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Das origens ao século XIV

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 62-65)

Pietro Trifone (2008, p. 11) afirma que o primeiro documento em romanesco foi uma escritura exposta: o Graffito della Catacomba di Commodilla, do século IX. Tal grafito, esculpido em uma parede da catacumba, é um tipo de advertência informal para uso interno dos eclesiásticos, que recomenda aos celebrantes da missa para não pronunciar as orações em voz alta (le segrete).

Trifone (2008, p. 11) observa que a frase é totalmente ―vulgar‖: imperativo proibitivo formado por non (não) + infinitivo dicere (diga); valor de artigo de ille; plural em - a de secrita ‗secreta‘. Outro ―vulgarismo‖ é a presença de betacismo, ou seja, a passagem de v a b, a bocce ‗em voz alta‘ para indicar a consoante reforçada, além de outros fatores de ordem gráfica como a vogal i por e em secrita, típico do latim pré-carolíngio (TRIFONE, 1992, p. 342-43).

Segundo Rosa Casapullo (2011),

O termo língua vulgar (ou simplesmente vulgar) refere-se às línguas faladas (e depois também escritas) por todos na Idade Média, pelos aristocratas e pelo povo, pelos eruditos e pelos ignorantes, pelos religiosos e pelos laicos, em todas as situações informais da vida cotidiana. A língua da comunicação formal, falada e escrita, era o latim (ou gramática, como era chamado na Idade Média), praticado unicamente pelos eruditos ou literatos. 60

É importante ressaltar que em Roma, desde o início, escrever no idioma local implicava uma transgressão, ou uma expressividade baixa e violenta. Trifone (1992, p. 543) fala de uma verdadeira impressão genética ligada a uma acentuada percepção do prestígio linguístico em uma sociedade multiforme e estratificada. É o que comprova a Iscrizione di San Clemente, do fim do século XI, com a evidente dicotomia entre latim e vulgar para caracterizar, também no plano linguístico, a distância entre os dois mundos: de um lado, a vox divina de Clemente (Duritiam cordis vestris saxa traere meruistis); de outro, o hiper- realístico palavrão de seu perseguidor pagão, Sisinnio, que ordena aos servos que conduza o Santo ao martírio (Fili de le pute, traite/Figli di puttane). O vulgar se qualifica como «um instrumento de expressão culturalmente e socialmente inferior ao latim» (TRIFONE, 1992, p. 544).

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Il termine lingua volgare (o semplicemente volgare) si riferisce alle lingue parlate (e poi anche scritte) nel

medioevo da tutti, aristocratici e popolani, dotti e ignoranti, religiosi e laici, in tutte le situazioni informali della vita quotidiana. La lingua della comunicazione formale, parlata e scritta, era, invece, il latino (o gramatica,

com‘era chiamato nel medioevo), praticato unicamente dai dotti, o litterati.

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Trifone (1992, p. 545) relata também que em Roma, nos séculos XII e o XIII, o vulgar se desenvolveu positivamente, resultado de uma renovação da identidade urbana provocada pelo nascimento e pela consolidação do regime municipal e pela ascensão da burguesia agrária e mercantil – contrária ao poder temporal da Igreja – à direção política da cidade (renovatio Senatus de 1144). Nos anos do governo popular de Brancaleone degli Andalò (1252-1258), período de maior efervescência das estruturas e dos ideais de município, têm origem Storie de Troja et de Roma e Miracole de Roma, as duas obras em prosa mais relevantes da Itália mediana do século XIII.

As Storie de Troja et de Roma são uma tradução anônima em vulgar romanesco do século XIII das Multe Ystorie et Troiane et Romane, também anônima, escrita em Roma um século antes com o objetivo de oferecer algumas noções históricas e lendárias a um público alfabetizado, mas com pouca intimidade com o latim. O estudioso (TRIFONE, 1992, p. 545) observa que o texto chegou até nós através de três cópias toscanas dos séculos XIII-XIV; em duas cópias manuscritas, percebe-se um colorido linguístico primitivo com alguns latinismos: ao lado de formas dialetais como castiello (castelo) e cuorpo (corpo), com os ditongos metafônicos próprios do antigo romanesco, encontramos castello e corpo, que poderiam ser tanto latinismos como toscanismos introduzidos nas cópias.

Já no que diz respeito à obra Miracole de Roma, Trifone (1992, p. 545-47) observa que trata-se de uma ―vulgarização‖ de Mirabilia Urbis Romae, do século XII, considerada o mais antigo ―guia turístico‖ escrito em italiano vulgar. Tal obra fala das maravilhas arquitetônicas e dos acontecimentos históricos da antiga Roma; como nas Storie, tem-se a presença do latim e do romanesco, na tentativa de dar vida a um ―vulgar‖ literário e de diminuir os traços dialetais extremos.

Segundo o mencionado autor, o início do século XIV marca o ponto mais baixo da história do romanesco, com o famoso julgamento de Dante, que afirmou no De vulgare eloquentia que a fala urbana era a mais feia da Itália e ligou o caráter bruto da língua à depravação dos costumes (TRIFONE, 1992, p. 547).

