a chave‘ ou ainda mi scusi/... ‗desculpe-me‘; S‟accomodi... Prego! ‗Entre... por favor!‘. Mas, logo após, vemos o retorno à variedade dialetal, quando Pina, a pedido de Giorgio, chama seu filho Marcello e lhe pede para ir buscar don Pietro:

62*P: Marcello! Marcelloo!! Marcello! 63*M: Che voi?

64*P: Viè giù ‘n momento! 65*M: Non posso!

66*P: Devi andà da don Pietro/ sbrighete! 67*M: E mo c‘ho da !

68*P: Viè giù subbitot‘ho detto!

69*M: Uffa...!

70*P: T‘ho detto tante vorte che nun ce devi stàsu da Romoletto/ pericoloso... Va‘ da don

Pietro/ cammina... 71*M: Che je devo ?

72*P: Je devi che deve venì qui subbito// Sbrighete//Nun te pèrdepe strada eh!

Nessa breve passagem, podemos observar a forte presença de elementos fonéticos que comprovam o uso do romanesco em contextos familiares:

a) todos os verbos no infinitivo serão apocopados (andà/andare ‗ir‘, fà/fare ‗fazer‘, stà/stare ‗estar‘, dì/dire „dizer‘, venì/venire ‗vir‘, pèrde/perdere ‗perder‘);

b) há 2 casos de apócope do verbo venire na 2ª pessoa do imperativo: viè/ vieni ‗vem‘; c) há 1 caso de apócope em per ‗para‘: pe;

d) há 1 caso de monotongação: voi/ vuoi ‗quer‘;

e) há 2 casos de passagem de a pós-tônica a e nas proparoxítonas: sbrighete/sbrigati ‗apresse-se‘;

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f) ocorre passagem de b a bb: 2 casos de subbito/subito ‗imediatamente‘;

g) há 1 caso de aférese do artigo indefinido un/„n ‗um‘ e, na negação, 2 casos de nun/non ‗não‘;

h) ocorre o rotacismo de l: vorte/ volte ‗vezes‘;

i) há 2 casos de e protônica em ce/ci ‗lá‘ e te/ti ‗se‘; além de 2 casos de passagem de gl a j: je/gli ‗lhe‘.

Podemos verificar que, nas cenas antes apresentadas, Pina utilizou variedades diferentes, modulando-as de acordo com a situação formal ou informal, como na cena em que conhece Giorgio e quando conversa com o filho, como atestamos anteriormente.

Porém, é interessante observar que, durante sua conversa com Giorgio, Pina muitas vezes vai da variedade standard a um italiano com alguns traços dialetais; passado o momento inicial de formalidade entre Giorgio e Pina, esta oscila de uma variedade mais alta para a médio-baixa: poi stamattina se sò fregati ‘n par de scarpe e ‘na bilancia... ‗hoje de manhã roubaram um par de sapatos e uma balança‘, em que há a presença de e protônica no clítico se/si ‗si‘ e na preposição de/di ‗de‘; a apócope do verbo auxiliar essere ‗ser‘ na 1ª do sing. e 3ª do pl. sò/sono; a aférese dos artigos indefinidos „n/un ‗um‘ e „na/una ‗uma‘, par em vez de paio ‗par‘:

(Personagens: *P: Pina, *G: Giorgio)

73*P: È andato... don Pietro sarà qui fra poco... 74*G: Oh grazie//

75*P: Stamattina abbiamo assaltato un forno... 76*G: Ah sì?

77*P: Eh/ è il secondo nella settimana... 78*G: Come vanno le donne?

79*P: Oh dio... qualcuna lo sa perché lo fa... ma la maggior parte arraffano più sfilatini che ponno... uhm... qualcuna... poi stamattina se sò fregati ‘n parde scarpe e ‘na bilancia//

De fato, recordamos que Trifone (2008, p. 106-07) nos fala da presença das três variedades do continuum linguístico romano identificando diastraticamente os falantes. Levando-se em conta que a variação diastrática acontece no âmbito das diferentes classes sociais (BAGNO 2007, p. 46) –, podemos observar e entender as oscilações presentes nas falas de Pina como características de uma pessoa pouco instruída que se esforça em ―falar bem‖. A esse propósito, identificamos esse comportamento no estudo de Stefinlongo (2012, p.

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23) – já mencionadas neste trabalho – quando esta afirma que o italiano de Roma (variedade média) é falado pelas pessoas instruídas quando não se preocupam em ―falar bem‖, mas também pelas pessoas não instruídas quando, inversamente, se esforçam em ―falar bem‖. Em outro diálogo entre Pina e Giorgio, que transcreveremos a seguir, é possível verificar a alternância de variedades:

(Personagens: *G: Giorgio, *P: Pina) 100*P: È mia sorella!

101*G: Ah/ Sua sorella!!

102*P: Si meraviglia Lei/ eh? Chissà quante bugie gli avrà raccontato... che abita chissà dove... eh/ se vergogna denoi perché dice che lei fa l‘artista... e noi siamo poveri operai... ma

io non mi ci cambierei con lei... 103*G: Ah/ La capisco...

104*P: No/ mica perché è cattiva... è stupida! Ma... Lei/ come la conosce Lauretta? Oh/ scusi tanto/ sono indiscreta!

105*G: No... Lauretta è molto amica di una ragazza che io conosco... 106*P: Chi/ Marina?

107*G: Ah/ La conosci?

108*P: Oh/ da quando è nata... La madre faceva la portiera a via Tiburtina/ dove mio padre ci aveva un negozio da stagnaro... Lei e Lauretta se pò dì che sò cresciute insieme... oh/ ma me

raccomando/ non dica niente a Marina di... di quello che gli ho detto... mi raccomando proprio/ eh//

Nesta passagem, em que Pina conta a Giorgio que é irmã de Lauretta e que esta e Marina (ex-caso amoroso de Giorgio) são amigas, percebe-se o predomínio do italiano standard (presença do pronome de tratamento Lei; de scusi ‗desculpe‘; e de non dica ‗não diga‘), mas com oscilações para alguns traços fonéticos pertencentes às variedades médio- baixas do continuum linguístico romano: alternância do uso da e protônica na preposição de (se vergogna de noi ‗tem vergonha de nós‘ em contraposição a non dica niente a Marina di...

di quello che gli ho detto... ‗não diga nada a Marina de... daquilo que lhe falei‘) e no clítico me (ma me raccomando em contraposição a mi raccomando proprio/ eh ‗eu lhe peço mesmo‘).

A seguir, apresentaremos a cena em que o filho de Pina (Marcello) chama don Pietro à sua casa. Com isso, temos o objetivo de mostrar como a língua das crianças muda nos filmes neorrealitas, considerando as palavras de Rossi (2006, p. 196), quando afirma que «a

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língua das crianças sempre foi adoçada e italianizada ainda mais artificialmente que a dos adultos» 89:

(Personagens: *d.P.: don Pietro, *M: Marcello, *A: Agostino) 123*d. P.: Ah/ sei tu? Che miracolo vederti all‘oratorio... 124*M: Ce sò venuto perché mi ci ha mandato mi’ mamma... 125*d. P.: Ha fatto bene! Farà bene anche a te!

126*M: Don Piè.... Fatemi finì de parlà... Dice che dovete venì subito a casa nostra... è ‘na cosa importante...

127*d. P.: Cosa?

128*M: Io non lo so... con me ha fatto la misteriosa... ma ci dev‘èsse quarcuno a casa de

Francesco...

132*d. P: Perché non vieni pi all‘oratorio?

133*M: E come se fa d’sti momenti a pèrdetempo all‘oratorio?

134*d. P: Ma cosa stai dicendo?

135*M: Lei è un prete/ non può capì/ ma bisogna strìnge un blocco compatto contro il comune nemico//

136*d. P: Ma d un po‘/ chi te le dice queste cose? 137*M: Me l‘ha detto Romoletto//

138*d. P: Ah Romoletto dice queste cose?

139*M: Don Pié/ me raccomando/ non lo dite a nessuno! 140*M: Ecco Purgatorio!

141*A: Oh/ don Piè... 142*d. P.: Che c‘hai qua? 143*A: Ho fatto spesa...

144*M: Ammappete quanti sfilatini.... che è tutta la [...] 145*A: Neanche un bolino...

146*d.P.: Come mai tanto pane?

147*A: Non so... stamattina hanno voluto festeggià... 148*d. P.: Cosa?

149*A: Non so che festa era... nemmanco er fornaro ce lo sapeva... scusatemi don Piè/ io vado//

150*M: Ma che sarà ‘sta festa? 89

la lingua dei bambini è sempre stata edulcorata e italianizzata ancora più artificialmente di quella degli adulti.

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151*d.P.: Uhm... non capisco...

152*M: Speriamo che mi’ madre l‘abbia saputo....

Vejamos, a seguir, os traços fonéticos mais relevantes da cena anterior:

a) todos os casos de apócope silábica nos infinitivos (finì/finire ‗acabar‘, parlà/parlare ‗falar‘, pèrde/perdere ‗perder‘, èsse/essere ‗ser‘, capì/capire ‗entender‘, strìnge/stringere ‗apertar‘;

b) 2 casos de apócope nos alocutivos (don Piè/ don Pietro); c) 1 caso de apócope no possessivo (mi‟/mia ‗minha‘); d) 1 caso de rotacismo do l (quarcuno/qualcuno ‗alguém‘);

e) 2 casos de aférese do pronome demonstrativo (sti/questi ‗nestes‘, „sta/questa ‗esta‘) e 1 caso de aférese do artigo indefinido („na/una ‗uma‘);

f) e protônica na preposição de/di ‗de‘, e 1 caso no clítico me/mi ‗me‘.