Mas muitos foram os acontecimentos históricos da época que contribuíram para a mudança da sociedade romana do século XIV, a exemplo do exílio do papado para Avignon, de 1309 a 1377, que, por um lado, bloqueou as importantes atividades econômicas e culturais ligadas a cúria e, por outro, favoreceu a democratização dos organismos políticos do município e o fortalecimento da iniciativa privada. Os efeitos disso podem observados a partir da metade do século: a revolução de Cola di Rienzo, a crise do baronato, a reforma dos Estatutos de 1363 e, sobretudo, a ascensão dos mercantes e dos empreendedores agrícolas, detentores de toda a estrutura produtiva e comercial, o que resultou em uma nova consciência

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do vulgar urbano e uma grande literatura municipal (MANCINI, 1987a, p. 46-49; DE CAPRIO, 1987, p. 495-505).

De acordo com D‘Achille (1989, p. 11), o romanesco, nos últimos anos do século XIV, ganha novos espaços e demonstra ter «uma dignidade linguística também nas faixas sociais elevadas» 61, aparecendo, pela primeira vez, também nos atos notariais. O uso do romanesco nesses documentos dependia de uma necessidade jurídica e de um fator emotivo. Nesse sentido, o importante era a correspondência entre o que se dizia e o que se escrevia para alcançar o entendimento entre as partes. Mas Trifone (1992, p. 548) relata que, já na segunda metade do século XV, a partir do retorno do pontífice a Roma, percebe-se o declínio do uso dessa variedade.

O auge do momento de vitalidade do dialeto se deu com a anônima Cronica, escrita por volta de 1357-1358. A obra narra os acontecimentos europeus dos anos de 1325 a 1357, mas principalmente a história de Cola di Rienzo, escrita em vulgar, já que o público era constituído por mercantes alfabetizados, mas que não sabiam o latim. Segundo Trifone (1992, p. 548-550), a Cronica representa a «atestação mais alta e dramática do esforço de autonomia urbana» 62 antes da afirmação definitiva do papa, sendo o ponto de referência para o conhecimento do romanesco antigo ou de primeira fase antes do influxo toscano.

Quanto à fisionomia desse dialeto de primeira fase, Trifone (1992, p. 550) observa que possui características ―centro-meridionais‖ (mediano-meridionais) com algumas aberturas para o toscano, podendo ser identificados pelo menos dois traços fonéticos típicos do romanesco original que se aproximam dos dialetos toscanos e se opõem àqueles mediano- meridionais:

a) as tônicas fechadas e e o: nero, neri, rosso, rossi ‗preto‘, ‗pretos‘, ‗vermelho‘, ‗vermelhos‘ contra a restante área mediana e meridional que nos mesmos casos substituiu as vogais internas e e o com i e u: niru, niri, russu, russi;

b) além disso, o romanesco compartilha com o toscano o único êxito –o de –O e –U latinas: HOMO > omo, BONUM > buono ‗homem, ‗bom‘, enquanto que os dialetos medianos conservam a átona final originária e, portanto, a distinção entre o e u (omo, bonu).

Já entre os vários casos de aproximação do romanesco com os dialetos centro- meridionais, Trifone (2008, p. 28) observa que, em primeiro lugar, vem a ditongação

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una sua dignità linguistica anche presso fasce sociali elevate. 62

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metafônica de e, o tônicas abertas, muito diferente do toscano porque independe da estrutura da sílaba, sendo condicionado pela presença de Ī e Ŭ finais: tiempo, dienti, cuorpo, uocchi ‗tempo‘, ‗dentes‘, ‗corpos, ‗olhos‘. Em suma, os exemplos antes citados comprovam que na Roma medieval podia-se ouvir formas como pede, omo, sem os ditongos toscanos; por outro lado, havia formas como tiempo, uocchi, com os ditongos meridionais.

Concluindo as considerações sobre o período que antecede a toscanização do século XV, o mesmo estudioso (TRIFONE, 2008, p. 29) elenca alguns traços característicos do romanesco de primeira fase, de um ponto de vista fonético:

a) assimilação progressiva de NB, MB a nn, mm (quanno/quando ‗quando‘;

piommo/piombo ‗chumbo‘);

b) africação da sibilante: penzare/pensare ‗pensar‘; apparze/apparse ‗apareceu‘.

c) ditongação metafonética: tiempo/tempo ‗tempo‘; dienti/denti ‗dentes‘; cuorpo/corpo ‗corpo‘; uocchi/occhi ‗olhos‘;

d) b inicial e intervocálica >v: vocca/bocca ‗boca‘; civo/cibo ‗comida‘; vraccio/braccio ‗braço‘; livro/libro ‗livro‘;

e) passagem de v a b em posição reforçada: a bboce/a voce ‗em voz alta‘; f) êxito j diferente do toscano, que tem g (i): iente/gente ‗gente‘;

g) passagem de RJ a r: macellaro/macellaio „açougueiro‘; e de SJ a s surda: camisa/camicia ‗camisa‘;

h) assimilação regressiva KS> ss: cossa/coscia ‗coxa‘; i) passagem de GN a n: lena/legna ‗madeira‘;

j) epítese de –ne: ène/è ‗é‘.

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 62-65)