Porém, apesar da tentativa por parte do diretor e dos roteiristas de propor uma língua menos artificial para as crianças, através do uso do dialeto, verificamos ainda falas de Marcello – como Speriamo che mi‟ madre l’abbia saputo.... ‗tomara que minha mãe tenha sabido disso‘ – em que vemos a correta utilização do subjuntivo (l‟abbia saputo), pouco provável na boca de uma criança.

A próxima passagem transcrita por nós relata a volta das crianças para casa em pleno toque de recolher e a reação furiosa dos pais preocupados. Nesta cena, observa-se o desejo do autor de aproximar o máximo possível a fala dos personagens à língua coloquial:

(Personagens: *M: Marcello, *G3: Garoto 3, *PG3: pai do G3, *P: Pina, *F: Francesco) 287*G3: Sarebbe mejo che entramo uno alla vorta!

288*M: C‘hai ragione/ entra prima te//

289*P: Ah/ siete qui/ brutte canaje// Sò tornati! 290*PG3: Mascarzoni!

291*P: Adesso v‘acchiappo/ adesso ve concioio pe le feste/ brutte carogne/ a famme morì de crepa core// Va‘ dentro!

292*F: Vado un momento de là/ sennò succede ‘n macello// 293*P: Guarda come se sò ridotti!

294*D: Dove siete stati? 295*G3: Da Romoletto//

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297*M: Stavamo giù// 298*D: Giù dove?

299*P: Ma che jelo chiedete a ? Non vedete che stanno mentendo// 300*PG3: Io l‘ammazzo [...]

301*P: Gli ammazzo io/ gli ammazzo/ de sganassoni... stidu’ delinquenti// Me fate morì... 302*F: Filate a letto voi due/ su! (a Pina) Ma stai bona!

303*P: Eh/ nun se ne più/ co sti regazzini! 304*F: Eh/ Vabbè .. Sò regazzini/ no?

Nesta cena, observamos a alta frequência de traços fonéticos do romanesco pertencentes à variedade mais baixa do continuum linguístico romano. Essa talvez seja a mais verossímil de todas as cenas do filme, em que verificamos que há o respeito das características típicas das variantes mais informais do romanesco.

A maior frequência dos fenômenos que serão elencados a seguir mostram, portanto, uma maior aproximação da fala informal e popular romana, comprovando a presença das variações diafásica e diastrática nas falas fílmicas. A cena retrata uma situação de tensão dos pais que esperavam apreensivos os filhos que não voltavam para casa, neste caso, justificaria o maior uso da variedade dialetal:

a) todos os verbos no infinitivo são apocopados (morì/morire ‗morrer‘; fà/fare ‗fazer‘); b) o mesmo fenômeno vai se repetir no verbo essere na 3ª pessoa do plural (3 casos de

sò/sono ‗são‘), nas preposições con e per (co/con ‗com‘; pe/per ‗para‘) e no numeral due (du‟/due ‗dois‘);

c) está presente a e protônica nos clíticos (me/mi ‗me‘; se/si ‗se‘; ce/ci ‗lá‘) e na preposição de (3 casos de de/di ‗de‘);

d) há 2 casos de e pré-tônica em regazzini/ragazzini ‗crianças‘;

e) há 3 casos de monotongação (core/cuore ‗coração‘; bona/buona ‗tranquila‘; pò/può ‗pode‘);

f) há 2 casos de rotacismo do l (vorta/volta ‗vez; mascarzoni/mascalzoni ‗canalha‘); g) há 2 casos de passagem de gl a j (canaje/canaglie ‗canalhas‘; jelo/glielo ‗a ele‘).

Antes de concluir as considerações sobre Roma, ressaltamos que, a partir da verificação da presença de muitos traços fonéticos do romanesco nos diálogos dos atores (deixamos de fora os aspectos morfológicos, sintáticos, entre outros, por motivos já explicitados), acreditamos que houve um claro desejo por parte dos roteiristas de colocar o dialeto nas falas não só dos personagens secundários, mas também nas falas dos

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protagonistas, com o objetivo de se aproximar da língua falada das pessoas pertencentes à classe menos favorecida.

Percebemos o desejo dos autores de caracterizar diastraticamente os personagens; vemos a pessoa instruída que fala um italiano standard e as pessoas do povo que falam a variedade dialetal, como ocorre com don Pietro e Agostino. Respectivamente, estes representam, de um lado, a figura do sacerdote – portanto caracterizada pelo uso do italiano standard – e, de outro, a figura do sacristão – o qual utiliza sempre a variedade mais baixa do romanesco (evidenciada sempre em negrito e itálico). Vemos essa oposição diastrática entre os dois personagens no diálogo em que Pina e Agostino esperam don Pietro em sua casa:

(Personagens: *d.P.: don Pietro, *A: Agostino)

195*d.P.: Buonasera Pina/ buonasera... Ti ho detto tante volte che non devi cucinare sulla stufa... e poi i cavoli...

196*A: Per me se vo’ ce posso cucinà pure i polli// 197*d. P.: Agostino/ non rispodere//

198*A: Ma insomma/ bisogna decìde/ o accennemo la stufa o accennemo la cucina// 199*d. P.: Continua/ continua...

200*A: Sempre libri... non ci avemo i soldi pe comprà da magnà e Lei sempre a comprà i libri//

201*A: Ma che/ vole uscì‘n’altra volta? Fra venti minuti c‘ il coprifoco! 202*d.P.: Non importa! I medici e i sacerdoti possono circolare...

203*A: Sì/ pure le levatrici// 204*d.P.: Beh?

205*A: L‘ho letto sul manifesto.... Però lo scuro facile pijasse ‘na schiopettata... co sti

delinquenti!

Apesar de o ator Aldo Fabrizi ser romano, seu personagem, don Pietro, exprime-se em italiano standard, com exceção da presença de dois traços do romanesco, sempre no nível fonético. Como exemplo, temos uma cena em que o personagem fala com uma criança (Uhm/ va bene/ andiamo// Gilberto? Senti tu.... Lèvete... Adesso verrà Agostino/ tu dirigi il gioco... mi raccomando non fate i cattivi/ eh? ‗Uhm está bem/ vamos// Gilberto? Você... Saia... Agora virá Agostino/ você comanda o jogo... eu não quero briga/ tá? ) e com Agostino (Ah/ ho capito// Ecco/ te basteranno// Ah/ entendi// Isso vai te bastar).

Já em todas as falas de Agostino, observamos a presença de traços fonéticos do romanesco:

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a) estão sempre presentes as apócopes dos verbos no infinitivo (comprà/comprare ‗comprar‘; decìde/decidere ‗decidir‘; uscì/uscire ‗sair‘; cucinà/cucinare ‗cozinhar‘); b) estão sempre presentes as apócopes das preposições pe/per ‗para‘; e co/con ‗com‘; c) ocorre a monotongação de uo (forma apocopada vo‟/vuole ‗quiser‘ com oscilações:

vole/vuole ‗quiser‘; coprifoco/coprifuoco ‗toque de recolher‘); d) ocorre a aférese do artigo indefinido una ( n‟/una e „na/una ‗uma‘); e) ocorre a aférese do pronome demonstrativo questo (sti/questi ‗estes‘);

f) há a assimilação progressiva de nd a nn (accennemo/accendiamo ‗acendemos‘); g) há a passagem de gl a j na combinação infinitivo + clítico (pijasse/pigliarsi ‗levar‘).

Concluindo os comentários sobre o filme Roma città aperta, apresentamos a seguir um quadro dos traços fonéticos encontrados somente nas falas de Pina, seguidos dos gráficos que vão explicitar melhor as percentuais de uso das três variedades de Roma pela personagem.

Tabela 2: Traços fonéticos do personagem Pina do filme Roma Città Aperta

Apócope nos verbos no infinitivo: 36 Ausência de apócope nos verbos no infinitivo: 6

E protônica nos clíticos: me, te, ve, se, ce: 26; e na preposição: de: 15

Ausência de e protônica nos clíticos: mi, ti, vi, si, ci: 15; e na preposição: di : 8

Apócope no verbo essere: (1ª pes. do sing. e 3ª do pl.: sò): 13; e no verbo venire: (3ª pes. do sing.: viè): 4

Ausência de apócope no verbo essere (1ª pes. do sing. e 3ª do pl.: sono): 1; e no verbo venire (3ª pes. do sing.: viene): 0

Apócope nos alocutivos: 3 Ausência de apócope nos alocutivos: 29 Apócope nas preposições: co: 4 e pe: 12 Ausência de apócope nas preposições: con: 4

e per: 7 Apócope nos possessivos: mi‟: 1, tu‟: 0; e

numeral du‟: 1

Ausência de apócope nos possessivos mio: 5, tuo: 0; e numeral due: 2

Assimilação nd a nn: 2 Ausência de assimilação nd a nn: 15

Rotacismo de l: 3 Ausência de rotacismo de l: 12

Monotongação de uo: 6 Ausência de monotongação de uo: 3 Aférese vocálica nos artigos indefinidos „n,

„no, „na: 10

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